VISÕES, EVOCAÇÕES, FENÔMENOS DE NECROMANCIA DA ANTIGÜIDADE ATÉ NOSSOS DIAS

Eliphas levy


PRETENSOS ESPIRITOS OU FANTASMAS

O espírito de Eliphas e a sombra de Samuel evocada pela pitonisa de Endor. Um dia compreender-se-á a Bíblia, saber-se-á que tesouros de ciência primitiva estão ocultos sob tantos símbolos e figuras, saber-se-á que a Gênese, por exemplo, não é somente a história da formação de um mundo, mas a exposição de leis eternas que presidem à criação incessante e sempre renovada dos seres; decifrar-se-á esses hieróglifos, que tanto fazem rir Voltaire; saber-se-á como um querube, isto é, um touro (o da Europa e de Mitra), pode velar com o gládio em punho à porta do jardim da ciência.

Agora essas alegorias estão ocultas, e os grandes monumentos da antigüidade hierática permanecem em pé, envoltos em sua solidão e seu silêncio, como as grandes pirâmides que se mostram aos olhos sem dizer nada de preciso ao pensamento, das quais não se sabe positivamente se são monumentos científicos ou túmulos. Entre os livros da Bíblia existe um que nos surpreende sobretudo pela magnificência da forma poética e por sua melancólica profundidade; estamos falando do livro de Jó, a mais antiga talvez, mas com toda certeza a mais notável síntese que nos ficou do dogma filosófico e mágico da antiga iniciação. Esse livro explica a origem e a razão de ser do mal, indica o fim da vida humana e de seus sofrimentos. É a lenda do aflito. A alegoria é transparente, os próprios nomes dos personagens revelam não indivíduos, mas tipos. Jó, cujo nome significa "o aflito", é visitado em sua aflição por três falsos amigos, que, sob pretexto de consolá-lo, só fazem atormentá-lo e afligi-lo mais ainda. Um é Eliphas, o zelador de Deus ou o puritano daquele tempo. O segundo é Baldad, o amante das velhas idéias.


O terceiro é Sophar, o filósofo tenebroso e malévolo. Eles foram visitar Jó na terra de Hus, cujo nome significa "conselho", e, com toda a inocência feroz da parvoice, reúnem seus esforços para impeli-lo ao desespero. O primeiro que fala é Eliphas, e como representa a autoridade altaneira, traz como prova do que fala o testemunho de um espírito. Alguém, disse ele, lhe falou, alguém desconhecido do qual não viu o rosto, mas ele tremeu de pavor, os pêlos de sua carne ficaram eriçados e ele sentiu passar diante de seu rosto como que um pequeno sopro que murmurava palavras incertas. Ele esticou avidamente o ouvido e captou o melhor possível os fios rompidos desse murmúrio de uma sombra.

Eis um médium dos velhos tempos e vemos, lendo essa passagem, que o autor do livro de Jó conhecia muito bem o gênio dos visionários e o caráter distintivo das visões. Atribui-se o livro de Jó a Moisés, e não é sem razão, porque a beleza desse poema não deixa nada a desejar em relação aos hinos do grande profeta dos hebreus; é a mesma inspiração, é a mesma grandeza nas imagens. Mas, seja ou não de Moisés, esse livro sagrado é a obra de um grande hierofante, e a mais alta ciência aí se encontra unida às mais sublimes aspirações da fé.


É necessário pois estudar e pesar com cuidado as palavras dessa obra. Observemos primeiramente que o homem com visões, o médium, como se diria em nossos dias, é, dos três amigos de Jó, o mais triste e o mais desesperado. Suas doutrinas fazem duvidar da virtude e conduzem ao nada ou ao inferno a grande maioria dos homens. Ora, quem lhe sugeriu esses dogmas de desesperança? Um espírito que ele não conhecia, mas cujas palavras seus terrores noturnos recolhiam e comentavam; eis o que ele conta: "Uma palavra misteriosa me foi dita e, furtivamente, de alguma forma, meu ouvido captou os fios rompidos de seu murmúrio. "No horror da visão noturna, no momento em que o sono se apodera comumente dos homens, "Fiquei tomado pelo medo e tremia; e todos os meus ossos ficaram gelados de pavor. E como um espírito passava diante de mim, todos os pêlos de minha carne se eriçaram.


"Alguém estava lá, alguém de quem não distinguia o rosto, e ouvi como que um pequeno sopro que me falava." Observemos bem todas as circunstâncias: é o momento em que a noite é mais profunda, a hora em que o silêncio da natureza prepara as almas para o temor, e o momento em que a vigília torna-se duvidosa, em que a alma flutua nos primeiros vapores do sono, quando a razão já está acorrentada. Um temor sem causa aparente apodera-se então do visionário, seu sangue se agita e se retira em direção ao coração, as extremidades ficam frias, ele treme como se estivesse com febre, o calafrio percorre sua epiderme, seus cabelos e sua barba se eriçam e é nesse estado precursor das alucinações que ele acredita ver ou sentir um espírito passar. Um fantasma se desenha vagamente na sombra, ele procura e não encontra o rosto dessa figura e ouve, como que no fundo de si mesmo, uma voz que parece uma respiração fraca; eis o fenômeno natural perfeitamente caracterizado: é um pesadelo do primeiro sono, é a alma do sonhador que amedronta a si mesma.


Ele escuta com pavor o eco noturno e enfraquecido de seus próprios pensamentos e os formula com uma penosa atenção, com palavras de desespero. O homem, diz ele, tentaria inutilmente ser justo perante Deus; Deus encontra a perversidade até no coração de seus anjos. Rebanho sem inteligência, a humanidade se espreme em volta do abismo e todos devem cair para sempre na noite escancarada da morte. A criatura mancha o céu e Deus se apressa em limpá-lo; todos passam e morrem sem ter encontrado a sabedoria. É assim que a noite exorta a noite e que a morte anuncia a morte. O pesadelo desconhecido revela apenas a ignorância e consagra seu crente a um pesadelo eterno. Preserva-nos, Senhor, diz Davi no livro dos Salmos, da coisa assustadora que passeia na noite. Esse sopro leve, essa agonia que mal se ouve, esse espectro sem rosto caracterizando de uma maneira surpreendente a ilusão e o erro: é quase o nada e o silêncio, é o vento que parece falar em voz baixa roçando as dobras rígidas da mortalha, é a reminiscência que se apaga na onda móvel e invasora do sonho; e o homem que o sonho arrebata já não sabe se dorme ou se está acordado; raciocina durante o sono, e, ao despertar no dia seguinte, falará como se ainda sonhasse.


Nunca seria demais admirar a arte com que o autor do livro de Jó desenha o caráter do supersticioso representado por Eliphas; sua ciência começou por um terror noturno; também ela é apenas esmorecimento e terror. Ela é negra como a noite, cega e sem rosto como o fantasma. É o orgulho de um alienado que se compraz em sua demência e que se consola em desesperar dando-se a amarga alegria de empurrar os outros para o desespero. Todos os criminosos por religião mal compreendida foram visionários; Jacques Clément e Ravaillac eram perseguidos por sombras desconhecidas e ouviam durante sua insônia o pequeno sopro de Eliphas. A voz que diz: "Mata" e a que diz: "Desespera e morre", saem igualmente do túmulo.


Mas esse túmulo é o da nossa razão, e os mortos voltam apenas em nossos sonhos; também o estado de mediunidade é uma extensão do sonho, é o sonambulismo com toda a variedade de seus êxtases. Aprofundemos os fenômenos do sono, e dominaremos todos os mistérios do espiritismo. Eis por que a lei mosaica, assim como a lei cristã, condenava os espíritos de Python e os que advinham por Ob. Explicamos essas expressões: Python é uma palavra que os intérpretes hebreus empregaram para expressar a grande serpente astral, o fogo vital ininteligente, o turbilhão fatal da vida física, o que cerca a terra mordendo a cauda e que o sol atravessa por todos os lados com suas flechas, isto é, com seus raios; a serpente que tentou Eva e que esmagou sua cabeça sob o pé da mulher regenerada procurando sempre lhe morder o calcanhar.


Ob é a luz passiva, porque os cabalistas hebreus dão três nomes a esta substância universal, agente da criação que toma todas as formas ao equilibrar-se pela balança de duas forças. Ativa, ela se chama Od; passiva se chama Ob; equilibrada se chama Aour. Od se escreve com "vau daleth", que significa hieroglificamente amor e poder; Ob, com "vau beth", significa amor e fraqueza ou atrativo fatal; Aour, com "aleph-vau-resch", significa princípio de amor regenerador. (Veja em nosso Dogma e Ritual da Alta Magia as concordâncias das letras hebraicas com os hieróglifos e os números das grandes chaves do Tarô samaritano.) Os que adivinham por Ob são pois os intérpretes da fatalidade. Ora, consentimos a fatalidade quando a consultamos; abandonamo-nos a ela procurando-a através de oráculos.


Damos assim arras à morte, enfraquecemos seu livre arbítrio. Os que cooperam com essa adivinhação assemelham-se aos empíricos que venderiam veneno publicamente, e Moisés, segundo os costumes de seu país e de seu tempo, não era muito severo quando os condenava à morte. O cavaleiro de Richemback, ao chamar de Od a luz astral, reencontrou um dos verdadeiros nomes cabalísticos da luz universal, mas não o aplicou com exatidão ao generalizá-lo. Od é a luz dirigida ou mesmo diretriz; é a luz astral elevada ao estado de luz de glória. Quanto ao fluído do sonambulismo, é necessário chamá-lo de Ob, porque é seu verdadeiro nome, e somos forçados a reconhecer que os verdadeiros sonâmbulos, quando não são dirigidos por um magnetizador poderoso em Od, são advinhas por Ob ou pelo espírito de Python do qual fala a Escritura Santa.


Os que os consultam cometem pois aquela imprudência ou aquela impiedade que empurrou Saul, abandonado por Deus, para o antro da pitonisa de Endor. Alguns comentadores, entre os quais se deve mencionar São Methodius, denominado Eubulius, bispo de Tiro no início do século IV, viram a pitonisa de Endor como uma hábil intrigante que enganou a credulidade do rei de Israel. Primeiro ela finge não reconhecer o rei, e depois, repentinamente, como se o seu demônio lhe revelasse a verdade, cai aos pés de Saul. Essa encenação dá certo. O príncipe maníaco tranqüiliza-a e se mostra disposto a acreditar nela; ele lhe ordena que evoque Samuel. A pítia então faz mil contorções e se deixa cair pesadamente por terra. O que vês? grita-lhe Saul, todo trêmulo. - Vejo deuses que saem da terra onde vejo subir os poderes da terra. - O que mais vês? - Vejo um velho envolto em um manto. - É Samuel, diz o crédulo monarca.


Então a feiticeira, sem dúvida secretamente devotada a Davi, faz sair de seu ventre uma voz lúgubre. É Samuel que explode em censuras e ameaças. Saul, mais morto do que vivo, já não pode beber nem comer; ele é vencido de antemão; caminha para a batalha como que para o suplício; os filisteus rodeiam-no na montanha de Gelboe, e ele se deixa cair sobre seu gládio ao invés de se defender. Ele não deixou com a adivinha seu livre arbítrio e sua razão? Rei caído e doravante incapaz de reinar, homem indigno de conduzir homens, ele que havia pronunciado a pena de morte contra os feiticeiros e contra aqueles que os consultavam, mostra-se rei pelo menos morrendo, e o faz ao matar-se em último ato de justiça. Ao sábio bispo de Tiro repugnava, com razão, pensar que a paz de uma tumba como a de Samuel pudesse ser perturbada pelas evocações sacrílegas de uma mulher condenada; lembrava-se aliás dessa palavra tão decisiva do Evangelho na parábola do mau rico: CHAOS MAGNUM FIRMATUM EST. O grande caos consolidou-se, de sorte que aqueles que estão em cima já não podem descer; e sobre esse assunto nosso sábio amigo, o saudoso Louis Lucas, fazia uma observação muito judiciosa.


A natureza, dizia ele, abre à vida todas as suas portas, tendo o cuidado de fechá-las atrás dela para que ela jamais retroceda. Vede a seiva nas plantas, vede os sumos alimentadores no alambique das entranhas, vede o sangue nas veias; um movimento regular os faz avançar sempre, e depois que eles passam, os canais estreitam-se e se estrangulam. Os vivos de uma esfera superior, acrescentou ele, não podem mais recair na nossa esfera, do mesmo modo como a criança já nascida não pode voltar para dentro de sua mãe; pensamos como ele e não cremos que a alma de Samuel tenha podido vir de outro mundo maldizer mais uma vez o infeliz Saul. Para nós, a pitonisa de Endor era uma vidente à maneira dos estáticos de Cahagnet; pelo sonambulismo, ela se pôs em comunicação com a alma sombria do rei de Israel e evocou os seus fantasmas. É do fundo da consciência dos assassinos de padres e profetas e não do vazio da terra que se levanta o espectro sangrento de Samuel, e quando a sibila repetia com uma voz de ventríloqua anátemas e ameaças, ela os lia escritos pelo remorso do próprio pensamento de Saul.

Os mortos ressuscitados - O filho da Sunamita - O túmulo de Eliseu Os antigos hebreus acreditavam como os modernos na imortalidade da alma. Moisés no entanto não fez nenhuma menção sobre o assunto no Pentateuco. Esse dogma, com efeito, era reservado aos iniciados, e para reencontrá-lo em todo seu esplendor é necessário penetrar nos santuários da Cabala. Moisés, cuja grande obra era afastar seu povo da idolatria, sabia que a fé mal esclarecida na imortalidade da alma conduzia ao culto dos antepassados e não queria que os hebreus fossem chineses. Não queria que o povo de Abraão e de Jacó levasse do Egito o fetichismo dos cadáveres, não queria dar ao templo do Deus vivo um subsolo povoado de múmias.

A conservação dos cadáveres, com efeito, é um ultraje à natureza, porque é um prolongamento artificial da morte. Moisés temia também encorajar a necromancia e parecia prever de longe a epidemia das mesas falantes e dos espíritos espancadores. É perigoso superexcitar a imaginação das multidões, e o cristianismo mais tarde não escapou desse perigo. O sonho do céu fez negligenciar muito a terra , e nunca é demais lembrar que, segundo a palavra do Mestre, a vontade de Deus deve ser feita assim na terra como no céu. O que está embaixo é como o que está em cima, diz Hemes Trismegisto, e o que está em cima é como o que está embaixo: quando a barbárie está na terra, está também no céu que os homens representam. Tomo por testemunha o fanatismo da Idade Média e o deus dos inquisidores. A religião de Moisés é uma razão sem ternura, e o cristianismo foi de início uma ternura sem razão. É necessário perdoar àqueles que amaram muito. Adorar os mortos que nos são caros é um erro, sem dúvida, mas é um crime imperdoável?


Não há mortos para nós, aliás, tudo é vivo. Nossas próprias relíquias, esses restos de ossadas que causam tanto horror ao puritanismo judaico, já não são fragmentos de cadáveres. Reanimadas pela fé comum, regadas por doces lágrimas de esperança, reaquecidas pela caridade de todos, são sementes de ressurreição e garantias de vida eterna. Israelitas, concedei alguma coisa à santa loucura do amor e nos reconduzireis mais facilmente à severidade do dogma pela indulgência da razão! Crer na ressurreição dos mortos é crer na imortalidade da alma. Ora, os hebreus acreditavam na ressurreição dos mortos. Elias ressuscitou o filho da viúva de Sarepta, Eliseu, o da Sunamita, e um morto que lançaram por acaso no sepulcro desse profeta ressuscitou ao contato de suas ossadas. As duas ressurreições, a do filho da viúva e a do filho da Sunamita, parecem muito calcadas uma na outra.


Seja o que for, a narração da última contém detalhes de operações magnéticas dignas de serem notadas. O filho da Sunamita morreu de uma congestão cerebral em conseqüência de uma insolação. Eliseu primeiro enviou seu servidor Giezi confiando-lhe seu próprio bastão: Tu o voltarás, disse-lhe ele, na direção do rosto da criança, e tu o farás tocá-lo. Giezi parte com a bengala; mas seja por inépcia, seja por falta de fé, sua operação não produz nada e ele volta sem ter tido êxito. Então, o próprio Eliseu dirige-se ao leito da criança e toma a resolução de reaquecê-lo por incubação e insuflação. Coloca o rosto sobre o rosto da criança, as mãos sobre as mãos dela, os pés sob seus pés; depois, sem dúvida para retomar forças, interrompe e passeia pelo quarto; enfim recomeça sua incubação magnética e a criança retorna à vida. É o que lemos no quarto livro dos Reis. Dissemos, em nosso Dogma e Ritual da Alta Magia, que uma ressurreição não nos parece impossível enquanto o organismo vital não for destruido. A natureza, com efeito, não realiza nada de repente, e a morte natural é sempre precedida de um estado que se parece um pouco com a letargia. É um torpor que uma grande sacudida ou o magnetismo de uma poderosa vontade podem vencer, e isso explica a ressurreição do morto jogado sobre os ossos de Eliseu.


O homem estava provavelmente nesta letargia que comumente precede a morte. Os que o carregavam assustaram-se vendo chegar uma borda de salteadores do deserto e atiraram ao acaso o cadáver no sepulcro aberto do profeta para ocultá-lo dos infiéis. A alma do morto sem dúvida pairava pelas regiões baixas da atmosfera, ainda mal separada de seus despojos mortais; o pavor de sua família comunicou-se simpaticamente com esta alma; ela teve medo de que seus restos fossem profanados pelos incircuncisos e entrou violentamente em seu corpo para elevá-lo e salvá-lo. Sua ressurreição é atribuída ao contato com as ossadas de Eliseu, e o culto das relíquias data logicamente dessa época. É certo que os hebreus, que consideram sagrado o livro onde é narrada essa história, não devem achar ruim o culto que os católicos prestam às ossadas e aos outros restos de seus santos. Por que, por exemplo, o sangue de São Januário teria menos virtude que o esqueleto de Eliseu?


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