A Nova Cavalaria



Foi precisamente nesse concilio local, em 1128, que a nova Ordem de Cavalaria veio a receber a sua regra. E foi São Bernardo, abade da nova abadia cisterciense de Claraval [ao qual dedicamos um livro recentemente] na sua qualidade de secretário do concilio, o encarregado de redigir essa regra (ou, pelo menos, de traçar as suas linhas gerais e de força, porque parece que somente mais tarde foi chamado a completá-la, terminando a sua redação definitiva em 1131). Comentou seguidamente essa regra num tratado, "De laude novae militae", em que expôs eloqüentemente, como era seu hábito, a missão e o ideal da cavalaria cristã, do que ele chamava "a milícia de Deus":
"Uma nova cavalaria apareceu na terra da Encarnação. É nova e ainda não posta à prova no mundo, onde ela conduz um novo combate, tanto contra adversários de carne e de sangue como contra o espírito do mal nos céus. E que os seus cavaleiros resistam pela força do seu corpo aos inimigos corporais, não o julgo maravilhoso, porque não o considero raro. Mas que eles conduzam a guerra pelas forças do espírito contra os vícios e os demônios, chamarei a esse fato não apenas maravilhoso mas digno de todos os louvores concedidos aos religiosos (...) É verdadeiramente sem medo e sem afronta o cavaleiro que protege a sua alma com a armadura da fé, tal como cobre o seu corpo com uma cota de malha. Duplamente armado, ele não tem receio dos demônios nem dos homens. Certamente aquele que deseja morrer não receia a morte. E como temeria morrer ou viver aquele para quem a vida é Cristo e a morte recompensa? Avante, então, ó cavaleiro, e ataca com arma intrépida os inimigos de Cristo, seguro de que nada te pode separar da caridade de Deus."


E opondo os outros cavaleiros ("que se vestiam como mulheres" e que preferiam "o luxo e o prazer ao combate") aos novos cavaleiros, os da Ordem do Templo, dizia destes últimos que "vão e vêm a um sinal do seu comandante; usam as vestes que lhe são dadas, não procurando outras nem outra alimentação. Desconfiam de todo o excesso de víveres ou de vestuário, desejando apenas o necessário. Vivem todos juntos, sem mulheres nem crianças (...). Na sua companhia não se encontram preguiçosos nem vadios: quando não estão de serviço (o que só acontece raramente) ou a comer o seu pão, dando graças ao Céu, ocupam-se a reparar os estragos e os rasgões feitos nas suas vestes e arreina; ou então fazem o que seu mestre lhes ordena ou o que necessidades da sua casa lhes indicam (...). As palavras insolentes, os atos inúteis, os risos imoderados, as queixas e as lamentações, se são notadas, nunca ficam impunes. Detestam o xadrez e os dados; têm o horror da caça, não encontram o prazer habitual na ridícula perseguição das aves. Evitam e abominam os mimos, os mágicos e os jograis, as canções levianas e as farsas. Cortam os cabelos rente, sabendo, através do Apóstolo, que é uma ignomínia para um homem cuidar da sua cabeleira. Nunca se vêem penteados, raramente lavados, têm a barba hirsuta, cobertos de poeira, manchados pelos seus arreios e pelo calor".
(Eis o retrato do cavaleiro Templário feito pelo próprio patrono da Ordem. Podemos ainda acrescentar a este retrato os seguintes pormenores, dados pelo nosso historiador Alexandre Herculano. "Primeiros no ferir, eram os últimos a retirar-se, quando assim lho ordenavam. Desprezando os combates singulares, preferiam acometer em colunas cerradas e para eles não havia recuar; ou as dispersavam ou morriam. A morte era, de fato, mais bela para o Templário que a vida comprada com a covardia. Bastava que não atingisse ao tipo de valor humano, como os velhos guerreiros da Ordem o concebiam, para ser punido por fraco. A cruz vermelha, distintivo da corporação, com o manto branco sobre que estava bordada, tirava-se-lhe ignominiosamente, e ele ficava separado dos seus irmãos como um empestado. Obrigavam-no a comer sobre o chão nu; não lhe era lícito o desforço das injúrias e nem sequer castigar um cão que o maltratasse. Só depois de um ano, se o capítulo julgava a culpa expiada, o desgraçado cingia de novo o cíngulo militar, para ir, talvez, na primeira batalha afogar no próprio sangue a memória de um ano de afrontas e de suplício").


E ao mesmo tempo que obtém o apoio do Papa, São Bernardo desencadeia uma nova Cruzada que tentará assegurar as bases cristãs na Palestina.
Com esta segunda Cruzada, os Templários encontram os fundamentos da sua Ordem: são-lhes atribuídas importantes terras e outros bens, recebem também um hábito (manto branco com uma cruz vermelha sobre o coração, aos quais se referia Herculano), além de consideráveis privilégios: dispensa do pagamento de dízimos, independência em relação ao clero secular, possibilidade de estabelecer igrejas com capelães dependendo diretamente de Roma. Graças aos rendimentos da Ordem (c que pertenciam exclusivamente à comunidade, visto que o cavaleiro nada possuía de seu, como qualquer outro monge, uma vez que tinha feito voto de pobreza), torna-se possível construir castelos, fortalezas, igrejas e capelas, sedes da Ordem em numerosos lugares de vários países da Europa e também na própria Palestina.
Por toda a parte o seu prestígio aumenta. O seu valor militar inegável é reconhecido por amigos e inimigos, os seus exemplos de disciplina e de solidariedade impressionam a todos. Luís VII escreve a Suger: "Não vemos, não podemos imaginar como teríamos podido subsistir um instante sem a sua ajuda e resistência. Portanto, pedimos que redobrem de simpatia para com eles, a fim de que possam sentir que intercedemos por eles. Além do mais, informamo-vos que nos emprestaram, em seu próprio nome, uma soma considerável."


E aqui tocamos um dos aspectos mais curiosos, mas também mais sujeitos a mal-entendidos - todos aqueles que partiam a caminho da Terra Santa, em peregrinação ou para combatei pelos seus ideais, em vez de se sujeitarem ao risco de transportarem dinheiro e jóias consigo, nessa viagem, preferiam fazer um depósito numa casa da Ordem, situada na Europa, sabendo que, depois, na Palestina, poderiam levantar a mesma soma ou valor, mediante a apresentação de um simples recibo. Ou seja: a Ordem do Templo funcionava igualmente como um banco internacional. Essa função permitia-lhe ser depositária de enormes recursos c riquezas que geria exemplarmente, emprestando aos reis (de França, de Inglaterra e de Jerusalém) quando eles precisavam, como aconteceu várias vezes. Em contraste com os bancos vulgares, que conheceriam nessa altura uma grave crise, o Templo dava uma imagem de confiança e probidade. Os rendimentos que obtinha com essas operações financeiras eram aplicados na sua própria expansão, alargando a ação dos cavaleiros-monges no seu combate em nome de Cristo. Adiante veremos como esse papel, no entanto, acabou por lhes ser fatal...
Em combate, seguia à frente de todos o "baussant", o estandarte da Ordem, dividido em duas cores: negro e branco, que alguns interpretavam como significando que eles eram francos c benevolentes para os seus amigos e negros e terríveis para com os seus inimigos, leões na guerra e cordeiros na paz... Mas o negro e o branco têm igualmente um significado mais profundo: um simbolismo de caráter esotérico - são as mesmas cores do xadrez, jogo altamente simbólico, e do Yin e do Yang, como do Bem e do Mal, do Sim e do Não, da Terra e da Água, etc. Dualidades que se devem resolver numa unidade (e por isso sobre as duas cores, branca e negra, os Templários afixavam uma cruz, símbolo de unidade e totalidade...)


Regendo toda a Ordem havia uma divisa, as palavras do hino apaixonado de David, "Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao Teu Nome dá glória". E a presença da Virgem, em honra de quem a Ordem fora constituída (NA: Porque Maria é a própria imagem da Igreja e esta é representada exteriormente pelo Templo - os Templários, tal como São Bernardo, seu guia espiritual, terão como missão guardar e defender Maria-Igreja, que terá a sua verdadeira "Dama".) (vemos novamente aqui a influência de São Bernardo, um autêntico cavaleiro espiritual ao serviço de Maria e que dava à Virgem o título de "Nossa Senhora", "Notre Dame", que desde então se generalizou no Ocidente). Metade das orações ditas quotidianamente eram consagradas à Santa Virgem e deveriam ser ditas de pé (como ainda hoje acontece nas liturgias orientais - e a Ordem ào Templo nasce* e cresce em contacto constante com essas liturgias ortodoxas). De acordo com a regra da Ordem, "Nossa Senhora foi o começo da nossa religião e nela e em honra dela será, se Deus quiser, o fim da nossa religião".
Quando o candidato a cavaleiro se apresentava diante do Mestre, pedindo-lhe para ser recebido na Ordem, devia declarar:
"Senhor, vim diante de Deus, diante de vós e diante de Nossa Senhora, pedir e requerer por Nossa Senhora que seja acolhido na vossa companhia e que me façais participar dos benefícios da casa como aquele que, a partir de agora e para sempre, quer ser servo e escravo desta casa."


E o Mestre do capítulo respondia:
"Irmão, pedis muitas coisas porque da nossa Ordem não vedes senão a parte exterior (...) Mas não sabeis os duros mandamentos que existem no interior: porque é duro que vós, que sois senhor de vós mesmo, vos façais servo de outro. Porque dificilmente fareis alguma vez o que quiserdes: porque se quiserdes estar em Acra, sereis enviado à terra de Tripoli ou de Antioquia ou da Armênia (...), se quiserdes dormir, far-vos-ão estar de vela; e se por vezes quiserdes velar ordenar-vos-ão que vos repouseis no vosso leito."
Ao neófito eram prometidos, ainda, o pão e a água e "a pobre veste da casa e muitas penas e trabalhos". Três dias por semana devia abster-se de comer carne; duas vezes por ano tinha quaresma, na Páscoa e antes do Natal.
Exteriormente, se era verdade que a Ordem do Templo, pelo seu poder e pelo seu exemplo, suscitava a admiração de muitos, também era verdade que inimigos não lhe faltavam. E o maior deles subiu ao trono em 1285: o rei Filipe o Belo, de França. Era um rei ambicioso, rodeado de uma burguesia enriquecida que se apoiava numa nobreza enfraquecida e decadente, na qual o espírito da Cavalaria tinha sido já substituído pela pura ganância do poder. Os cavaleiros do Templo representavam exatamente o ideal que eles não conseguiam nem queriam abraçar. Além disso, tinham a influência, o poder e o dinheiro que faltavam nessa corte de gananciosos. O rei e os seus cúmplices organizaram toda a manobra que iria conduzir à detenção dos Templários franceses no dia 13 de Outubro de 1307 (NA: Note-se a coincidência da data com a data última das aparições de Fátima...). As prisões foram feitas por esbirros civis e não por comissários da Inquisição, embora a ordem de prisão tivesse sido avalizada pelo inquisidor-mor do reino, que era o próprio confessor do rei... As instruções especificavam que os comissários civis, depois de prenderem os Templários, deveriam fazer logo os primeiros interrogatórios e só depois chamariam os inquisidores. Tratava-se de levar a maior parte dos presos, graças à tortura, a reconhecer os "artigos do erro" indicados aos comissários: que cuspiam três vezes sobre a cruz, que se beijavam em diversas partes do corpo quando o novo cavaleiro era recebido, que praticavam sodomia obrigatória, adoravam um ídolo e suprimiam a consagração do pão e do vinho durante as missas ditas por padres pertencentes à Ordem... Evidentemente que estas acusações não tinham qualquer fundamento, como se encontra hoje plenamente demonstrado.


Entretanto, o Grão-Mestre, submetido a prisão e a torturas durante dez dias, acabara por "confessar" aos juízes a verdade de todas as acusações de que a Ordem era alvo, com exceção da de homossexualidade. Outros mais se confessaram culpados, e Clemente V, o Papa, inteiramente nas mãos de Filipe o Belo, fez então uma bula ordenando a detenção geral dos membros da Ordem em toda a Europa. Depois de conseguidos os seus objetivos, o rei mandou entregar os seus prisioneiros ao Papa, "como prova de respeito pelas liberdades da Igreja"... Renasce então a esperança entre os Templários. O Grão-Mestre, Jacques de Molay, renega as supostas confissões que fora obrigado a fazer e convida todos os seus cavaleiros detidos a fazer o mesmo, visto que essas confissões tinham sido arrancadas à força de torturas. Segundo alguns historiadores, Jacques de Molay tê-lo-á mesmo feito na Igreja, perante uma grande multidão, mostrando a todos as marcas da tortura. Mas contra ele jogava uma corrente contrária de opinião, a daqueles que viam nas Ordens religiosas e de monges-cavaleiros apenas instituições ricas, cujos bens ambicionavam possuir também, mas para outros fins. Estava-se no final da Idade Média e o espírito do chamado Renascimento começava a invadir tudo e todos...


Os cúmplices do rei movimentaram uma verdadeira campanha de opinião pública contra os cavaleiros, pedindo para eles a pena de morte e acusando o Papa de ser demasiado favorável aos Templários.
Em 1308, o rei manda reunir uma assembléia em Tours, a quem faz adotar uma espécie de moção de confiança a seu favor e contra a Ordem do Templo. Por outro lado, Filipe o Belo encontra-se com o Papa em Poitiers e exerce pressão sobre ele. Em Agosto desse ano, o Grão-Mestre e os principais dignitários da Ordem em França, que deveriam ser conduzidos a Poitiers e aí interrogados pessoalmente pelo Papa, são detidos em Chinon, sob pretexto de doença, e interrogados pelos cúmplices do rei. O processo é reaberto com o rei a controlar tudo. Os Templários detidos declaram que defenderão a Ordem e a Verdade até à morte - e as primeiras mortes acontecem realmente às mãos dos inquisidores... As torturas continuam entre cada duas audiências perante os juizes...
Clemente V, enfraquecido e doente, reúne um concilio local cm Viena, no mês de Outubro de 1311. Perante o processo que lhe é enviado por Filipe o Belo, o Papa hesita e acaba por adotar uma solução conciliatória: pela sua bula "Vox clamantis", a Ordem do Templo não é condenada mas é extinta. "Nós abolimos, não sem amargura e dor Intima, não cm virtude de uma sentença judicial, mas por decisão ou ordenança apostólica, a Ordem dos Templários, com todas as suas instituições". A bula é entregue ao concilio e os participantes são, desse modo, impedidos de discutir o assunto...


Os bens dos Templários foram entregues aos Hospitalários e o tribunal, sob a dependência direta do Papa, acabou, em 19 de Março de 1314, por condenar à morte Jacques de Molay e Geofroi de Charnay. Morreram na fogueira, virados, a seu pedido, na direção da igreja de Notre-Dame. De acordo com a tradição, antes de morrer, Jacques de Molay convocou o Papa e o rei a comparecerem perante o tribunal celeste dentro de um ano, o que veio realmente a acontecer...
Dante, que terá assistido em Paris a essa execução, viria a colocar Clemente V no oitavo círculo do seu "Inferno", entre os simoníacos, ou seja, os traficantes da espiritualidade...