A Kabala e suas diferentes Escolas
Introdução ao estudo da Kabala
mística e prática,
e a operatividade de suas Tradições
e seus Símbolos, visando a Teurgia
Robert Ambelain
Robert Ambelain nasceu no dia 2 de setembro de 1907, na cidade
de Paris. No mundo profano, foi historiador, membro da Academia Nacional
de História e da Associação dos Escritores de Língua
Francesa.´ Foi iniciado nos Augustos Mistérios da Maçonaria
em 26 de março (o Dictionnaire des Franc-Maçons Français,
de Michel Gaudart de Soulages e de Hubert Lamant, não diz o ano da
iniciação, apenas o dia e o mês), na Loja La Jérusalem
des Vallés Égyptiennes, do Rito de Memphis-Misraïm. Em
24 de junho de 1941, Robert Ambelain foi elevado ao Grau de Companheiro
e, em seguida, exaltado ao de Mestre. Logo depois, com outros maçons
pertencentes à Resistência, funda a Loja Alexandria do Egito
e o Capítulo respectivo. Para que pudesse manter a Maçonaria
trabalhando durante a Ocupação, Robert Ambelain recebeu todos
os graus do Rito Escocês Antigo e Aceito, até o 33º, todos
os graus do Rito Escocês Retificado, incluindo o de Cavaleiro Benfeitor
da Cidade Santa e o de Professo, todos os graus do Rito de Memphis-Misraïm
e todos os graus do Rito Sueco, incluindo o de Cavaleiro do Templo. Robert
Ambelain foi, também, Grão-Mestre ad vitam para a França
e Grão-Mestre substituto mundial do Rito de Memphis-Misraïm,
entre os anos de 1942 e 1944. Em 1962, foi alçado ao Grão-Mestrado
mundial do Rito de Memphis-Misraïm. Em 1985, foi promovido a Grão-Mestre
Mundial de Honra do Rito de Memphis-Misraïm. Foi agraciado, ainda,
com os títulos de Grão-Mestre de Honra do Grande Oriente Misto
do Brasil, Grão-Mestre de Honra do antigo Grande Oriente do Chile,
Presidente do Supremo Conselho dos Ritos Confederados para a França,
Grão-Mestre da França - do Rito Escocês Primitivo e
Companheiro ymagier do Tour de France - da Union Compagnonnique dês
Devoirs Unis, onde recebeu o nome de Parisien-la-Liberté.
Os adeptos
da Kabala moderna transportam muito claramente sua origem à Isaac
o Cego ou no máximo a seu pai Abraham ben David de Posquièrs.
Joseph Gikatilia, um dos mais fervorosos dentre ele, escreve em seu Perusch
Hahagadah conservado no Sepher Hanefesch Hachochamah de Moisés de
Leão: "A Kabala que está em nossas mãos remonta
pela cadeia da tradição ao Maaseh Mercabh de onde ela passa
a coluna direita, o piedoso rabino Isaac o Cego".
Ben Aderet fazendo no Respp [I- nº 94] alusão aos mesmos homens
ainda não os designa pela palavra "kabalistas" ele os chama
" os mestres dos mistérios da Torah".
"Por todos os preceitos, diz ele, certos homens, detentores dos mistérios
da Thorah, tem em seu espírito razões muito veneráveis
ainda que os pecados desta geração tenham exaurido as fontes
da tradição conservadas desde a destruição do
Templo".
A Kabala é antes de tudo uma oposição a casuística
talmúdica, se quisermos, uma forma de revolta da fé contra
a lei. Ela é o refúgio dos espíritos, que não
se encontram cômodos nas malhas sutis e inextricáveis das leis
talmúdicas e no quadro estreito das fórmulas rituais, cultuais
e litúrgicas, buscando uma fonte de água viva.
Com a Kabala apareceu no misticismo judeu uma introdução notável
de elementos cristãos e isso tem várias causas: de um lado,
os espírito de oposição ao racionalismo de Aristóteles
que condena os espíritos do neoplatonismo, os conduz por isso mesmo
a fonte da filosofia antiga que concorreu grandemente para alimentar o dogmatismo
fundamental de cristianismo. Por outro lado, o espírito de oposição
ao dogmatismo judeu conduziu continuamente além dos justos limites
que separam a doutrina judaica da doutrina cristã. Por fim independentemente
de toda razão lógica as relações fortuitas entre
o misticismo judeu e o misticismo cristão e seus representantes são
fecundos em idéias recebidas ao mesmo tempo das duas doutrinas.
No espaço que separa o misticismo anterior a Kabala e o Zohar encontramos
um certo ensaio de sistematização e classificação
que nos permite distinguir cinco escolas principais:
1°) A escola
de Isaac o Cego que se poderia chamar a escola metafísica, não
que a metafísica seja aí o elemento exclusivo, mas ela é
o elemento predominante;
2°) A escola de Ezra-Azriel que provém da primeira;
3°) A escola de Nachnamide, seu discípulo;
4°) A escola de Eleazar de Worms, que se entrega especialmente ao misticismo
das letras e dos números;
5°) A escola de Abuláfia, que vem das duas últimas e as
desenvolve no sentido da contemplação pura.
I. - Isaac o Cego.
Do próprio
Isaac o Cego sabemos muito pouco. Seus sucessores falam com respeito de
seus comentários sobre o Sepher Yetzirah, e de sua arte para discernir
as almas novas das almas velhas, quer dizer daquelas que fazem seu primeiro
casamento com o corpo e as que segundo as leis da metempsicose fazem já
uma segunda ou terceira peregrinação. Assim como muitos dos
grandes iniciadores, tal como Pitágoras e Sócrates, ele parece
ter sobretudo agido pelo ensinamento oral. Em seu Bade Aron, Schem Tob ibnz
Gaon diz várias vezes: "R. Ezra de Geronde [discípulo
de Isaac o Cego] compôs um comentário dos Haggadoth tal como
recebeu de seu mestre Isaac o Cego", o que parece bem indicar que Isaac
o Cego se ocupou em interpretar os Haggadoth e as preces, isto quer dizer
certamente de os espiritualizar na direção de seu sistema.
Mas é o resultado mesmo porque ele próprio escreveu poucas
obras. Sua cegueira, constante nas tradições dos Kabalistas,
é uma razão suficiente para explicar sua sobriedade como escritor.
Em todo caso, é a Beaucaire, nessa província, encruzilhada
de tantas idéias, ponto de intercessão do Norte e do Meio-Dia,
ao redor de Isaac o Cego, que se pode localizar o berço da Kabala
Prática.
A característica de seu ensinamento e da escola que fundou aparece
imediatamente em seu principal discípulo Ezra-Azriel. Jamais se soube
se esses dois nomes representam uma só e mesma personagem ou correspondem
a dois discípulos de Isaac o Cego. Os kabalista posteriores sempre
os confundem. Jacobo em seu Yuchasin fez de Ezra o mestre de Nachmanide;
ao contrário, Meir Bem Gubbal e outros atribuem essa honra à
Azriel. Recanati atribui à Azriel o Comentário do Cântico
dos Cânticos; Isaac d'Acco e outros põem a mesma obra sob a
paternidade de Ezra. Do nosso ponto de vista, Ezra e Azriel constitui em
a denominação de uma só e mesma pessoa. A literatura
judaica é fecunda em confusões dessa natureza e particularmente
para os nomes Ouziel, Azriel, Ezra. Ezra-Azriel viveu de 1160 a 1238. Ele
mesmo conta que em sua juventude viajou muito, na busca de uma doutrina
oculta relativa a Deus e a criação. Após longas peregrinações
encontrou um homem que dizia ter uma tradição antiga e acreditada
e que apaziguou suas dúvidas [1].
II. - Ezra-Azriel.
Eis a doutrina
de Ezra tal como ele a espoe em sua obra intitulada: Explicações
dos dez Sephiroth por perguntas e respostas.
" O infinito é o ser absolutamente perfeito sem lacuna. Pois,
quando se diz que há nele uma força ilimitada, mas não
a força a se limitar, se introduz uma lacuna em sua plenitude. Por
outro lado, se diz que esse Universo - que não é perfeito
- provém diretamente dele, se declara que sua potência é
imperfeita. Pois bem, como não se pode atribuir nenhuma lacuna a
sua perfeição, é preciso necessáriamente admitir
que o En-Sof tem o poder de limitar, o dito poder é ele mesmo ilimitado".
[1] - S. Karppe: " Origens do Zohar". [Alcan, Ed. Paris, 1901].
"Uma vez esse limite saído dele em primeira linha, são
os Sephiroth que constituem ao mesmo tempo a potência de perfeição
e a potência de imperfeição".
Eis agora sua ação gradual. A primeira é destinada
onde preside a força divina, a segunda a força dos anjos,
a terceira a força profética, a quarta a espargir a graça
entre as essências superiores a quinta a espargir o terror de sua
força, a sexta a espargir a piedade sobre as coisas inferiores, a
sétima a fazer crescer e a fortificar a alma sensível em via
de desenvolvimento, a oitava a produzir a gradação sucessiva,
a nona a fazer emanar a força de todas as outras, a décima
é a via pela qual o conjunto de todas as outras forças se
esparge no mundo inferior.
Na realidade, pensamos que os Sephiroth se reduziam primitivamente ao número
de três e eram primeiramente um reflexo do sistema de emanação,
tal como encontramos em Ibn Gabirol.
Com o Tratado da Emanação que pertenceu a mesma escola, temos
uma concepção um pouco diferente da doutrina; temos além
disso um primeiro ensaio para conciliar com o misticismo anterior e fazer
entrar este misticismo no quadro da nova metafísica. Não é
sem razão que o autor escolheu o profeta Elias, para ser seu porta
palavra. Em efeito, se Ezra-Azriel visa as filosofias, ele busca, conquistar
todas as crenças. "Não é suficiente, diz ele,
para ser digno dessas grandes revelações, ser um homem de
estudo, antes de tudo, é necessário, ser um homem de fé;
não é suficiente conhecer a Bíblia, a Mischnah, a Haggadah.
Tudo isso é vão se não se tem a fé, se não
se aspira com confiança, no cansaço do curso comum da vida,
a sublime e misteriosa Mercabah".
Jellinek [Auswahl Kabbalist Mystik - I - 1853, Leipzig] atribui essa obra
a R. Jacob Nasir [século XII] e isso porque Recanti [Comentário
sobre o Pentateuco] e Isaac d'Acco [em seu Meirat Enaym] dizem que o profeta
Elias do qual se diz ser essa obra apareceu primeiro a R. Jacob Nasir. Mas
porque dar uma tal importância a esse pseudo apígrafo de Elias?
Elias é desde um tempo imemorial uma personagem que serve para tudo.
Na época talmúdica ele já é identificado com
o Messias e lhe reservam a solução dos problemas casuísticos
permanecidos em suspense. Na literatura homelítica, ele é
o grande censor, o grande moralista. Nada de espantoso que os kabalistas,
por sua vez, se abriguem sob seu nome sem que haja necessidade de concluir
que eles tem nisso um objetivo preciso. Além disso se as revelações
de Elias são, segundo os autores, são dadas a Jacob Nasir,
esses mesmos autores as fazem igualmente proceder até Isaac o Cego,
Azriel e Nachmanide. Acreditamos mais provável ligar a obra a um
discípulo de Isaac o Cego ou de Ezra que, tendo saudades da antiga
mística, teria querido adotar a Kabala nova sem prejuízo da
antiga e teria tentado um ensaio de conciliação entre uma
e outra.
Algumas vezes se pensa unir a mesma escola a "Prece de R. Nehunyah
Bem Hakanah" ou Bahir e "O Livro da Intuição".
Para esse último não há nenhuma dúvida, mas
para o Bahir nada é certo. Se faz necessário dizer algumas
palavras.
O Bahir se apresenta como um diálogo fictício mantido por
doutores imaginários. Aí encontramos a doutrina dos Sephiroth,
talvez compreendido no sentido da Kabala nova; disse talvez, pois os Sephiroth
aí não aparecem nem mesmo com os nomes que guardaram através
de toda a Kabala teórica, mas sob a denominação de
Maamarim, discurso, palavra criadora, verbo.
A época de aparição do Bahir é bastante difícil
de precisar. Sabemos, de um lado, que existia em 1245, pois que ele é,
desde esse momento atacado pelo Dr. Meir B. Simon de Narbonne. Por outro
lado as observações gramaticais que aí se encontram
não permitem levá-lo além do período que se
conveio chamar "a idade da gramática hebraica". Esses limites
superiores e inferiores nos conduzem entre os séculos XII e XIII.
Essa data é certamente vizinha do nascimento da Kabala, mas ela não
prova por isso a ligação ou a dependência do Bahir e
da escola de Isaac o Cego. Não é o mesmo para o Livro da Intuição.
O Livro da Intuição se propõe especialmente de tratar
as relações dos Sephiroth com o Ain-Sof. Deus é um,
idêntico a si mesmo em todas as suas forças, como a chama que
brinca em variadas cores. Essas forças emanam dele, como a luz emana
do olhar, como um perfume emana de um perfume, como o brilho de um candeeiro
de outro candeeiro sem que esse último nada perca [aqui encontramos
simultaneamente a terminologia de Ibn Gabirol e a de Ezra-Azriel]. Antes
de criar Deus foi um, em si, em movimento, sem limite, se distinção.
A melhor maneira de conhece-lo consiste em combinar e calcular as letras
de seu nome. Se chega assim a afirmar dele o único ponto que se pode
afirmar, ou seja que ele é obscuro, envolvido em si e sem diferenciação.
Tal é mais ou menos sua substância primeira a doutrina de Isaac
o Cego e de sua escola, isto é, a forma primeira da Kabala. É
necessário não esquecer isso cada vez que a palavra Kabala
aparecer diante de nós. Se vê que essa primeira forma é
feita, no que diz respeito a metafísica, de uma abstração
das abstrações neo-platônicas, de um reprise e de uma
multiplicação arbitrária dos intermediários
de Ibn Gabirol.
Por seu ensaio de diferenciação dos modos criadores ele se
encaminha para o panteismo. Depois ela ensaia dar as leis metafísicas
uma cor física servindo-se precisamente das coisas das cores da luz,
o que será também a poética da metafísica do
Zohar, e enfim para o que diz respeito a religião tradicional será
uma espiritualização, uma idealização mística
de todos os elementos do passado, suscetíveis de ser transformados,
uma elaboração de aspirações novas com as fórmulas
antigas. Em todos os casos, o quadro do Zohar está criado.
III. - Nachmanide.
Os esforços
de Ezra-Azriel talvez não tivesse conquistado para a Kabala o sucesso
ao qual ela aspirava, se ele não tivesse tido por discípulo
Moisés Bem Hachman, comumente chamado de Nachmanide, o qual, vindo
tarde ao misticismo, o fez beneficiar aos olhos dos doutores ortodoxos e
dogmatistas da autoridade de um passado já a muito consagrado ao
estudo do judaismo dogmático. Depois dele não se ousou mais
por sob a suspeita uma doutrina a qual tinha aquiescido um homem com Nachmanide,
reputado por sua piedade tradicionalista. O poeta Meschulam em Vidas Dasiera
[Dibre Chachanim -77] canta assim:
"Para nós o filho de Nachman é uma cidadela segura;
Ezra, Azriel nos ensina sem engano;
Eles são meus sacerdotes, eles iluminam meu altar".
Mais tarde
se forma uma lenda sobre a maneira como Nachmanide chegou a Kabala. Se contar
que apesar dos esforços feitos por um velho iniciado, ele permanecia
céptico. Um dia, esse kabalista pego em flagrante foi condenado a
morte. Antes da execução, ele mandou chamar Nachmanide e lhe
afirmou que nessa noite viria ao seu encontro para juntos festejarem o ágape
sabático. Com efeito, por procedimento oculto ele se substituiu por
um asno que foi executado em seu lugar e a noite entrou subitamente no quarto
de Nachmanide. Esse acontecimento o converteu.
Além do prestígio que Nachmanide trouxe à Kabala por
sua pessoa, ele lhe rendeu um duplo serviço. Primeiro ele entrou
resolutamente no caminho onde apenas tinha penetrado Ezra-Azriel, ou seja
que ele não se contentou em fundar a Kabala teórica filosófica,
mas penetrou a lei, lei até então apanágio somente
dos talmudistas e haggadistas. Ele não se contentou com enunciar
doutrinas místicas, ele animou o espírito da Escritura, sobretudo
interpretou nesse sentido os preceitos da Bíblia e particularmente
do Pentateuco. Nachmanide deu um importante lugar a essa espécie
de vulgarização da Kabala. Ele foi um daqueles que contribuíram
mais para a inserir nos textos sagrados.
Eis um ou dois exemplos que mostram como Nachmanide levou o espiritualismo
a seu último limite. Ele admite que o primeiro homem foi criado andrógino.
Mas admite também que o sopro divino, para animar e enobrecer essa
forma, veio se colocar na intercessão dos dois corpos, e para esclarecer
de antemão uma idéia importante do Zohar, acrescentaremos
que cada parte distinta leva uma metade de alma.
Nachmanide gosta de citar e desenvolver a seguinte passagem midráschica:
Enquanto o homem dorme, o corpo limita a liberdade da alma sensível,
a alma sensível limita a liberdade da alma racional, alma racional
limita a liberdade do anjo [o Anjo Guardião], etc. Para Nachmanide
alma se sentido em má companhia com o corpo, rompe quando pode esse
casamento. Antes mesmo do divórcio definitivo, ela tem ausências
passageiras, ela vai errar no céu, retoma contato com suas irmãs
e quando volta ao corpo, este toma consciência de tudo o que ela viu.
Daí, as visões do sonho. Se sente, claramente aí, as
teorias caras às iniciações órficas, platônicas,
etc.
Nachmanide, se mantendo em geral nessas poesias sobre o terreno do judaismo
tradicional, impregnou algumas pessoas de um misticismo que se conforma
com as tradições. Algumas vezes encontramos aí uma
mistura singular entre os elementos kabalísticos e os elementos gnósticos,
entre a doutrina dos Sephiroth e aquela do Pleroma. É sobretudo a
propósito da alma que a comparação é sensível.
É por intermédio de canais, chamados "os canais de expansão",
que, conforme Nachmanide, ela sai do "grande reservatório",
termo absolutamente adequado ao Pleroma gnóstico [Néander,
Kirchengesch, I - 2° parte, Pg. 745 e Matter, Gnosticismo, Pg. 95 e
seguintes]. A união da alma com o corpo à macula e o que quer
que ela faça, só terá salvação no amor
divino, que, após tê-la deixado errar, a retoma para si. A
Sophia gnóstica, também, após ter errado por muito
tempo, deve sua salvação a intervenção direta
e voluntária do Pai.
Nachmanide também conduz à tentativa de seu misticismo, sobre
um assunto novo: A Ética, já em seu comentário, mas
sobretudo em uma obra especial intitulada: A Porta da Remuneração.
O que primeiramente domina nessa obra, é sua concepção
mística do sofrimento. O sofrimento é quase sempre, conforme
Nachmanide, um sofrimento de amor. Para uns ele é uma advertência;
Deus vê com dor a alma celeste se afundar nas misérias do corpo
e para dete-la, ele lhe envia sofrimentos [dores].
É uma grande aflição entre as almas do céu e
os anjos ver uma de suas companheiras se tornar indigna de sua origem e
de seu destino. Todos buscam então por o peso sobre Deus, afim de
que, reprimindo por pouco tempo sua bondade sempre prestes a verter, ele
golpeie essa alma com golpes salutares. Se ela permanece surda à
essas advertências, eles redobram em intensidade afim de obriga-la
resgatar sobre a Terra e não ser obrigada a esse pagamento no céu.
Mesmo para o justo há sofrimento de amor, o próprio justo
não é perfeito, há nele escória, que o crisol
da dor destaca de sua alma. Mas esses sofrimentos de amor o homem não
deve infligir a si próprio, é necessário que os receba,
e os receba com alegria da mão divina. Desgraça àquele
que não sofre, pois isso implica em que Deus o abandonou, que ele
o condenou para a felicidade futura e que lhe deixou inviolada a felicidade
presente afim de que nada tenha a reclamar de seu destino. Seus sofrimentos
são penhores de felicidade ultra-terrestre, assim certas dores são
destinadas a tornar a vida mais pesada para o homem, o esforço maior
aumentando assim seu mérito, seu direito a felicidade futura. Enfim,
há dores que são produzidas para passar de potência
ao ato, os germes do bem que a alma humana leva em si. De alguma maneira
são as dores do parto da alma fecunda em Virtudes.
Nachmanide é desde já o mestre em Kabala Prática, para
ele:
"Deus criou toda coisa, e fez com que as coisas superiores conduzissem
as coisas inferiores, e ele pôs a força da terra e de tudo
o que ela leva nos astros conforme as leis que fixa a astrologia. Aos astros
ele propôs como guia os anjos que são as almas, e suas combinações
superiores tem uma repercussão sobre os povos e homens. Há
também leis certas que permitem ler o futuro nas entranhas das aves,
em seu vôo, em sua voz. É o que a Escritura quer dizer quando
conta que o rei Salomão sabia falar com as aves".
Nachmanide trata também da necromancia, da magia [Ex. 20, 2; Deut.
18, 9]. A evocação dos demônios ou dos Maus Espíritos
e, conforme ele, uma arte que necessita ser longamente estudada. Fala de
encontros que teve com certos mestres da arte de conjuração
e menciona tratados relativos as relações com os Maus Espíritos
e a maneira de torná-los seus instrumentos [Gênese, 4, 22;
Derescha, Pgs. 8 e 11].
Se vê que a atividade mística de Nachmanide se estendeu sobre
a maior parte das questões tratadas até então pela
Kabala Teórica. Nachmanide tem uma particularidade entre os discípulos
da escola metafísica é que ele se inclina já a especulação
para fins teúrgicos, porque a seus olhos o misticismo, longe de se
aquartelar na busca pura, deve conduzir rapidamente a conquista e domínio
das forças cósmicas. Após o Zohar, quando a loucura
dessa Teurgia perturbar a razão, Nachmanide será um daqueles
para o qual os espíritos perdidos se voltarão com a maior
complacência [1].
Na escola de Isaac o Cego, há ainda clarões muito vivos de
especulação filosófica. Ainda que esses clarões
sejam aí continuamente obscurecidos por nuvens de extravagâncias
e uma aplicação fantasiosa de doutrinas não judaicas
aos textos judeus, se sente no entanto que a filosofia passou por ali.
[1] - Em efeito, não esqueçamos, que os extremos dessas doutrinas
são, elas próprias, a causa de sua queda.
IV. - Eleazar de Worms.
Não é mais do que por conveniência chamar de escola alemã, escola que tem provavelmente R. Jehudah Chasid [o Piedoso] de Rastibonne, por fundador, em todo caso, tem em seu discípulo R. Eleazar de Worms seu grande representante. É sua doutrina que servirá para caracterizar-nos a doutrina da escola. Algumas tradições fazem remontar a origem da escola alemã até a Babilônia. Assim R. Schem Job diz em suas Emmunot que a nova da chegada de um grande Kabalista babilônico, chamado R. Keschischa em Apuleia, R. Jehudah o piedoso teria ido de Rastibonne a Gorbeil, e de Corbeil a Apuleia, para ser iniciado no ensinamento sagrado. R. Eleazar de Worms cita outros iniciadores como R. Samuel Hachasid, R. Eleazar de Spire, R. Kaloymos, que em 787 teria sido transferido da Lombardia para Mayence por Carlos Magno [ver, Luzzato, Il Giudaismo Illustrato, I - Pg. 30 e seguintes.].
Eleazar de Worms não está muito preocupado com os problemas
metafísicos, ao contrário, ele ignora ou quer ignorar as especulações
das escola de Isaac o Cego, ele não pronuncia uma só vez a
palavra En-Sof, nem Sephiroth no sentido que Isaac o Cego e seus discípulos
lhe dão, mas ele procede diretamente de Ibn Ezra e ele leva a forma
matemática do misticismo de Ibn Ezra até seu último
limite, afim de poder introduzir aí tudo o que lhe inspira o misticismo
dos Gaonim e particularmente a Kabala Prática ou Aplicada, da qual
ele foi o mais profundo promotor. Agora é necessário dar uma
olhada na obra de Eleazar de Worms que determina através de Abuláfia
e através do Zohar a bifurcação de Kabala teórica
para a Kabala prática, vamos falar de Sepher Raziel.
O Sepher Raziel dizem ter sido comunicado pelo anjo Raziel [Mistério
de deus] a Noé no momento de sua entrada na arca. Ele está
escrito sobre uma pedra de safira: "Nele estão os grandes mistérios,
os mistérios dos degraus superiores, dos astros, da revolução,
da função e dos costumes de todos os corpos celestes; pela
ciência que ele dá se pode obter todos os segredos das coisas,
a morte e a vida, a arte de curar e de interpretar sonhos, a arte de fazer
a guerra e de trazer a Paz". Estabelecido isso, o Sepher Raziel se
apresenta como a obra que forneceu a Kabala Prática e em geral a
tradição judaica seu arsenal mais rico em amuletos, talismãs,
fórmulas propiciatórias, fórmulas curativas, misturas
mágicas, filtro de amor e de ódio e petições.
Hoje em dia o eco dessas tradições, como o nome de Eleazar
de Worms não está extinto.
Entre os discípulos de Eleazar de Worms falaremos somente em Manachem,
e em especial de sua obra intitulada "Coroa do Nome Supremo".
Essa obra está sob influência direta do mestre e em parte do
"Livro do Nome" de Aben-Ezra. Ela se ocupa sobretudo do Tetragrama
e dos dez Sephiroth e religa estes àquele.
O discípulo de Eleazar e o segundo representante da escola alemã
tende a fazer um primeira síntese entre os dados dessa escola e a
metafísica da escola especulativa e naturalmente ele a fez em detrimento
desta última.
Os adeptos da escola alemã propagaram a forma de seu misticismo até
a Espanha. Salomão B. Adret fala sem suas Respp.[n°548] de um
discípulo de Eleazar de Worms chamado Abraham de Colônia [honravelmente
conhecido em sua escola]. Esse Abraham de Colônia teria ido a Espanha,
e aí ensinado e mesmo exposto sua doutrina diante do rei de Castela,
Alfonso X.
Chegamos assim àquele que ensaiou fundir as duas escolas em um todo
para as colocar ao serviço da contemplação pura, isto
é aos serviço de uma forma um pouco mais alta da Mercabah
dos Gaonim, queremos falar de Abuláfia.
V. - Abuláfia.
Para compreender
bem as idéias de Abuláfia, se faz necessário dar um
olhada em sua vida. Abraham B. Samuel Abuláfia nasceu em Saragossa
em 1240. Até os trinta anos, estudou e Bíblia, o Talmud, a
medicina, a filosofia, em especial as obras de Saadyah e de Maimônides.
Foi um leitor assíduo de Aben-Ezra. Quanto a seus estudos místicos,
ele próprio diz em sua carta a R. Jehuda Salomão que reencontraremos
seguidamente e, em seu comentário místico de Maimônides
que ele tinha sido iniciado na doutrina de escola de Machmanide. "É
lá, diz ele, que me foram ensinadas as vias pelas quais se revelam
as intenções verdadeiras, os mistérios da lei, e essas
vias são em número de três: o Notarikon [acrológia],
a Guematria [evolução numérica], o Ziruf [permutação]".
A vida de Abuláfia, ainda que conhecida somente em seus traços
gerais, marca a tendência de seu espírito para uma forma de
misticismo ultrapassando a própria Kabala. Sobre esse aspecto temos
dele cartas muito precisas e significativas. R. Salomão B. Adret,
consultado pelos judeus da Itália sobre os procedimentos do profeta
messias, escreveu a um certo Achitob de Palermo uma carta, na qual atacou
vigorosamente Abuláfia lhe censurando, de nada ter compreendido sobre
os elementos essênciais da Kabala, nem da doutrina dos Sephiroth,
nem sobre a emanação e de apresentar uma doutrina nova, estranha,
relativa as letras e aos números visando conduzir ao espírito
profético. Não possuímos a carta de Salomão
B. Adret, mas a réplica indireta que lhe fez Abuláfia se dirigindo
a um certo R. Jehuda Salmon. Abuláfia distingue primeiramente quatro
fontes de conhecimento: 1°- Os cinco sentidos; 2°- As idéias
ou os 10 números abstratos; 3°- O consentimento universal; 4º-
A tradição. Sem se deter nos dois primeiros que são
conhecidos, nem no terceiro que não tem em si grande força
de veracidade, ele passa ao quarto: a tradição [Kabala]. Mas
não é da tradição em geral que ele quer se ocupar,
e sim somente dessa Kabala especial aos kabalistas, ignorada do comum dos
rabinos, os quais estão entregues por inteiro ao Talmud. Pois bem,
essa Kabala compreende dois domínios: Um concernente ao conhecimento
de Deus por meio dos dez Sephiroth, e o outro concernente ao conhecimento
de Deus por meio das vinte e duas letras que compõem os nomes e os
signos e que conduzem à aspiração profética.
Abuláfia observou fiel e continuamente Abn Ezra, e protestou contra
Eleazar de Worms e Nachmanide. Pois bem, o ponto em comum desses místicos,
é que todos deram grande atenção ao misticismo das
letras, dos números e dos nomes divinos. Abuláfia é
antes de tudo um adepto dessa forma mística. Daí ele toma
seu ponto de partida. Por outro lado o vemos se entregar ao estudo de mais
de doze comentários do Sepher Yetzirah, o que nos confirma na idéia
que fazemos de sua primeira tendência. Mas enquanto o Sepher Yetzirah
coloca as letras e os números a serviço da cosmogonia, enquanto
que os mestres declaram a todo o momento as subordinações
dos Sephiroth à Kabala, dos quais eles fazem o confinamento da especulação
mística, Abuláfia pretende ultrapassar essa especulação
e operar, sobre as bases das combinações aritméticas,
a união da alma racional com Deus, união que Ibn Gabirol e
Maimônides faziam o fruto e a recompensa da busca filosófica.
Abuláfia se apoia numa teoria do místico cristão St°
Boaventura, relativa aos sete degraus da contemplação. [Essa
citação, implica em si um estudo e um conhecimento do misticismo
cristão!]. Encontramos, além disso, em seus escritos mais
de um apelo ao dogma do cristianismo. Falando dos três nomes divinos
Yhvh, Yh, Elohim, ele diz: "Esses são os três nomes sagrados
que testemunham o mistério da Trindade e a Trindade da Unidade. Da
mesma maneira que a Sabedoria, a Inteligência e a Ciência são
todas três, uma só e mesma coisa, assim como as expressões,
ele foi, ele é, ele será, não são mais que variantes
de uma mesma essência, da mesma maneira as três pessoas não
são mais que uma só pessoa, ao mesmo tempo una e tríplice.
"Se é assim, Deus tem um nome uno, se fazendo notar sua substância
una, e que entretanto é tríplice, mas essa trindade é
una. Que isso não te pareça estranho, já esses nomes
te explicam a coisa..., esses nomes que são três e que todos
designam uma substância una, idêntica a si mesma, da mesma maneira
a tríplice invocação de "Santo, Santo, Santo"...
e, além disso, pelo conceito, a Trindade, a Sabedoria, a Inteligência
e a Ciência".
Em seu messianismo, Abuláfia, acreditamos, que não vise somente
os judeus, mas a humanidade inteira. E essa concessão a Trindade
é um apelo ao cristianismo. É sobre a própria base
do dogma cristão que ele pretendia converter o papa Martin IV à
seu misticismo profético das letras e dos números, e o conquistar
para sua vocação messiânica. É, segundo ele,
o novo Cristo, mas o antigo não enganou os homens lhes apresentado
um Deus em três pessoas. Por essa razão Abuláfia insiste
continuamente cada vez que trata dos Sephiroth sobre a divisão trinitária
em seu conjunto e em seu agrupamento parcial.