Paulo De Tarso
Paulo de Tarso brilha como estrela de primeira grandeza na história
da Cristandade, e não só da primitiva. São João
Crisóstomo exalta-o como personagem superior até a muitos
anjos e arcanjos (cf. Panegirico, 7, 3). Dante Alighieri na Divina Comédia,
inspirando-se na narração de Lucas feita nos Actos (cf. 9,
15), define-o simplesmente "vaso de eleição" (Inf.
2, 28), que significa: instrumento pré-escolhido pelo Criador. Outros
chamaram-no o "décimo terceiro Apóstolo" e realmente
ele insiste muito para ser um verdadeiro Apóstolo, tendo sido chamado
pelo Ressuscitado ou até "o primeiro depois do Único".
Sem dúvida, depois de Jesus, ele é o personagem das origens
sobre a qual estamos mais informados. De fato, possuímos não
só a narração que dele faz Lucas nos Atos dos Apóstolos,
mas também um grupo de Cartas que provêm diretamente da sua
mão e sem intermediários nos revelam a sua personalidade e
o seu pensamento. Lucas informa-nos que o seu nome originário era
Saulo (cf. Act 7, 58; 8, 1, etc.), aliás em hebraico Saul (cf. Act
9, 14.17; 22, 7.13; 26, 14), como o rei Saul (cf. Act 13, 21), e era um
judeu da diáspora, estando a cidade de Tarso situada entre a Anatólia
e a Síria. Tinha ido muito cedo a Jerusalém para estudar profundamente
a Lei moisaica aos pés do grande Rabi Gamaliel (cf. Act 22, 3). Tinha
aprendido também uma profissão manual e áspera, era
fabricante de tendas (cf. Act 18, 3), que sucessivamente lhe permitiu sustentar-se
pessoalmente sem pesar sobre as Igrejas (cf. Act 20, 34; 1 Cor 4, 12; 2
Cor 12, 13-14).
Para ele foi decisivo conhecer a comunidade dos que se professavam discípulos
de Jesus. Por eles tinha sabido a notícia de uma nova fé um
novo "caminho", como se dizia que colocava no seu centro não
tanto a Lei de Deus, quanto a pessoa de Jesus, crucificado e ressuscitado,
com o qual estava relacionada a remissão dos pecados. Como judeu
zeloso, ele considerava esta mensagem inaceitável, aliás escandalosa,
e por isso sentiu o dever de perseguir os seguidores de Cristo também
fora de Jerusalém. Foi precisamente no caminho para Damasco, no início
dos anos 30, que Saulo, segundo as suas palavras, foi "alcançado
por Cristo" (Fl 3, 12). Enquanto Lucas narra os fatos com riqueza de
pormenores de como a luz do Ressuscitado o alcançou e mudou fundamentalmente
toda a sua vida ele nas suas Cartas vai diretamente ao essencial e fala
não só da visão (cf. 1 Cor 9, 1), mas de iluminação
(cf. 2 Cor 4, 6) e sobretudo de revelação e de vocação
no encontro com o Ressuscitado (cf. Gl 1, 15-16). De fato, definir-se-á
explicitamente "apóstolo por vocação" (cf.
Rm 1, 1; 1 Cor 1, 1) ou "apóstolo por vontade de Deus"
(2 Cor 1, 1; Ef 1, 1; Col 1, 1), para realçar que a sua conversão
não era o resultado de um desenvolvimento de pensamentos, de reflexões,
mas o fruto de uma intervenção divina, de uma imprevisível
graça divina. A partir daquele momento, tudo o que antes constituía
para ele um valor tornou-se paradoxalmente, segundo as suas palavras, perda
e lixo (cf. Fl 3, 7-10). A partir daquele momento todas as suas energias
foram postas ao serviço exclusivo de Jesus Cristo e do seu Evangelho.
Agora a sua existência será a de um Apóstolo desejoso
de "se fazer tudo em todos" (1 Cor 9, 22) sem reservas.
Isto constitui para nós uma lição muito importante:
o mais importante é colocar no centro da própria vida do Messias,
de modo que a nossa identidade se distinga essencialmente pelo encontro,
pela comunhão com Cristo e com a sua Palavra. À sua luz todos
os outros valores são recuperados e ao mesmo tempo purificados de
eventuais impurezas. Outra lição fundamental oferecida por
Paulo é o alcance universal que caracteriza o seu apostolado. Vendo
a agudeza do problema do acesso dos Gentios, isto é dos pagãos,
ao Criador, que em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado oferece a salvação
a todos os homens sem exceções, dedicou-se totalmente a dar
a conhecer este Evangelho, literalmente "boa notícia",
isto é, anúncio de graça destinado a reconciliar o
homem com Deus, consigo mesmo e com os outros. Desde o primeiro momento
ele tinha compreendido que esta era uma realidade que não dizia respeito
só aos judeus ou a um certo grupo de homens, mas que tinha um valor
universal e se referia a todos, porque Deus é o Deus de todos.
O ponto de partida para as suas viagens foi a Igreja de Antioquia da Síria,
onde pela primeira vez o Evangelho foi anunciado aos Gregos e onde também
foi cunhado o nome de "cristãos" (cf. Act 11, 20.26), isto
é, de crentes em Cristo. Dali ele dirigiu-se primeiro para Chipre
e depois várias vezes para as regiões da Ásia Menor
(Pisídia, Licaónia, Galácia), depois para as da Europa
(Macedónia, Grécia). Mais relevantes foram as cidades de Éfeso,
Filipos, Tessalônica, Corinto, sem contudo esquecer Beréia,
Atenas e Mileto.
No apostolado de Paulo não faltaram dificuldades, que ele enfrentou
com coragem por amor de Cristo. Ele mesmo recorda ter agido "pelos
trabalhos... pelas prisões... pelos açoites, pelos frequentes
perigos de morte... três vezes fui açoitado com varas, uma
vez apedrejado; três vezes naufraguei... viagens sem conta, exposto
a perigos nos rios, perigos de salteadores, perigos da parte dos meus concidadãos,
perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos entre os
falsos irmãos; trabalhos e fadigas, repetidas vigílias com
fome e sede, frequentes jejuns, frio e nudez! E além de tudo isto,
a minha obsessão de cada dia: cuidado de todas as Igrejas" (2
Cor 11, 23-28). De um trecho da Carta aos Romanos (cf. 15, 24.28) transparece
o seu propósito de chegar até à Espanha, às
extremidades do Ocidente, para anunciar o Evangelho em toda a parte, até
aos confins da terra então conhecida. Como não admirar um
homem como este? Como não agradecer ao Senhor por nos ter dado um
Apóstolo desta estatura? É claro que não lhe teria
sido possível enfrentar situações tão difíceis
e por vezes desesperadas, se não tivesse havido uma razão
de valor absoluto, perante a qual nenhum limite se podia considerar insuperável.
Para Paulo, esta razão, sabemo-lo, é o Reparador, do qual
ele escreve: "O amor de Cristo nos impulsiona... para que, os que vivem,
não vivam mais para si mesmos, mas para Aquele que por eles morreu
e ressuscitou" (2 Cor 5, 14-15), por nós, por todos.
De fato, o Apóstolo dará o testemunho supremo do sangue sob
o imperador Nero em Roma, onde é conservado e venerado os seus despojos
mortais. Assim escreveu acerca dele Clemente Romano, meu predecessor nesta
Sede Apostólica nos últimos anos do século I: "Por
causa dos ciúmes e da discórdia Paulo foi obrigado a mostrar-nos
como se obtém o prêmio da paciência... Depois de ter
pregado a justiça a todo o mundo, e depois de ter chegado até
aos extremos confins do Ocidente, sofreu o martírio diante dos governantes;
assim partiu deste mundo e chegou ao lugar sagrado, que com isso se tornou
o maior modelo de perseverança" (Aos Coríntios, 5). O
Senhor nos ajude a pôr em prática a exortação
que nos foi deixada pelo Apóstolo nas suas Cartas: "Sede meus
imitadores, como eu o sou de Cristo" (1 Cor 11, 1).