Atos
Humanos, Providência Divina E Corpos Celestes
Por S. Tomás de Aquino
Artigo 10 SE OS ATOS HUMANOS SÃO GOVERNADOS PELA DIVINA PROVIDÊNCIA
MEDIANTE OS CORPOS CELESTES.
Respondo dizendo que para chegarmos à verdade desta questão
importa saber primeiro o que é dito serem atos humanos. São
ditos propriamente atos humanos aqueles dos quais o próprio homem
é senhor. Ora, o homem é senhor dos seus atos pela vontade
ou pelo livre arbítrio. Esta questão versa, portanto, acerca
dos atos da vontade e do livre arbítrio. De fato, há alguns
atos no homem que não estão submetidos ao império da
vontade, como os atos da potência nutritiva e generativa. Estes atos
estão submetidos às virtudes dos corpos celestes do mesmo
modo como os outros atos corporais.
Quanto aos atos humanos, porém, houve muitos erros.
A. Alguns, de fato, colocaram os atos humanos não pertencerem à
divina providência nem serem reduzidos a nenhuma causa que não
seja a divina providência. E esta parece ter sido a posição
de Túlio, como diz S. Agostinho no V da Cidade de Deus. Isto, porém,
não pode ser, pois a vontade humana é um movente movido, como
se demonstra no III De Anima, sendo, portanto, necessário reduzir
o seu ato a algum primeiro princípio que seja movente não
movido.
B. Outros, por este motivo, reduziram todos os atos da vontade aos corpos
celestes, colocando ser a mesma coisa em nós o sentido e o intelecto
e, por conseguinte, serem corporais todas as virtudes da alma, estando as
mesmas, deste modo, submetidas às ações dos corpos
celestes. Esta posição, no entanto, foi destruída pelo
Filósofo no III De Anima, mostrando que o intelecto é uma
virtude imaterial e que a sua ação não é corporal
mas, conforme -se escrito no XVI De Animalibus,
"os princípios dos quais as ações são sem
o corpo, os próprios princípios são sem o corpo",
de onde que não é possível que as ações
do intelecto e da vontade, consideradas em si mesmas, sejam reduzidas a
princípios materiais.
C. Por isso Avicenna colocou em sua Metafísica que assim como o homem
é composto de alma e corpo, assim também o são os corpos
celestes, e assim como as ações e os movimentos do corpo humano
são reduzidos aos corpos celestes, assim também as ações
da alma são reduzidas às almas celestes como aos seus princípios,
de tal modo que toda a vontade que há em nós é causada
pela vontade da alma celeste. Esta colocação pode ser conveniente
com a opinião que ele tinha sobre o fim do homem, que Avicenna dizia
estar na união da alma à alma ou a inteligência celeste.
Como a perfeição da vontade é o fim e o bem, que é
o seu objeto assim como o visível é o objeto da vista, é
necessário que aquilo que age na vontade tenha também razão
de fim, porque não age segundo a causalidade eficiente senão
na medida em que imprime a sua forma no susceptível.
D. Segundo, porém, a sentença da fé, o próprio
Deus é, e de modo imediato, o fim da vida humana. Somos, de fato,
beatificados pela fruição de sua visão, e por isso
somente Ele pode imprimir na nossa vontade.
É necessário, porém, que a ordem dos móveis
corresponda à ordem dos moventes. Ora, na ordem ao fim, ao qual diz
respeito a providência, o que em nós se primeiro é a
vontade, à qual pertence por primeiro a razão de bem e de
fim, e que usa de todas as coisas que estão em nós como instrumentos
para a consecução do fim embora, em relação
a algo, a inteligência tenha precedência sobre a vontade. Mais
próximo à vontade está o intelecto, e mais remotas
estão as forças corporais.
Por isso o próprio Deus, que é simplesmente considerado o
primeiro providente, e somente Ele, pode imprimir em nossa vontade. O anjo,
porém, que a Ele se segue na ordem das causas, imprime no nosso intelecto
na medida em que pelos anjos somos iluminados, purgados e aperfeiçoados.
Os corpos celestes, que são agentes inferiores, somente podem imprimir
nas forças sensórias e em outras unidas aos órgãos.
Na medida, porém, em que o movimento de uma potência da alma
redunda em outra, ocorre que a impressão dos corpos celestes redunda
no intelecto como que por acidente e, posteriormente, na vontade. Semelhantemente,
a impressão do anjo redunda na vontade por acidente.
Todavia, quanto a isto, diversa é a disposição do intelecto
e da vontade para com as potências sensitivas. O intelecto, de fato,
é movido naturalmente pela potência sensitiva apreensiva, pelo
modo pelo qual o objeto move a potência, porque a fantasia está
para o intelecto assim como a cor está para a vista, conforme está
dito no III De Anima. Por isto, perturbada a potência sensitiva interior,
necessariamente é perturbado o intelecto, assim como vemos que, lesado
o órgão da fantasia, necessariamente impede-se a ação
do intelecto. Segundo este modo a ação ou impressão
do corpo celeste pode redundar no intelecto como que por via de necessidade;
por acidente, todavia, na medida em que esta ação, considerada
em si mesma, é sobre os corpos. E digo como que por via de necessidade,
a não ser que haja uma disposição contrária
por parte do móvel, como o apetite sensitivo, que não é
naturalmente motivo da vontade, mas inversamente, pois o apetite superior
move o apetite inferior assim como a esfera move a esfera, conforme é
explicado no III De Anima. Assim, embora o apetite inferior seja perturbado
por alguma paixão da ira ou da concupiscência, não é
necessário que a vontade seja perturbada; ao contrário, ela
possui a potência de repelir tal perturbação, conforme
se diz no Gênesis:
"Sob ti estará o teu apetite, e tu o dominarás".
Gen. 4, 7
Nenhuma necessidade, portanto, é induzida por parte dos corpos celestes
nos atos humanos, nem por parte do recipiente, nem por parte do agente,
mas apenas a inclinação, a qual também a vontade pode
repelir pela virtude adquirida ou infusa.