A porção do Homem na ceia; confissão e fé

Louis Claude de Saint Martin

 



Ao mesmo tempo, é essencial que o ministro repita incessantemente aos fiéis as palavras do instituidor: "A carne não traz benefício algum: minhas palavras são espírito e vida"; pois quantos espíritos tem sido mortos pela letra de outras palavras! Todo pensamento da carne e do sangue deve ser banido tanto do ministro como de nós, isto é, devemos ascender, como o Redentor, à região do puro elemento, nosso corpo primitivo que contém a Eterna SOPHIA, as duas tinturas, o espírito e o verbo. É somente a este custo que aquilo que circula no reino de Deus, pode também circular em nós.


Se não nos elevarmos a esta sublime unidade que abarca todas as coisas, através de nossos pensamentos, se confundirmos a instituição com a obra que deve ser realizada internamente e se confundirmos o fim com os meios, o subsidiário com o essencial, estaremos longe de cumprir o espírito da instituição. Este espírito requer que confessemos a morte do Cristo à nossas próprias iniqüidades, a fim de extraviá-las; confessá-la aos homens de Deus, de todas as épocas, para que possam estar ativamente presentes em nossa obra; confessá-la a Deus, para lembrá-lo de que fomos trazidos à vida desde que Ele selou seu próprio selo e caráter no libertador que escolheu; finalmente, é necessário que confessemos esta morte ao inimigo, em todo lugar, a fim de fazê-lo fugir, pois este foi o objetivo da morte corporal do Redentor.
Ora, a instituição da Ceia foi deixada para nos ajudar a trabalhar efetivamente nesta obra viva, a qual temos que realizar individualmente. É nesta obra viva que todas as transposições desaparecem e tudo retorna à sua própria posição, recuperamos aquele puro elemento ou corpo primitivo, que só pode ser restaurado na medida em que sejamos novamente a semelhança de Deus; porque a verdadeira semelhança de Deus só pode habitar tal corpo.


A divina forma humana.
Podemos aqui descobrir a fonte natural de todas aquelas representações antropomórficas das quais o mundo está cheio. Se os escultores representam todas as virtudes terrestres e celestes, sob formas humanas, seja masculina ou feminina; se os poetas personificam todos os deuses e deusas do Empíreo, além de todos os poderes da natureza e dos elementos; se sectos religiosos enchem seus templos com estátuas humanas, o princípio de origem destas práticas não é, de forma alguma uma ilusão, assim como são os efeitos.


A forma humana primitiva deve, de fato, mostrar-se e reinar em todas as regiões. O Homem, sendo a imagem e extrato do centro generativo de tudo o que é, sua forma é o lugar onde todos os poderes de cada região vinham exercitar e manifestar suas ações; em uma palavra, era o ponto de correspondência para todas as propriedades e virtudes. Assim, toda representação que o Homem faz de si mesmo, reproduz apenas a figura daquilo que poderia e deveria ser, recolocando-o, figurativamente, numa posição (medida) na qual ele não está.


Vamos observar, que, quando os sábios comparam o corpo humano com o dos animais, o que chamam de anatomia comparativa, nosso corpo real não entra nesta comparação anatômica, o que de fato nos ensina que somos como outros animais.


Seria melhor que comparassem nosso corpo superior, que não é animal, com nosso próprio corpo animal, se quisessem obter nossa verídica anatomia comparativa; não é suficiente observar coisas em sua similitudes, é essencial observá-las também em suas diferenças.
Da comparação de nossa forma atual com a primitiva, podemos obter resultados úteis sobre a questão de nosso destino original; mas na falta desta importante comparação, que de fato estaria ao alcance de poucos, devemos ao menos extrair indícios luminosos sobre nosso estado anterior, das maravilhosas obras que ainda produzimos através de nossos órgãos corporais; coisas que apesar de nossa condição de queda e dos meios artificiais aos quais estamos restritos, devem abrir nossos olhos às maravilhas naturais que poderíamos ter engendrado se tivéssemos preservado os direitos pertencentes a nossa forma primitiva.


Imagens religiosas e suas origens.
O abuso do antropomorfismo religioso que encheu os templos com imagens humanas rapidamente se transformou em objetos de adoração e idolatria pelo simples fato de ter surgido do exato movimento do coração de Deus para a restauração da humanidade, no momento de nossa queda, quando este coração divino se tornou Homem Espírito.


Como o pacto da restauração é implantado em todos os homens através de sucessivas gerações, eles estão sempre prontos a vê-lo germinar e a olhar os ídolos humanos como a expressão e o cumprimento deste pacto ou a necessidade que tanto sentem de cumpri-lo, embora isto seja desordenado. Além do mais, os homens estão sempre prontos a formar para si próprios, tanto interna como externamente, modelos perceptíveis de acordo com a obra a ser realizada por eles.


Assim, a necessidade de ter um Homem-Deus por perto e a prontidão em acreditar segundo seu desejo, tem sido a origem dos ídolos humanos e sua adoração. Depois disso, ficou fácil operar, através da fraude, sobre a fraqueza e a ignorância a fim de propagar a superstição, seja de forma absurda ou até criminosa; é sempre necessário, até mesmo neste caso, excluir a origem espiritual ativa do antropomorfismo, como mostramos acima.


A obra da perfeita regeneração após a morte; o poder do
inimigo; a Virgem na alma.
Nada senão a renovação de nosso ser, aqui embaixo, pode produzir ao Homem, o que ele procura em vão em suas superstições e ídolos; esta própria renovação é apenas uma preparação para a perfeita regeneração, que, como vimos, só ocorre com a separação de nossos princípios corporais ou o derramamento de nosso sangue. Além do mais, após a morte somos removidos para o grande ternário, ou o triângulo universal, que se estende do Primeiro Ser à Natureza; cada uma das três ações extraem para si todos nossos princípios constituintes: divino, espiritual e elementar, para restabelecê-los, se formos puro, e restaurar a liberdade à nossa alma, para que acenda novamente à sua fonte. Isto é o que Cristo permite que seja feito a si mesmo, fisicamente, através de sua morte e sepultamento.


Mas, se não formos puro, o inimigo que não se opõe a separação das partes corporais, que pertence à forma, se opõe à renovação dos princípios sobre os quais havia obtido o comando e os retém todos ao seu domínio, para o grande detrimento da alma desafortunada que se tornou sua vítima.


Podemos auxiliar a renovação de nossos princípios apenas enquanto possuirmos uma Virgem Eterna renascida em nossas almas, pela qual o Filho do Homem pode habitar a carne, com todas as suas virtudes e poderes; alcançar o renascimento desta Virgem Eterna em nós é reviver o corpo primitivo ou o puro elemento. Aqui, vemos escrito no Homem todas as leis dos sacrifícios simbólicos dos quais o Homem é realmente o objetivo, mesmo quando ele parece ser apenas um órgão ou instrumento.