Carta De Plínio Ao Imperador Trajano
Por Plínio
o Moço, governador da Bitínia
A seguir a carta de Caio Plínio Segundo (Plínio o moço),
governador da Bitínia entre 111 e 113, enviada a Trajano, imperador
de Roma entre 98 e 117 dC, solicitando instruções de como
proceder perante as denúncias contra os cristãos. A epístola,
escrita por volta de 111, foi extraída do "Epistolário
de Plínio" 10,96.
Senhor:
É regra para mim submeter-te todos os assuntos sobre os quais tenho
dúvidas, pois quem mais poderia orientar-me melhor em minhas hesitações
ou me instruir na minha ignorância?
Nunca participei de inquéritos contra os cristãos. Assim,
não sei a quais fatos e em que medidas devem ser aplicadas penas
ou investigações judiciárias. Também me pergunto,
não sem perplexidade: deve-se considerar algo com relação
à idade, ou a criança deve ser tratada da mesma forma que
o adulto? Deve-se perdoar o arrependido ou o cristão não lucra
nada tendo voltado atrás? É punido o nome de "cristãos",
mesmo sem crimes, ou são punidos os crimes que o nome deles implica?
Esta foi a regra que eu segui diante dos que me foram deferidos como cristãos:
perguntei a eles mesmos se eram cristãos; aos que respondiam afirmativamente,
repeti uma segunda e uma terceira vez a pergunta, ameaçando-os com
o suplício. Os que persistiram mandei executá-los pois eu
não duvidava que, seja qual for a culpa, a teimosia e a obstinação
inflexível deveriam ser punidas. Outros, cidadãos romanos
portadores da mesma loucura, pus no rol dos que devem ser enviados a Roma.
Bem cedo, como acontece em casos semelhantes, com o avançar do inquérito
se estendia também o crime, apresentando-se diversos casos de tipo
diferente:
Recebi uma denúncia anônima, contendo grande número
de nomes. Os que negavam ser cristãos ou tê-lo sido, se invocassem
os deuses segundo a fórmula que havia estabelecido, se fizessem sacrifícios
com incenso e vinho para a tua imagem (que eu havia mandado trazer junto
com as estátuas dos deuses) e, se além disso, amaldiçoavam
a Cristo - coisas estas que são impossíveis de se obter dos
verdadeiros cristãos - achei melhor libertá-los.
Outros, cujos nomes haviam sido fornecidos por um denunciante, disseram
ser cristãos e depois o negaram: haviam sido e depois deixaram de
ser, alguns há três anos, outros há mais tempo, alguns
até há vinte anos. Todos estes adoraram a tua imagem e as
estátuas dos deuses e amaldiçoaram a Cristo, porém,
afirmaram que a culpa deles, ou o erro, não passava do costume de
se reunirem num dia fixo, antes do nascer do sol, para cantar um hino a
Cristo como a um deus; de obrigarem-se, por juramento, a não cometer
crimes, roubos, latrocínios e adultérios, a não faltar
com a palavra dada e não negar um depósito exigido na justiça.
Findos estes ritos, tinham o costume de se separarem e de se reunirem novamente
para uma refeição comum e inocente, sendo que tinham renunciado
à esta prática após a publicação de um
edito teu onde, segundo as tuas ordens, se proibiam as associações
secretas.
Então achei necessário arrancar a verdade, por meio da tortura,
de duas escravas que eram chamadas ministrae, mas nada descobri além
de uma superstição irracional e sem medida. Por isso, suspendi
o inquérito para recorrer ao teu conselho.
O assunto parece-me merecer a tua opinião, principalmente por causa
do grande número de acusados. Há uma multidão de todas
as idades, de todas as condições e dos dois sexos, que estão
ou estarão em perigo, não apenas nas cidades mas também
nas aldeias e campos onde se espalha o contágio dessa superstição;
contudo, creio ser possível contê-la e exterminá-la.
Com certeza, sei que os templos desertos até há pouco, começam
a ser novamente frequentados; que as solenidades sagradas até há
pouco interrompidas, são retomadas; e que, por toda a parte, voltam
a vender-se a carne das vítimas, até há pouco sem compradores.
Disto pode-se concluir que uma multidão de pessoas poderia ser curada
se fosse aceito o arrependimento delas.