Capítulo I
Quando no campo das ciências exatas e naturais, nos defrontamos com os axiomas, não nos perguntamos porque estes são verdadeiros; estamos convencidos que encontram a sua resposta em si mesmos.
Tal sensação encontra a sua razão de ser na relação que existe entre a exatidão daqueles axiomas e a centelha de verdade que brilha em nossa mente. É como se nos encontrássemos de fronte a dois raios de uma mesma fonte de luz que mesmo parecendo distantes um do outro, unem-se pela sua analogia e penetrando-se transmitem o calor e a luz reciprocamente.
Servir-nos pelo menos da verdade que os axiomas nos ensinam mesmo parcialmente, pode ser importante para nós, mas a existência desses dois elementos essenciais que acabamos de conhecer não pode determinar nem a exatidão do axioma nem a intensidade da centelha de verdade em nossa mente. Ambos apresentam-se dotados de uma vida natural própria sem perigos de impedimento e os dois raios poderiam separar-se sem produzir nenhum efeito e não perderiam a sua essência e o seu caráter constitutivo. Um matemático poderia encontrar-se imerso no sono; isto certamente não impediria a verdade geométrica de existir e nem o engenheiro de possui-la ou servir-se dela no momento oportuno.
Existe porem, uma filosofia que nega tudo isto, porque não distingue nos seres a essência como algo distinto das suas várias propriedades, porque detém-se nas simples modificações das coisas e nega, ou antes, condena abertamente a existência autônoma dos seres alem das impressões. Queremos simplesmente advertir sobre isto, sem deter-nos em uma discussão, a todos aqueles que não conhecem esta filosofia e asseguramos, que encontrarão em si mesmos a defesa de tais dúvidas. Passemos adiante.
A alma humana, seja por um impulso próprio, seja por uma dádiva, eleva-se ao sentimento íntimo do ser universal que abraça tudo e produz cada coisa, ao sentimento daquele ser desconhecido que chamamos Deus. A alma não mais procura na descoberta de axiomas particulares como dar-se conta da verdade total da qual se sente conquistada, nem da viva alegria que a verdade lhe dirige; esta sente que este grande ser ou este grande axioma existe por si e que é impossível que não exista. Sente igualmente em si, através do contato divino, a realidade da própria vida pensante e imortal. Não tem mais necessidade de indagar sobre Deus nem sobre si mesma; e no afeto santo e profundo que experimenta e diz para si em um verdadeiro e particular êxtase de segurança:
- Deus e o homem são seres verdadeiros que podem conhecer-se na mesma luz e amar-se no mesmo amor.
Como pode a alma ter a sensação exata de tais verdades imutáveis? Em virtude da mesma lei que manifestou à sua mente a certeza dos axiomas parciais; esta sente a existência inatacável do princípio superior de seu ser e dela própria através da relação e das ligações que existem entre estes. Pois sem isto, a convicção da existência destes dois seres não poderia atingir-nos nem fixar-se em nós, e se este fogo divino não encontrasse em nós uma analogia poderosa, nos atravessaria sem deixar nenhum vestígio e nenhum sentimento de si.
Baseado na mesma lei - que aproveitamos ou não os tesouros de verdade revelados do contato divino - o fato possui indiscutivelmente uma grande influência sobre as nossas verdadeiras satisfações, mas não há nenhuma influência sobre a existência em si dos tesouros, nem sobre a existência da parte do nosso ser que constitui o seu receptáculo. Assim, a privação deste sublime sentimento nas almas alteradas, e todos os pensamentos ilógicos que dai derivam, não podem aniquilar nem o principio necessário e eterno dos seres nem a analogia divina que todos nós temos com este. Aquilo que é pode ser confirmado e valorizado pêlos sinais ou testemunhos exteriores, mas não pode derivar destes a própria realidade, enquanto esta é anterior, independente e o existir de fato a traz em si.
Este aspecto de lógica natural, classificando os testemunhos, não exclui os seus privilégios. Aquilo que é, não pode derivar a própria realidade dos sinais e dos testemunhos exteriores, pois tal realidade é anterior a estes. Não é portanto verdade, que na esfera temporal na qual nós estamos, sem eles e sem a sua ação, a realidade do fato não poderia manifestar-se fora de si própria; e nem aqueles sinais e testemunhos exteriores podem considerar-se como indicadores seguros da fiel expressão do tipo de realidade ou do tipo de idéia que se delineia nestes, para fazer-se conhecer. Esta lei, mal aprofundada, deu lugar ao erro dos filósofos induzindo-os a confundir o meio com o principio, o órgão da manifestação com a fonte desta manifestação.
Ora, visto que percebemos que não existe uma realidade que procura preencher a própria medida, devemos presumir que a imensa quantidade de objetos que nos rodeiam tenham um amplo e importante objetivo, isto é: promover as realidades, cada uma segundo o próprio gênero e a própria classe, ou se quiser, testemunhar em favor daquilo que é e de qualquer sua manifestação. De fato, é útil para o nosso pensamento conhecer os fatos e as realidades, e para a nossa alma assenhorar-se onde cresce o patrimônio da existência.
Mesmo havendo pouca familiaridade coma as obras já publicadas sobre temas do gênero, é necessário reconhecer que o nosso ser espiritual e o nosso ser físico, possuem algumas faculdades relativas ao importante escopo do conhecimento. Com efeito, os nossos órgãos materiais transmitem à nossa animação sensível, a impressão das formas e das imagens de todos os objetos que a eles se apresentam, assim como transmitem o sentido das diversas propriedades das quais tais objetos estão revestidos.
A nossa alma pensante em seguida, tem a tarefa e o poder de analisar todas aquelas propriedades, de considerar qual seja o escopo da existência de todos aqueles diversos objetos, quando o fim lhe é desconhecido. A alma pensante tem o direito de procurar nos objetos, a idéia da qual estes são a expressão, quais fatos estes atestam, ou quais realidades manifestam; e todos nós devemos admitir que não estamos real e completamente satisfeitos, se não quando, o nosso pensamento alegra-se no conhecer o fim ultimo dos objetos; assim como o nosso ser sensível alegra-se com as impressões que recebe das diversas propriedades dos próprios objetos: novo motivo para convencer-nos que todos os objetos são a expressão de uma idéia. De fato, como poderiam estes, conduzir nossa inteligência à este escopo luminoso e de satisfação, se não fossem eles próprios por assim dizer, descidos do mundo da luz ou do mundo das idéias?
Por outro lado, os hábitos mais comuns entre os homens não nos iluminam sobre a grande verdade, que todos os objetos que nos circundam são a expressão de uma idéia? Todas as invenções das quais se servem os homens hoje em dia para as próprias necessidades, para os próprios prazeres, para a própria comodidade, não portam em si o caráter da idéia a qual devem a própria origem? Um livro não é talvez o sinal do projeto de um homem que decidiu representar os próprios pensamentos em um único órgão? Uma carruagem não é o sinal da intenção de um homem fazer-se transportar rapidamente e sem fadiga? E também a casa não representa a exigência de obter uma vida cômoda protegidos das intempéries?
Acreditamos portanto, que a Sabedoria suprema tenha também idéias e planos nas suas obras, como nós temos nas nossas. Esta, alem disso é com certeza mais fecunda e mais inteligente do que nós. Portanto as suas obras, se conhecêssemos o espírito, teriam a sublime vantagem de dirigir ao nosso pensamento e a nossa alma satisfações mais vivas do que aquelas que dirigem à nossa vista ostentando-nos a pompa de sua magnificência exterior e da rica mas regular variedade de suas formas. Acreditamos ao mesmo tempo, que o objetivo da Sabedoria suprema seja aquele de aplicar o nosso ser na busca dos próprios planos, multiplicando sob os nossos olhos, a imensidade de objetos diversos. De fato, se é verdade que cada realidade procura fazer-se compreender e manifestar-se e que não pode faze-lo se não com os seus sinais e com o seus testemunhos, nós facilitaremos e ajudaremos esta manifestação interrogando cuidadosamente os testemunhos e os sinais, recolhendo com cuidado ainda maior as suas indicações.
Mas entre todos estes sinais e estes testemunhos, quem mais se não o homem poderia ser mais digno da nossa atenção, e revelar-nos as maiores verdades? Quem mais nos ofereceria indícios mais significativos? Quem mais deixaria correr perante nós os numerosos rios de fogo que parecem brotar vivamente de seu pensamento e de seu coração e que nos mostram, por assim dizer, como sentado sobre o trono de todos os mundos para julgá-los e governá-los sob os olhos do Soberano invisível, o único ser que o homem encontra acima de si?
Todos os outros sinais que compõem o universo não nos são oferecidos, dada a fragilidade que os caracteriza e a suas surpreendentes disparidades, se não como tantos outros reflexos passivos e parciais de potências espirituais e secundárias da divindade.
O homem, pelo contrário, aparecendo colocado sob o aspecto da própria divindade, apresenta-se destinado a refleti-la diretamente e de conseqüência fazê-la conhecer completamente. Portanto devemos procurar mais extensamente de qual fato, de qual realidade ele é chamado a ser o depositário e o testemunho perante todos os seres, pois reconhecemos nele a expressão falante do princípio eterno, e a irrecusável analogia que liga os seres uns aos outros. De fato, entre todas as criaturas ele representa o sinal ativo do axioma total, ou a mais ampla manifestação que o pensamento interior divino tenha emanado.
Se o homem é o único ser enviado como testemunha universal da universal verdade, recolhamos portanto os seus testemunhos, não o abandonemos se não depois de havê-lo cuidadosamente interrogado, e confrontado com si mesmo, com o objetivo de estabelecer os diversos esclarecimentos que podemos receber de seus diversos testemunhos.