As
Provas Da Existência De Deus
Por Prof. Rui Machado
A certeza da
existência de Deus não é evidente, de modo que se possa
alcançá-la sem a ajuda da razão. Não é,
portanto, possível uma demonstração a priori da existência
de Deus, porque esta tem, obrigatoriamente, que partir do conhecimento do
finito até chegar ao infinito. Contudo, existem provas bastante objetivas
de que existe um Deus, apesar de agnósticos e ateus deturparem essas
provas. De qualquer forma, a aceitação de Deus pela fé,
por sua vez, não está condicionada a argumentos racionais,
mas a fé pressupõe o conhecimento natural. Santo Tomás
pretendeu, assim, demonstrar a existência de Deus por cinco "vias",
que se dividem em dinâmicas (aristotélicas) e estáticas
(platônicas). Por essas cinco "vias", pode-se chegar a um
conhecimento de Deus por analogia. As três primeiras dessas "vias"
constituem-se no argumento cosmológico, porque partem do movimento,
da causalidade e da contingência das coisas criadas até chegar
até Deus, e, a despeito de ter sido deturpado, esse argumento nunca
foi devidamente refutado, seja pelo agnosticismo ateísta, seja pelo
agnosticismo protestante de Kant.
As cinco vias
Deus, Motor imóvel (primeira via)
Deus, Primeira Causa (segunda via)
Deus, Ser necessário (terceira via)
Deus, Ser perfeitíssimo (quarta via)
Deus, causa final de todas as coisas (quinta via)
Primeira, segunda e terceira vias: explicitando o argumento cosmológico
Iremos analisar aqui, de preferência, o argumento cosmológico,
por ser o mais conhecido.
Pode-se, por este argumento, chegar a uma demonstração da
existência de Deus, posto que sabemos que causa e efeito são
uma realidade. Logo, nenhuma mudança ou "vir-a-ser" pode
dar-se sem uma causa. Na verdade, isto faz do Universo um enorme complexo
de séries causais, que se confrontam, dando origem aos acasos. Uma
série causal, por sua vez, é um conjunto de causas encadeadas,
de forma que cada uma é causa eficiente da seguinte, e todas são
efeitos de uma primeira causa que dá sustentação a
toda série, uma primeira causa não-causada.
Como chegamos a isso? Vamos analisar passo a passo como se dá o movimento
em cada uma das séries causais:
Sabemos, realmente, que, do nada, nada pode surgir ("Ex nihilo nihil
fit"), até porque é absolutamente irracional pensar,
e nunca se soube, por experiência alguma, que, do nada, pudesse surgir
alguma coisa. Isso seria, na realidade, um acaso desprovido de causas, quando,
na verdade, o acaso nada mais é do que o encontro de duas ou mais
causas pré-existentes. Se algumas partículas parecem provir
do nada, isso só reflete o fato da moderna mecânica quântica
estar descobrindo o que seria, na realidade, um outro nível da "matéria".
De qualquer forma, nada do que surge, está isento de "condições".
Diante disso,
a única saída para o ateísmo, que se nega a admitir
a "primeira causa", seria considerar eternas as cadeias de causalidade,
ou séries causais, o que nós discordamos por razões
filosóficas. Não podemos regredir as causas "ad infinitum"
porque isso seria ilógico. Teríamos, na realidade, efeitos
sem causa, o que seria uma verdadeira violação do princípio
da causalidade. Não havendo causalidade eficiente, uma vez que todas
as causas possíveis seriam efeitos, não haveria, na realidade,
nenhuma causalidade. Por esta razão, pode-se crer que quem assim
sugere, age como quem não pensa verdadeiramente no infinito, mas
em algo que tende ao infinito. Aceitar que uma cadeia de causas possa tender
ao infinito não é o mesmo que dizer que ela é infinita.
Ainda que se sugira que ela possa tender ao infinito, continuará
necessitando de uma primeira causa, porque é absurdo que seja infinita.
Em outras palavras, ter-se-ia que admitir, no infinito, uma primeira causa,
o que eliminaria, de fato, o infinito. Afinal, não se explica o movimento
dos vagões que se puxam um ao outro, eliminando-se a locomotiva,
e aumentando infinitamente o número de vagões. Ainda que se
quisesse, não se chegaria à explicação alguma,
procurando-a no infinito. Ainda que se supusesse um movimento eterno, a
interrupção, a mudança de direção, a
passagem de um movimento ao outro não se explicariam sem a ação
de uma causa.
Tem-se que a forma simples e ingênua que os ateus pensaram ter encontrado,
para impugnar o argumento da "primeira causa", foi equiparar a
única verdadeira causa com causas, que, no fundo, não são
causas, mas efeitos. "Se tudo necessita de uma causa, então
Deus também necessita de uma causa", dizem os céticos.
Seria o caso dos ateus provarem que tudo tem, necessariamente, que ter uma
causa. Como tal sentença não se pode sustentar, uma vez que
não leva em conta a possibilidade de uma coisa poder existir por
si mesma, apenas constata-se que, quando alguma coisa não se justifica
por si mesma, tem uma causa diferente de si mesma. Assim, o que é
móvel e contingente é, visivelmente, efeito de uma causa,
o que não obriga à não-existência de algo que
exista por si mesmo.
Por esta razão, dizemos que quem não aceita o argumento da
"primeira causa", na realidade, nunca o entendeu. Perguntar quem
criou Deus é absurdo, pelo fato de que não precisa de qualquer
causa para existir, por ser imutável. O mundo também não
precisaria de causa para existir, caso fosse imutável. Mas, se ele
muda, é de se prever que algo o impulsiona à mudança.
Se ele se move, não pode ser causa de si mesmo. Causa e efeito não
se confundem. Há de se procurar uma causa que não seja efeito,
e que, por isso, seja única verdadeira causa e fundamento de toda
causalidade. Isto porque é causa de todas as causas que, no fundo,
não vêm a ser causas, mas efeitos, o que exige que seja imutável.
Isso descarta, de uma vez só, o ateísmo e o panteísmo.
Não
havendo uma verdadeira causa, como os efeitos poderiam sustentar toda a
causalidade de uma série causal? Faz-se necessária a existência
de uma causa que não seja efeito. Segundo o "princípio
da razão suficiente", todas as coisas ou eventos são
reais quando existe uma razão suficiente para sua existência.
Por outro lado, já vimos que não é verdade que "tudo
necessita de uma causa". O axioma verdadeiro baseia-se na verificação
de que aquilo que não se justifica por si mesmo, que não se
mantém, nem se explica por si mesmo, precisa de uma causa diferente
de si mesma. Nada obriga à não-existência de uma causa
não-causada.
É também falsa a alegação de que acreditar numa
causa não-causada seja tão absurdo quanto crer que a cadeia
de causas possa regredir ao infinito, só pelo fato de uma causa não-causada
nunca ter sido observada. Na verdade, é assim que o positivismo de
Auguste Comte pretende negar todos os postulados da metafísica, e
faz isso como se a ciência também não deduzisse nada
através de simples rastros, ou efeitos.
Ora, uma causa não-causada não é impossível.
Por acaso, que uma causa seja também efeito é da natureza
da causação? Verifica-se que só pode haver uma causa
não-causada, porque, para que a causalidade seja eficiente, é
necessário haver uma causa que não seja efeito, do contrário,
toda causalidade estaria comprometida. A despeito disso, há, no mundo,
verdadeiras causas secundárias, que causam verdadeiramente os seus
efeitos, mas que devem sua existência à causa primeira, por
serem efeitos dela. Essa existência é a base da causação
secundária, mas não de modo que toda e qualquer causa tenha
que ser efeito de outra causa. Quanto à causa não-causada,
isso não torna absurda a sua existência, antes a torna necessária.
Algumas saídas foram propostas para explicar a mutabilidade do mundo
sem que se precise recorrer a Deus, mas nenhuma delas tem consistência
alguma:
1. Pensar, por exemplo, que o tempo seja cíclico, num circuito de
causas, é o mesmo que imaginar que eu possa ser o pai do meu bisavô
ou filho do meu bisneto, ao menos que se pensasse também numa razão
universal que controlasse todo esse processo, enfim, uma "primeira
causa", que seria, de fato, a causa eficiente de todos os fenômenos
ou causas aparentes. O que determinaria, por exemplo, qual a extensão
desse circuito?
2. Imaginar, por sua vez, uma realidade que seja dinâmica, onde todas
as coisas "fluem", é o mesmo que dizer que as coisas mudam
porque têm que mudar. O que as obrigaria à mudança?
Não há dúvidas de que um mundo onde as coisas mudam
porque têm que mudar é um mundo sem nenhuma causalidade. Sabemos
que esse mundo não existe, porque as coisas só mudam porque
alguma coisa as impulsiona à mudança.
3. Por último, pensar que toda a causalidade não passa de
uma ilusão, como Hume ou Kant, não é muito sensato,
nem muito científico. Nada muda sem ter tido uma causa própria
e específica, do contrário a própria ciência
seria uma fantasia. Não haveria nada a se descobrir, além
de que isso inviabilizaria todo o conhecimento, porque nada teria razão
de ser.
Além disso, o princípio da causalidade é um princípio
lógico e necessário à própria inteligibilidade
do mundo. Não podemos argumentar ou contra-argumentar tomando por
base aquilo que não se evidencia, nem pode ser demonstrado, como
fazem todas essas pretensas "saídas" que contemplamos.
Desde a pré-história, o homem observa os fenômenos e
é capaz de ligar causas a seus efeitos. Negando-se o princípio
da causalidade, a razão não teria onde se sustentar. Por outro
lado, se é possível afirmar que é pela razão
que temos ciência desse mesmo princípio, creio ser ainda mais
possível afirmar justamente o oposto: que é a razão
que nasce com a causalidade. Do contrário, como poderia a razão
ser causa dela mesma? Logo, a causalidade é anterior à própria
razão, porque ela força a existência da própria
razão. Por isso mesmo, Santo Tomás de Aquino ensinou que não
se pode demonstrar a existência de Deus a priori, mas esta demonstração
supõe a existência do princípio da causalidade, que
é necessário à inteligibilidade.
Pode-se argumentar que, se há diferentes séries causais, há
diferentes movimentos, e que cada movimento exige um motor diferente. Aristóteles
postulava a existência de vários motores imóveis. Logo,
como se pode saber que Deus seja a primeira causa de cada uma das séries
causais?
Não importando quantas séries causais possam existir:
- As razões que nos levam a afirmar que Deus existe forçam-nos
também a concluir que ele é só um. Se houvesse vários
deuses, teriam de se distinguir por alguma diferença, visto que,
sendo imateriais, não poderiam ser individuados pela matéria.
E a diferença seria necessariamente uma perfeição que
pertencesse a um e não aos outros, que, assim, não seriam
absolutamente perfeitos. Não pode, portanto, haver senão um
Deus.
- É a matéria a origem dos encontros de séries causais,
e efeitos acidentais; e é nisso, como disse, que consiste o acaso.
- Cada uma das séries causais primordiais, ao menos no mundo físico,
parece ter surgido, embora independente, concomitantemente à existência
da matéria no tempo e no espaço, na dita "grande explosão"
("Big Bang").
Pode-se defender tal coisa de um ponto de vista científico?
Se a existência tem sentido, se pode ser explicada (assim como quer
a ciência com todo o mundo natural), então a hipótese
de um ser que contenha em si próprio a essência de existir
é uma condição sine qua non para esse problema. Mas
se partimos do princípio que a existência não demanda
e nem tem explicação (princípio, aliás, muito
confortável para os ateus e afins), então, por conseqüência,
nenhum dos eventos naturais teriam explicação, nem tão
pouco careceriam de uma, mas a realidade ao nosso redor é absolutamente
contra esse princípio. Ou se abraça a ciência e, com
ela, o Ser Absoluto, ou ninguém explica mais nada, o mundo é
sem sentido e com isso jogamos fora todo o nosso conhecimento.
Terceira e
quarta vias: Ser necessário e ser perfeitíssimo
A causalidade está ligada à natureza dos seres contingentes.
Um ser contingente é um ser que, de si mesmo, em nada se obriga a
existir. Existe, mas a sua existência não se faz necessária
em si mesma. Um exemplo é a vida na Terra. A vida na Terra poderia
não ter ocorrido, se não o planeta não tivesse conhecido
os fatores necessários ao seu desenvolvimento. Caso isso ocorresse,
o planeta apenas seguiria o curso dos outros planetas onde a vida não
desenvolveu.
Um ser contingente poderia nunca ter existido, ou seja, a sua existência
não se faz necessária em si mesma. Na verdade, um ser contingente
existe, mas poderia nunca ter existido, se algo não o tivesse causado.
Isto porque deve a sua existência a outro ser que o causa, ou seja,
torna a sua existência possível. Um ser contingente, portanto,
faz a sua existência depender de outro. Temos, por exemplo, que a
origem da vida na Terra dependeu de uma série de fatores.
Para que algo não seja contingente, tem que existir por si mesmo.
Para que uma coisa possa existir por si mesma, poderíamos pensar
em duas opções:
- ela teria que ser causa de si mesma
- ela teria que ser eterna (existir sempre).
Para que uma coisa pudesse ser causa de si mesma, teria que ser anterior
a si mesma. Haveria, nesse caso, um grave problema de lógica. Só
resta uma opção: ser eterna
Um desafio que deve ser feito aos ateus é apontar uma só coisa
que exista agora e que tenha existido sempre. Não vale o Universo,
porque, a despeito do Universo ser tratado pelos ateus como uma coisa ou
uma entidade, ele não é uma coisa ou entidade. O Universo
é um conjunto de séries causais independentes que se encontram
dando origem ao nosso popular "acaso". A existência de "sistemas
algorítmicos", onde subsistem uma multiplicidade de causas,
é prova suficiente disso. Espaço, tempo e energia também
não são coisas, nem entidades. Espaço e tempo são,
respectivamente, as dimensões horizontal e vertical da causalidade.
Energia é o próprio movimento impresso pela Causa primeira,
o qual existe na forma de potencialidade e de atualidade. Leis também
servem. Leis não têm causas, porque uma lei nada mais é
do que a descrição de uma relação de causa e
efeito.
Por outro lado, é impossível demonstrar que "tudo o que
existe precisa de uma causa", porque isso eliminaria a possibilidade
de algo existir por si mesmo (existir sempre na mesma forma). O princípio
da causalidade não impede que algo exista por si mesmo, porque, do
contrário, o mesmo princípio não poderia existir por
si mesmo. O que permitiria a existência do princípio da causalidade?
Além disso, a existência não demanda uma causa. O que
demanda é a contingência, melhor ainda, a potência, o
poder "vir-a-ser", porque só o que mudou do que era para
o que é, ou mudará, demanda uma causa. Para que se possa estabelecer
a tese de que a existência demanda uma causa, ter-se-ia que provar
primeiro a existência do "nada", o que a metafísica
e a moderna mecânica quântica negam que exista.
Deus não criou o melhor dos mundos possíveis. Podemos percebermos
a contingência do mundo (contigentia mundi), inclusive, imaginando
que pudessem existir infinitos mundos paralelos, isto é, sem qualquer
ponte que os unisse, e, correspondentemente, não possuindo, para
nós, qualquer existência efetiva. Cada um dos mundos poderia
ser idêntico ao nosso, ou não, entendendo que Deus é
um Ser necessário e independente, e o mundo um apêndice contingente-dependente.
Em razão disso, podemos responder satisfatoriamente a um argumento
muito utilizado pelos céticos, que consiste em alegar que o perfeito
não pode gerar o imperfeito:
O Ser Supremo possui, em si, tudo aquilo que é capaz de preencher,
ou, como diríamos, o bem absoluto e total (infinito), de modo que
nada pode adicionar-se a ele. O mundo é um apêndice, que, de
maneira nenhuma, completa aquilo que Deus é, mas depende infinitamente
dele, tanto quanto o Ser Supremo não depende infinitamente de nada.
Deus mantém o cosmos livremente, de modo que todo o bem de que o
cosmos se constitui, é ganho e não perda. Deus nada deve ao
mundo, de modo que, de acordo com a sua "disposição",
o bem de que o mundo se constitui pode variar desde o não-ente (conjunto
vazio = mal absoluto), até o limite do bem infinito, embora não
possa atingir o bem infinito, porque isso significaria ser igual a Deus.
Isso significa que poderiam existir mundos melhores ou piores do que o nosso,
embora não possa existir um Deus melhor ou pior do que o nosso. Santo
Tomás de Aquino argumenta, também, que a existência,
no mundo, de diferentes graus de perfeição sugere que Deus
seja a fonte das perfeições dos outros seres (quarta via).
O bem relativo
é perfeitamente atingível pela disposição de
Deus, mas o bem infinito não é atingível, porque o
mal absoluto é absoluto, o que equivale a um conjunto vazio, mas
não é infinito. O bem infinito, por sua vez, não é
atingível, porque ele já existe em Deus.
Na distância que separa o absoluto não-ente e o bem infinito,
Deus pode manter o mundo. Não se diz que ele cria o mundo, senão
que este deriva dele, uma vez que o verbo "criar" implica em algo
que se realiza no tempo, mas podemos dizer também que Deus mantém
o seu mundo (e para Santo Tomás, não é possível
demonstrar racionalmente que o mundo tenha tido um começo).
A distância que separa o não-ente do bem infinito é,
de fato, uma distância infinita, de sorte que Deus não pode
manter um cosmos que se equipare a ele, porque não pode duplicar-se.
Com isso, dizemos que a distância é verdadeiramente infinita,
de sorte que, por esse percurso, que passamos a chamar a partir de agora
de "percurso infinito", não se pode atingir o bem infinito,
embora se entenda que Deus é perfeitamente livre para manter o cosmos
que desejar e seja "onipotente". Isso explica, por exemplo, porque
Deus não pode, fazendo alusão a algo cognoscível, manter
um cosmos que atinja o ponto final do "percurso infinito" ou o
ultrapasse (o que seria absurdo, uma vez que Deus é infinito), embora
isso seja pensável pelo fato de que a nossa mente, acostumada com
o analógico, que começa por considerar separadamente os elementos
duma definição contraditória, só quando os quer
ligar reconhece a sua impossibilidade. Assim, no senso comum, diríamos
que isso explica porque Deus não pode fazer uma pedra que ele mesmo
não possa carregar. Conforme dissemos, não se trata de Deus
não poder fazer a pedra, mas que, por se tratar de um "percurso
infinito", esse feito é inatingível.
Quinta via: o argumento teleológico
Parece inegável, por exemplo, que a árvore está destinada
a produzir a semente, e esta a dar origem a outra árvore, embora
nem todo acontecimento da natureza envolva finalidade de ou para alguma
coisa, pois existem os encontros acidentais de causas, ou acasos. Há,
no entanto, ocasiões em que o agente natural age inconscientemente
para um fim, como no caso da árvore ou da semente.
Se há
causalidade, é imprescindível que haja finalidade, posto que
não há causa sem efeito.
O contrário de se admitir o princípio da causalidade, seja
por se seguir Hume ou Kant, é admitir que, do nada, pode surgir alguma
coisa. É mais absurdo crer nisso do que em contos de fadas, porque,
além de ser uma premissa não provada, é contrária
à própria razão. Se admitíssemos isso, não
poderíamos procurar a razão de nada, posto que o princípio
da causalidade seria um absurdo. Isso não poderia explicar, de forma
alguma, o surgimento de toda a sorte de coisas, inclusive seres que se complementam,
como macho e fêmea, uma vez que é impossível dizer não
terem sido projetados para uma finalidade. De qualquer forma que seja, aquele
"relojoeiro cego", dos ateus, por ser cego, não vê
adiante, não planeja conseqüências, não tem finalidades
em vista. No entanto, os ateus poderiam dizer que essa aparente finalidade
é um produto de ensaio e erro, ou talvez um produto de uma regularidade
natural. Ensaio e erro? Mas de quem?
Produto de uma regularidade natural? O que impede de ser diferente?
Esses argumentos, para mim, já são mais do que suficientes
para provar a existência de Deus e de como o ateísmo é
ingênuo. Provas a favor da inexistência desses princípios
lógicos não são sustentáveis.
Deus pode ser entendido enquanto princípio e fim de todas as coisas.
Não é sensato pensar que esse princípio e que esse
fim não existam, até porque qualquer contra-argumentação
nesse sentido só pode se sustentar na desconfiança em relação
às provas fornecidas neste tópico. No entanto, para buscar
entender essas provas, os ateus teriam que buscar, passo a passo, refazer
o caminho pelo qual se chegou até elas, para que não aconteça
de estarem refutando aquilo que, na verdade, nunca conheceram.
Refutação de argumentos dos céticos contrários
às cinco vias
Quanto à prova do movimento, Guilherme de Ockham nega a validade
dos dois princípios em que ela se funda. Na verdade, observa ele,
pode-se razoavelmente afirmar que alguma coisa se move por si, como a alma
ou o anjo, ou o próprio peso que tende para baixo; e que o processo
ao infinito se dá freqüentemente na experiência, por exemplo,
quando se fere em uma das extremidades um comprimento contínuo: a
parte ferida moverá a parte mais próxima, e esta uma outra,
e assim por diante infinitamente (Cent. theol.; Concl. I,D). Ockham também
argumentou que a prova do movimento não teria qualquer valor para
explicar, por exemplo, a existência de seres imateriais, como a alma
ou o anjo, ou, como se podia pensar na época, a questão de
um corpo em queda livre, onde o movido é também motor de sua
queda.
Ora, para que alguma coisa possa existir por si mesma, teria que ser causa
de si mesma ou existir sempre na mesma forma. Enfim, para que alguma coisa
fosse causa de si mesma, teria de ser anterior a si mesma. O anjo não
pode existir por si mesmo, porque está sujeito a mudar de operação,
tampouco a alma que já animou um corpo. Assim, o que não se
resolve pela prova do movimento, resolve-se pela prova da contingência.
O peso não seria problema hoje, quando sabemos da gravidade e das
leis envolvidas. Assim, as "quinque viae" não só
formam uma unidade perfeita, como cada uma delas poderá ser usada
na explicação dos casos mais particulares.
Hume rejeita a validade da prova cosmológica; indica (Dialogues on
Natural Religion, IX) que não é necessário recorrer
ao conjunto, ou ao conjunto de uma série (nem a nenhum membro fora
da série) para explicar a existência dos membros da série.
A explicação de cada um dos membros da série equivale
à explicação de toda a série. Assim, portanto,
um conjunto de membros é uma soma de membros, não uma entidade
distinta dos membros que compõem o conjunto.
No caso de
Hume, ele apenas ignora a dependência que existe dentro de cada uma
das séries causais.
Kant argumenta que o princípio transcendental, segundo o qual inferimos
uma causa de algo contingente, é aplicável apenas ao mundo
sensível, mas não tem significações fora desse
mundo. Tendo-se visto, segundo Kant, que a noção de causalidade
é uma categoria aplicável à experiência, é
inadmissível usá-la fora da experiência. Contudo, mesmo
sendo a série de causas restrita a este mundo, não se justifica
inferir a existência de uma primeira causa com base na impossibilidade
de uma série infinita de causas. Além disso, haveria na prova
cosmológica uma confusão entre a possibilidade lógica
de um conceito de realidade e a possibilidade transcendental dessa realidade.
No que diz respeito a Kant e sua argumentação, vimos que o
princípio da causalidade é a base de todo o conhecimento,
portanto é o que de mais evidente a razão pode ter à
sua disposição. Impugnando-o, como Kant pôde pretender
conhecer os limites da própria razão?
A afirmação de que as leis do pensamento são as mesmas
em todos os homens é lógica e natural em quem, como nós,
entende que se pode concluir do que se vê para o que as coisas realmente
são. Se verificamos, pela observação, que a natureza
humana é idêntica nos outros homens e em nós, podemos
afirmar que as leis naturais do seu pensamento devem ser as mesmas que as
do nosso. Mas Kant, fechado em si mesmo pela sua teoria do númeno
inacessível, não conhecendo dos outros senão as suas
próprias percepções, que só têm valor
subjetivo, e nada dizem sobre a realidade do objeto, como pode fundamentar
tal afirmação? Há aí incoerência ou petição
de princípio.
Desde a pré-história, o homem observa os fenômenos e
é capaz de ligar causas a seus efeitos. Negando-se o princípio
da causalidade, a razão não teria onde se sustentar. Por outro
lado, se é possível afirmar que é pela razão
que temos ciência desse mesmo princípio, creio ser ainda mais
possível afirmar justamente o oposto: que é a razão
que nasce com a causalidade, pois todo o nosso conhecimento racional tem
base nos sentidos. Do contrário, como poderia o conhecimento racional
ser causa de si mesmo, como postulava Kant? Logo, a causalidade é
anterior à própria razão, porque ela força a
utilização da própria razão.
Alguns céticos não hesitam em dizer que todas as provas metafísicas
acerca da existência de Deus não passam de esforços
lógicos para salvar o Deus cristão. Procuram, assim, invalidar
as provas metafísicas, trazendo-as para a esfera do religioso, isto
é, da fé, e não da razão. Quanto a isso, é
interessante notar que os gregos antigos, que não estavam, de forma
alguma, comprometidos com o cristianismo, tenham chegado ao conhecimento
de Deus, com o uso da razão.