O
Homem é o microcosmo onde o sacrifício é oferecido.
Louis Claude de Saint Martin
O Homem sendo
uma miniatura dos mundos físico e divino, é certo que seu
corpo contém as essências de tudo o que há na Natureza,
assim como sua alma contém as essências de tudo o que há
na Divindade. Assim, deve haver neste corpo uma correspondência com
cada substância do universo, conseqüentemente, tanto com animais
puros como impuros e com tudo compreendido nos sacrifícios; embora,
não possamos discernir tais essências em nós, podemos
acreditar em suas correspondências externas, através das figuras
e formas perceptíveis que apresentam em nossas mentes, também
através de símbolos e imagens que assumem os bons e maus espíritos,
diariamente e fisicamente para a nossa instrução ou provação.
Contudo não é necessário, na ocasião do sacrifício,
conhecermos tudo isto fisicamente para que nossa intenção
seja pura, viva e para que estes primeiros passos da lei material se complete
em nós; é suficiente que, pela retidão de nosso senso
espiritual natural, permitamos que o princípio da verdade que nos
anima aja, pois Ele tem sob si sacrificadores que irão sacrificar
conosco os animais puros, oferenda que nos será útil, e separar
de nós os animais impuros, que não devem participar dos sacrifícios.
Esta é a lei que atua em nós e, por assim dizer, nos é
desconhecida; ela requer de nós a pureza legítima ordenada
ao povo judeu, mas não requer mais conhecimento do que tinha o povo
quando abordou os sacrifícios; esta é a lei de nossa infância,
que nos conduzirá com segurança à lei pura de nossa
maturidade.
Não duvidemos que o sacrifício destes animais puros em nós
abra um caminho de correspondências salutares, como ocorreu aos hebreus
quando celebraram seus sacrifícios externos.
O efeito seria ainda mais certo e positivo, para cada homem individualmente,
se não fôssemos continuamente perturbados por povos estranhos
que aceitamos no sacrifício e pelos animais impuros que permitimos
estar sob a faca do sacrificador, pois eles nos abrem correspondências
invertidas; tudo deve atuar nos princípios do Homem, enquanto que
na lei simbólica hebraica tudo atuou externamente.
Mas esta obra preliminar, estando além das forças do Homem,
em sua infância, irá ter o ramo de conhecimento de seus mestres
temporais como guia do Homem, dirigindo a obra em seu interior; os mestres
devem responder por este Homem, quando ele chegar na próxima época.
A jornada individual rumo a Canaã. Os Dez Mandamentos.
Quando o Homem, devidamente preparado, chega a esta época, a lei
espiritual dentro dele associa-se com o que é perceptível,
até tomar completamente o seu lugar. Esta lei espiritual se anuncia
através de uma incrível iluminação, como ocorreu
aos hebreus no Monte Sinai; ela proclama conosco, em alta voz, o primeiro
mandamento: "Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da
casa da servidão. Não terás outros deuses diante de
minha face".
Esta voz ressoa por todo nosso ser: ela não só faz com que
todos os falsos deuses fujam pelo terror de suas palavras, mas também
destrui todos os povos estranhos e os sentimentos idólatras que temos
vivido entre os Caldeus, até sermos chamados à terra de Canaã.
Posteriormente, proclama todos os outros preceitos do Decálogo, que
nada mais são do que uma necessária seqüência do
primeiro. Como esta lei, terrível ainda que salutar, será
proclamada somente quando já estivermos fora da terra do Egito, desfrutando
da liberdade e engajados na lei do Espírito, deste momento em diante
seremos responsáveis por nossa própria conduta sob a luz da
lei espiritual. Portanto somos felizes ao "gravar esta lei em nossos
corações e ao escrevê-la nos umbrais de nossas portas"
(Deut. VI 9).
A sujeição espiritual individual, o sacrifício e a
libertação
levam à era profética individual.
Neste estado, a lei do sacrifício ainda nos é, sem dúvida,
necessária; mas nós mesmos somos os Levitas e sacrificadores,
uma vez que temos acesso ao altar e devemos, de acordo com a regra levítica,
sacrificar ao Senhor, diariamente, vítimas de sua própria
escolha, oferecendo aquelas de aroma agradável a Ele.
Devemos oferecer este sacrifício para o nosso próprio progresso
no campo das correspondências, pois ao fazermos um uso santo de nossos
princípios constituintes, nos reunimos às influências
restauradoras (ações) da mesma natureza destes princípios.
Devemos, mais ainda, fazê-lo de forma contínua a fim de nos
adaptarmos ao espírito que se estabeleceu em nós, porque o
ato deste espírito jamais deve ser interrompido, mas sempre reforçado.
Este alto empreendimento que podemos chamar de a primeira idade da lei do
Espírito, está consagrado; este dever é tão
imperativo que se falharmos, rapidamente cairemos no domínio de diferentes
tipos de escravidão, análogas às nossas faltas; porém
quando oprimidos pelo jugo dos déspotas, choramos ao Deus Todo-Poderoso,
e Ele envia os libertadores para nos colocar novamente no caminho certo.
Os auxílios que Ele envia estão fundamentados na centelha
de vida e na luz semeada em nós na medida em que invocamos a lei
espiritual; esta nunca é totalmente extinta por nossas faltas, mas
se fermenta ainda mais sob confinamento e sob as tormentas dos diferentes
tipos de escravidão, emitindo alguns raios que a Divindade reconhece
como pertencentes a Si, o que O induz a descer e auxiliar Suas miseráveis
criaturas.
Ele, assim, procedeu com os hebreus, quando chegou a hora da libertação
do Egito; não se pode esquecer que eles eram os filhos da promessa
e carregavam consigo o espírito da eleição de seu pai;
assim Ele procedeu com eles diante dos Juizes, quando representaram o Homem
emancipado ou sob a lei da liberdade. É desta forma que sob uma quase
ininterrupta alternação de quedas e recuperações
chegamos à segunda idade do espírito, a profética.
Quando a idade profética individual é alcançada completamente,
o espírito do Homem queima com ele a fim de propagar a Verdade, dá-se
o início da Misericórdia.
Foi dito ao pai dos Judeus que todas as nações deveriam ser
abençoadas nele. Ora, até a idade profética, o povo
hebreu viveu bem separado das outras nações; a única
relação que mantiveram com elas foi de luta; a lei proibiu
que se aliassem com estranhos e ordenou que praticassem os rituais e cerimônias
dos quais eram depositários, para seu próprio progresso; esta
é uma representação do que devemos fazer durante nossa
primeira idade ou lei espiritual, quando devemos nos separar de tudo aquilo
que possa impedir nosso crescimento ou a aquisição de dádivas
necessárias; que as nações possam, algum dia, ser abençoadas
em nós.
Contudo, quando a idade profética chegou, os germens da Misericórdia
foram primeiramente semeados em Israel, assim como a instituição
dos sacrifícios havia plantado neles os primeiros germens do Espírito.
Este povo que, até a idade profética, só pensou em
si e desprezou todos os outros povos, começou, através da
alma de seus profetas, a se sentir entusiasmado pelo retorno de outras nações
à verdade.
Os profetas se tornaram oprimidos e aflitos por todos os males que afligiram,
não só Israel, mas todas as nações pecadoras
à sua volta. Eles foram enviados a declarar a ira do Senhor em Nineveh,
Egito, Babilônia e na ilha dos Gentis.
A razão para isto é simples, era o momento em que as promessas
da aliança com Abraão começaram a ser cumpridas; mas
como os hebreus estavam mais adiantados com relação ao cumprimento
destas promessas do que as outras nações, foram os primeiros
a sentir as dores da Misericórdia, enquanto que os outros recebiam,
até então, apenas advertências. Assim, quando o homem
individual passa a primeira idade espiritual, também começa
a sofrer pelas trevas de seus semelhantes e é pressionado pelo desejo
de trazê-los à verdade.
Neste novo estágio, o Homem continua, sem dúvida, a observar
a lei dos sacrifícios, que não pode ser inteiramente realizada
até que derrame seu sangue; mas se acerca dele uma forte influência
(ação) que em conjunto com a ação da primeira
idade espiritual tomam o domínio sobre ele e o guia, é a própria
Ação divina que está começando a aparecer no
mundo: ela ainda deixa o Homem livre, pois é apenas uma lei iniciatória
e um alerta.
Vemos muitos profetas resistirem às ordens que lhe são dadas;
vemos homens, na sua segunda idade espiritual que não usam adequadamente
os auxílios que lhes são oferecidos; é por esta razão
que muitos eleitos nunca chegam à plenitude de sua eleição.
Não é menos verdade, contudo, que nesta segunda idade espiritual,
ou em outros termos, esta primeira idade divina, o verdadeiro espírito
de sacrifício que originalmente tinha como único objetivo
a caridade e a felicidade dos outros, começa a ser cumprido.
O Espírito divino, descendendo sobre os profetas e pousando sobre
eles o peso das nações, aliviou parte do peso que oprimia
estas nações, que se tornaram capazes de melhor receber os
primeiros raios de luz que as levariam ao caminho certo; em resumo, foram
capazes, através das dores e angústias dos profetas, de ver
se realizar sobre eles o que fora realizado perceptivamente por meios de
sacrifícios materiais.
O homem individual, chegando a esta segunda idade espiritual, tem o mesmo
emprego; podemos dizer que é só então que se inicia
a idade da maturidade, ou verdadeiro Ministério Espiritual do Homem;
é só então que ele realmente começa a ser útil
aos seus irmãos, visto que, na idade anterior, ele era útil
apenas à Natureza e a si próprio.