O CÉU E O INFERNO
Emanuel Swedenborg


Prefácio

1. O Senhor, falando, na presença de Seus discípulos, sobre a consumação do século, que é o último tempo da Igreja, diz, no fim das predições que se referem aos estados sucessivos dela quanto ao amor e à fé: "Logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências do céu serão abaladas. Então aparecerá o sinal do Filho do homem no céu, e todas as tribos da terra chorarão e verão o Filho do homem, que virá sobre as nuvens do céu com poder e grande glória. E enviará os Seus anjos com trombetas e grande voz, e ajuntarão os Seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus" (Mateus 24:29 a 31). Aqueles que entendem essas palavras segundo o sentido da letra crêem simplesmente que todas essas coisas devem ocorrer como estão descritas naquele sentido, no último tempo que é chamado Juízo Final, isto é, que não apenas o sol e a lua escurecerão e as estrelas cairão do céu, mas que o sinal do Senhor aparecerá no céu e Ele Próprio será visto nas nuvens, acompanhado de anjos com trombetas. Ainda, de acordo com aquelas previsões, todo o universo visível haverá de perecer e, depois disso, haverá de surgir um novo céu e uma nova terra. Desta opinião é a maioria das pessoas da atual Igreja (Primeira Igreja Cristã). Mas os que têm essa crença não conhecem os arcanos que se escondem em cada uma das particularidades da Palavra. Com efeito, nas particularidades da Palavra está o sentido interno, no qual são compreendidas não as coisas naturais e do mundo, que são tratadas no sentido da letra, mas as coisas espirituais e celestes. Isto se dá não só com a significação geral de muitas expressões, mas também com cada uma dessas expressões. Pois a Palavra é escrita inteiramente por correspondências, para que em cada uma de suas particularidades esteja o sentido interno. Qual vem a ser esse sentido é o que se pode depreender de tudo o que, sobre o assunto, é dito e mostrado no livro ARCANOS CELESTES e, ainda, nas citações que, ali, aparecem reunidas na explicação contida no opúsculo SOBRE O CAVALO BRANCO, de que se fala no Apocalipse. É segundo esse sentido que terão de ser entendidas as coisas de que fala o Senhor, nas palavras acima citadas, sobre Sua vinda nas nuvens do céu. Assim, pelo "sol" que deve ficar escurecido é significado o Senhor quanto ao amor. Pela "lua" é significado o Senhor quanto à fé. "As estrelas" significam os conhecimentos do bem e da verdade ou do amor e da fé. "O sinal do Filho do homem no céu" significa a manifestação da verdade Divina. Pelas "tribos da terra que chorarão" é significado tudo o que pertence à verdade e ao bem, ou à fé e ao amor. "A vinda do Senhor nas nuvens do céu com poder e grande glória" significa Sua presença na Palavra e a revelação. Por "glória" é significado o sentido interno da Palavra. "Os anjos com trombeta e grande voz" significam o céu, que é a fonte da Divina verdade. Por causa da significação dessas palavras do Senhor, deve-se entender que, no fim daquela Igreja, quando não mais houver o amor e a fé, o Senhor abrirá o sentido interno da Palavra e revelará os arcanos do céu. Os arcanos revelados no que se segue referem-se ao céu e ao inferno e também à vida do homem depois da morte

Cap. I. O Senhor é o Deus do céu

2. A primeira coisa que se deve saber é quem é o Deus do céu, porque tudo o mais disso depende. Em todo o céu não se reconhece outro Deus senão o Senhor, só, e lá se diz como Ele Próprio ensinou: Que Ele é um com o Pai, que o Pai está n'Ele e Ele no Pai, que quem O vê também vê o Pai e que tudo que é santo procede d'Ele (João 10:30 e 38; 14:9 a 11; 16:13 a 15). Falei com os anjos muitas vezes sobre esse assunto e eles se manifestaram firmemente, dizendo que no céu não podiam distinguir o Divino em três, porque sabem e percebem que o Divino é Um e que este Um está no Senhor. Disseram, ainda, que os da igreja que vêm do mundo e têm a idéia de três seres Divinos não podem ser admitidos no céu, pois que o pensamento deles vagueia de um Ser Divino a outro, e lá não é permitido pensar três e dizer um, porque cada um no céu fala pelo pensamento, pois a linguagem lá é o produto imediato do pensamento, ou o pensamento que fala. Assim, os que, no mundo, distinguiram o Divino em três e aceitaram uma idéia diferente de cada um, e não fizeram e concentraram uma idéia una no Senhor, não podem ser recebidos no céu, pois lá há a comunicação de todos os pensamentos; portanto, se para o céu viesse alguém que pensasse em três e falasse um, seria logo conhecido e rejeitado. Deve-se saber, porém, que todos os que não separaram a verdade do bem ou a fé do amor, quando são instruídos na outra vida, recebem e aceitam a idéia celeste do Senhor de que Ele é o Deus do universo. Na verdade, de outro modo ocorre com os que separaram a fé da vida, isto é, com os que não viveram os preceitos de uma verdadeira fé.

3. Aqueles que na igreja negaram o Senhor e reconheceram só o Pai, e se confirmaram nessa fé, estão fora do céu. E, como não podem receber influxo algum do céu, onde só o Senhor é adorado, eles perdem gradualmente a capacidade de pensar a verdade sobre qualquer assunto e finalmente se tornam como se fossem mudos, perdem o poder de falar, ou falam estupidamente. Eles caminham sem rumo e seus braços balançam e apresentam vibrações, porque carecem de força nas juntas. Aqueles que, como os socinianos, negaram o Divino do Senhor e reconheceram somente o Seu Humano, semelhantemente estão fora do céu. Eles são levados para uma caverna um pouco à direita e precipitam-se na profundidade; são, assim, separados inteiramente dos demais que vêm do mundo cristão. Finalmente, aqueles que diziam crer em um Divino invisível, que eles chamam Ente do universo, pelo qual tudo existe, e rejeitam toda a fé no Senhor, esses são notoriamente descrentes, porque não acreditam em nenhum Deus, uma vez que o Divino invisível, para eles, pertence à natureza nos seus primórdios, no que não incide fé nem amor, porque não pode ser um objeto do pensamento; eles são relegados entre os que são chamados naturalistas. Não sucede o mesmo com os que nascem fora da igreja, os quais se chamam gentios; destes se tratará depois.

4. Todas as crianças, que constituem a terça parte do céu, são iniciadas no conhecimento e na fé que o Senhor é seu Pai e, além disso, que Ele é o Senhor de todos, assim o Deus do céu e da terra. Em páginas posteriores, ver-se-á que as crianças crescem no céu e se aperfeiçoam por meio dos conhecimentos, até alcançarem a inteligência e a sabedoria angélicas.

5. Aqueles que são da igreja não podem duvidar que o Senhor é o Deus do céu. Ele Próprio ensinou que "todas as coisas do Pai são d'Ele (Mateus 11:27; João 16:15 e 17:12) e que Ele tem todo o poder no céu e na terra" (Mateus 28:18). Ele diz "no céu e na terra", porque Aquele que governa o céu governa também a terra, pois um depende do outro. Governar o céu e a terra significa receber do Senhor todo o bem que pertence ao amor e toda a verdade que pertence à fé, assim receber toda a inteligência e sabedoria e, desse modo, toda a felicidade; em resumo, a vida eterna. Isto o Senhor ensinou, dizendo: "Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; quem, todavia, não crê no Filho não verá a vida" (João 3:36) . E mais: "Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em Mim ainda que morra viverá, e qualquer que vive e crê em Mim não morrerá na eternidade" (João 11:25 e 26). E ainda: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (João 14:6).

6. Havia certos espíritos que, enquanto viviam no mundo, professavam crer no Pai, mas a respeito do Senhor eles tinham tido a mesma idéia como de qualquer outro homem e, por isso, não creram que Ele fosse o Deus do céu. Por isso, lhes foi permitido que andassem por toda a parte e perguntassem onde quisessem se havia outro céu além do céu do Senhor. Procuraram por muitos dias, mas em nenhuma parte encontraram outro. Tais espíritos são os que põem a felicidade na glória e no domínio. E, como foram incapazes de alcançar o que eles desejavam, quando lhes foi dito que o céu não consiste em tais coisas, eles se indignaram e desejaram um céu onde pudessem dominar os outros e pudessem ser eminentes em glória como no mundo.

Cap. II. É o Divino do Senhor que faz o céu

7. Os anjos, considerados em conjunto, chamam-se céu. Mas o que faz o céu em geral e em particular é o Divino procedente do Senhor, que influi nos anjos e é recebido por eles. O Divino procedente do Senhor é o bem do amor e a verdade da fé; os anjos são anjos e são o céu na proporção em que eles recebem os bens e as verdades do Senhor.

8. Cada um nos céus sabe e crê, e até percebe, que nada quer e faz de bem por si mesmo, e que nada pensa e crê de verdade por si mesmo, mas somente pelo Divino e, portanto, pelo Senhor; e também que o bem e a verdade que procedem deles próprios não são bem e verdade, porque estes não têm em si vida alguma do Divino. Os anjos do céu íntimo também percebem claramente e sentem o influxo, e quanto mais o recebem mais lhes parece estarem no céu, porque mais estão no amor e na fé e na luz da inteligência e da sabedoria, portanto, no gozo celeste. [Isto] porque todas as coisas procedem do Divino do Senhor e nelas consiste o céu dos anjos, pois é evidente que o Divino do Senhor é Quem faz o céu e não os anjos ou qualquer coisa que pertença a seu próprio. Daí é que o céu, na Palavra, se chama "habitação do Senhor" e "Seu Trono", e aos que estão lá se diz que eles estão no Senhor. De que modo o Divino procede do Senhor e enche o céu é o que se dirá depois.

9. Os anjos progridem sempre em sua sabedoria. Dizem eles que não somente todo o bem e toda a verdade procedem do Senhor, mas também o todo da vida. Eles confirmam isso dizendo que nada pode existir por si, mas de alguma coisa anterior a si. Por isso, todas as coisas procedem de um Primeiro, que eles chamam o Ser Mesmo da vida de todas as coisas. E igualmente, todas as coisas continuam a existir, porque subsistir é existir perpetuamente, e tudo o que não estiver em nexo contínuo com o Primeiro perece imediatamente e é inteiramente dissipado. Eles dizem também que há unicamente uma Fonte de Vida e que a vida do homem é um rio dela derivado, que, se não continuar a subsistir de sua fonte, imediatamente desaparecerá. Do mesmo modo, eles dizem que dessa Única Fonte de Vida, que é o Senhor, só procedem o Divino Bem e a Divina Verdade, e que cada um é afetado por estes, de acordo com a recepção deles. Os que os recebem na fé e na vida acham o céu neles, enquanto aqueles que os rejeitam ou os sufocam mudam-nos em inferno, porque convertem o bem em mal e a verdade em falsidade e, assim, a vida em morte. Ainda mais, eles dizem que o todo da vida procede do Senhor e o confirmam do seguinte modo: que todas as coisas do universo se referem ao bem e à verdade - a vida da vontade do homem, que é a vida de seu amor, ao bem, e a vida de seu entendimento, que é a vida de sua fé, à verdade. E, se todo o bem e toda a verdade procedem de cima, segue-se que tudo da vida deve vir de cima. E como tal é a crença dos anjos, por isso eles recusam todos os agradecimentos pelo bem que fazem, e se indignam e se retiram se alguém lhes atribui o bem. Eles se admiram de que haja alguém que possa crer que é sábio por si mesmo ou possa fazer o bem por si mesmo. Fazer o bem por causa de si, não chamam a isso bem, porque é feito por amor de si; mas fazer o bem por causa do bem dão a isso o nome de bem do Divino. E eles dizem que este bem é que faz o céu, porque este bem é o Senhor.

10. Os espíritos que, durante a sua vida no mundo, se confirmaram na crença de que o bem que fazem ou a verdade em que crêem procedem de si próprios ou lhes são apropriados como sendo deles - crença em que estão todos os que atribuem a seu mérito as boas ações e a justiça que praticam - não são recebidos no céu. Os anjos se afastam deles e os consideram estúpidos e ladrões: estúpidos porque eles continuamente têm em vista sua pessoa e não o Divino, e ladrões porque furtam ao Senhor o que Lhe pertence. Eles são contrários à crença existente no céu de que o Divino do Senhor nos anjos é que faz o céu.

11. O Senhor ensina que aqueles que estão no céu e na igreja estão no Senhor e o Senhor está neles, quando Ele diz: "Permanecei em Mim e Eu em vós; assim como a vara não pode dar fruto por si mesma, a não ser que permaneça na videira, assim nem vós o podeis dar se não permanecerdes em Mim. Eu sou a videira, vós as varas. Quem permanece em Mim e Eu nele, este dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer" (João 15: 4 e 5).

12. Daí se vê, agora, que o Senhor habita nos anjos do céu naquilo que é Seu, e assim o Senhor é o todo em todas as coisas do céu. E isso porque o bem oriundo do Senhor é o Senhor nos anjos, porque aquilo que dimana do Senhor é o Senhor; por conseguinte, o bem procedente do Senhor é para os anjos seu céu, e não coisa alguma do próprio deles.

Cap. III. No céu, o Divino do Senhor é o amor a Ele e a caridade para com o próximo

13. O Divino procedente do Senhor chama-se, no céu, a Divina Verdade; a razão disso será apresentada a seguir. Esta Divina Verdade flui do Senhor no céu da parte de Seu Divino Amor. O Divino e, por conseguinte, a Divina Verdade estão em relação entre si como o fogo do sol e a luz dele no mundo; o amor é como o fogo do sol e a verdade como a luz do sol. Daí, pela correspondência, o fogo significa o amor e a luz a verdade procedente do amor. Daí, se pode ver qual é a Divina Verdade procedente do Divino Amor do Senhor, e que é, em sua essência, o Divino Bem conjunto à Divina Verdade; e, porque ele foi conjunto, ele vivifica todas as coisas do céu, como o calor do sol unido à luz, no mundo, como se dá nas estações da primavera e do verão; não sucede o mesmo quando o calor não foi unido à luz, assim quando a luz é fria: tudo então entorpece e se extingue. Esse Divino Bem, que foi comparado ao calor, é o bem do amor nos anjos; e a Divina Verdade, que foi comparada à luz, é a verdade pela qual e da qual há o bem do amor.

14. No céu, o Divino que o constitui é o amor, porque o amor é a conjunção espiritual. Ele cônjuge os anjos ao Senhor e os compunge mutuamente entre si; e os compunge de tal modo que eles todos são como um em presença do Senhor. Além disso, o amor é para cada um o ser mesmo da vida, porque é pelo amor que o anjo tem vida e que também o homem tem vida. Que do amor venha o vital íntimo do homem é o que percebe quem refletir, porque pela presença do amor o homem se aquece, por sua ausência ele se esfria, e por sua privação ele morre. Mas cumpre saber que, para cada um, a vida é tal qual é a qualidade de seu amor.

15. Há no céu dois amores distintos: o amor para com o Senhor e o amor para com o próximo. No céu íntimo, ou terceiro céu, o amor para com o Senhor, e no céu médio ou segundo céu, o amor pelo próximo; um e outro procedem do Senhor e um e outro fazem o céu. De que modo esses dois amores se distinguem, e de que modo eles se conjungem, é o que se vê com grande evidência no céu, mas somente de um modo obscuro no mundo. No céu, por amar o Senhor entende-se não O amar quanto à pessoa, mas amar o bem que procede d'Ele, e amar o bem é querer e fazer o bem por amor. E por amar o próximo entende-se não amar seu semelhante quanto à pessoa, mas amar a verdade que procede da Palavra, e amar a verdade é querer e fazer o que é verdadeiro. Daí é evidente que esses dois amores se distinguem como o bem e a verdade. Mas isso entra dificilmente na idéia do homem que não sabe o que é o amor, o que é o bem e o que é o próximo.

16. Algumas vezes conversei sobre esse assunto com os anjos. Eles disseram que se admiram de que os homens da igreja não saibam que amar ao Senhor e amar ao próximo é amar o bem e amar a verdade e, pelo querer, fazer um e outro; quando, entretanto, eles podem saber que cada um testemunha seu amor a um outro querendo e fazendo o que Ele quer, e que, assim, por sua vez, se é amado e conjunto a ele, e não pelo fato de amá-lo sem, contudo, fazer a sua vontade, o que em si não é amar. E que, além disso, eles podem saber que o bem que procede do Senhor é a semelhança do Senhor, pois que Ele Mesmo está nesse bem; e que os que fazem que o bem e a verdade pertençam à sua vida, pelo querer e o fazer, tornam-se semelhanças do Senhor e são conjuntos a Ele. Querer é também gostar de fazer. Que isso seja assim é o que o Senhor ensina também na Palavra, quando diz: "Quem tem os Meus preceitos e os cumpre, este Me ama. e Eu o amarei. e nele farei morada" (João 14:21 e 23). E em outra passagem: "Se cumprirdes os Meus mandamentos, permanecereis no Meu amor" (João 15:10).

17. Que o Divino Procedente do Senhor, que afeta os anjos e faz o céu, seja o amor, é o que prova toda experiência no céu. Com efeito, todos os que estão no céu são formas do amor e da caridade. Eles aparecem em uma beleza inexprimível, e o amor se mostra com brilho em sua face, em sua linguagem, em cada particularidade de sua vida. Além disso, há esferas espirituais de vida que procedem de cada anjo e de cada espírito e se propagam ao redor deles. Por elas se conhece, às vezes, a uma grande distância, quais eles são quanto às afeições que pertencem ao amor, porque essas esferas efluem da vida da afeição e da vida do pensamento, ou da vida do amor e, portanto, da vida da fé de cada um deles. As esferas que dimanam dos anjos estão tão cheias de amor que eles afetam os íntimos da vida daqueles em quem eles estão; eu próprio as percebi algumas vezes, e elas me afetaram desse modo. Que seja do amor que os anjos derivam sua vida é ainda o que para mim foi evidente em virtude do fato de que, na outra vida, cada um se volta segundo seu amor. Os que estão no amor para com o Senhor e no amor ao próximo voltam-se constantemente para o Senhor; ao contrário, os que estão no amor de si voltam-se constantemente para o lado oposto ao Senhor. Isso se efetua seja qual for o sentido em que eles virem seu corpo, porque, na outra vida, os espaços estão em relação com os estados dos interiores dos habitantes. Dá-se o mesmo com as plagas [pontos cardeais], que lá não foram, como no mundo, invariavelmente fixas, mas são determinadas segundo o aspecto da face dos habitantes. Contudo, não são os anjos que se voltam para o Senhor, mas é o Senhor que volta para Ele aqueles cujo amor consiste em fazer o que vem d'Ele. Sobre este assunto, pormenores mais amplos serão dados quando se tratar das plagas [pontos cardeais] na outra vida.

18. O Divino do Senhor no céu é o amor, porque o amor é o receptáculo de tudo no céu, que é paz, inteligência, sabedoria e felicidade. O amor recebe todas e cada das coisas que lhe convém. Ele as deseja, procura, emprega como por vontade sua, pois quer continuamente se fartar e se aperfeiçoar por elas. Isto também é conhecido pelo homem, pois o amor, nele, examina e retira de sua memória todas as coisas para concordância, reúne-as e as dispõe em si e sob si; em si para que sejam suas e sob si para que possam servi-lo. As outras coisas, entretanto, que não concordam, ele rejeita e extermina. No amor reside toda a faculdade de receber as verdades que lhe são convenientes e conjungi-las a si. Isto se tornou patente a mim pelo que vi claramente nos que foram elevados ao céu, naqueles que, ainda que simples no mundo, alcançaram a sabedoria Angélica e as felicidades do céu quando se acharam entre os anjos. O motivo por que foi assim é porque amaram o bem e a verdade e implantaram essas coisas na sua vida, e por esse modo tornaram-se capazes de receber o céu com tudo de inexprimível que ele tem. Os que, entretanto, estão no amor de si e do mundo, estes não são capazes de receber o bem e a verdade; eles os repelem, rejeitam e, ao primeiro contato e influxo, escapolem e se associam no inferno com os que têm amores semelhantes aos seus. Havia espíritos que duvidavam que tais coisas existissem no amor celeste e desejavam saber se assim era. Por isso, foram postos no estado do amor celeste, tendo, então, sido afastado, nesse intervalo, tudo o que constituísse obstáculo para tal. Foram tais espíritos levados a uma certa distância, à frente, onde está o céu angélico e dali falaram comigo, dizendo que percebiam uma felicidade interior que não podiam exprimir por palavras, sofrendo muito por terem de voltar ao seu antigo estado. Outros, também, foram elevados ao céu, e quanto mais foram elevados interiormente ou para cima, mais eles entraram na inteligência e na sabedoria, a fim de que pudessem entender as coisas que antes lhes eram incompreensíveis. Daí é evidente que o amor procedente do Senhor é o receptáculo do céu e de tudo que está no céu.

19. Que o amor ao Senhor e o amor ao próximo compreendam em si todas as verdades Divinas, pode-se ver pelas palavras que o próprio Senhor proferiu sobre esses dois amores, dizendo : "Amarás. Teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, que lhe é semelhante, é: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas" (Mateus 22:37 a 40). A "Lei e os Profetas" são toda a Palavra, assim, toda a verdade Divina.

Cap. IV. O céu é dividido em dois reinos

20. Como no céu há variedades infinitas e lá não há uma só sociedade que seja perfeitamente semelhante a uma outra, nem mesmo um só anjo igual a um outro anjo, por isso o céu é distinto no comum, na espécie e na parte. No comum, em dois reinos; na espécie, em três céus; e na parte, em inúmeras sociedades. De cada uma dessas distinções tratar-se-á em particular daqui por diante. São ditos reinos porque o céu é chamado "o reino de Deus".

21. Há anjos que recebem mais interiormente o Divino procedente do Senhor e outros que o recebem menos interiormente. Os que o recebem mais interiormente chamam-se anjos celestiais, e os que o recebem menos interiormente são chamados anjos espirituais. Por isso, o céu se divide em dois reinos, dos quais um tem o nome de reino celestial e o outro de reino espiritual.

22. Os anjos que constituem o reino celestial, recebendo mais interiormente o Divino do Senhor, chamam-se anjos interiores e os céus que eles constituem são chamados céus interiores e céus superiores.

23. O amor em que estão os [anjos] do reino celestial chama-se amor celeste, e o amor em que estão os do reino espiritual chama-se amor espiritual. O amor celeste é o amor para com o Senhor, e o amor espiritual é o amor para com o próximo. E, como todo o bem pertence ao amor, porque o que alguém ama é para ele o bem, é por isso que o bem do primeiro reino se chama bem celeste e o bem do segundo reino se chama bem espiritual. Daí se vê claramente em que se distinguem esses dois reinos, isto é, que eles estão entre si como o bem do amor para com o Senhor e o bem da caridade para com o próximo; e, uma vez que o bem do amor para com o Senhor é o bem interior, e esse é o amor interior, os anjos celestiais são anjos interiores e são chamados anjos superiores.

24. O reino celestial também é chamado reino sacerdotal do Senhor e, na Palavra, "Seu habitáculo"; e o reino espiritual é chamado Seu reino régio e, na Palavra, "Seu trono". Segundo o Divino celeste, também o Senhor, no mundo, foi chamado Jesus, e segundo o Divino espiritual foi chamado Cristo.

25. Os anjos no reino celeste do Senhor excedem muito em sabedoria e em glória os anjos que estão no reino espiritual; assim é porque eles recebem mais interiormente o Divino do Senhor, pois estão no amor para com Ele e se encontram mais próximos e em maior conjunção com Ele. Esses anjos celestiais são assim porque receberam e recebem as verdades Divinas imediatamente na vida, e não como os espirituais, que as recebem previamente pela memória e pelo pensamento. Por isso, os anjos celestiais têm essas verdades Divinas gravadas em seus corações, as percebem e como que as vêem em si mesmos. Jamais raciocinam a respeito delas sobre se são ou não verdades. Assim são eles descritos em Jeremias : "Porei a Minha Lei na mente deles e a inscreverei no coração deles. Não ensinarão mais, cada um ao seu amigo e cada um a seu irmão, dizendo: Conhecei JEHOVAH.; conhecerão a Mim do menor ao maior deles" (31:33 e 34) . E são chamados em Isaías "os ensinados de JEHOVAH" (54:13). "Os ensinados de JEHOVAH" são os que o Senhor ensina. E isto é assim dito pelo próprio Senhor em João 6:45 e 46.

26. Foi dito que os anjos celestiais se avantajam aos outros em sabedoria e em glória, porque eles receberam e recebem as Divinas verdades imediatamente na vida, pois, desde que as ouvem, eles as querem e fazem, sem pô-las primeiro em sua memória e sem pensarem depois se são realmente verdades. Os que são tais sabem logo, pelo influxo do Senhor, se é verdadeira a verdade que ouvem, porque o Senhor influi imediatamente no querer do homem e, medianamente pelo querer, em seu pensar. Ou, o que é a mesma coisa, o Senhor influi imediatamente no bem e, medianamente pelo bem, na verdade, porque se chama bem àquilo que pertence à vontade e, por conseguinte, à obra, e se chama verdade àquilo que pertence à memória e, por conseguinte, ao pensamento. Toda verdade é até mudada em bem e implantada no amor desde que ela primeiramente entra na vontade. Mas, enquanto a verdade estiver na memória e, por conseguinte, no pensamento, ela não se torna um bem, não vive, e não é apropriada ao homem, porque o homem é homem pela vontade e, por conseguinte, pelo entendimento, e não pelo entendimento separado da vontade.

27. Como há uma tal diferença entre os anjos do reino celeste e os anjos do reino espiritual, eles não estão juntos nem se apresentam em comunidade. Há apenas uma comunicação por sociedades angélicas intermediárias, que são chamadas celestes-espirituais. Por elas, o reino celestial influi no reino espiritual. Daí vem que o céu, posto que haja sido dividido em dois reinos, faz entretanto um. O Senhor suscita sempre anjos intermediários, pelos quais há comunicação e conjunção.

28. Como se tratará muito, a seguir, dos anjos de um e de outro reino, por esta razão os aspectos específicos aqui são deixados à parte.

Cap. V. Há três céus

29. Há três céus e eles são entre si distintíssimos: o íntimo ou terceiro, o médio ou segundo e o último ou primeiro. Eles estão em seqüência um ao outro, e subsistem entre si, como a parte superior do homem, que se chama cabeça, seu meio, que se chama corpo, e o último, que é chamado pés, tais como as partes mais alta, média e mais baixa de uma casa. Em uma tal ordem se acha também o Divino que procede e desce do Senhor. Daí, por necessidade de ordem, o céu é dividido em três partes.

30. Os interiores do homem, que pertencem à sua mente e ao seu ânimo, também estão em uma ordem semelhante. Ele tem um íntimo, um médio e um último, porque no homem, quando ele foi criado, foram reunidas todas as coisas da ordem Divina, a tal ponto que ele foi a ordem Divina em forma e, por conseguinte, um céu na menor efígie. É também por isso que o homem se comunica com os céus quanto a seus interiores e é também porque ele fica entre os anjos depois da morte - entre os anjos do céu íntimo, ou do céu médio, ou do último céu, segundo a recepção, durante sua vida no mundo, do Divino bem e da Divina verdade que procedem do Senhor.

31. O Divino que eflui do Senhor e que é recebido no terceiro céu ou céu íntimo chama-se celeste e, por conseguinte, os anjos desse céu chamam-se anjos celestes. O Divino que eflui do Senhor e que é recebido no segundo céu ou céu médio chama-se espiritual e, por conseguinte, os anjos desse céu chamam-se anjos espirituais. O Divino que eflui do Senhor e que é recebido no último ou primeiro céu é chamado natural. Contudo, o natural desse céu não sendo como o natural do mundo, mas tendo em si o espiritual e o celeste, é chamado espiritual-natural e celeste-natural e, por isso, os anjos que o habitam chamam-se espirituais-naturais e celestes-naturais. São chamados espirituais-naturais os que recebem o influxo do médio ou segundo céu, que é o céu espiritual, e são chamados celestes-naturais os que recebem o influxo do céu íntimo ou terceiro céu, que é o céu celeste. Os anjos espirituais-naturais e os anjos celestiais-naturais são distintos entre si, mas sempre constituem um mesmo céu, porque estão no mesmo grau.

32. Há em cada céu um interno e um externo. Os anjos que lá estão no interno são chamados anjos internos e os que estão no externo são chamados anjos externos. O externo e o interno nos céus, ou em cada céu, são lá como o voluntário e o intelectual do voluntário no homem, o interno como voluntário e o externo com intelectual do voluntário. Todo voluntário tem seu intelectual, pois um não existe sem o outro. O voluntário pode ser comparado à chama e o intelectual à luz que procede da chama.

33. Cumpre bem saber que os interiores dos anjos fazem com que eles estejam em um céu ou em outro, pois, quanto mais os interiores são abertos para o Senhor, tanto mais eles estão em um céu interior. Há três graus de interiores, tanto em cada anjo como em cada espírito e também em cada homem. Aqueles nos quais o terceiro grau foi aberto estão no céu íntimo. Aqueles que tiveram aberto o segundo grau estão no céu médio, e os que tiveram aberto o primeiro grau estão no último céu. Os interiores são abertos pela recepção do Divino bem e da Divina verdade. Aqueles que são afetados pelas Divinas verdades e as admitem logo na vida, por conseguinte na vontade e, por este fato, no ato, estão no céu íntimo ou terceiro céu, e lá estão segundo a recepção do bem pela afeição da verdade. Aqueles que, entretanto, as admitem, não imediatamente na vontade, mas na memória e, portanto, no entendimento, e depois as querem e fazem, estão no céu médio ou segundo céu. Aqueles que vivem em sã moral e crêem no Divino, e não se importam tanto em serem instruídos, estão no último ou primeiro céu. Daí se pode ver que os estados dos interiores fazem o céu e que o céu está dentro e não fora de cada um. É também o que o Senhor ensina, dizendo: "Não vem o reino de Deus visivelmente, nem dirão: Ei-lo aqui ou ei-lo ali, porque o reino de Deus está dentro de vós" (Lucas 17:20 e 21).

34. Toda perfeição também cresce para os interiores e decresce para os exteriores, pois os interiores estão mais perto do Divino e são em si mesmos mais puros, e os exteriores são mais afastados do Divino e em si mesmos mais densos. A perfeição Angélica consiste na inteligência, na sabedoria, no amor, em todo bem e, por conseguinte, na felicidade, mas não na felicidade sem essas coisas, porque sem elas a felicidade é externa e não interna. Como os interiores dos anjos do céu intimo foram abertos no terceiro grau, a sua perfeição excede em muito à perfeição dos anjos do céu médio, cujos interiores foram abertos no segundo grau. Do mesmo modo, a perfeição dos anjos do céu médio excede em muito à perfeição dos anjos do último céu.

35. Porque há uma tal diferença, o anjo de um céu não pode vir entre os anjos de um outro céu, isto é, o de um céu inferior não pode subir, nem o de um céu superior pode descer. Aquele que sobe de um céu inferior é acometido por uma ansiedade que vai até a dor, e não pode ver os que estão no céu superior ao seu, nem, com mais forte razão, conversar com eles. E aquele que desce de um céu superior é privado de sua sabedoria, balbucia e chega ao desespero. Alguns habitantes do último céu, não tendo ainda sido instruídos que o céu consiste nos interiores do anjo, acreditavam que chegariam a uma felicidade celeste superior, se entrassem no céu onde estão os anjos que gozam essa felicidade. Foi-lhes então permitido entrar lá, mas, quando lá estiveram, eles não viram pessoa alguma, em qualquer lugar que eles procurassem - apesar de haver lá uma grande multidão de anjos -, porque os interiores desses estranhos não haviam sido abertos no mesmo grau que o dos anjos desse céu nem, por conseguinte, sua vista. Pouco depois, foram acometidos por uma angústia de coração a tal ponto que dificilmente podiam saber se estavam ou não com vida. Por isso, trataram logo de voltar para o céu de onde tinham saído, regozijando-se por se acharem de novo entre os seus, e prometendo nunca mais desejar coisas mais elevadas do que as que concordavam com a sua vida. Vi também anjos que desceram de um céu superior e foram privados de sua sabedoria a tal ponto que não sabiam qual era o seu céu. Não sucede o mesmo quando o Senhor eleva anjos de um céu inferior a um céu superior, para que eles vejam a Sua glória, o que ocorre freqüentes vezes. Para isso, esses anjos são primeiro preparados e, depois, acompanhados por anjos intermediários, pelos quais há comunicação. Pelo que precede, é evidente que esses três céus são muito distintos entre si.

36. Em um mesmo céu, cada um pode ser consorciado com qualquer um que lhe apraz, mas os prazeres da consorciação estão em relação com afinidades do bem em que se está. Este assunto será desenvolvido nos parágrafos seguintes.

37. Ainda que os céus sejam de tal modo distintos que os anjos de um céu não possam ter relacionamento com os anjos de um outro, a verdade é que o Senhor cônjuge todos os céus por influxo imediato e por influxo mediato - pelo influxo imediato que procede d'Ele em todos os céus, e pelo influxo mediato de um céu em um outro céu e por esse modo faz com que os três céus sejam um e que todos sejam ligados do primeiro ao Último, de modo que nada existe que não seja ligado. O que não é ligado por intermediários com um Primeiro não subsiste, mas é dissipado e se torna nulo.

38. Quem não sabe de que modo os graus estão relacionados com a ordem Divina não pode compreender como os céus são distintos, nem mesmo o que seja o homem interno e o homem externo. No mundo, a maior parte dos homens não tem noção dos interiores e dos exteriores, ou dos superiores e dos inferiores, mas somente do que é contínuo ou coerente por continuidade, desde o mais puro até o mais espesso. Entretanto, os interiores e os exteriores estão entre si em uma relação não contínua, mas discreta. Os graus são de dois gêneros: há graus contínuos e há graus não contínuos. Os graus contínuos são como os graus do decréscimo da luz, desde a chama até a escuridão, ou como os graus de decréscimo da vista, que da luz passam para a sombra, ou como os graus de pureza da atmosfera, desde sua profundidade até a sua parte mais elevada. As distâncias determinaram esse grau. Ao contrário, os graus não contínuos, mas discretos, foram diferenciados como anteriores e posteriores, como a causa e o efeito, e como o que produz e o que é produzido. Quem examinar a questão verá que em todas as coisas do mundo, tanto em geral como em particular, há graus de produção e de composição, isto é, que de uma coisa procede uma outra e desta uma terceira, e assim por diante. Quem não adquirir para si a percepção desses graus não pode, de modo algum, saber a diferença dos céus, conhecer as distinções das faculdades interiores e exteriores do homem, nem a distinção entre o mundo espiritual e o mundo natural, nem a distinção entre o espírito e o corpo do homem e, por conseguinte, não pode compreender o que são e onde estão as correspondências e as representações, nem de onde elas vêm, nem qual é o influxo. Os homens sensuais não percebem essas distinções, porque os crescimentos e os decréscimos, segundo esses graus, são por eles considerados contínuos. Por esse motivo, eles só podem conceber o espiritual como um natural mais puro. Por isso é que eles ficam também do lado de fora e longe da inteligência.

39. É-me permitido, em última lugar, referir, a respeito dos anjos dos três céus, um arcano que até aqui não ocorreu à mente de pessoa alguma, porque os graus não foram compreendidos. É o seguinte: em cada anjo e também em cada homem há um grau íntimo ou supremo, ou um certo íntimo e supremo, no qual o Divino do Senhor influi primeiro ou de mais perto e segundo o qual Ele dispõe os outros interiores que vêm depois, segundo os graus da ordem no anjo e no homem. Esse íntimo ou supremo pode ser chamado a entrada do Senhor no anjo e no homem, e Seu domicílio mesmo neles. É por esse íntimo ou supremo que o homem é homem e se distingue dos animais brutos, porque os brutos não o têm. Daí vem que o homem, diferentemente dos animais, pode, quanto a todos os interiores que pertencem à sua mente e ao seu ânimo, ser elevado pelo Senhor para o Senhor Mesmo, crer n'Ele, ser afetado pelo amor para com Ele e, assim, ver o Senhor Mesmo e poder receber a inteligência e a sabedoria, e falar segundo a razão. Daí vem também que ele vive eternamente. Contudo, o que é disposto e provido pelo Senhor nesse íntimo não influi manifestamente na percepção de anjo algum, porque está acima de seu pensamento e excede sua sabedoria.

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