CIRCULO DE UNIÃO
FRANCISCO ARIZA
Tradução: Sérgio K. Jerez



A cadeia de união é sem dúvida alguma um dos símbolos mais significativos de entre todos os que decoram a Loja maçônica. Trata-se de um cordão que rodeia todo o templo em sua parte superior. Esta situação no "alto" lhe dá uma conotação celeste, confirmada pelos doze nós que aparecem de trecho em trecho ao longo de todo o cordão, os quais simbolizam os doze signos do zodíaco. Esses nós correspondem, além disso, às doze colunas que exceto pelo lado de Oriente também rodeiam o recinto da Loja. Cinco dessas colunas estão situadas no lado do Setentrião, outras tantas ao Meio-dia, e as duas restantes -as colunas J e B- no Ocidente.


Para compreender esta simbólica teríamos que ter em conta que a Loja é, antes de tudo, uma imagem do mundo, e como tal deve existir nela uma representação do que constitui o próprio "marco" do cosmos, que é propriamente o zodíaco. Muitos recintos ou santuários sagrados - do mesmo modo que as cidades edificadas segundo as regras da arquitetura tradicional -, sendo a projeção na terra da ordem celeste, estão de uma ou outra maneira "marcados" pelas constelações zodiacais. É o caso, por exemplo, do Ming-Tang chinês, do Templo de Jerusalém (e seu arquétipo, a Jerusalém Celeste), de muitas fortalezas templárias, e de construções tão antigas como é o crómlech megalítico de Stonehenge. Dessa forma, os maçons operativos, e em geral os artesãos construtores de qualquer sociedade tradicional, se serviam de um cordão para determinar a posição correta dos templos ou catedrais, que sempre, e de forma invariável, estavam orientados segundo as direções do espaço assinaladas pelos quatro pontos cardeais, exatamente igual à Loja. Pois bem, como menciona René Guénon "... entre as funções de um 'marco' quem sabe a principal seja manter em seu lugar os diversos elementos que contém ou encerra em seu interior de modo a formar com eles um todo ordenado, o qual, como se sabe, é a própria significação da palavra 'cosmos'. Esse 'marco' deve pois, de certa maneira, 'ligar' ou 'unir' esses elementos entre si, o que está formalmente expresso pelo nome de 'cadeia de união', e inclusive disso resulta, no que se refere a ela, seu significado mais profundo, pois como todos os símbolos que se apresentam em forma de cadeia, cordão ou fio (todos eles símbolos do eixo) se referem definitivamente ao sûtrâtmâ".1 Por conseguinte, a cadeia de união maçônica viria a significar, considerada do ponto de vista metafísico, exatamente o mesmo que a "cadeia dos mundos": um símbolo que resume o conjunto de todos os estados, seres e mundos que formam a manifestação universal, os quais subsistem e estão ligados entre si pelo "fio de Atmâ" (sûtrâtmâ), ou seja por seu hálito ou espírito vivificador.
Por outro lado, a cadeia de união é também a corda com nós (ou houppe dentelée) que aparece figurada nos "quadros de Loja" maçônicos, mais concretamente nos pertencentes aos graus de aprendiz e de companheiro. A significação simbólica de tal corda é idêntica à da cadeia de união, mas, ao mesmo tempo, e vinculado especificamente com o simbolismo do quadro de Loja, haveria que se considerar também outro aspecto importante dela: o que tem como função "proteger", além de "unir" e de "ligar", os símbolos e emblemas que aparecem desenhados no quadro, o que é considerado como um espaço sacralizado, e por tanto inviolável. Neste sentido, a idéia de "proteção" está incluída no simbolismo dos nós e das ligaduras, que por suas respectivas formas relembram o traçado dos dédalos e labirintos iniciáticos. Na simbólica universal, o labirinto, além de estar relacionado com as "viagens" e as provas iniciáticas, também tem como função a defesa e proteção dos lugares sagrados ou centros espirituais, impedindo o acesso aos mesmos pelos profanos que não estão qualificados para recebir a iniciação. Porém a defesa se estende igualmente (e poderíamos dizer que principalmente) a impedir o acesso às influências sutis do psiquismo inferior, que por seu caráter especialmente dissolvente representam um claro perigo que deve ser controlado e evitado a todo custo, pois por meio dessas influências se introduzem determinadas energias maléficas e caóticas destinadas a destruir, ou no melhor dos casos a debilitar, os próprios centros espirituais e as organizações tradicionais ligadas a eles, e conseqüentemente a impedir dentro do possível a comunicação com as influências verdadeiramente superiores, das quais esses centros e organizações foram - e são - precisamente, o suporte. E ao fio desta última reflexão, quem sabe seria demais assinalar os perigos de dissolução (ou de petrificação, pois no caso dá no mesmo) que na atualidade espreitam a Maçonaria, já que é a todas luzes evidente que esta organização tradicional se tem visto submetida a uma paulatina extirpação da dimensão iniciática e esotérica de seus símbolos e seus ritos. E o que é talvez mais lamentável é que essa ação foi levada a cabo muitas vezes por maçons que não compreenderam que é precisamente graças a esses símbolos e ritos (revelados na origem e transmitidos ao longo do tempo) que a Ordem maçônica adquire seu pleno sentido, pois eles constituem suas senhas de identidade, o que tal Ordem é em si própria, e não poderia deixar de ser, a menos de seja para ficar totalmente desvirtuada e vazia de conteúdo essencial. Para que essa situação não chegue a ser irreversível, pensamos que se faz necessário que os maçons de espírito tradicional (isto é, aqueles que consideram que a Maçonaria pertence e é uma ramificação da Tradição Primordial e portanto uma via de realização do Conhecimento) restituam de novo o sentido cosmogônico e metafísico de seu legado simbólico-ritual, começando por considerar que a cadeia de união é, efetivamente, o "marco" celeste que delimita, separa e protege o "mundo da luz" do "mundo das trevas", o sagrado de o profano.


Além da corda com nós que rodeia a Loja e o quadro, existe um rito na Maçonaria que também recebe o nome de cadeia de união. Trata-se daquele que está constituído pelo entrelaçamento que formam as mãos, com os braços entrecruzados, de todos os integrantes da oficina, o qual, precisamente, tem lugar ao redor do quadro da Loja e dos três pilares da Sabedoria, a Força e a Beleza momentos antes de encerrar os trabalhos. Em primeiro lugar, há que se dizer que e a cadeia de união é um dos ritos maçônicos que mais diretamente aludem à fraternidade maçônica, a qual, de fato, está sustentada nos laços de harmonia e concórdia que ligam todos os maçons entre si. Daí o porquê de se denominar os nós da corda também de "laços de amor", pois o amor, entendido na sua mais mais alta significação, é a força que concilia os contrários e resolve todas as oposições na unidade do Princípio. Tal fraternidade representa, portanto, o próprio fundamento sobre o qual se apóia a própria organização iniciática e tradicional. Neste sentido, o entrelaçamento de mãos e braços configura uma trama cruciforme que evoca a imagem de uma estrutura fortemente coesa e organizada.

 


Mas este rito se realiza, fundamentalmente, para dirigir uma prece ou invocação ao grande Arquiteto, sendo nessa invocação onde reside seu sentido profundo e sua razão de ser. Por isso, prescindir da prece como sucede em muitas lojas atuais, pelo mero fato de ignorá-la ou por considerá-la um ultrapassado anacronismo, provoca inevitavelmente o empobrecimento do próprio rito, ficando este, como conseqüência, reduzido praticamente a quase nada. Não obstante, na antiga Maçonaria operativa, a prece e as invocações dos nomes divinos formava parte constitutiva do rito e dos trabalhos simbólicos; e precisamente ela se realizava na cadeia de união e ao redor do quadro da Loja, com o qual se confirma o papel verdadeiramente "central" que este último sempre desempenhou na Maçonaria.

 


De modo geral, a cadeia de união começa e termina no Venerável Mestre, e é ele, como a máxima autoridade da Loja, o que dirige a invocação ao grande Arquiteto. Vejamos a seguir um exemplo desta segundo é de uso ainda entre alguns Ritos maçônicos que seguiram conservando parte do legado operativo: "Arquiteto Supremo do Universo!; Fonte única de todo bem e de toda perfeição!; Oh Tú! Que sempre obrastes para a felicidade do homem e de todas Tuas criaturas; te damos graças por Teus paternais beneplácitos, e te conjuramos para que os concedas a cada um de nós, segundo Tuas considerações e segundo nossas necessidades. Espalhe sobre nós e sobre todos nossos Irmãos Tua celeste Luz. Fortifica em nossos corações o amor pelas nossas obrigações, a fim de observá-las fielmente. Que possam nossas reuniões estar sempre fortalecidas em sua união pelo desejo de Teu prazer e para fazer-nos úteis a nossos semelhantes. Que elas sejam para sempre a morada da paz e da virtude, e que a cadeia de uma amizade perfeita e fraterna seja sempre tão sólida entre nós que nada possa alterá-la. Assim seja".
Por conseguinte, e segundo se depreende desta oração maçônica, a união encadeada e fraterna se converte no suporte horizontal e psicossomático (terrestre), sobre o qual "descerão" - estimulados pela prece - os beneplácitos (bendições) da influência espiritual ou supra-individual -"Tua celeste Luz"-, possibilitando assim uma via de comunicação axial entre o céu e a terra, ou como se diz em linguagem maçônica, entre a Loja do Alto e a Loja de Baixo. Quer dizer que através da invocação o que se pretende essencialmente é a comunicação com as energias celestes (as Idéias ou atributos criadores do Arquiteto universal) cuja ação espiritual conformou - e conforma permanentemente - a realidade simbólica, ritual e mítica (ou seja, cosmogônica e metafísica) da organização iniciática. Ao mesmo tempo, no rito da cadeia de união se concentra a entidade coletiva constituída por todos os antepassados que realmente participaram na Tradição e seu conhecimento, e dos que se diz que moram no "Oriente Eterno" (a Loja celeste). Tal entidade se faz una em comunhão com seus herdeiros atuais, isto é, com os maçons que, havendo recebido e compreendido (na medida que for) a mensagem de seu legado tradicional, contribuem hoje em dia para mantê-lo vivo e atuante. Neste sentido, a cadeia de união também está simbolizando a cadeia iniciática da tradição maçônica (e por analogia a de todas as tradições), cuja origem é imemorial, como o é da mesma forma a mensagem que ela foi transmitindo ao longo do tempo e da história.
As individualidades, ou melhor, a idéia do individual e do particular que cada componente da cadeia pudesse ter de si mesmo, desaparece como tal para formar um só corpo que vibra e respira a uma própria cadencia rítmica. A cadeia de união cria assim um círculo mágico e sagrado onde se concentra e flui uma força cósmica e teúrgica que assimilada por todos os integrantes lhes permite participar do verdadeiro espírito maçônico e de sua energia salutar e regeneradora.


Não é então de se estranhar que durante o transcurso do rito da iniciação, o neófito receba simbolicamente a "luz" integrado na cadeia de união, o que é perfeitamente coerente em uma tradição na qual o rito e o trabalho coletivo desempenham uma função eminente como veículos de transmissão da influência espiritual.