A
Arvore da Vida
Israel Regardie - 12 de maio de 1968.
PRIMEIRA
PARTE
"a magia é a ciência tradicional dos segredos da natureza
que a nós foi transmitida pelos magos."
Eliphas Lévi
CAPÍTULO I
É expressão comum nos lábios de muitos a reiteração
de que a espécie humana hoje, com todas suas enfermidades e aberrações,
chafurda às cegas num terrível pântano. Mensageiro da
morte e munido de tentáculos de destruição, esse pântano
colhe a espécie humana com crescente firmeza para seu seio, ainda
que com grande sutileza e furtivamente. Civilização, por mais
curioso que seja, civilização moderna é o seu nome.
Os tentáculos, que são os instrumentos inconscientes de seus golpes catastróficos, partem da estrutura enferma, falsa e repugnante do sistema social decadente e do conjunto de valores em que estamos envolvidos. E agora, toda a textura do mundo social parece estar em processo de desintegração. Pareceria que a estrutura da ordem nacional está mudando da ruína econômica para aquele abandono derradeiro e insano que pode contemplar a extinção dessa estrutura num precipício escancarado rumo à completa destruição.
Enraizados firmemente na plenitude da vida individual, os até aqui
robustos bastiões de nossa vida estão sendo ameaçados
como jamais o foram. Parece cada vez mais impossível diante do poente
de cada sol para qualquer um reter mesmo a mais ligeira porção
de seu legado divino e individualidade e exercer aquilo que faz de nós
homens. Apesar de terem nascido em nossa época e tempo, aqueles poucos
indivíduos que estão cientes mediante uma certeza isenta da
dúvida de um destino que os impulsiona imperiosamente rumo à
realização de suas naturezas ideais, constituem, talvez, as
únicas exceções. Estes, a minoria, são os místicos
de nascimento, os artistas e os poetas, os que contemplam além do
véu e trazem de volta a luz do além. Encerrada dentro da massa,
contudo, existe ainda uma outra minoria que, embora não plenamente
consciente de um destino imperioso, nem da natureza de seu eu mais profundo,
aspira ser diferente das massas complacentes.
Presa de uma ansiedade íntima, mantém-se inquieta na obtenção
de uma integridade espiritual duradoura. É impiedosamente oprimida
pelo sistema social do qual constitui parte e cruelmente condenada ao ostracismo
pela massa de seus camaradas. As verdades e possibilidades de um contato
reintegrador com a realidade que pudesse ser estimulado aqui e agora, durante
a vida e não necessariamente por ocasião da morte do corpo,
são cegamente ignoradas. A atitude singularmente tola adotada pela
maior parte da moderna humanidade européia "inteligente"
para com essa aspiração constitui um grave perigo para a raça,
a qual se permitiu com demasiada impaciência o esquecimento daquilo
de que realmente depende, e de que é continuamente nutrida e sustentada
tanto em sua vida interior quanto exterior. Agarrando-se avidamente à
evanescência flutuante da precipitada existência exterior, sua
negligência com relação aos assuntos espirituais somada
à sua impaciência para com seus semelhantes mais perspicazes
constitui um marca de fadiga e nostalgia extrema.
Embora desgastado, o adágio "onde não há visão
as pessoas perecem" não deixa de ser verdadeiro e digno de ser
repetido porquanto expressa de maneira peculiar a situação
hoje preponderante. A humanidade como um todo, ou mais particularmente o
elemento ocidental, perdeu de algum modo incompreensível sua visão
espiritual. Uma barreira herética foi erigida separando a si mesma
daquela corrente de vida e vitalidade que, mesmo atualmente, a despeito
de impedimentos e obstáculos propositais, pulsa e vibra ardentemente
no sangue, invadindo a totalidade da estrutura e forma universais. As anomalias
que se nos apresentam hoje se devem a esse rematado absurdo. A espécie
humana está lentamente cometendo seu próprio suicídio.
Um auto-estrangulamento está sendo efetivado mediante uma supressão
de toda a individualidade, no sentido espiritual, e de tudo que a tornou
humana. Prossegue sonegando a atmosfera espiritual de seus pulmões,
por assim dizer. E tendo se separado das eternas e incessantes fontes de
luz e vida e inspiração, eclipsou-se deliberadamente diante
do fato - com o qual nenhum outro pode comparar-se em importância
- de que existe um princípio dinâmico tanto dentro quanto fora
do qual se divorciou. O resultado é letargia interior, caos e desintegração
de tudo o que anteriormente era tido como ideal e sagrado.
Formulada há séculos, a doutrina ensinada por Buda é
vista por mim como aquela que apresenta uma possível razão
para esse divórcio, esse caos e essa decadência. Para a maioria
das pessoas, a existência está inevitavelmente associada ao
sofrimento, à tristeza e à dor. Mas embora Buda tenha, com
efeito, ensinado que a vida era repleta de dor e miséria, estou inclinado
a crer, ao lembrar a psicologia do misticismo e dos místicos, dos
quais era ele indubitavelmente um par, que esse ponto de vista foi por ele
adotado tão somente para impulsionar os homens fora do caos rumo
a obtenção de uma modalidade de vida superior. Uma vez superado
o ponto de vista do ego pessoal, resultado de eras de evolução,
o homem pôde ver os grilhões da ignorância caírem
por terra revelando uma paisagem desimpedida de suprema beleza, o mundo
como uma coisa viva e júbilo infindável. Não será
visível para todos a beleza do sol e da lua, o esplendor das estações
alternando-se ao longo do ano, a doce música do romper do dia e o
fascínio das noites sob o céu aberto? E o que dizer da chuva
escorrendo pelas folhas das árvores que se elevam aos portais do
céu, e o orvalho na madrugada insinuando-se sobre a relva, inclinando-a
com pontas de lança prateadas? A maioria dos leitores terá
ouvido falar da experiência do grande místico alemão
Jacob Boehme, que, após sua visão beatífica, penetrou
os campos verdejantes próximos de seu povoado contemplando toda a
natureza flamejante de luz tão gloriosa que até as tenras
folhinhas de grama resplandeciam com uma graça e beleza divinas que
ele jamais vira antes. Considerando que Buda tenha sido um grande místico
- superior, talvez, a qualquer outro de que o leitor médio tem conhecimento
- e que detinha uma grande compreensão da atuação da
mente humana, é-nos impossível aceitar em seu valor aparente
o enunciado de que a vida e o viver constituem uma maldição.
Prefiro sentir que essa postura filosófica foi por ele adotada na
esperança de que mais uma vez pudesse a humanidade ser induzida a
buscar a inimitável sabedoria que perdera a fim de restaurar o equilíbrio
interior e a harmonia da alma, cumprindo assim seu destino desimpedida pelos
sentidos e pela mente. Obstando este gozo estático da vida e tudo
o que o sacramento da vida pode conceder, existe uma causa radical da dor.
Em uma palavra, ignorância. Por ignorar o que em si é realmente,
por ignorar seu verdadeiro caminho na vida, o homem é, como ensinou
Buda, tão acossado pela tristeza e tão duramente afligido
pelo infortúnio.
De acordo com a filosofia tradicional dos magos, cada homem é um
centro autônomo único de consciência, energia e vontade
individuais - numa palavra, uma alma - como uma estrela que brilha e existe
graças à sua própria luz interior, percorrendo seu
caminho nos céus reluzentes de estrelas, solitária, sem sofrer
qualquer interferência, exceto na medida em que seu curso celeste
seja gravitacionalmente alterado pela presença, próxima ou
distante, de outras estrelas. Visto que nos vastos espaços estelares
raramente ocorrem conflitos entre os corpos celestes, a menos que algum
se extravie de sua rota estabelecida - acontecimento bastante esporádico
-, nos domínios da espécie humana não haveria caos,
haveria pouco conflito e nenhuma perturbação mútua
se cada indivíduo se contentasse em estar firmado na realidade de
sua própria consciência superior, ciente de sua natureza ideal
e de seu verdadeiro propósito na vida, e ansioso para trilhar a estrada
que tem de seguir. Por terem os homens se desviado das fontes dinâmicas
a eles e ao universo inerentes, por terem abandonado suas verdadeiras vontades
espirituais, e por terem ainda se divorciado das essências celestiais,
traídos por um prato de guisado mais repugnante que qualquer um que
Jacó tenha vendido a Esaú, o povo que o mundo hoje nos apresenta
exibe aspecto tão desesperançado e uma humanidade vincada
na sua aparência pelo desalento. A ignorância do curso da órbita
celeste e do seu significado inscrito nos céus perenemente constitui
a raiz que se encontra no fundo da insatisfação, infelicidade
e nostalgia da raça, as quais são universais. E por isso a
alma viva brada por socorro aos mortos, e a criatura a um Deus silente.
De todos esses brados geralmente nada resulta. As mãos erguidas em
súplica não trazem qualquer sinal de salvação.
O frenético ranger de dentes resulta tão-somente em desespero
mudo e perda de energia vital. Só existe redenção a
partir de nosso interior, e ela é lavrada pela própria alma
mediante sofrimento e no decorrer do tempo graças a muito empenho
e esforço do espírito.
Como, então, poderemos retornar a essa identidade estática
com nossos eus mais profundos? De que modo pode ser realizada essa necessária
união entre a alma individual e as Essências da realidade universal?
Onde o caminho que conduziria finalmente ao aprimoramento e melhoramento
do indivíduo e conseqüentemente à solução
dos desconcertantes problemas do mundo dos homens? O aparecimento do gênio,
independentemente dos vários aspectos e campos de sua manifestação,
é marcado pela ocorrência de um curioso fenômeno acompanhado
quase sempre por visão e êxtase supremos. Essa experiência
a que faço alusão é indubitavelmente a indicação
de qualidade e legitimidade e a marca essencial de realização
genuína. Essa experiência apocalíptica não é
concedida à mediocridade. À pessoa ordinária, carregada
como se acha com o dogma e a tradição fatigada raramente ocorre
esse lampejo de luz espiritual que faz sua descida em esplêndidas
línguas de chama como o Espírito Santo de Pentecostes, radiante
de alegria e da mais elevada sabedoria, prenhe de inspiração
espontânea. Os sofisticados, os saturados pelos prazeres, os diletantes
- esses estão excluídos por barreiras intransponíveis
dos méritos de sua bênção. Para os que têm
talento tão-somente essa revelação não acontece,
embora o talento possa ser um ponto de partida para o gênio. O gênio
não é e nunca foi no passado simplesmente o resultado de zelo
e paciência infinitos. Mas penso que pouca importância necessite
ser dada à definição reiterada freqüentemente
relativa a uma certa alta percentagem de transpiração associada
a um reduzidíssimo restante de inspiração. Por maior
que seja o valor da transpiração, ele não pode produzir
os efeitos magníficos do gênio. Em todo campo do empreendimento
na vida cotidiana, em toda parte vemos realizada uma imensa quantidade de
excelente labor, indispensável como tal, em que se vertem literalmente
litros de suor sem que se evoque, de fato, uma fração de uma
idéia criativa ou de uma exaltação. Essas expressões
exteriorizantes do gênio - zelo, paciência, transpiração
- são simplesmente as manifestações de uma superabundância
de energia procedente de um centro oculto de consciência. Não
passam de meios pelos quais o gênio se distingue, esforçando-se
para tornar conhecidos aquelas idéias e aqueles pensamentos que foram
arremessados para dentro da consciência e penetraram aquela linha
divisória que logra demarcar e separar o profano daquilo que é
divino. O gênio em si é produzido ou ocorre concomitantemente
com uma experiência espiritual da mais elevada ordem intuicional.
É uma experiência que, trovejando do empíreo como um
raio ígneo
proveniente do trono de Júpiter, traz consigo uma inspiração
instantânea e uma retidão duradoura, com uma realização
de todos os anseios da mente e da constituição emocional.
Não pretendo investigar a causa primordial dessa experiência,
familiar àqueles raros indivíduos cujas vidas foram assim
abençoadas desde a sua tenra infância até os seus derradeiros
dias. Uma tal investigação me levaria longe demais, conduzindo
ao domínio de impalpabilidades metafísicas e filosóficas,
no qual de momento não desejo ingressar. A reflexão, contudo,
produz um fato bastante significativo. Aqueles indivíduos que receberam
o título de "gênio" e foram chamados de grandes pela
espécie humana foram os receptores de uma tal inimitável experiência
que mencionei. Embora possa muito bem ser uma generalização,
trata-se, não obstante, de uma generalização que traz
consigo a marca da verdade. Muitas outras pessoas inferiores cujas vidas
receberam alegria e brilho de maneira similar foram capacitadas conseqüentemente
a realizar uma certa obra na vida, artística ou secular, que, de
outra forma, teria sido impossível. Agora constitui um postulado
mais ou menos lógico aquele que se conclui como uma direta conseqüência
da premissa precedente, a saber: supondo que fosse possível através
de uma espécie detentora de treinamento psicológico e espiritual
induzir essa experiência ao interior da consciência de vários
homens e mulheres dos dias de hoje, a humanidade como um todo poderia ser
elevada além das aspirações mais sublimes, e surgiria
uma poderosa nova raça de super-homens. Na realidade, é para
essa meta que a evolução tende e o que é encarado por
todos os reinos da natureza. Desde os primórdios, quando o homem
inteligente surgiu pela primeira vez no palco da evolução,
devem ter existido métodos técnicos de realização
espiritual por meio dos quais a verdadeira natureza humana poderia ser averiguada,
e por meio dos quais, ademais, o gênio da mais alta ordem desenvolveu-se.
Este último, poderia acrescentar, foi concebido como sendo apenas
o subproduto e a eflorescência terrestre da descoberta da órbita
do Eu estrelado, e em tempo algum, pelas autoridades desta Grande Obra,
foi em si considerado um objeto digno de aspiração. O "Conhece
-te a ti mesmo" foi a suprema injunção impulsionando
o elevado esforço deles. Se a criatividade do gênio se seguia
como um resultado da descoberta do eu interior e da abertura das fontes
da energia universal, se a inspiração das Musas resultava
ou de um estímulo na direção de alguma arte ou filosofia
ou da ocupação de leigo, tanto melhor. No começo do
treinamento, todavia, esses místicos - pois foi com esse nome que
essas autoridades passaram a ser conhecidas - eram completamente indiferentes
a qualquer outro resultado além do espiritual. O conhecimento do
eu e a descoberta do eu - a palavra "eu" sendo usada num sentido
grandioso, noético e transcendental - eram os objetivos primordiais.
Se as artes têm sua origem na expressão da alma que escuta
e vê onde para a mente exterior existem meramente silêncio e
trevas, então evidentemente o misticismo é uma e talvez a
maior das artes, a apoteose da expressão e do esforço artísticos.
O misticismo, graças a algum suave decreto da natureza, tem sido
sempre e em todos os tempos a mais sagradas das artes. O místico
realmente abriga em seu peito aquela tranqüilidade que com freqüência
se registra no rosto sereno do sacerdote exaltado ao altar. Ele é
um reconhecido intermediário e porta-voz, as duas chaves sendo colocadas
em suas mãos. Ele é, tanto as eras quanto seus colegas nas
outras artes o admitem, mais diretamente introduzido ao interior do Santuário
e mais imediatamente controlado pela psique. É por essa razão
que seus sucessos são o sucesso de toda a humanidade em todos os
tempos. Mas seus fracassos bastante freqüentes, quase como uma nova
ruína de Lúcifer, são amargamente reprovados. Um mau
poeta ou um mau músico é apenas alvo da censura daqueles de
sua arte em particular, e seus nomes logo se apagam da memória de
seu povo. Uma charlatão ou um falso mago, entretanto, põem
em perigo o mundo inteiro, arrojando um pesado véu sobre a luz translúcida
do espírito, a qual era sua principal tarefa trazer aos filhos dos
homens. É por essa razão, também, que ele é
em toda época somente para os muito poucos; mas, do mesmo modo, ele
é para todos os poucos
em todas as épocas. Glorificado com as beatitudes de todos os artistas
e profetas de todas as épocas, sofre ignominiosamente com o vilipêndio
deles, pois eles, como ele próprio, são místicos. Ele
é solitário. Afastou-se para o seio das solidões subjetivas.
Para onde ele foi - aonde poucos podem segui-lo a não ser que também
tenham as chaves - ele é elogiosamente aclamado com canções
e ditirambos.
Não é um conhecimento teórico do eu que o místico busca, uma filosofia puramente intelectual sobre o universo - embora isso, inclusive, tenha seu lugar. O místico procura um nível mais profundo de compreensão. A despeito da retórica sobre a poder absoluto da razão, os lógicos e os filósofos de todos os tempos estavam intimamente convencidos da impropriedade e impotência fundamentais da faculdade do raciocínio. Dentro dela, acreditavam eles, existia um elemento de autocontradição que anulava seu uso na busca da realidade suprema. Como prova disso toda a história da filosofia se apresenta como eloqüente testemunho. Acreditaram os místicos, e a experiência o confirmou reiteradamente, que apenas transcendendo a mente, ou com a mente esvaziada de qualquer conteúdo e tranqüilizada como uma lagoa de serenas águas azuis, um relance da Eternidade podia ser refletido. Uma vez acalmadas ou transcendidas as alterações do princípio pensante, uma vez subjugado o turbilhão contínuo que é uma característica normal da mente normal, substituídos por uma serena quietude, podia então, e agora somente, ocorrer aquela visão de espiritualidade, aquela experiência sublime das épocas, que ilumina todo o ser com o calor da inspiração e da profundidade, e uma profundidade de imagens do tipo mais elevado e que tudo abarca.
A técnica do misticismo se subdivide naturalmente em duas grandes
classes. Uma é a magia, da qual nos ocuparemos neste tratado, e a
outra é a ioga. E aqui é necessário registrar um veemente
protesto contra os críticos que, em oposição ao misticismo
- por cujo termo se compreende um tal processo como a ioga ou contemplação
-, posicionam a magia como algo completamente à parte, não-espiritual,
mundano e grosseiro. Julgo essa classificação contrária
às implicações de ambos os sistemas e inteiramente
incorreta, como tentarei mostrar daqui para a frente. Ioga e magia, os métodos
de reflexão e de exaltação, respectivamente, são
ambos fases distintas compreendidas no único termo misticismo. Apesar
de freqüentemente empregado de maneira indevida e errônea, o
termo misticismo é utilizado ao longo de todo este livro porque é
o termo correto para designar aquela relação mística
ou estática do eu com o universo. Expressa a relação
do indivíduo com uma consciência mais ampla ou no interior
ou exterior de si mesmo quando, indo além de suas próprias
necessidade pessoais, ele descobre sua pré-disposição
a finalidades mais abrangentes e mais harmoniosas. Se essa definição
estiver em consonância com nossos pontos de vista, então será
óbvio que a magia, igualmente concebida para executar essa mesma
necessária relação, porquanto mediante diferentes métodos,
não pode satisfatoriamente ser colocada em oposição
ao misticismo e às vantagens de um sistema laudatóriamente
celebradas em oposição às impropriedades do outro,
pois os melhores aspectos da magia constituem uma parte, tal como o melhor
da ioga constitui também uma parte daquele sistema completo, o misticismo.
Tem-se escrito muito sobre ioga, de tolices e algo digno de nota. Mas todo
o segredo do Caminho da União Real está contido no segundo
aforismo dos Sutras de Ioga de Patanjali. A ioga busca atingir a realidade
solapando as bases da consciência ordinária, de maneira que
no mar tranqüilo da mente que sucede a cessação de todo
pensamento, o eterno sol interior de esplendor espiritual possa brilhar
para derramar raios de luz e vida, e imortalidade, intensificando todo o
significado humano. Todas as práticas e exercícios nos sistemas
de ioga são estágios científicos com o objetivo comum
de suspender completamente todo pensamento sob vontade. A mente precisa
estar inteiramente esvaziada sob vontade de seu conteúdo. A magia,
por outro lado, é um sistema mnemônico de psicologia no qual
as minúcias cerimoniais quase intermináveis, as circumambulações,
conjurações e sufumigações visam deliberadamente
a exaltar a imaginação e a alma, com a plena transcendência
do plano normal do pensamento. No primeiro caso, o machado espiritual é
aplicado à raiz da árvore, e o esforço é feito
conscientemente para minar toda a estrutura da consciência com o fito
de revelar a alma abaixo. O método mágico, ao contrário,
consiste no empenho de ascender completamente além do plano de existência
de árvores, raízes e machados. O resultado em ambos os casos
- êxtase e um maravilhoso transbordamento de alegria, furiosamente
arrebatador e incomparavelmente santo - é idêntico. Pode-se
compreender facilmente então que o meio ideal de encontrar a pérola
perfeita, a jóia sem preço, através da qual pode-se
ver a cidade santa de Deus, é uma judiciosa combinação
de ambas as técnicas. Em todos os casos, a magia se revela mais eficiente
e poderosa quando combinada ao controle da mente, que é o objetivo
a ser atingido na ioga. E, da mesma forma, os êxtases da ioga adquirem
um
certo matiz rosado de romantismo e significado inspiracional quando são
associados à arte da magia.
Desnecessário dizer, portanto, que quando falo de magia aqui faço
referência à teurgia divina louvada e reverenciada pela Antigüidade.
É sobre uma busca espiritual e divina que escrevo; uma tarefa de
autocriação e reintegração, a condução
à vida humana de algo eterno e duradouro. A magia não é
aquela prática popularmente concebida que é filha da alucinação
gerada pela ignorância selvagem, e que serve de instrumento às
luxúrias de uma humanidade depravada. Devido a ignorante duplicidade
dos charlatães e a reticência de seus próprios escribas
e autoridades, a magia durante séculos foi indevidamente confundida
com a feitiçaria e a demonolatria. Salvo algumas obras que foram
ou demasiado especializadas em sua abordagem ou distintamente inadequadas
para o público em geral, nada foi até agora publicado para
estabelecer em definitivo o que a magia é realmente. Neste trabalho
não se pretende tratar de maneira alguma de encantamentos de amor,
filtros e poções, nem de amuletos que impeçam que a
vaca do vizinho produza leite, ou que lhe roubem a esposa, ou da determinação
da localização de ouro e tesouros ocultos. Tais práticas
vis e estúpidas bem merecem ser designadas por aquela expressão
tão abusivamente empregada, a saber, "magia negra". Este
estudo não tem nada a ver com essas coisas, pelo que não se
deve concluir que nego a realidade ou eficácia de tais métodos.
Mas se qualquer homem estiver ansioso para descobrir a fonte de onde brota
a chama da divindade, caso haja alguém que esteja desejoso de despertar
em si mesmo uma consciência mais nobre e sublime do espírito,
e em cujo coração arda o desejo de devotar sua vida ao serviço
da espécie humana, que essa pessoa se volte zelosamente para a magia.
Na técnica mágica talvez possa ser encontrado o meio para
a
realização dos mais grandiosos sonhos da alma.
Do ponto de vista acadêmico, a magia é definida como a "arte
de empregar causas naturais para produzir efeitos surpreendentes".
Com essa definição - e também com a opinião
de um escritor como Havelock Ellis, que é um nome dado a todo o fluxo
da ação humana individual - estamos de pleno acordo, visto
que todo ato concebível no período inteiro que dura a vida
é um ato mágico. Que efeito sobrenatural poderia ser mais
espantoso ou miraculoso do que um Cristo, um Platão ou um Shakespeare
que foi o produto natural do casamento de dois camponeses? O que haveria
de mais maravilhoso e surpreendente que o crescimento de um minúsculo
bebê que atinge a completa maturidade de um ser humano? Todo e qualquer
exercício da vontade - o erguer de um braço, o proferir de
uma palavra, o germinar silente de um pensamento - todos são por
definição atos mágicos. Entretanto, os efeitos "surpreendentes"
que a magia procura abarcar ocupam um plano de ação um tanto
diferente daqueles que foram indicados, embora estes, apesar de tão
comuns, sejam, não obstante, surpreendentes e taumatúrgicos.
O resultado que o mago, acima de tudo, deseja concretizar é uma reconstrução
espiritual de seu próprio universo consciente e secundariamente aquela
de toda a humanidade, a maior de todas as transformações concebíveis.
Mediante a técnica da magia, a alma voa, reta como uma flecha impelida
por um arco tenso, rumo à serenidade, a um repouso profundo e impenetrável.
Mas é apenas o próprio homem quem pode esticar a corda do
arco; ninguém além dele mesmo pode realizar essa tarefa para
ele. É logicamente nesta cláusula de qualificação
que o temporal fica à espreita. A "salvação"
tem que ser auto -induzida e auto-inventada. As essências universais
e os centros cósmicos estão sempre presentes, mas é
o homem quem tem que dar o primeiro passo na sua direção e
então, como disse Zoroastro nos Oráculos Caldeus, "os
abençoados imortais chegam rapidamente". Quem causa e faz a
sorte e o destino é o próprio homem. O curso de sua existência
vindoura resulta necessariamente de seu modo de agir. E não apenas
isso, pois na palma de sua mão reside a sorte de toda a espécie
humana. Poucos indivíduos se sentirão aptos a despertar a
coragem latente e a rígida determinação que comanda
o universo, para que assim por uma estrada direta e isenta de obstáculos
a espécie humana pudesse ser conduzida a um ideal mais nobre e a
um modo de vida mais pleno e mais harmonioso. Houvessem tão-somente
alguns homens se empenhando para descobrir o que realmente são, e
apurando sem qualquer sofisma a refulgência cintilante de glória
e sabedoria que arde no mais íntimo do coração, e descobrindo
os vínculos que as ligam ao universo, e penso que não teriam
apenas realizado seus propósitos individuais na vida e cumprido seus
próprios destinos, como também o que é infinitamente
mais importante, teriam cumprido o destino do universo considerado como
um vasto organismo vivo de consciência.
O que significa acender uma vela? Nesse processo somente a porção
mais superior da vela mantém a chama, mas, embora apenas a mecha
esteja acesa, é hábito dizer que a própria vela está
acesa, difundindo a luz que elimina as trevas à sua volta. Nisso
podemos encontrar uma sugestiva referência que se aplica significativamente
ao mundo em geral. Se apenas algumas pessoas em cada país, cada raça
e cada povo pelo mundo afora encontrarem a si mesmas e entrarem em comunhão
sagrada com a própria Fonte da Vida, graças à sua iluminação,
elas se tornarão a mecha da humanidade e lançarão uma
resplandecente e gloriosa auréola de ouro sobre o universo. Nesses
indivíduos que constituem uma minoria minúscula, quase microscópica
da população do globo, desejosa e ansiosa de se devotar a
uma causa espiritual, reside a única esperança para a suprema
redenção da espécie humana. Éliphas Lévi,
o celebrado mágico francês, arrisca uma opinião nova
que acho pode ter alguma relação com esse problema e projeta
um raio de luz sobre essa proposta. "Deus cria eternamente...",
escreve ele, "o grande Adão, o homem universal e perfeito, que
contém num único espírito todos os espíritos
e todas as almas. As inteligências vivem, portanto, duas vidas imediatamente,
uma geral, que é comum a todas elas, e outra especial e individual".
Esse Adão protoplástico é chamado nessa obra qabalística
intitulada O livro dos esplendores*, de Homem Celestial e compreende em
um ser, como observa o erudito mago, as almas de todos os homens e criaturas,
e forças dinâmicas que pulsam através de toda porção
do espaço estelar. Não é meu desejo tratar de metafísica
neste momento, discutindo se esse ser universal primordial é criado
por Deus ou se simplesmente se desenvolveu do espaço infinito. Tudo
o que quero considerar agora é que a totalidade da vida no universo,
vasta e difundida, é esse ser celestial, a Super-Alma como alguns
outros filósofos o conheceram, criado para sempre nos céus.
Nesse corpo cósmico nós, indivíduos, bestas e deuses,
somos as minúsculas células e moléculas, cada uma com
sua função independente a ser cumprida na constituição
e no bem-estar sociais dessa Alma. Essa teoria filosófica admiravelmente
sugere que como no homem da terra há uma inteligência que governa
suas ações e seus pensamentos, da mesma maneira, em sentido
figurado, há no Homem Celestial uma alma que é sua inteligência
central e sua faculdade mais importante. "Tudo o que existe na superfície
da Terra possui sua duplicata espiritual no alto, e não existe nada
neste mundo que não esteja associado a algo e que não dependa
desse algo." Assim escrevem os doutores da Qabalah. Tal como no homem
a substância cerebral cinzenta é a mais sensível, nervosa
e refinada do corpo, do mesmo modo os seres mais sensíveis, desenvolvidos
e espiritualmente avançados no universo compreendem o coração,
a alma e a inteligência do Homem Celestial. É nesse sentido,
em suma, que os poucos que empreendem a realização da Grande
Obra, isto é, encontrar a si mesmos de um ponto de vista espiritual
e identificar sua consciência integral com as Essências
Universais, como Jâmblico as chama, ou os deuses, que constituem o
coração e a alma do Homem Celestial - esses poucos são
os servos da espécie humana. Executam a obra da redenção
e cumprem o destino da Terra.