Jerônimo
Savonarola
Esse artigo já começa com um questionamento; quem foi Jerônimo
Savonarola? Um reformador moral, o primeiro protestante, um herege, um incompreendido,
um santo ou um excomungado? O fato é que a figura desse dominicano
é polêmica, rodeada de discussões e dúvidas.
Ele nasceu em Ferrara, mas viveu e morreu na gloriosa Florença. Sua
história tornou o Quattrocento um período mais singular, seja
graças aos seus sermões apocalípticos, ou suas atitudes
controversas de luta contra a cultura pagã na Renascença.
Savonarola era oriundo de uma tradicional família de Ferrara. Foi
um entusiasta do estudo da filosofia e medicina. O seu chamado religioso
se deu por ação de um fervoroso sermão proferido por
um agostiniano. Jerônimo então se retirou do mundo, entrando
na ordem de São Domingos, em Bolonha. Ao longo de sua vida Savonarola
atuou com as figuras mais marcantes do período; Médicis e
Bórgias, Papa Alexandre VI, Miguel Ângelo e os artistas florentinos.
Desde já é extremamente pertinente levar em conta o Papa da
época, Alexandre VI. Outra questão essencial na compreensão
dos acontecimentos posteriores na vida do religioso é a relação
que tinha com Carlos VIII, da França. Para o dominicano o monarca
francês era instrumento divino de regeneração da Itália
e reforma da Igreja. O próprio chegou a conclamar o rei a se guiar
na Providência. Com o regresso do monarca a França, os estados
italianos se rebelaram, mas Savonarola defendeu para Florença a manutenção
de sua aliança com Carlos VIII, o que acarretou a sua subida ao poder.
Foi aí que Savonarola lançou para a história talvez
a cena mais marcante de sua vida; a fogueira de livros e quadros.
Alexandre VI tinha aversão a Carlos VIII, e a aliança do dominicano
com o monarca francês fincou as antipatias do Papa a Savonarola, que
já vinha fazendo sermões contra os erros morais da sociedade
italiana, incluindo a família Bórgia (Antes de se tornar um
fenômeno nacional Savonarola já havia irritado os então
senhores de Florença; os Médicis. Atacados pelo dominicano
por promoverem a arte pagã e a vida frívola). O Papa chamou
diversas vezes o religioso a Roma para prestar satisfação,
sua negativa se dava por motivos de saúde ou indisponibilidade. O
Papa Bórgia, consternado, afinal Savonarola continuava fazendo seus
sermões duros e enfáticos, o proibiu indefinidamente de pregar,
e posteriormente o excomungou. O mais interessante foi que no espaço
do decreto e sua chegada até Florença Savonarola escreveu
uma carta pedindo perdão pelas eventuais faltas cometidas. Ele e
seus aliados até tentaram revogar a excomunhão junto a Roma,
sem sucesso. O dominicano mandou, por sua vez, uma carta desafiando o Papa
e projetou um Concílio que julgasse e depusesse o Pontífice.
O que se seguiu foi a prisão de Frei Jerônimo e sua morte na
fogueira pelas mãos da justiça civil de Florença.
O que se alega é que a excomunhão de Savonarola não
tinha fundamento teológico-jurídico, mas foi norteada pela
antipatia de Alexandre VI ao reformismo moral do religioso, sua relevância
política em Florença e sua estreita relação
com Carlos VIII.
Os erros de Savonarola são claros; milenarismo e sentimentos apocalípticos.
É fato que esses seus "métodos" foram essenciais
no fortalecimento da fé em Florença, ultrajada e combatida
pela intensa presença pagã renascentista. Quanto aos combates
de Jerônimo a Igreja e ao Papado, fica a dúvida se ele se referia
a Esposa de Cristo e ao Primado Petrino, ou era uma crítica dura
a corrupção do clero e a libertinagem que reinava no pontificado
de Alexandre VI. Para muitos, e até para os dominicanos que sonham
com sua possível canonização, o religioso não
se opunha ao Magistério, a Tradição e a Sagrada Escritura,
ao contrário, seria sua fidelidade a Cristo e a Sua Igreja que o
levaria a lutar pelo restabelecimento da santidade. O que fica claro é
que Savonarola não era um criptoprotestante, na verdade esse seqüestro
da imagem do dominicano se deu em períodos tardios, com pessoas que
queriam endossar os seus posicionamentos como já existentes na história.
Quanto a sua dita aversão a arte, isso é uma falácia.
Savonarola combatia o paganismo presente na Renascença, mas foi um
defensor, e até influente, na concepção artística
cristã, principalmente por causa de Botticelli e Miguel Ângelo,
ambos admiradores de Savonarola.
Carpeaux, em História da Literatura Ocidental Vol. 1, fala de Savonarola;
"Mas Savonarola não era inimigo da alta cultura. A profunda
influência que o monge exerceu na mente de Botticelli e Miguel Ângelo
basta para refutar a acusação, e o convento de San Marco,
em que Savonarola viveu, é um santuário da arte. Savonarola
é representante máximo, não da hostilidade contra a
Renascença, mas da outra Renascença, cristã e popular,
que com os monges de S. Francisco começara e com esse monge de S.
Domingos acabou."
Nunca saberemos de fato se Savonarola foi realmente um herege digno de excomunhão
ou uma vítima da perseguição de Alexandre VI, reflexo
de sua luta pela reforma moral da Igreja. O fato é que sua figura
enriqueceu a Renascença!