Avaliação
médica da morte de Jesus
Pelo dr. Pierre Barbet
Sou um cirurgião,
e dou aulas há algum tempo.
Por treze anos vivi em companhia de cadáveres e durante a minha carreira
estudei anatomia a fundo. Posso portanto escrever sem presunção
a respeito de morte. Jesus entrou em agonia no Getsêmani e seu suor
tornou-se como gotas de sangue a escorrer pela terra.
O único evangelista que relata o fato é um médico,
Lucas, e o faz com a decisão de um clínico. O suar sangue,
ou "hematidrose", é um fenômeno raríssimo.
É produzido em condições excepcionais: para provocá-lo
é necessário uma fraqueza física, acompanhada de um
abatimento moral violento causado por uma profunda emoção,
por um grande medo. O terror, o susto, a angústia terrível
de sentir-se carregando todos os pecados dos homens devem ter esmagado Jesus.
Tal tensão extrema produziu o rompimento das finíssimas veias
capilares que estão sob as glândulas sudoríparas; o
sangue se mistura ao suor e se concentra sobre a pele, e então escorre
por todo o corpo até a terra.
Conhecemos a farsa do processo preparado pelo Sinédrio hebraico,
o envio de Jesus a Pilatos e o desempate entre o procurador romano e Herodes.
Pilatos cede, e então ordena a flagelação de Jesus.
Os soldados despojam Jesus e o prendem pelo pulso a uma coluna do pátio.
A flagelação se efetua com tiras de couro múltiplas
sobre as quais são fixadas bolinhas de chumbo e de pequenos ossos.
Os carrascos devem ter sido dois, um de cada lado, e de diferente estatura.
Golpeiam com chibatadas a pele, já alterada por milhões de
microscópicas hemorragias do suor de sangue. A pele se dilacera e
se rompe; o sangue espirra. A cada golpe Jesus reage em um sobressalto de
dor. As forças se esvaem; um suor frio lhe impregna a fronte, a cabeça
gira em uma vertigem de náusea, calafrios lhe correm ao longo das
costas. Se não estivesse preso no alto pelos pulsos, cairia em uma
poça de sangue.
Depois o escárnio da coroação. Com longos espinhos,
mais duros que os de acácia, os algozes entrelaçam uma espécie
de capacete e o aplicam sobre a cabeça. Os espinhos penetram no couro
cabeludo fazendo-o sangrar (os cirurgiões sabem o quanto sangra o
couro cabeludo). Pilatos, depois de ter mostrado aquele homem dilacerado
à multidão feroz, entrega-O para ser crucificado. Colocam
sobre os ombros de Jesus o grande braço horizontal da Cruz; pesa
uns cinqüenta quilos... A estaca vertical já está plantada
sobre o Calvário.
Jesus caminha com os pés descalços pelas ruas de terreno irregular,
cheias de pedregulhos. Os soldados o puxam com as cordas. O percurso é
de cerca de 600 metros; Jesus, fatigado, arrasta um pé após
o outro, freqüentemente cai sobre os joelhos e os ombros de Jesus estão
cobertos de chagas. Quando ele cai por terra, a viga lhe escapa, escorrega,
e lhe esfola o dorso. Sobre o Calvário tem início a crucificação.
Os carrascos despojam o condenado, a sua túnica está colada
nas chagas e tirá-la produz dor atroz. Quem já tirou uma atadura
de gaze de uma grande ferida sabe do que se trata. Cada fio de tecido adere
à carne viva: ao levarem a túnica, se laceram as terminações
nervosas postas em descoberto pelas chagas. Os carrascos dão um puxão
violento. Há um risco de toda aquela dor provocar uma síncope,
mas ainda não é o fim.
O sangue começa a escorrer; Jesus é deitado de costas; as
suas chagas se incrustam de pó e pedregulhos. Depositam-no sobre
o braço horizontal da cruz. Os algozes tomam as medidas. Com uma
broca, é feito um furo na madeira para facilitar a penetração
dos pregos. Os carrascos pegam um prego (um longo prego pontudo e quadrado),
apóiam-no sobre o pulso de Jesus, com um golpe certeiro de martelo
o plantam e o rebatem sobre a madeira. Jesus deve ter contraído o
rosto assustadoramente. O nervo mediano foi lesado.
Pode-se imaginar aquilo que Jesus deve ter provado; uma dor lancinante,
agudíssima, que se difundiu pelos dedos, e espalhou-se pelos ombros,
atingindo o cérebro. A dor mais insuportável que um homem
pode provar, ou seja, aquela produzida pela lesão dos grandes troncos
nervosos: provoca uma síncope e faz perder a consciência. Em
Jesus não. O nervo é destruído só em parte:
a lesão do tronco nervoso permanece em contato com o prego; quando
o corpo for suspenso na cruz, o nervo se esticará fortemente como
uma corda de violino esticada sobre a cravelha. A cada solavanco, a cada
movimento, vibrará despertando dores dilacerantes. Um suplício
que durará três horas.
O carrasco e seu ajudante empunham a extremidade da trava; elevam Jesus,
colocando-o primeiro sentado e depois em pé; conseqüentemente
fazendo-o tombar para trás, o encostam na estaca vertical. Depois
rapidamente encaixam o braço horizontal da cruz sobre a estaca vertical.
Os ombros da vítima esfregam dolorosamente sobre a madeira áspera.
As pontas cortantes da grande coroa de espinhos penetram o crânio.
A cabeça de Jesus inclina-se para frente, uma vez que o diâmetro
da coroa o impede de apoiar-se na madeira.
Cada vez que o mártir levanta a cabeça, recomeçam pontadas
agudas de dor.
Pregam-lhe os pés. Ao meio-dia Jesus tem sede. Não bebeu nada
desde a tarde anterior. Seu corpo é uma máscara de sangue.
A boca está semi-aberta e o lábio inferior começa a
pender. A garganta, seca, lhe queima, mas ele não pode engolir. Tem
sede... Um soldado lhe estende sobre a ponta de uma vara, uma esponja embebida
em bebida ácida, em uso entre os militares. Tudo aquilo é
uma tortura atroz. Um estranho fenômeno se produz no corpo de Jesus.
Os músculos dos braços se enrijecem em uma contração
que vai se acentuando: os deltóides, os bíceps esticados e
levantados, os dedos, se curvam. É como acontece a alguém
ferido de tétano. É isto que os médicos chamam tetania,
quando os sintomas se generalizam: os músculos do abdômen se
enrijecem em ondas imóveis, em seguida aqueles entre as costelas,
os do pescoço, e os respiratórios.
A respiração se faz, pouco a pouco mais curta. O ar entra
com um sibilo, mas não consegue mais sair. Jesus respira com o ápice
dos pulmões. Tem sede de ar: como um asmático em plena crise,
seu rosto pálido pouco a pouco se torna vermelho, depois se transforma
num violeta purpúreo e enfim em cianítico. Jesus é
envolvido pela asfixia. Os pulmões cheios de ar não podem
mais se esvaziar. A fronte está impregnada de suor, os olhos saem
fora de órbita.
Mas o que acontece? Lentamente com um esforço sobre-humano, Jesus
toma um ponto de apoio sobre o prego dos pés. Esforça-se a
pequenos golpes, se eleva aliviando a tração dos braços.
Os músculos do tórax se distendem. A respiração
torna-se mais ampla e profunda, os pulmões se esvaziam e o rosto
recupera a palidez inicial.
Por que este esforço? Porque Jesus quer falar: "Pai, perdoa-lhes
porque não sabem o que fazem".
Logo em seguida o corpo começa afrouxar-se de novo, e a asfixia recomeça.
Foram transmitidas sete frases pronunciadas por ele na cruz: cada vez que
quer falar, deverá elevar-se tendo como apoio o prego dos pés.
Inimaginável!
Atraídas pelo sangue que ainda escorre e pelo coagulado, enxames
de moscas zunem ao redor do seu corpo, mas ele não pode enxotá-las.
Pouco depois o céu escurece, o sol se esconde: de repente a temperatura
diminui.
Logo serão três da tarde, depois de uma tortura que dura três
horas, todas as suas dores, a sede, as cãibras, a asfixia, o latejar
dos nervos medianos lhe arrancam um lamento: "Meu Deus, meu Deus, porque
me abandonastes?"
Jesus grita: "Tudo está consumado!". Em seguida num grande
brado diz:
"Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito"
E morre... Em meu lugar e no seu