O Escocismo
O Escocismo é uma forma de maçonaria antiga, que existia e
entrou em França ainda antes da criação da Grande Loja
da Inglaterra. Frequentemente ouvimos falar de Lojas que trabalhavam no
Rito Rectificado. A história deste Rito é particularmente
difícil de fazer, pois após a Revolução Francesa
o seu desenvolvimento sofreu um eclipse e as Lojas que o trabalhavam, faziam-no
sob uma grande discrição. A Grande Loja de França tem
a sorte de possuir hoje sob a sua obediência cinco Lojas (*): Morinie,
Amis Bienfaisants, Philadelphes, Côte-d'Azur e Tradition Ecossaise,
que trabalham no Rito Escocês Rectificado [(RER)]. Pareceu-nos oportuno
precisar alguns pontos da história deste Rito e deste modo pedimos
a um Irmão particularmente qualificado pela sua conduta, pela sua
autoridade e pelos seus títulos que nos expusesse de forma sucinta
a origem do Rito. Tendo sido o primeiro Prefeito da Ordem Interior do Grão
Priorado das Gálias pela Carta Constitutiva de 1935 passada pelo
Grão Priorado da Helvécia, antigo Grão Mestre da Grande
Loja Rectificada, Regente do Rito Escocês Rectificado no seio da Grande
Loja de França, membro do Supremo Conselho Escocês Antigo e
Aceite para a França e suas dependências, este ilustre Irmão
viu por bem honrar as páginas dos "Cahiers" da Grande Loja
de França com este curto resumo histórico que poderá
motivar o leitor a fazer mais amplos desenvolvimentos. (Editor dos "Cahiers"
da Grande Loja de França, nº 11, Setembro de 1949)
.
Esta nota objetiva não tem qualquer pretensão de ser original
e não é doutrinal.
A Maçonaria não é dogmática, sendo que isso
é o que assegura a sua perenidade. Mas logo que estudamos a sua evolução,
é importante assinalar que os "historiógrafos dos sistemas"
elevaram muitas vezes meras hipóteses ao grau de verdadeiros dogmas.
Se é verdade que a passagem da operatividade à especulatividade
não se deu instantaneamente em todo o lado ao toque de uma varinha
mágica, tendo tardado mais de um século a se generalizar,
do mesmo modo quando em 1717 quatro Lojas de Londres, sob o impulso de Desaguliers,
criaram a Grande Loja da Inglaterra, existiam já outras Grandes Lojas
em Inglaterra que duraram ainda muito tempo. O sucesso nacional da Grande
Loja da Inglaterra vem do facto de esta ter estado sob a proteção
da Família Real de Hanover.
Fazer remontar a Maçonaria em França à introdução
dessa Maçonaria oficial inglesa (1725) é um erro. Ainda antes
desta data, já os refugiados stuartistas tinham implantado a Maçonaria
antiga, que era tradicional e que, bem ou mal, reivindicava uma origem Templária.
A lenda Templária, da qual não pretendo estabelecer aqui as
origens, tinha ao menos o mérito de glorificar uma companhia que
havia sido vítima da tirania real e da intolerância clerical.
As lendas têm frequentemente ideias-força geradoras de movimentos sociais respeitáveis. Guilherme Tell, que é símbolo das liberdades helvéticas, provavelmente jamais existiu e no entanto a sua história continua a ser para nós - mas principalmente para os Suíços - a pedra angular de todo um edifício social.
Este preâmbulo não tem outro objectivo que o de situar no seu
contexto o Capítulo de Clermont que criará (1755) em França
a estrutura que permitirá praticar os Altos Graus da Maçonaria
Templária. Não foi uma cisão, já que continuava
o trabalho iniciado em 1688 por uma Loja que havia sido criada em St. Germain.
Apenas se estava a retomar a tese sempre defendida por Ramsay e, ao regressar
às fórmulas primitivas da Maçonaria especulativa, reagia-se
contra a tendência política da Maçonaria francesa que
iria, alguns anos mais tarde, conduzir à criação do
Grande Oriente de França, para grande proveito do duque de Orleães
detinha o poder real.
É então nesse Capítulo de Clermont que tem assento
a Maçonaria Escocesa. É., com efeito, uma das suas filiais
que dá a Etienne Morin a Carta que virá a estar na origem
do Rito Antigo e Aceite. Foi a este capítulo que se afiliou o Barão
de Hundt (iniciado na Inglaterra) que criara na Alemanha o Rito da "Estrita
Observância", que mais tarde dará origem ao Rito Escocês
Rectificado.
O Rito Escocês Antigo e Aceite é sobejamente conhecido e não
falarei dele. Em vez disso irei abordar de modo sucinto as diversas fases
que levaram à criação do Rito Escocês Retificado.
Mas antes de o fazer, queria ter deixado claro que ambos os Ritos estão
unidos por uma paternidade comum indubitável e que, na realidade,
não são mais que duas expressões do Escocismo.
O Rito Escocês Retificado é assim chamado por que foi diversas
vezes depurado em diversos Conventos [reuniões maçónicas
magnas que duram várias semanas]; daí o seu nome de "retificado";
uma primeira reunião deu-se em Colónia, onde se separou de
elementos que se julgavam ter sido introduzidos na Ordem pela Companhia
de Jesus. Os dois principais Conventos, no entanto, foram os de Lyon em
1778 e de Wilhelmsbad em 1782.
Em Lyon renegou-se a filiação temporal aos da Ordem aos Templários
e suprimiram-se os dois graus sacerdotais de Professo e Grão Professo.
Os graus superiores foram reduzidos aos de Escudeiro Noviço e Cavaleiro
Benfeitor da Cidade Santa, que se reagruparam numa Ordem Interior muito
diferente daquela que hoje podemos encontra, por exemplo, na dos Knight
Templars ingleses. Joseph de Maistre, que era Grão Professo, dará
a conhecer a ira pela sua destituição numa célebre
carta que endereçará quatro anos mais tarde ao duque de Brunswick,
que presidiu ao Convento de Wilhelmsbad.
Este último Convento tratou antes de mais de separar a Ordem dos
emergentes Iluminados, que mostravam tendências materialistas e revolucionárias.
De seguida tomou a cargo a tarefa de reformar os rituais dos três
primeiros graus, que não mudaram mais desde então. Existiam
ainda, dois graus intermédios entre as Lojas Azuis e a Ordem Interior,
os de Mestre Escocês e Cavaleiro de Santo André. Esses dois
graus foram fundidos num só, o de Mestre Escocês de Santo André,
cuja alegoria ritual recordava o regresso dos Judeus à Babilónia
e a reconstrução do Templo de Jerusalém. Essas Lojas,
contudo, foram declaradas "nem permanentes, nem deliberantes".
Não eram por isso Ateliers de Perfeição, no sentido
que damos a essa designação, mas um verdadeiro Conselho do
Venerável no seio da Câmara do Meio. Veremos mais adiante que
essas Lojas de Santo André, assim como a Ordem Interior, verão
com o tempo outras interpretações.
Em França, sob o impulso de Willermoz, o Rito Rectificado experimentou
um grande fervor antes da Revolução. Mas os seus chefes estavam
muito envolvidos no martinsimo e sobretudo no martinezismo, pelo que as
Lojas tinham uma prática maioritariamente ocultista. O regime imperial,
que regulamentava tudo num sistema laudatório e autoritário,
incorporou o Rito Escocês Retificado sob a obediência do Grande
Oriente de França [onde desapareceu aos poucos].
De todo o modo, a Vª Província da Ordem foi reorganizada na
Suíça, numa obediência que fez o erro, a meu ver, de
fazer das Lojas de Santo André um grau especial, incorporando a Ordem
Interior no seu sistema. Apesar dessa interpretação da história,
não restam dúvidas que o Grão Priorado da Helvécia
foi indubitavelmente [e durante muitos anos] a única Potência
Escocesa Retificada reconhecida.
Em 1910 alguns Irmãos que tinham recebido os seus graus em Genéve,
em particular Ribaucourt e Savoire, retomam o Rito Retificado no seio do
Grande Oriente de França. Mas os dirigentes dessa obediência
queriam interditar toda a prática [maçónica] que fosse
um pouco mais religiosa e esse facto resultou numa cisão. O Irmão
Ribeaucourt criou através do Rito Escocês Retificado a Grande
Loja Nacional e Independente que teve a boa fortuna de ser reconhecida como
regular pela Grande Loja Unida da Inglaterra.
O Irmão Savoire manteve-se fiel ao Grande Oriente onde acaba por
se tornar Grão Comendador do Colégio de Ritos e teve do seu
lado o favor de manter relações com o Grão Priorado
da Helvécia. Deste modo havia algumas Lojas a trabalhar o Rito Escocês
Retificado sob a obediência do Grande Oriente de França.