O
Homem que criou Jesus Cristo
Robert Ambelain
Terceira parte
Robert Ambelain nasceu no dia 2 de setembro de 1907, na cidade de Paris. No mundo profano, foi historiador, membro da Academia Nacional de História e da Associação dos Escritores de Língua Francesa.´ Foi iniciado nos Augustos Mistérios da Maçonaria em 26 de março (o Dictionnaire des Franc-Maçons Français, de Michel Gaudart de Soulages e de Hubert Lamant, não diz o ano da iniciação, apenas o dia e o mês), na Loja La Jérusalem des Vallés Égyptiennes, do Rito de Memphis-Misraïm. Em 24 de junho de 1941, Robert Ambelain foi elevado ao Grau de Companheiro e, em seguida, exaltado ao de Mestre. Logo depois, com outros maçons pertencentes à Resistência, funda a Loja Alexandria do Egito e o Capítulo respectivo. Para que pudesse manter a Maçonaria trabalhando durante a Ocupação, Robert Ambelain recebeu todos os graus do Rito Escocês Antigo e Aceito, até o 33º, todos os graus do Rito Escocês Retificado, incluindo o de Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa e o de Professo, todos os graus do Rito de Memphis-Misraïm e todos os graus do Rito Sueco, incluindo o de Cavaleiro do Templo. Robert Ambelain foi, também, Grão-Mestre ad vitam para a França e Grão-Mestre substituto mundial do Rito de Memphis-Misraïm, entre os anos de 1942 e 1944. Em 1962, foi alçado ao Grão-Mestrado mundial do Rito de Memphis-Misraïm. Em 1985, foi promovido a Grão-Mestre Mundial de Honra do Rito de Memphis-Misraïm. Foi agraciado, ainda, com os títulos de Grão-Mestre de Honra do Grande Oriente Misto do Brasil, Grão-Mestre de Honra do antigo Grande Oriente do Chile, Presidente do Supremo Conselho dos Ritos Confederados para a França, Grão-Mestre da França - do Rito Escocês Primitivo e Companheiro ymagier do Tour de France - da Union Compagnonnique dês Devoirs Unis, onde recebeu o nome de Parisien-la-Liberté.
As
chamas de Roma
E quando lhes contemplarmos, afundados nas chamas eternas, ah, como riremos!
Quanta será nossa alegria!
Tertuliano, Depaenitentia
18- A prostituta do Apocalipse
Quem quer que se atrevesse a pôr a mão sobre Roma seria culpado
de parricídio aos olhos do mundo civilizado e nos julgamentos eternos
de Deus.
PIO XII, ao Colégio Cardenalicio, 1944
Será consumida pelo fogo [...] E sua fumaça subirá
por tosse séculos dos séculos. Apocalipse, 18, 8, e 19, 3
Desde 1919 a 1932 os Estados Unidos da América viveram sob a lei
chamada da "Proibição", que proibia a venda e consumo
do álcool. Essa foi, então, a grande época do gangsterismo.
Antes de estar em condições de fazer uso das diversas armas
automáticas que fizeram dos bandos norte-americanos terríveis
associações de malfeitores, os assassinos destas e os guarda-costas
de seus chefes usaram uma arma terrível: a lupa ou lupara. Dito de
outro modo, "a loba".
Tratava-se de um fuzil de caça, de dois tiros ou de repetição,
que lançava cartuchos com postas, e ao que se serrou o canhão
até a metade de sua longitude e cortado a culatra recortando-a à
altura do punho de uma pistola. A simples posse de uma arma deste tipo implicava
a detenção imediata e a isso seguia uma investigação.
Terá que dizer que este tipo de arma fora adotada pelos assassinos
da Cosa Nostra, sociedade secreta siciliana, em lembrança de uma
arma análoga utilizada pelos pastores de Sicilia. O fuzil de canhões
recortados, derivado da antiga escopeta (em italiano: Schio-petto) dos séculos
XV e XVI, assim como o trabuco (em italiano: Trom-bone), podia dissimular-se
facilmente sob um impermeável, dirigia-se com as duas mãos,
mas permitia obter a muito curta distância uma dispersão de
projéteis suficiente como para não ter que apontar, o que
permitia disparar imediatamente. Este era o motivo pelo quais os pastores
de Sicilia o conservaram durante séculos, já que servia tanto
contra os lobos como contra todo ataque de um membro de um clã inimigo.
Mas um se perguntará por que dariam a esta arma o nome de "loba"
(lupa ou lupara em italiano, igual em latim). Pois bem, como conseqüência
de um trocadilho erótico. Esta arma a identificavam com a "companheira
fiel" do pastor. E o latim lupa designa não só à
loba, mas também a toda mulher de má vida, já que a
ambas as conhece por sua enorme sensualidade. Desse nome derivam os lupercales.
Estas festas celebravam em Roma o 15 das calendas de março, quer
dizer, em 15 de fevereiro, em honra ao deus Lupercus, nome romano de Pan.
Nelas se sacrificava duas cabras e um cão, e com as peles das vítimas
faziam-se látegos, e os encarregados da celebração
da festa, os lupercos (luperci), percorriam as ruas de Roma armados com
esses látegos e açoitando com eles a todos aqueles e aquelas
aos quais encontravam. O deus Lupercus, protetor dos rebanhos frente aos
lobos, era ao mesmo tempo um deus de fecundidade. As mulheres se ofereciam,
pois, seminuas a esta flagelação, que tinha a virtude de fazer
fecundas às esposas estéreis e de procurar às mulheres
grávidas um feliz parto. Como esta flagelação podia
muito bem não resultar eficaz geneticamente falando, mas em troca
podia excitar os sentidos das mulheres, estas últimas fizeram degenerar
pouco a pouco a festa de Lupercus em uma imensa orgia, o que, naturalmente,
facilitava as fecundidades ulteriores. Até finais do século
IV não se obteve a supressão dos Lupercales, coisa que conseguiu
o Papa Gelasio I.
Pois bem, voltando para a "loba", companheira de pastores, constataremos
que aplicaram este nome à sua arma em lembrança de uma antiqüíssima
tradição latina. Na Roma antiga, o pastor era ou o filho menor
da casa, ou o escravo. Vivia isolado durante meses, com seu rebanho e seus
cães, alimentando-se de olivas, de frutos, mel, leite, queijo e água
clara. Para satisfazer as exigências sexuais desses pastores houve
durante muito tempo prostitutas itinerantes. Como o pastor não tinha
dinheiro, tanto se era filho da casa como se era escravo, tinha que compor-lhe
para lhe pagar à mulher que lhe concedia esses favores que valiam
dinheiro. Tanto se pagava em espécie o que lhe era dado, como se
liquidava com dinheiro, era indevidamente o rebanho do amo quem carregava
com o gasto. E então tinha que procurar o dinheiro vendendo subrepticiamente
um cordeiro ou uma ovelha, ou dava uma ou outra ao escravo que fazia de
servente da prostituta, assim como de guarda-costas "privilegiado".
Assim, essas mulheres não eram ainda "devoradoras de diamantes",
a não ser lisa e sinceramente "devoradoras de rebanhos".
De onde seu apelido de "lobas", tanto por seus costumes e temperamento
como por sua modalidade de pagamento habitual.
Pois bem, Roma deve a uma dessas "lobas" a vida de seu fundador...
Recordemos aqui, para simplificar o que seguirá, a lenda da fundação
de Roma.
Segundo Varrón (que viveu em tempos de Julio César), Roma
foi fundada no ano 753 antes de nossa era por Rômulo, descendente
do troiano Eneas, quem depois da queda de Tróia viria a estabelecer-se
às bordas eo Tiber. Rômulo tinha um irmão gêmeo,
chamado Remo. Ambos eram filhos da vestal Rhea Silvia, filha de Numitor,
rei de Alba Longa, e Rhea Silvia os tinha concebido como fruto de seus amores
com o deus Marte.
Roma sob o Império
O trono de Numitor foi usurpado por Amulio, quem abandonou aos dois meninos
nas águas crescidas do Tíber, mas foram recolhidos ao pé
do monte Palatino por uma loba, que os amamentou sob uma figueira. Logo
cresceram sob o amparo de um pastor chamado Faustulo e, ao chegar a adultos,
mataram ao usurpador Amulio e restituíram o trono de Alba Longa a
seu avô Numitor.
A seguir decidiram fundar uma cidade, e escolheram para isso o monte Palatino,
onde tinham sido criados pela loba. Rômulo, designado rei à
sortes, riscou com o arado um sulco que devia marcar o futuro recinto da
cidade. Rômulo decidiu então chamá-la Roma, palavra
derivada de seu próprio nome. Remo, furioso pelo fato de que a sorte
não lhe tivesse designado rei, atravessou burlando o fosso esboçado
pelo arado de Rômulo. Este, ofendido pelo que naquela época
era um sacrilégio nos ritos de fundação, matou seu
irmão gêmeo.
O primeiro rei de Roma fez desta nova cidade um asilo para vagabundos e
os fora da lei. Para procurar esposas e povoar definitivamente a nova cidade,
raptaram às mulheres e as filhas de um povo vizinho, os sabinos.
A isso seguiu uma guerra entre as duas comunidades rivais. Mas, graças
à mediação das sabinas raptadas, que sem dúvida
encontraram gosto em sua nova vida, as duas cidades se fundiram. Quanto
ao Rômulo, diz a lenda que desapareceu misteriosamente durante uma
tormenta no curso de uma celebração religiosa. E então
lhe elevou à categoria de deus, com o nome de Quirino. Esse nome
provavelmente se deriva do termo quirites, nome que inicialmente levavam
os sabinos, adotado logo pelos romanos quando os primeiros tiveram a hegemonia
sobre a Liga Latina, no século VIII antes de nossa era. Derivava
de Cure, capital dos antigos sabinos. Os romanos levavam esse nome na cidade,
mas jamais quando se achavam em armas, já que era um termo utilizado
nos licenciamentos militares.
O leitor já teria suspeitado a verdade detrás da lenda.
A loba que amamentou Rômulo e Remo não foi outra coisa que
uma dessas prostitutas itinerantes, ou porque foi sua mãe natural
que não pôde, ou porque se limitou a recolher e adotar aos
filhos gêmeos de uma de suas colegas falecida. A hipótese de
que os criasse às pressas de um de seus clientes habituais, o pastor
Faustulo, quem teria cuidado deles e os teria alimentado durante as ausências
profissionais de sua mãe adotiva, não tem nada de inverossímil.
E o que este às pressas estivesse situado à sombra de uma
grande figueira, também é possível.
Mas que fora uma loba real que recolhesse e amamentasse aos dois gêmeos
é pouco plausível. É indubitável que se encontraram
meninos que foram criados por um casal de lobos, em meio dos lobinhos, seus
irmãos em adoção. Mas então o menino permanece
em um estado de total animalidade. Perambula a quatro patas, bebe água
lambendo-a, como um cão, devora a carne crua, e uiva de forma animal.
É muito difícil reeducá-lo e, em caso de consegui-lo,
morre logo que chega a adulto. E é que, em efeito, há traumatismos
psicofisiológicos que não perdoam. Imaginar que dois meninos
amamentados e criados assim por uma loba real, pudessem a seguir acessar
à vida humana normal com as simples técnicas de um pastor
tão primitivo como iletrado, e converter-se em personagens tão
importantes como os gêmeos da lenda, é do mais inverossímil.
Nós aderimos, pois, à tese da "loba" humana, prostituta
itinerante, que foi também provavelmente uma mulher de bom coração.
Então a figueira converteu-se por sua vez em um dos símbolos
de Roma. Em Tácito lemos o seguinte: "Esse mesmo ano [o 58 de
nossa era], a árvore do Comicio, a figueira Ruminal, que mais de
oitocentos anos atrás tinha abrigado a infância de Remo e Rômulo,
perdeu seus ramos e seu tronco se secou, coisa que foi vista como um presságio
sinistro". (Cf. Tácito, Anais, XIII, 58.) Segundo Varrón,
essa figueira tinha recebido o apelido de Ruminal (do latim rumis: mama),
porque foi sob sua sombra onde a loba tinha amamentado aos dois gêmeos.
A tradição legendária contava que essa figueira, situada
primitivamente no Lupercal (quer dizer, na prolongação do
monte Palatino, ao noroeste, lugar chamado Cerníalo), tinha sido
milagrosamente transportada, sob os auspícios do Attus Navius, augur
de Tarquinio, o Antigo, ao Comicio, ao leste do Foro, não longe do
Capitólio. (Cf. J. Carcopino, Bulletin de L'Association Guillaume
Budé, núm. 5, P. 22.)
Não é impossível que o episódio da figueira
estéril, a que Jesus amaldiçoa e faz perecer porque não
dá frutos fora de temporada, utilizasse-se como um encargo contra
Jesus durante seu processo. Ao considerar-se como chefe zelote, submetido
a vigilância romana como todo filho de David, os romanos puderam muito
bem ver nessa maldição contra uma árvore que era o
símbolo do nascimento de Roma, um ato mágico para causar dano,
dirigido em realidade contra a própria Roma. Leiamos de novo ao Marcos:
"Ao dia seguinte, ao sair de Betânia, sentiu fome e vendo de
longe uma figueira com folhas, foi ver se encontrava frutos. Mas não
encontrou nada a não ser folhas, porque não era tempo de figos.
Tomando então a palavra, disse à figueira: "Que jamais
coma já ninguém fruto de ti [...]". E seus discípulos
lhe ouviram [...]" Passando de madrugada, quando retornavam à
cidade, viram que a figueira se secou da raiz. Lembrando-se Pedro, disse-lhe:
"Olhe, Mestre!" A figueira que amaldiçoaste se secou"."
(Cf. Marcos, 11, 12-13 e 20-21.)
De maneira que essa desgraçada figueira deveria adivinhar, como uma
criatura razoável, que Jesus teria fome, e arrumar-lhe para produzir
instantaneamente frutos, embora estivessem fora de temporada.
Deste episódio se pode deduzir o caráter rancoroso de Jesus,
com esse fundo daninho que punham de relevo já os Evangelhos da Infância,
assim como a limitação de seus poderes ocultos, pois para
o "filho de Deus" seria muito fácil dar à um humilde
vegetal o poder de produzir frutos fora de temporada, já que era
absolutamente desatinado imaginar que este pudesse dá-los por suas
próprias forças. E este episódio confirma que se tratava,
por parte de Jesus, de poderes mágicos, como lhe reprovaram freqüentemente
os judeus, e não dos dons todo-poderosos divinos de um deus encarnado.
De todos os modos, se este fato chegou aos ouvidos dos funcionários
de Roma, estes puderam ver na desafortunada figueira um ato daninho dirigido
contra o Império romano, e tanto a Lei das Doze Pranchas como a Lei
Julia castigavam com a pena capital todo sortilégio dirigido contra
os homens, os animais ou as colheitas, recordemo-lo uma vez mais.
Voltemos para a loba, à figueira e ao pastor Faustulo, no monte Palatino.
"Tinha abrigado a infância..." diz-nos Tácito. É
difícil imaginar uma loba permanecendo durante anos sob uma mesma
figueira, sem que pastores e caçadores não fossem desalojá-la
a golpes de flecha. Por todas essas inverossimilhanças, nós
não veremos nessa caridosa "loba" a não ser uma
prostituta de grande coração. E esta conclusão concorda
com a tradição judia contemporânea às palavras
de Varrón. Constitui uma áspera réplica deste.
Varrón, poeta e polígrafo latino, legou-nos um De re rustica,
um tratado de agricultura. Isso é mais ou menos tudo o que fica de
um conjunto hoje desaparecido. Viveu dos anos 116 aos 27 antes de nossa
era. Morreu deixando atrás de si a reputação de uma
brilhante inteligência, verdadeira enciclopédia da época.
Em nosso primeiro volume demonstramos que o Apocalipse não foi redigido
por João, o evangelista, por volta do ano 94, mas sim pelo próprio
Jesus, antes de retornar de seu exílio no Egito, quer dizer pouco
antes dos anos 27 a 29 de nossa era, só meio século depois
da morte de Varrón e da difusão da lenda relativa ao nascimento
de Roma.
E pela primeira vez nos textos antigos vêem ali o termo "prostituta"
utilizado para designar à capital do Império romano:
"Veio um dos sete anjos que tinham as sete taças, e falou comigo
e me disse: Vêem, mostrarei o julgamento da grande prostituta que
está sentada sobre as grandes águas. Com ela fornicaram os
reis da terra, e os moradores da terra se embriagaram com o vinho de sua
fornicação." (Cf. Apocalipse, 17, 1-2.)
"Os dez chifres que vê são dez reis, os quais não
receberam ainda a realeza, mas com a Besta receberão a autoridade
de reis por uma hora [...] Os dez chifres que vê, igual à Besta,
aborrecerão à prostituta, e a deixarão desolada e nua,
e comerão suas carnes e a queimarão ao fogo [...] A mulher
que viu é aquela cidade grande que tem a soberania sobre todos os
reis da terra." (Cf. Apocalipse, 17, 12-18.)
"As águas que vê, sobre as quais está sentada a
rameira, são os povos, as multidões, as nações
e as línguas..." (Cf. Apocalipse, 17, 15.)
"Saúde, glória, honra e poder são de nosso Deus,
porque verdadeiros e justos são seus julgamentos, pois julgou a grande
prostituta que corrompia a terra com sua fornicação, e vingou
o sangue de seus servos por sua mão [...] E sua fumaça subirá
pelos séculos dos séculos..." (Cf. Apocalipse, 19, 1-3.)
Esse termo de "prostituta" incluía, além disso,
uma degradação metafísica, e aos olhos dos judeus letrados
e místicos, mais ou menos iniciados nos ocultos da cabala, este fato
subentendido sublinhava ainda mais seu horror para tudo o que materializava
Roma.
Em hebreu, a palavra prostituta se traduz por quiiphah. Designa um mundo,
um plano, uma "biosfera maléfica", uma dimensão
em que tudo o que na vida tem de corrompido, de contrário aos absolutos
intuitos do Absoluto, e de eternamente rechaçado por ele, deve ser
expulso, e concentrado nessa espécie de excrementos metafísicos.
De fato, é o mundo demoníaco.
A quiiphah é pois, em certo modo, o cubo de lixo do mundo invisível.
Subdivide-se em dez planos ou esferas secundárias, que então,
em plural, levam o nome de quiiphtoh, cada uma delas oposta a seu sephirah
correspondente (plural: sephiroth). Daí e desse conjunto se desprende
todo um universo metafísico complicado, mas profundamente apaixonante
pelo que se refere a seu estudo. Remetemos ao leitor às obras especializadas
na difusão da cabala.
Por esses rápidos paralelismos analógicos se compreende então
até que ponto os judeus integristas, especialmente os zelotes, odiavam
tudo aquilo que simbolizava o Império romano, e particularmente sua
capital: Roma.
Se a isso se acrescentam as dezenas de milhares de combatentes procedentes
da resistência judia que, transportados da Palestina à Itália,
terminaram sua vida em meio dos horrores dos jogos circenses; se se acrescentar
a isso milhares de mulheres e de jovens, de meninos e meninas que foram
vendidos ali, tanto a particulares como a proprietários de lupanares,
e tudo isso muito antes de que os cristãos descendessem por sua vez
às arenas, compreenderá-se até que ponto foi vivo o
ódio para Roma, dos tempos em que Jesus redigiu seu Apocalipse e
o enviou mediante um mensageiro a seu primo João.
Nós citaremos simplesmente a forma como Tito, filho do Vespasiano,
celebrou o aniversário de seu irmão menor, Domiciano: "Esse
grande príncipe solenizou naquele mesmo lugar da Cesaréia
o aniversário do nascimento de seu irmão Domiciano com grandes
magnificências, e a costa da vida de mais de dois mil e quinhentos
dos judeus prisioneiros aos que se julgou a morte. Parte deles foram queimados
vivos, o resto foi obrigado a combater contra as feras ou uns contra os
outros, como gladiadores e por mais grandiosa que parecesse a desumanidade
que fazia perecer a esse povo de tão diversas maneiras, os romanos
estavam persuadidos de que seu crime merecia um castigo ainda mais rude.
Tito foi a seguir de Cesaréia à Berite, que é uma cidade
de Fenícia e uma colônia romana. Como permaneceu ali longo
tempo, celebrou, com ainda mais magnificência, o dia do nascimento
de seu pai, o imperador Vespasiano. Entre tantas diversões e espetáculos
que deu ao povo, viu-se perecer a numerosos judeus da mesma maneira que
acabo de contar". (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, VII, VIII.)
Na obra de Roland Auguet Cruauté et Civilisation: les jeux romains
se encontrará todo o referente aos combates de gladiadores, de feras
entre si, de homens contra feras, de vítimas (de ambos os sexos)
sofrendo atrozes suplícios no curso de reconstruções
mitológicas, como algumas mulheres condenadas a morte, que, encerradas
e "apresentadas" em uma vaca de madeira a um touro em zelo ficavam
rasgadas vaginalmente a fim de representar de forma real o mito de Pasífae.
19 - O incêndio de Roma no ano 64
A verdade não tem hora, é de todos os tempos, precisamente
quando nos parece inoportuna.
dr. A. Schweitzer, A l'oree de laforêt vierge
No livro XV, capítulo XXXVIII, dos Anais de Tácito lemos o
seguinte:
"A seguir sobreveio um desastre (não se sabe se devido ao azar
ou a malignidade do príncipe, já que as duas versões
têm seus partidários). Mas foi o mais grave e o mais espantoso
de todos os que a violência de um incêndio fez experimentar
a Roma." E o fogo prendeu primeiro na parte do Circo contígüa
aos Montes Palatino e Celio. Ali, por causa das tendas repletas de mercadorias
onde se alimenta a chama, o incêndio, já violento desde seu
nascimento e ativado pelo vento, propagou-se a todo o longo do Circo. Porque
não havia nem casas protegidas por fortes cercados, nem templos rodeados
de muros, nem nada que pudesse opor-se ao progresso das chamas. De modo
que se estendeu impetuosamente, primeiro sobre as partes planas, logo se
equilibrou para as alturas, e descia de novo para assolar as partes baixas,
com a mesma rapidez com que a enfermidade adianta a todos os medicamentos,
pois a cidade lhe oferecia uma presa fácil, com suas ruelas estreitas
e tortuosas, suas ruas riscadas sem ordem, como a Roma de antigamente. Além
disso, as lamentações das mulheres aterrorizadas, a debilidade
da idade ou a inexperiência da infância, aqueles que pensavam
em sua própria segurança ou na de outros, os que arrastavam
ou esperavam aos mais débeis, uns atrasando-se e outros precipitando-se,
obstaculizavam todos os socorros." Freqüentemente, ao olhar para
trás, a gente era atropelado pelos lados ou por diante. Se a gente
conseguia escapar para a vizinhança, via que este também estava
envolto em chamas, e inclusive os bairros aos que por sua lonjura se acreditava
abrigado das chamas, os encontrava no mesmo estado." Por último,
ao não saber já o que teriam que evitar ou procurar, entorpeciam-se
as ruas, a gente se tombava a campo atravessaddo. Alguns, ao ter perdido
toda sua fortuna, e ao não ter já nem sequer com o que auxiliar
às necessidades cotidianas, e outros por amor para, aqueles aos que
não tinham podido arrancar à morte, pereceram, embora pudessem
salvar-se. E ninguém se atrevia a combater o incêndio ante
as ameaças repetidas daqueles que, em grande número, impediam
de apagá-lo. Outros lançavam abertamente tochas, e gritavam
que estavam autorizados a fazê-lo, bem porque queriam exercer suas
rapinas com mais facilidade, ou porque efetivamente receberam ordens.
"Durante esse tempo Nero estava no Antium, e não chegou a Roma
a não ser no momento em que o fogo se aproximava da casa que ele
tinha construído para unir o Palatium com os jardins de Mecenas.
Mas não se pôde deter o incêndio antes de que tivesse
devorado o Palatium, suas habitações e tudo em torno.
"Para aliviar ao povo errante e sem asilo. Nero lhes abriu as portas
do campo de Marte, os monumentos de Agripa e inclusive seus próprios
jardins. Mandou construir a toda pressa barracos para acolher às
multidões de indigentes. Fizeram-se chegar mantimentos de Ostia e
dos principais municípios, e se reduziu o preço do trigo até
três sestercios.
"Mas todas essas medidas não passou em branco sua meta: a popularidade;
porque se tinha estendido o rumor de que no mesmo momento em que a cidade
tinha aceso em chamas, o príncipe tinha subido a seu teatro doméstico
e tinha cantado as ruínas de Tróia, procurando no passado
comparações com o desastre presente."
Por que Tróia? Quando a gente recorda que Paulo foi detido (depois
de sua fuga de Roma, durante o incêndio desta), em Troas, capital
da antiga Tróade um pode perguntar-se se não foram os cristãos
os que, inconscientemente, imaginaram, por simples associação
de idéias, esse pseudo-poema sobre as ruínas de Tróia,
relacionadas com o incêndio de Roma. E esses cristãos que lançam
semelhante acusação, não são acaso os "da
casa de César" dos quais fala Paulo em sua Epístola aos
Filipenses (4, 22)? Uma vez mais, Nero, em sua debilidade, ao tolerar a
messianistas entre seus servidores, tinha alimentado em seu seio a víboras!
Mas sigamos lendo a Tácito (Anais, libero XV, 38-44):
"Até o sexto dia não se conseguiu deter o incêndio
na parte baixa das Esquilias, demolindo os edifícios em um espaço
muito grande, para opor àquela contínua violência uma
planície nua e, por assim dizê-lo, o vazio do céu. Mas
ainda não se desterrou o temor e o povo não tinha recuperado
a esperança, quando o fogo se reavivou, embora em um bairro mais
aberto; portanto também houve menos vítimas humanas. Mas os
templos dos deuses e os pórticos dedicados ao recreio deixaram ruínas
mais extensas.
"Este segundo incêndio deu lugar a piores rumores, porque começou
em uma propriedade de Tigelino, no bairro Emiliano, e se acreditava que
Nero procurava a glória de fundar uma cidade nova e de lhe dar seu
nome. Roma está dividida em quatorze regiões; quatro permaneceram
ilesas, três ficaram destruídas até o chão, as
outras sete apresentavam apenas alguns vestígios de moradias em ruínas
ou meio queimadas.
"Seria difícil dar o número de casas, mansões
e templos destruídos. Mas os mais antigos monumentos da religião,
que Sérvio Tulio tinha consagrado à Lua, o Grande Altar, e
o templo dedicado ao Hércules Redentor pelo arcadio Evandro, o templo
do Júpiter Estator, levantado pelo Rômulo, o palácio
de Numa, o santuário de Vesta, com os Penates do povo romano, foram
inteiramente destruídos pelo fogo, sem contar as riquezas, prêmios
de tantas vitórias, as maravilhas da arte grega, por último
os monumentos antigos e ainda intactos do gênio literário.
Inclusive em meio dos embelezamentos da cidade renascente, os anciões
recordavam numerosos tesouros cuja perda era irreparável. Alguns
observaram que o incêndio acendeu o dia quatorze antes das calendas
do mês sextilis, o mesmo dia em que os Senones, depois de ter tomado
Roma, tinham-na entregue às chamas. Outros se tomaram inclusive a
moléstia de levar os cálculos até encontrar um número,
o mesmo, para contar os anos, os meses e os dias que transcorreram entre
os dois incêndios.
"Seja o que for. Nero aproveitou as ruínas de sua pátria,
e construiu uma mansão em que as pedrarias e o ouro não eram
o mais maravilhoso do que havia, já que esse luxo há tempo
que era normal e corrente. Mas se viam campos cultivados, estanque, e, como
nas solidões, aqui bosques, lá espaços descobertos,
e formosas perspectivas. Esses trabalhos tinham sido dirigidos e dispostos
por Severo e Celer, cuja audaz imaginação exigia à
arte realizar o que a natureza se negou a fazer e se convertia em um jogo
abusar dos recursos de um príncipe. Tinham-lhe prometido abrir um
canal navegável do lago Inferno, perto do Cumes, até as bocas
do Tíber, ao longo de um litoral árido ou através das
montanhas. Para alimentar o canal não há mais água
que as dos pântanos Pontinos, o resto do terreno é seco ou
escarpado, e inclusive se se tivesse conseguido vencer todos os obstáculos,
a empresa era excessiva e não se justificava suficientemente. Mas
Nero desejava o incrível, e tentou abrir as altitudes vizinhas à
Averna. Subsistem ainda restos de sua vã esperança.
"Agora bem, os terrenos de Roma que não foram invadidos pela
mansão de Nero, não foram reconstruídos ao azar e sem
ordem como depois do incêndio dos francos. As casas ficaram em alinhamento,
as ruas foram alargadas, a altura das casas se reduziu, abriram-se pátios
e se elevaram pórticos para proteger a fachada das mansões
de edifícios. Esses pórticos Nero prometeu construi-los com
seus denários, também se comprometeu a devolver a seus proprietários
os terrenos por construir, depois de fazê-los escombros. Instituiu,
além disso, terrenos proporcionais à classe e à fortuna
de cada qual, e determinou o prazo no que, uma vez terminadas as habitações
ou os pisos, poderiam entrar neles. Destinava os pântanos de Ostia
a receber os escombros, e queria que os navios que remontavam o curso do
Tíber com um carregamento de trigo, descessem carregados de escombros.
Quanto às construções, quis que em algumas de suas
partes não entrasse a madeira, mas sim, para assegurar sua solidez,
empregasse a pedra de Gabias ou a de Alba, que são a prova de fogo.
A água era desviada abusivamente por alguns particulares para seu
uso; para que fluíra com mais abundância e se achasse em mais
lugares à disposição do público, estabeleceu
vigilância; tiveram que ficar à disposição de
todos, em lugares de fácil acesso, setores preparados contra incêndios;
por último, as moradias não deviam ter paredes medianeiras,
ao ter cada casa seu recinto particular. Essas medidas, que foram bem acolhidas
porque eram úteis, contribuíram também ao embelezamento
da nova cidade. Alguns acreditavam, não obstante, que o antigo plano
de Roma era melhor para a salubridade, já que o estreitamento das
ruelas e a altura dos edifícios não permitia que passassem
os ardentes raios do sol, enquanto que agora, esses amplos espaços,
aos que não protege nenhuma sombra, são abrasados por um calor
insuportável.
"Estas foram quão medidas aconselhava a prudência humana.
Logo se recorreu às expiações aos deuses e se consultaram
os livros da sibila, apoiando-se nos quais se dirigiram orações
públicas ao Vulcano, à Ceres e à Proserpina; ofereceu-se
deste modo um sacrifício expiatório ao Juno por meio das matronas,
primeiro no Capitólio, logo à borda do mar mais próximo,
do que se tirou água para orvalhar com ela o templo e a estátua
da deusa; por último se celebraram assentos para vigílias
por meio das mulheres casadouras. Mas nenhum meio humano, nem larguezas
principescas nem cerimônias expiatórias fizeram calar o infamante
rumor segundo o qual o incêndio fora ordenado por Nero.
"De maneira que, para sossegá-lo, procurou uns supostos culpados,
e infligiu refinadas torturas àqueles cujas abominações
faziam detestáveis e aos que a gente chamava cristãos. Esse
nome lhes vem de Cristo, que, sob o principado de Tibério, fora entregue
ao suplício pelo procurador Poncio Pilatos. Esta detestável
superstição, embora reprimida no momento, ressurgia de novo,
e não só na Judéia, onde tinha nascido este mal, mas
também inclusive em Roma, onde conflui e acha numerosa clientela
tudo que de horroroso e vergonhoso há no mundo.
"Começou-se, pois, por capturar àqueles que eram abertamente
partidários, e logo, segundo suas indicações, a outros
muitos, que, se não eram culpados do crime do incêndio, sim
o eram de ódio para o gênero humano.
"Não se contentaram fazendo-os perecer; converteram em um jogo
revesti-los com peles de animais para que fossem rasgados pelos dentes dos
cães; ou os atavam à cruzes melados com matérias inflamáveis,
e quando tinha expirado o dia, iluminavam as trevas como tochas. Nero tinha
devotado seus jardins para este espetáculo, e proporcionava jogos
ao Circo, onde às vezes participava da carreira de pé sobre
seu carro, ou às vezes, disfarçado de chofer, mesclava-se
entre o povo.
"Mas embora estas pessoas fossem culpadas e dignas dos últimos
rigores, alguém tinha piedade delas, posto que a gente se dizia que
não era só com vistas ao interesse público, mas sim
pela crueldade de um sozinho, por isso as fazia desaparecer."
E aqui, particularizemos.
Não deixa de ser curioso que este incêndio se produza precisamente
no momento em que Menahem, neto de Judas da Gamala, em hebreu "o Consolador",
está pondo de novo Judéia à sangue e fogo.
Também é curioso que Nero, desejoso de contemplar um grande
incêndio para compor melhor um poema que celebrasse o de Tróia,
partisse ao Antium em lugar de ficar, senão em Roma, ao menos bem
perto, em Ostia por exemplo, para contemplar o espetáculo.
É, na verdade, estranho que uns romanos, e o próprio Nero,
tão supersticiosos, aceitassem cometer sacrilégios tais como
a destruição dos templos dos deuses, e sobretudo os dos mais
sagrados, ligados à vida oculta de Roma.
De fato, quais eram esses que "em grande número, impediam de
apagá-lo"? Quais eram esses que "lançavam abertamente
tochas, e gritavam que estavam autorizados a fazê-lo, bem porque queriam
exercer suas rapinas com mais facilidade, ou porque efetivamente tinham
recebido ordens"? São "os da casa de César",
é evidente.
Porque as medidas de assistência adotadas por Nero não são
as de um louco delirante.
Quanto à acusação extremamente grave que levanta Tácito
contra aqueles aos quais chama "cristãos", consiste no
fato de "odiar ao gênero humano", "de ser dignos dos
últimos rigores", e que, apesar de tudo, "o interesse público
exigia fazê-los desaparecer", e demonstra simplesmente que, no
curso das pesquisas, tinham descoberto exemplares do Apocalipse, e vamos
demonstrar.
Pretende-se que esse livro foi redigido pelo apóstolo João
no ano 98 ou 94. Pois bem, quando se produz o incêndio de Roma nos
achamos no ano de 64.
E no Apocalipse encontramos o relato desse incêndio de Roma, que aconteceu
no ano 64, e o da queda de Jerusalém e de seu santo Templo, acontecida
em 70.
Por conseguinte, ou o tal João se burla do mundo ao apresentar como
profeta de um livro que anuncia fatos produzidos trinta anos antes, ou o
Apocalipse não é obra dele; se for realmente profeta (ou simplesmente
um esquema de combate, semelhante aos manuais de combate ritual dos manuscritos
do mar Morto), é muito anterior.
O leitor encontrará no precedente volume os motivos pelos quais estimamos
que o autor desse livro é o próprio Jesus.
O Apocalipse oferece no capítulo 11, versículos 1 aos 13,
o relato da revolução do ano 44, e a crucificação
de Simão-Pedro e de Jacobo-Santiago no ano 47, em Jerusalém.
O capítulo 18 nos descreve o incêndio de Roma. Porque é
evidente que a Babilônia do Apocalipse não é a antiga
cidade desse nome, destruída desde fazia séculos; todos os
exegetas declaram que se trata de Roma, e têm razão. Fala-se
de uns marinheiros que, desde o mar, contemplam o incêndio. Agora
bem. Babilônia estava muito longe, terra adentro. Mas Roma em chamas
era visível desde Ostia, seu porto, que estava muito perto, e os
navios, na desembocadura do Tíber, podiam contemplar o incêndio
com todo seu horror. Além disso, Roma está construída
sobre colinas, e do litoral o incêndio era perfeitamente visível.
O texto do Apocalipse de conteúdo mais significativo corresponde
aos versículos 1 a 8 e 11 a 17 do capítulo 18. E o que dizer
disto: "Pilotos e navegantes, marinheiros e quantos brigam no mar se
detiveram ao longe e gritaram, ao contemplar a fumaça de seu incêndio;
dizendo: Que outra é semelhante a grande cidade? [...] Ai, ai, Oh
cidade grande, na qual se enriqueceram com seu luxo quantos tinham naves
no mar, que em uma só hora foi aniquilada!", (Op. cit., 18,
18-19.)
Vêm depois os versículos 20 a 24. E segue: "depois disto
ouvi no céu uma voz forte de numerosa multidão, que dizia:
Aleluia! Saúde, glória e poder a nosso Deus!, Porque verdadeiros
e justos são seus julgamentos, pois julgou a grande prostituta que
corrompeu a terra com sua fornicação, e vingou o sangue de
seus servos por sua mão. E de novo disseram: Aleluia! Pois sua fumaça
subirá pelos séculos dos séculos". (Op. cit.,
19, 1-4.)
É evidente que os romanos, ante os cadáveres calcinados de
milhares de mulheres e de meninos, ao inteirar-se de quão cristãos
residiam em Roma lhes desejavam e esperavam febrilmente desde fazia tanto
tempo, puderam adivinhar, com bastante acerto, que esses fanáticos
que foram perdendo a paciência tivessem acelerado a realização
dessa delirante profecia, e organizado sabiamente toda essa montagem. Porque
os acontecimentos da Judéia eram conhecidos em Roma. E a destruição
de todo o patrimônio, religioso e civil, suscitou uma verdadeira corrente
de ódio para eles. E desgraçadamente o Apocalipse, tanto se
era profético como se não, estava ali para justificar a reação
romana.
Porque, afinal de contas, como duvidar que fossem os cristãos que
incendiassem Roma, quando se lêem essas frases vingativas nesse mesmo
capítulo 18, onde está tão bem descrito o incêndio?:
"lhe dêem a ela como ela deu! Mais ainda, dupliquem lhe dando
em dobro segundo suas obras: na taça em que ela mesclou, lhe mesclem
o dobro [...]
"Por isso virão em um mesmo dia suas pragas: a mortandade, o
duelo e a fome, e será consumida pelo fogo..." (Apocalipse,
18, 6-8.)
Assim, ao chegar a Roma a notícia da revolução levada
a cabo em Jerusalém por Menahem, neto de Judas da Gamala, era inevitável
que os elementos extremistas do messianismo, ébrios de vingança,
excitados por tais leituras, pensassem em executar as ordens desumanas do
Apocalipse, ordens lançadas já no ano 27, quer dizer, trinta
e sete anos antes, pelo próprio Jesus, seu verdadeiro autor, antes
de sua chegada às bordas do Jordão.
Enfim, com o Apocalipse, suas maldições, suas ameaças,
seu ódio delirante contra as nações e sobretudo contra
Roma, achamo-nos muito longe da cantinela habitual: perdão das ofensas,
amor aos inimigos, depois de que a bochecha direita seja esbofeteada, oferecer
a esquerda; quem golpeia pela espada, perecerá pela espada, etcétera.
Se o Apocalipse não fosse conhecido muito antes do ano 94, data em
que a Igreja pretende que João, o Evangelista, efetuou a redação
deste livro (absoluta contradição, por certo, com o espírito
evangélico de então), como podia acusar Tácito aos
cristãos de "odiar ao gênero humano"? Porque "lhe
Dêem a ela como ela deu...", isso é o Taitón, e
não o evangelho. (Apocalipse, 18, 6.)
Tácito viveu do ano 55 aos 120. Como morreu quando contava 65 anos
de idade, devia redigir suas Histórias e seus Anais nos vizinhos
de 95, por conseguinte, quando contava mais de quarenta anos.
Se o Apocalipse fosse de João, o Evangelista, e datasse do ano 94,
como ia conhecer o Tácito, dado que estes textos cristãos
foram guardados em segredo durante longo tempo, e por diversos motivos?
Pelo contrário, se era do mesmo Jesus, se o redigiu por volta do
ano 27 de nossa era, antes de sua chegada ao Jordão, fazia já
perto de sessenta anos que se pôde conhecer esse livro decisivo, e
as perseguições que seguiram ao incêndio de Roma deveriam
pô-lo de manifesto. Por isso, ante esse pavoroso texto, Tácito
pôde falar de uma seita "que odiava ao gênero humano".
Mas, em contrapartida a esta constatação, é evidente
que Tácito ignora nossos evangelhos atuais, todo inocência,
mansidão e perdão. E com razão, já que não
serão redigidos até que os cristãos se achem no poder,
com Constantino, no século IV, em sua forma atual.
Uma das provas complementares de que João jamais "viu"
o Apocalipse reside no testemunho de Prócero, seu discípulo,
chamado nos Atos dos Apóstolos (6, 5), como um dos sete diáconos
escolhidos por estes para assisti-los. Prócoro compôs um livro
titulado As viagens de João (a quem chama Iochanan, como em hebreu).
Tillemont atribui o manuscrito que chegou até nós ao século
XI e V. Guerin o descobriu em um convento de Pathmos no século XIX.
Pois bem, esse Prócoro, que diz que viveu dez anos com o apóstolo
João (de 86 aos 96), primeiro em Pathmos e logo em Éfeso,
quem afirma que escreveu com sua própria mão o evangelho que
lhe ditava o apóstolo, que assistiu a seus últimos instantes,
e que lhe viu subir aos céus, como Jesus, esse Prócoro ignora
que João, em Pathmos, tinha composto o Apocalipse, João não
lhe dissera nada dessa visão alucinante. Mais ainda. Prócoro
ignora que João foi arrojado a uma caldeira de azeite fervendo em
Roma! Incrível!
Por que? Pois simplesmente porque o Apocalipse fazia já sessenta
e oito anos que fora escrito e difundido por um tal Jesus, quem declara
de um bom princípio que é o autor e que ele é o "vidente"
a quem Deus manifestou. E Prócoro não ignora nada de tudo
isto. Quanto à aventura de João em Roma, para que nosso escriba
a conhecesse seria necessário que o tal João pudesse ir a
Roma, e naquela época, desde Tibério e Claudio, aos judeus
livres lhes proibiu permanecer na capital do Império. E isto tampouco
o ignora Prócoro.
Outro argumento em favor da antigüidade do Apocalipse, primeiro escrito
cristão, como tão bem adivinhou Daniel Massé, encontramo-lo
na comparação entre algumas de suas passagens e outros extraídos
dos Atos.
Estes últimos, no capítulo 15, versículo 28, dizem
o seguinte:
"Porque nos pareceu ao Espírito Santo e a nós não
nos impor nenhuma outra carga mais que estas necessárias: que lhes
abstenham das carnes imoladas aos ídolos, de sangue e dos animais
afogados, e da fornicação".
Esse decreto se adota durante o famoso concílio de Jerusalém,
quer dizer no ano 47. Pois bem, o que lemos no Apocalipse? Isto: "Mensagem
à igreja de Pérgamo: [...] Mas tenho algo contra ti: tem aí
alguns que professam a doutrina de Balam, o qual ensinava ao Balac a arrojar
escândalo ante os filhos de Israel, induzindo-os a comer carnes sacrificadas
aos ídolos e a fornicar..." (Cf. Apocalipse, 2, 11 e 14.)
"Mensagem à igreja da Tiatira [...] Mas tenho contra ti que
deixe fazer à mulher, Jezabel, que se chama profetisa, ensinar e
seduzir a meus servos para fazê-los fornicar e comer dos sacrifícios
dos ídolos..."(Op. cit., 2, 20.)
É evidente que resultaria assombroso que o Apocalipse, supostamente
ditado por Jesus Cristo ao João no curso de sua visão, no
ano 94, em Pathmos, limitasse-se a apresentar como uma "revelação"
divina umas decisões adotadas pelo concílio de Jerusalém
no ano 47. Evidentemente, o que aconteceu foi o contrário: os chefes
do movimento cristão, reunidos em Jerusalém em um decisivo
conselho de guerra, tomaram essa decisão porque vinha diretamente
de Jesus, autor do Apocalipse por volta do ano 27 de nossa era.
Que mais adiante acrescentassem interpolações a este livro,
para fazer acreditar melhor que estava destinado aos cristãos de
finais do século I, não muda em nada o problema. Os elementos
de base, quer dizer a fração mais importante do Apocalipse,
são do próprio Jesus, como declara no prólogo do livro.
Mas permanece uma confissão involuntária sobre a responsabilidade
dos cristãos no incêndio de Roma no ano 64. Existe um apócrifo
intitulado Atos de Pedro. Entre as Acta apostolorum apocrypha ocupam, efetivamente,
um lugar especial. O abade Vouaux, em seu prefácio à tradução
das diversas versões (imprimatur, Nancy, 1921), observa que são
"os de caráter mais controvertido. Se em princípio viu
neles uma obra de espírito gnóstico, logo em troca os restituiu,
não sem certas reservas, a seu verdadeiro lugar, aos círculos
populares ortodoxos dos quais saíram. Essas mesmas vacilações
provam o interesse que pode ter o estudo de suas doutrinas, por pobres que
sejam".
Acrescentaremos esta opinião de Daniel-Rops: "De um ponto de
vista mais estrito, os apócrifos contribuem alguns detalhes históricos
que podem resultar nada desprezíveis". (Cf. Daniel-Rops, Les
Evangiles apocryphes.)
E, efetivamente, os Atos de Pedro nos contribuem a confirmação
do que sempre suspeitamos sobre os verdadeiros incendiários de Roma
no ano 64. Claro que o Apocalipse nos predizia isso com bastante claridade:
a capital do Império romano tinha que ser destruída por um
incêndio gigantesco, em castigo pela morte de tantos combatentes messianistas
judeus nos cruéis jogos circenses. Não podia tratar-se ainda
de cristãos, já que as perseguições contra a
nova religião não começaram até depois de tal
incêndio, pois a primeira data, com efeito, do ano 64, segundo os
historiadores eclesiásticos, e porque se imputava a estes sectários
tal incendeio. Em troca, e sempre, cada vez que Judas e Galiléia
se levantaram em armas contra a ocupação romana, aos prisioneiros
zelotes esperavam a terrível morte reservada por Roma aos rebeldes:
crucificação, fogueira, combate a morte nas arenas, bem contra
as feras, bem contra eles mesmos, sob o aguilhão de ferro candente
dirigido pelos servos do circo.
Mas os mesmos historiadores eclesiásticos rechaçaram sempre
com indignação a acusação lançada contra
os cristãos no referente a sua responsabilidade nesse incêndio.
Agora bem, os Atos de Pedro possuem diversas versões. No original
grego, além de um fragmento muito curto, não fica já
a não ser o final da obra, em dois manuscritos tardios, um do século
IX, e o segundo do X ou do XI. Os manuscritos da versão latina são
do século VII, as versões coptas são do V, mas a siríaca
derivaria diretamente do original grego, segundo uns, ou da versão
copta utilizada pelos monofisitas do Egito e de Síria. Existem, do
mesmo modo, versões armênia, árabe e etíope.
E a versão siríaca nos contribui uma estranha ameaça,
e, uma vez mais, vemos ali a um possuidor do poder apostólico subjugando
às mulheres em proveito de sua ação. Neste apócrifo
Simão-Pedro pelo visto foi à Roma, e ali ganhara para sua
causa às quatro concubinas do prefeito do pretorio, chamado Agripa.
Este último, furioso, faria prender Simão-Pedro e ordenando
lhe crucificar por ateísmo, acusação legal e habitual
contra os cristãos. Agora vem o protesto destes em favor de Pedro:
"Então todos os cristãos foram em turba, ricos e pobres,
órfãos e viúvas, humildes e poderosos. Queriam ver
e apoderar-se de Pedro, e o povo gritava sem interrupção e
com voz unânime: Do que é culpado Pedro, Agripa? Que dano tem
feito? Diga-lhe aos romanos! Comete uma injustiça contra Pedro, Oh
Agripa! Nós, que somos romanos, não vimos que Pedro fizesse
nenhuma só ação merecedora da morte. Se não
o liberar, incendiaremos a imensa Roma com fogo e sairemos dela." (Cf.
Atos de Pedro, versão siríaca, XXXVI.)
Está muito claro.
E o incêndio de Roma no ano 64, que foi obra de cristãos fanáticos,
teve como êmulo o de Bizancio, no ano 404. Estourou na mesma noite
em que João Crisóstomo teve que abandonar a cidade, exilado
por ordem do imperador Arcadio, e a pedido da imperatriz Eudoxia, um traje
de gala que não aceitava as ordens autoritárias e a intolerância
de Crisóstomo. Arderam, em especial, a basílica de Santa Sofia,
o Senado, a magnífica biblioteca, etc.; e a imperatriz Eudoxia morreu
um ano mais tarde, durante um parto.
No intervalo se produziu outro incêndio, o do palácio imperial
do Nicomedes, no ano 303, que também foi atribuído aos cristãos
e que suscitou contra eles uma nova perseguição.
E o que dizer do cinismo agressivo de Tertuliano, quem não vacila
em declarar, no ano 197: "Estamos em todas partes, porque somos numerosos...
Se não fôssemos a não ser um pequeno grupo, uma só
noite e algumas tochas bastariam". (Cf. Tertuliano, Apologeticen, XXXVI,
3.)
Depois disto, já poderão os cristãos afirmar que sua
religião lhes impõe ser cidadãos pacíficos.
Por outra parte, Tácito nos diz que o incêndio de Roma estourou
"dia quatorze antes das calendas do mês sextilis" (cf. Tácito,
Anais, XV, XXXVIII), quer dizer em 20 de julho. Não obstante, tendo
em conta os censurados, mutilados e interpolados que estiveram por parte
dos monges copistas da Alta e Baixa Idade Média, e constatando que
os únicos manuscritos antigos de Tácito que chegaram até
nós são dos séculos IX e XI, seremos desconfiados.
Porque há outros textos, mais antigos que estes, que nos dão
outra data, que provavelmente é a verdadeira.
No capítulo que trata sobre a correspondência apócrifa
entre Paulo e Séneca há uma carta, a que décima segunda,
que nos revela a verdade. Claro que é apócrifa, mas foi redigida
por um cristão de boa vontade, que não suspeitava que, fazendo-o,
falava pelos cotovelos e destruiria a maquiagem de seus sucessores da Idade
Média. Vejamos esta carta: "Séneca ao Paulo, saúde!
Saúdo-o, meu muito querido Paulo. Acredite que não sinto tristeza
de que sua inocência se veja condenada a tão freqüentes
suplícios? De que o povo, lhes julgando tão pouco sensíveis
e tão criminosos lhes atribua todas as desgraças da cidade?
Mas nos resignemos, e vivamos da sorte que a Fortuna nos proporciona, até
que uma felicidade inalterável ponha fim a nossos males. As idades
antigas também tiveram que sofrer ao macedônio filho de Filipo,
e ao Darío, e ao Dionisio, o nosso, e ao C. César, que não
tiveram mais regra que seu capricho. Sobre a origem dos freqüentes
incêndios que sofre Roma, não há dúvida possível.
Mas se uns homens obscuros pudessem dizer qual é a causa, se estivesse
permitido nestas trevas falar impunemente, todos os olhos veriam então
toda a verdade. Os cristãos e os judeus são enviados sem cessar
ao suplício como incendiários. Mas o bandido, seja quem for,
cuja voluptuosidade está em seu sangue, e que se cobre de mentiras,
a esse por força lhe chegará seu dia! Do mesmo modo que os
melhores deram sua cabeça como vítimas expiatórias,
do mesmo modo esse homem será condenado, por todos, ao fogo que lhe
consumirá. Cento e trinta e duas casas, quatro mansões, arderam
durante seis dias; o sétimo cedeu o desastre. Desejo, irmão,
que esteja bem de saúde. 28 de março, sob o consulado de Frugi
e de Basso".
Ao indicar os dois cônsuis anuais, temos a prova de que a carta data
do ano 64, mas não de 20 de julho, a não ser de 28 de março.
E aí está a confissão.
Porque esses textos são do século IV. Esta correspondência
entre Paulo e Séneca a entrevista São Jerônimo no ano
362, e São Agustín em 414. Não há nada anterior.
Assim, em uma época em que não se teme a crítica livre,
onde ninguém se atreveria, bem por medo, ou por ignorância,
a evocar a possibilidade de que os cristãos tivessem incendiado Roma
no ano 64, não vacilam em dar a data exata do início do incêndio:
março do ano 64, já que a carta que fala dele é do
28 do mesmo mês!
Sabemos, por outra parte, pelos historiadores antigos, dos que se ecoou
Daniel-Rops em Jesus em seu tempo, que os procuradores romanos desconfiavam
da avalanche de peregrinos judeus que acudiam a Jerusalém com ocasião
da grande festa pascal. A cidadela Antonia, onde geralmente se alojava uma
coorte veterana e o tribuno que a mandava, quer dizer, seis centúrias
de legionários, via-se ocupada por consideráveis reforços,
que acampavam um pouco por toda parte, e que subiram da Cesaréia
Marítima com o procurador em pessoa.
Se é que a polícia romana não ignorava que todas as
rebeliões judias tinham seu início na Páscoa, quer
dizer, na lua cheia do mês de Nisán, e temos textos autênticos
que expressam a certeza de que a liberação de Israel teria
como ponto de partida esse solene aniversário da saída do
Egito:
"Do mesmo modo que Israel, antigamente, fora liberada do Egito no mês
de Nisán, voltará a sê-lo de novo no mês de Nisán..."
(Cf. Talmud: Rosch Haschana, XIV, 2.)
"Possuímos uma tradição precisa que nos ensina
que a liberação de Israel se produzirá a véspera
de Páscoa, à entrada do Sábat..." (Cf. Rabbi Neftalí,
- Emeck Hammeleck, XXXII, 2.) Isto nos dá uma definição
muito clara do dia "J" e a hora "H" de toda insurreição
judia organizada de antemão. Trata-se da sexta-feira da semana pascal,
no momento em que a lua cheia se eleva por cima do vale de Cedrón,
e o sol se oculta atrás dos vales de G-Hinnom e Refaím. Claro
que na prática terei que ter em conta certas contingências.
Mas se mantém em pé o fato de que a lua cheia da teqoupha
da primavera servia de sinal celeste e de esperança para toda a Palestina.
De modo que foi em março-abril quando Menahem levantou sua vez o
estandarte da revolução de 64, época do incêndio
de Roma. Mas qual dos dois precedeu ao outro? É difícil precisá-lo
na atualidade, mas continua seguro, historicamente, que esses dois acontecimentos
estão interrelacionados e que os separaram poucos dias. Sua sincronização
era muito importante como para que se passasse por cima, e não terei
que desmentir às profecias.
Muito mais tarde, ao censurar Flavio Josefo, pensar-se-ia em dar outra data
nos Anais de Tácito. Porque terei que evitar que pudesse estabelecer
uma relação entre o motivo desse atentado e a nova rebelião
que acabava de estalar na Judéia. Era preciso evitar que pudesse
adivinhar-se que o incêndio tinha sido provocado para estimular aos
combatentes zelotes, lhes fazendo acreditar que a profecia do Apocalipse
começava a realizar-se e que o final do Império romano estava
à volta da esquina! Era muito importante que os zelotes que tinham
seguido ao Menahem (em hebreu: consolador, em grego: paraklétos),
neto de Judas da Gamala, sobrinho de Jesus, não se desalentassem
ante o contra-ataque romano.
Porque Flavio Josefo contribui seu testemunho em favor de Nero: "São
muito numerosos aqueles que contaram a história de Nero. Todavia,
uns não foram fiéis à verdade por gostá-lo,
porque foram bem tratados por ele, e outros, por ódio e por inimizade
contra ele, maltrataram-no tão impunemente com suas mentiras, que
eles são os que merecem ser vituperados". (Cf. Flavio Josefo,
Antigüidades judaicas, XX, vIII, 3.)
E a revolta de Menahem e o incêndio de Roma estiveram extranhamente
sincronizados. Julgue-se:
1) tudo isso estourou no ano 64, trinta e três anos depois da captura
de João, o Batista. E o trinta e três é, no Antigo Testamento,
o número de toda purificação, (cf. Levítico,
12, 4);
2) foi apreendido em 28 de maio do ano 31 de nossa era, e executado na cidadela
de Maqueronte em 29 de março do ano 32. Agora bem, o escriba anônimo
que compôs a pseudo-carta de Séneca ao Paulo, no século
IV, dá a data de 28 de março do ano 64. Portanto, não
ignorava a relação entre o aniversário da morte de
João, o Batista, e a data do incêndio de Roma. E inconscientemente
se traiu.
Esse Menahem apoderou-se a seguir da fortaleza de Massada (que cairia, nas
circunstâncias que se fariam célebres, no ano 73), logo se
fez reconhecer como chefe da nova revolução, fez matar ao
supremo sacerdote, assim como ao irmão deste, chamado Ezequias, e
ante todos esses êxitos se converteu em um tirano insuportável.
Então o povo se rebelou, e lhe deram morte depois de haver submetido
a numerosas sevícias. Podem-se encontrar todos os detalhes na Guerra
dos judeus de Flavio Josefo (livro II, capítulos XXX-XXXII).
Mas, dirá o leitor, tem-se a segurança de que a revolução
de 66 começou em realidade em 64, com a de Menahem e o incêndio
de Roma?
Nós responderemos que sim, e aqui estão os argumentos:
1) Foi em março do ano 64 quando Menahem içou o estandarte
da nova revolução judia. Mas não nos diz o motivo.
2) Naquela época, na Cesaréia Marítima, a antiga Torre
de Estraton, judeus e sírios disputam a administração
da cidade. "Os judeus a querem governar, argüindo que Herodes,
seu rei, tinha-a construído", conta-nos Flavio Josefo. Os sírios,
aos quais ele também chama os gregos, alegam que é uma cidade
pagã, por seus templos, eretos pelo mesmo Herodes para o culto de
seus deuses, etc. E também é certo. E então estalam
motins sangrentos. Por último, Antonio Félix, procurador de
Roma, as sufoca, e ao fim se pode recorrer à arbitragem imperial.
Uma delegação se embarca em direção à
Roma. Quantas semanas, ou inclusive meses, investirá para chegar?
Paulo necessita um ano para chegar de Cesaréia à Roma... Quanto
tempo transcorreria entre esta solicitude de arbitragem, entre sua decisão,
o embarque da delegação em Ostia e sua volta a Antioquia de
Síria ou à Cesaréia Marítima? Quanto tempo entre
essa volta e a difusão da notícia de que a cidade está
definitivamente confiada aos gregos e aos sírios? Porque aqui temos
o texto de Flavio Josefo: "E os gregos da Cesaréia chegaram
com cartas de Nero: Que a cidade seja grega [...] E então se iniciou
a guerra, no ano XII do reinado de Nero, XVII do reinado de Herodes Agripa
II". (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, manuscrito eslavo, II,
6.)
E Pierre Pascal, ao traduzir o texto eslavo de Flavio Josefo, observa, com
muita lógica: "Isso era no ano 66, mas a decisão de Nero
de dar Cesaréia aos gregos deveria ser anterior". (Op. cit.,
Editions du Rocher, Mônaco, P. 155.) E é algo evidente, se
se tiverem em conta todos esses espaços de tempo e essas esperas
que evocavamos antes. Se contarmos um ano para ir da Cesaréia à
Roma, e um ano para voltar, incluindo a estadia na capital e a espera da
decisão imperial, quer dizer, dois anos no total, encontramo-nos
em 64 de nossa era. Mais ainda quanto que o incêndio de Roma em 64
não reduziria os prazos de espera... Então se expõe
uma pergunta inevitável: esperou realmente Menahem a decisão
de Nero para entrar em guerra? Ou simplesmente iniciou a ofensiva apenas
os sírios e os gregos partiram para a Itália? Conhecendo o
estado de espírito dos zelotes, a resposta vem dada por si mesmo.
Façamos, pois, agora o inventário dos personagens que podiam
ter um interesse qualquer no incêndio de Roma, e que fossem o suficientemente
influentes para poder pôr em ação aos servidores do
palácio imperial. (Cf. Suetonio, Vida dos doze Césares: Nero,
38.)
Não revelaremos mais que sete nomes:
1) Nero: demonstramos que não era possível; não estava
em Roma, não se inteirou do incêndio até quatro dias
mais tarde, e não tinha nenhum interesse na destruição
dos templos onde residia a vida espiritual e oculta de todo o império,
sendo ele, além disso, tão supersticioso como era.
2) Popea: Só fazia dois anos que era a esposa de Nero. Que interesse
podia ter em semelhante atentado? Nenhum, evidentemente. Além disso,
estava também no Antium, com Nero.
3) Burro: O prefeito do pretorio tinha morrido no ano 62. E que interesse
podia ter em tal atentado?
4) Tigelina: Substituía a Burro em suas funções, e
podia ter organizado esse incêndio a fim de desacreditar ao Nero,
de quem tinha motivos para querer vingar-se, é certo, mas a quem
temia terrivelmente. Por outra parte, jamais foi favorável aos judeus
messianistas. E então, como justificar que esse atentado sobreviesse
exatamente para respaldar a insurreição de Menahem na Judéia?
Como justificar a eleição da data que coincidia com o aniversário
da captura de João, o Batista, por parte desses romanos sem escrúpulos
e sem espiritualidade?
5) Séneca: Se já era hostil ao progressismo de Nero, por conservador,
imbuído dos princípios de superioridade de Roma, justamente
por essas mesmas razões não podia ser favorável a essa
nova revolução judia, e as objeções feitas no
caso de Tigelino podem aplicar-se igualmente à Séneca. E este
estóico reacionário não podia carregar com a responsabilidade
de destruir os templos romanos mais sagrados.
6) Saulo-Paulo: Amigo de infância de Menahem; forma parte com ele
do kahal messianista da Antioquia (Atos, 13, 1); é amigo de Séneca,
quem é amigo dos conspiradores antineronianos, é membro do
complô de Pisón e é, secretamente, o sucessor deste
último. Saulo-Paulo conta com filiados a sua doutrina e a sua seita
entre os servidores do palácio imperial, em Roma: "os da casa
de César lhes saúdam..." (cf. Epístola aos Filipenses,
4, 22). E no próximo capítulo "encontraremos outros motivos
de suspeita, já que pôde muito bem executar com todo detalhe
o que Séneca e Tigelino desejavam secretamente, embora sem atrever-se
a decidi-lo e a fazê-lo executar. Além disso, as estranhas
coincidências entre a data precisa desse incêndio e a vida de
Batista, sem omitir o conhecimento da revolução de seu ex-suntróphos
Menahem, são outras tantas observações acusadoras.
7) Um chefe zelote desconhecido: Tudo o que se disse no caso de Saulo-Paulo
pode aplicar-se, evidentemente, contra esse extremista anônimo, tudo,
exceto a possibilidade de fazer atuar aos servidores do imperador, "os
da casa de César"... Para que estes assumissem a responsabilidade
de declarar publicamente que estavam cobertos por ordens (cf. Tácito,
Anais, XV, XXXVIII), era preciso que fosse certo. Esse secreto amparo lhes
vinha de Séneca, através de seu amigo e cúmplice Saulo-Paulo,
seu chefe indiscutível.
Mas ficam outras provas, mais sutis, embora igualmente explícitas,
sobre a responsabilidade direta de Paulo no incêndio de Roma. Vejamos
agora algo mais de perto.
Primeiro, ante as evidentes contradições que existem sobre
o referente ao mês em que se produziu o sinistro, convém determinar
quem tem razão, nos apoiando no texto atribuído à Séneca
no século IV por São Jerônimo e São Agustín,
ou no texto atribuído à Tácito, nos manuscritos mais
antigos que possuímos de sua obra, e que são dos séculos
IX e XI.
Séneca nos diz março do ano 64, Tácito nos diz julho
do ano 64, mas nos precisa, imprudentemente, que Nero estava no Antium,
sua cidade natal, a que amava meigamente, e que avisado ao quarto dia do
incêndio, adotou todas as medidas necessárias para melhorar
a sorte da população romana, mas que, não obstante,
lhe imputou a responsabilidade daquele.
Primeira conclusão: para Tácito, transcrito pelos monges copistas,
Nero se encontra no Antium, e portanto na Itália, em julho do ano
64, data do incêndio. Mas isso é falso...
Sabemos, com efeito, por Suetonio (cf. Vida dos doze Césares: Nero,
XXII) que Nero participou dos jogos Olímpicos, nas carreiras de carros,
e isso antes de que se lançasse às exibições
teatrais, as primeiras das quais tiveram lugar em Nápoles.
Observemos, antes que nada, que os célebres jogos se celebravam em
Olímpia, na Grécia, e invariavelmente no mês de julho.
Tinham lugar cada quatro anos, e seu intervalo constituía uma olimpíada.
Tomemos o calendário das olimpíadas do período considerado,
e assinalemos os anos em que tiveram lugar os jogos durante o curto reinado
de Nero. Veremos que foi em julho do ano 60, em julho de 64 e em julho de
68 de nossa era.
Podemos descartar já julho de 68, dado que o imperador morreu em
Roma em 9 de junho de 68 do calendário Juliano, o que dá em
20 de junho do gregoriano.
Ficam então julho de 60 e julho de 64.
Descartaremos também julho de 60, já que Nero foi pela primeira
vez à Grécia antes das exibições de Nápoles,
segundo Suetonio, que tiveram lugar à começos do ano 64; não
fica, pois, a não ser julho de 64, para vê-lo participar das
carreiras de carros em Olímpia. E essa é, infelizmente, a
data que se pretende endossar à Tácito! E é evidente
que Nero não podia encontrar-se no Antium e na Olímpia ao
mesmo tempo.
Porque para ir de Roma à Grécia, por terra e por mar, naquela
época, necessitavam-se umas doze semanas, percorrido que verificaram
certos historiadores. Os beliches e os carros da caravana imperial não
efetuavam um percurso diário superior aos 25 Km.; quanto aos trirremes,
que foram de uma vez a remo e a vela (galeras de escravos), esse tipo de
navegação não podia representar mais de cem quilômetros
ao dia para esses pesados e torpes navios. A velocidade de ponta alegada
por Tito Livio para as galeras de combate não ultrapassava, por exemplo,
os trinta e cinco quilômetros por hora.
Tudo isto exclui que Nero pudesse ir aos jogos olímpicos e retornar
a tempo para estar em Roma em 20 de julho do ano 64, dia em que se declarou
o incêndio, segundo Tácito, revisado e corrigido na Idade Média
pelos monges copistas. Portanto, o texto e a data que nos dá Séneca
são os verídicos, e foi em março quando Roma ardeu,
quando Nero estava ainda no Antium.
Impõe-se, pois, uma primeira conclusão.
Se se esforçarem por substituir julho por março, é
porque esta última data, por sua concordância com a da insurreição
de Menahem, irmão de leite de Paulo (Atos, 13, 1), podia atrair as
suspeitas para este último.
E vai em seguida à mente uma segunda conclusão.
E é que os monges copistas que alteraram visivelmente o texto inicial
de Tácito, fizeram-no a fim de eliminar as provas desta cumplicidade.
Porque se Tácito afirmasse a responsabilidade da colônia judia
de Roma, em seus elementos zelotes, livres ou escravos, nossos monges copistas
medievais, indevidamente anti-semitas tendo em conta a época, sentissem-se
extremamente felizes de sublinhá-la. Mas como, pelo contrário,
desta maneira ficava de manifesto à Paulo, chefe reconhecido dos
cristãos de Roma, substituíram março do ano 64 por
julho.Infelizmente para eles, não lhes ocorreu expurgar do mesmo
modo ao Suetonio e fazer desaparecer essa participação de
Nero nos Jogos de Olímpia.
continua