A FIDELIDADE
da abordagem cotidiana ao valor maçônico
Luiz Abner de Holanda Bezerra, M.: M.:
1. INTRODUÇÃO
O presente
artigo tem por objetivo precípuo discorrer sobre o significado da
palavra fidelidade, observando tanto a conotação que lhe é
emprestada no mundo profano quanto no mundo maçônico.
Para sermos exitosos em nosso objetivo, em primeiro lugar recorremos aos
léxicos e, posteriormente enveredamos pelos caminhos da filosofia
até chegarmos ao conceito maçônico de fidelidade.
Evidentemente, face à natureza do trabalho, como também à
exigüidade temporal, a pesquisa não chegou à exaustão.
Consequentemente cumpre-nos destacar que ao longo deste artigo tangenciaremos,
por um lado, o significado da fidelidade no nosso cotidiano e, por outro
lado, através destas observações procuraremos mergulhar
no âmbito da filosofia para alcançarmos o nosso objetivo maior
- a fidelidade, enquanto valor maçônico e princípio
determinante da busca da felicidade - sem perder de vista que qualquer conceito
é plástico e moldável ao longo do tempo.
Ou seja, o conceito insere-se em um processo dinâmico de observação
da realidade concreta que tem como pressuposto básico o fato de que
a variável temporal transcende a uma simples coordenada para ser
entendida como interioridade com três componentes: sucessão,
simultaneidade e permanência.
2. FIDELIDADE: da abordagem cotidiana ao valor maçônico
Sob o aspecto
da língua vernácula, nada mais prudente do que consultar os
léxicos, para entendermos a origem e o significado de um vocábulo.
Neste sentido, buscamos em Houaiss(2001, p.1337), o significado e a etimologia
da palavra fidelidade e lá encontramos:
Fidelidade - s.f - característica, atributo do que é fiel,
do que demonstra zelo, respeito quase venerável por alguém
ou algo;
1.1 observância da fé jurada ou devida;
2 constância nos compromissos assumidos com outrem;
3 Constância de hábitos, de atitudes( fidelização
de clientes).
De outra forma, sob a ótica da Filosofia, esta para nós, se
constituindo no mais útil de todos os saberes de que os seres humanos
são capazes, sem dúvida, podemos enveredar pelos caminhos
da ética para o entendimento mais preciso do significado da fidelidade.
A ética ancora-se em dois conceitos fundamentais: o senso moral e
a consciência moral.
O senso moral representa nossos sentimentos e nossas ações
e, porque não dizer, a forma como nós humanos interagimos
com os nossos semelhantes e construímos conhecimento e formatamos
hábitos e costumes.
Este conceito - de senso moral - traz de forma subjacente a idéia
de costumes tradicionais, aceitos e legitimados por uma sociedade, a forma
como seus membros devem se portar e quais suas obrigações
para com esta sociedade.
A consciência moral, por seu turno, nos remete ao pensar e a tomada
de decisão. Em outras palavras, a consciência moral pode ser
muito bem representada pelo seguinte exemplo: ao termos que definir, de
pronto, sobre o que fazer em determinada situação em que somos
instados a tomar uma decisão, inicialmente, temos de justificar esta
decisão para nós mesmos e posteriormente para os outros.
Evidentemente, quando falamos de justificativa de uma decisão, referimo-nos
às razões de nossa decisão, como também ao fato
implícito de termos de assumir as conseqüências dela decorrentes.
Portanto, na esteira destas considerações de ordem ética,
a fidelidade assume a condição de valor moral e conseqüentemente,
não mais pode ser observada sem um pressuposto básico - a
relação entre seres humanos, como também, de forma
mais abrangente, entre a natureza orgânica e inorgânica - de
modo que haja uma condição de cumplicidade e envolvimento
entre partes que interagem e/ou mantém certo vínculo.
A fidelidade, portanto, vista sob a ótica da filosofia representa
uma inter-relação entre o homem, enquanto representante da
sociedade e a natureza, tanto a natureza orgânica quanto a natureza
inorgânica.
Caminhando ao encontro destas considerações podemos inferir
que a fidelidade além de ser um valor moral é também
um valor social e, representa na sua prática cotidiana, um processo
de catarze que, faz o homem passar do estado egoístico - passional
para o estado ético - político.
Por outro lado, se nos reportamos ao significado da fidelidade no âmbito
da ordem maçônica, sem dúvida, podemos aquilatar que,
este, transcende tanto ao conceito da língua vernácula quanto
ao conceito da filosofia.
Somente para fixar idéias, observemos algumas passagens do processo
histórico de iniciação de um profano:
ü Ao ser iniciado na ordem, o neófito, assume um compromisso
voluntário e moral de praticar a fidelidade em sua essência,
enquanto ser humano, isto é, no conjunto das suas relações
sociais;
ü Esta fidelidade do neófito se ancora na sua liberdade de expressão
e ação, sem, contudo perder a idéia de limite; e
ü A forma como ele é recebido - o ritual de iniciação
- o conduz de forma metafórica através do processo histórico
de evolução do homem e sua interação com a natureza.
Ou seja, o ritual de passagem - a iniciação - representa de
forma sublime o vínculo entre partes, de um lado o mundo profano
- a natureza(água, fogo, ar, animais, plantas, astros, pedras, metais,
terra, humanos) - e de outro lado o mundo maçônico - as singularidades
da ordem maçônica, seus segredos, suas alegorias, sua simbologia
e a sua prática ritualística.
Observando as colocações acima elencadas, e sobre elas fazendo
uma reflexão, podemos compreender que no âmbito maçônico,
o homem, enquanto ser gregário se predispõe de forma transcendente
a viver o estado da arte da sociedade, ou seja, buscar a perfeição
e o convívio pleno com seus semelhantes.
Esta convivência com seus semelhantes, todos diferentes, mas não
desiguais, obriga o homem a pensar e construir o seu espaço na medida
em que através destas trocas de informações constrói
valores éticos e morais.
E, nesta dinâmica de interações, nós maçons,
observamos de forma muito transparente e, porque não dizer, sem nenhuma
opacidade, a prática e a consolidação do objetivo mais
profundo e sublime da maçonaria - fazer feliz a humanidade.
Esta felicidade traz consigo de forma latente a fidelidade, ou seja, um
processo de construção de valores éticos e morais que
dá sustentação ao compromisso voluntário que
o neófito assume com a maçonaria. Igualmente, este processo
possibilita a construção e consolidação de novos
hábitos e costumes que nos fazem enxergar nossos semelhantes como
diferentes e não como desiguais.
Ou de outra forma, a busca da perfeição e o convívio
pleno e harmônico com nossos semelhantes tanto no âmbito maçônico
quanto no mundo profano é o que admitimos como a verdadeira Fidelidade.
Em síntese, o que distingue a fidelidade, enquanto valor maçônico,
da fidelidade praticada no mundo profano é, no nosso entendimento,
a voluntariedade.
E, para enriquecer este trabalho, gostaríamos de deixar gravado o
entendimento do preclaro filosofo francês Gilles Deleuze(1925 - 1995)
que ao ser instado a discorrer sobre o que é a Filosofia, assim se
expressou:
" Muita gente pensa que a filosofia é uma coisa muito abstrata
e para especialista. Eu creio e vivo de tal forma a idéia de que
a filosofia não é uma especialidade que tento colocar o problema
de outra forma. Quando se crê que a filosofia é abstrata, a
história da filosofia fica também abstrata.......Um filosofo
não é alguém que contempla nem mesmo alguém
que reflete: é alguém que cria. Cria um gênero de coisas
de fato especiais: cria conceitos. O conceito não está pronto,
não passeia pelo céu, não o contemplamos. É
preciso cria-lo, fabricá-lo".
Este entendimento da filosofia consubstancia a idéia da criação
de conceitos e, evidentemente, da criação do conceito de fidelidade,
particularmente na ordem maçônica.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ordem maçônica,
enquanto uma sociedade iniciática, cria e legitima conceitos que
lhes dão sustentação tanto para a sua prática
operacional - as lojas simbólicas - quanto para a reflexão
em seus templos voltados para a prática da filosofia - as lojas de
perfeição.
De outra forma, observando este fato - a criação e legitimação
de conceitos pela ordem maçônica - sob a ótica da dialética
e, levando-se em consideração o aspecto temporal podemos inferir
que a mudança e a permanência, enquanto categorias reflexivas
- uma não pode ser pensada sem a outra - representam talvez um pressuposto
óbvio da vitalidade e longevidade dos cânones da maçonaria.
Em outras palavras, não podemos ter uma visão correta de nenhum
aspecto da realidade humana se não soubermos situá-lo dentro
do processo geral de transformação a que ele pertence, também
não podemos avaliar nenhuma mudança concreta se não
a reconhecermos como mudança de um ser(quer dizer, de uma realidade
articulada e provida de certa capacidade de durar).
Neste sentido, sem nenhuma ambigüidade e explicitando o que apreendemos
ao longo da nossa prática maçônica, podemos afirmar
que: ao pensar o todo - a busca da felicidade da sociedade - a maçonaria
não nega as partes, ou seja, não abstrai estas - as partes
do todo - como também ao tratar as partes com suas diferenças
o faz no seio da sociedade.
Ou seja, trabalhar a pedra bruta é uma metáfora que representa
o trabalho das partes ao passo que a prática da liberdade, da igualdade
e da fraternidade representa o tratamento do todo.
E, para finalizar, podemos inferir que a argamassa responsável pela
consolidação e estabilidade da alvenaria maçônica
tem um componente singular - a fidelidade -, que nada mais é do que
uma construção coletiva do conhecimento.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAUÍ,
Marilena. Convite à filosofia. 12ed. São Paulo: Editora Ática,
2001.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? São
Paulo: Editora 34, 1997.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.
KONDER, Leandro. O que é a dialética. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1998.