ARTE DO SONHO
Paul Sédir



A nossa mente interior está em constante relação com os mundos invisíveis; nós não nos apercebemos disto porque nos falta o instrumento transmissor.
É preciso então tornar este registro mais fácil e mais extenso.

Aqui vão dois métodos.
O primeiro é exterior; recomenda uma série ou séries de exercícios graduados que, apoiando-se num conhecimento mais ou menos verdadeiro da máquina humana, harmonizam o seu funcionamento e subtilizam as suas sensibilidades. Aqui tudo depende da ciência do treinador; facilmente se cometem erros ao manipular organismos tão delicados e complexos. As desordens mais graves e mais tenazes podem ser suscitadas por uma falta de diagnóstico, por uma hora mal escolhida, por um excitante mal dosado, por uma falsa correspondência.

Sabemos ao que uma droga deve a sua virtude? O seu uso pode ligar o nosso sistema nervoso a poderes desconhecidos; conhecemos as terríveis conseqüências da morfina, da cocaína, dos licores alcoólicos. E todas estas substâncias não trazem uma força nova; a
sua ação é simplesmente despolarizante; elas retiram fluido de um ponto do corpo para colocá-lo num outro, de modo que o experimentador imprudente vê a sua saúde geral tornar-se precária e sua vontade impotente para governar os impulsos irresistíveis de seu ser
vegetativo.

As mesmas críticas podem ser formuladas quanto a estas receitas pueris que a superstição popular emprega: comer uma maçã com certos ritos, escrever nomes bárbaros sobre fitas, isso parece inofensivo.
Mas é possível que uma imaginação aventurosa ou uma vontade fraca abram as portas a sugestões pouco sãs ou a manias.

Quanto ao rito mágico propriamente dito, seja qual for o proveito que dele desejemos extrair, os inconvenientes existem na mesma medida. Incerteza quanto à qualidade do resultado obtido, risco de ilusões, dolo provável, violências exercidas contra certos invisíveis, obrigações contraídas inconscientemente com outros invisíveis, desobediência à lei divina, desequilíbrio pessoal podendo se estender até a doença física — tais são, em resumo, os escolhos contra os quais se despedaça a fortuna do magista.

Dirigir-nos-emos a estas escolas mais sábias e mais serenas, onde o aluno, após haver alcançado o domínio do seu corpo físico, empreende o controle de seu corpo fluídico pelas observâncias respiratórias, e de seu corpo mental pela concentração? Se ele obtém sucesso neste gênero de trabalho e se os frutos que ele recolhe parecem mais nobres, mais sãos e mais duráveis, é porque sua cultura tem necessidade de morticínios!

Restringir a respiração é aumentar a quantidade de sangue venoso. É portanto estancar a marcha evolutiva de uma multidão de glóbulos; é diminuir as trocas orgânicas; é sair um pouco da vida animal.

Concentrar a atenção num monoideísmo constante é construir diques contra os fluxos da associação de idéias. Mas sabemos nós se a imagem mental que escolhemos para o exercício não é menos importante ou menos necessária do que quaisquer das outras que deliberadamente rejeitamos?

Por outro lado não se atinge estas duas unificações, a dos fluidos e a das idéias, sem uma espécie de vampirismo exercido sobre o meio eletro-telúrico e sobre o meio mental, análogo ao exercido por um financista muito hábil, que sabe atrair o dinheiro para os seus
ativos. Isto é algo como se apropriar de algo que não é nosso e que exigirá um acerto de contas no futuro, sem ter proporcionado no presente uma certeza sã e cabal.

O buscador prudente recusará então todos estes procedimentos de um artifício mais ou menos curioso, e se aterá a algumas regras de puro bom senso, tais como, por exemplo, as que submeteremos ao exame do leitor.

Deve-se preparar uma noite reconfortante a partir de um dia são e interiormente sereno. A inquietude prejudica o sono. É verdade que nem sempre podemos dominá-la inteiramente. Para viver de maneira sã é preciso ter um ideal, e para viver de maneira santa, é necessário o mais elevado dos ideais. Da mesma forma que um trabalhador probo pode nutrir o seu corpo com mais higiene, aquele que vive segundo um ideal torna-se um centro atrativo de forças, de substâncias, de sentimentos e de vontades.

Ora, um ideal, seja qual for, é uma criatura viva. Ele necessita, como toda criatura, de alimentos corporais, afetivos e intelectuais. Quanto mais elevado, mais distante desta terra; mais a sua evocação demanda esforços.

É preciso então, inicialmente, concebê-lo de maneira pura, em seguida nutrí-lo de maneira sã, e depois encarná-lo com uma devoção séria, atenciosa, profunda e permanente. Esta é a mais bela das Grandes Obras.

Ademais, isto se opera naturalmente, pois a natureza é benigna desde que nos atenhamos à constância. É preciso nada se permitir, nenhuma atitude, nenhuma palavra, nenhum olhar, nenhum movimento interior, nenhum ímpeto, nenhuma parada que não estejam conformes ao objetivo visado. Para isto, não é necessário manter-se fora da vida comum, muito pelo contrário, pois os mais imperiosos dos nossos deveres estão na família, no trabalho, na função social. São essas observâncias que mantêm o nosso mental são, que nos conservam em equilíbrio, e que fazem avançar mais rapidamente o nosso espírito.

Tal é a regra fundamental da qual dependem todas as prescrições detalhadas. Vejamos como adaptá-la ao objetivo que nos propomos: ter sonhos verdadeiros, claros, instrutivos e dos quais nos lembremos.

O coração humano vive no plano onde quer viver. Se for de avareza, fisicamente, ele viverá no reino espiritual da avareza. Se ele tem o hábito da mentira, da fraude, da dissimulação, a mente se tornará organicamente incapaz de perceber a verdade, seja de que tipo for. Para ter sonhos verdadeiros é preciso então, por uma prática constante, transformar em si as tendências à falsidade e à mentira, em atos de conformidade com os sentimentos, em sentimentos submetidos ao exame da consciência, em pensamentos que sejam deduções justas dos sentimentos. É preciso ter o hábito de não ter outro querer secreto que não seja o que exprimimos pela palavra e pela ação. É preciso cumprir suas promessas. É preciso saber ser discreto sem ser dissimulado. Assim, se fizermos de nossas forças físicas as obreiras de um coração que só quer a verdade; de nossas forças intelectuais a dianteira destas realizações sadias, todo o nosso ser se tornará um imã atrativo para o ideal ao qual oferecemos, deste modo, um culto de todas as horas. E este ideal desce até nós através dos espaços interiores; ele nos trata, nos conforta, nos restaura de nossas fadigas e recria, por assim dizer, todas as energias, até as do corpo de carne. E não traindo a confiança de nenhuma criatura visível, nenhuma invisível poderá trair a nossa. Nossos sonhos tornam-se
verídicos.

A nitidez dos nossos sonhos depende das condições fisiológicas materiais e espirituais.

É necessário que o agente invisível disponha de força nervosa em quantidade suficiente; por conseguinte na refeição da noite ingerir somente alimentos leves e digeríveis; excluir os excitantes; deitar-se o mais cedo possível para que o repouso físico, quase completo à
meia noite, deixe o cérebro livre por volta de uma ou duas horas da manhã.

É sempre mais sadio levantar-se bem cedo do que ir dormir tarde.É preferível que a cama esteja com a cabeceira voltada para o norte ou para o leste. A cor das pinturas e dos tecidos do quarto de dormir têm sua importância. O branco é saudável, mas dispersivo; o vermelho
é muito excitante; o marrom é pesado. É melhor escolher, de acordo com seus gostos pessoais, os tons de cinza, amarelo, verde ou azul. Nem a nogueira nem o carvalho são recomendáveis. Se a opção for por uma cama metálica, escolher o cobre.


Não devemos manter a luz acesa durante o sono; se não pudermos dispensá-la, colocá-la num quebra-luz violeta ou malva, ou atrás de uma cortina, para que os seus raios não incidam sobre a cabeça do adormecido.

Seria prudente não dormir com a janela aberta, a menos que o quarto seja bem arejado durante o dia. Se não pudermos dormir num lugar fechado, colocar uma cortina diante da janela.


Manter no quarto o mínimo possível de objetos de metal. Se os esposos têm cama comum é melhor que não mudem de lugar para conservar a direção dos intercâmbios magnéticos.

Se as noites forem agitadas, servir-se do odor da madeira ou do gengibre, excluindo-se qualquer outro perfume.

Aqui vão, agora, algumas precauções psíquicas.


Que a inteligência seja lúcida durante a vigília; ela continuará a sê-lo durante o sono. Trata-se, portanto, de possuir plenamente o que chamamos de presença de espírito. E para isto exercitar-se da seguinte maneira:

1º. Pensar numa coisa de cada vez: isso demora; é preciso calma, paciência; compreenda que a verdadeira força é tranqüila e não agitada; traga lentamente a atenção para o trabalho em curso; não se apresse, o tempo será recuperado mais tarde;

2º. Exercitar-se em mudar cada vez mais rápido de atividade; em distinguir numa vista d’olhos um grande número de objetos, os detalhes de uma roupa, de uma estante, as particularidades de uma rua; aprender a ver, a observar com precisão.

3º. Cuidar para manter o sangue frio diante de um caso fortuito, de um acidente; para ter sempre prontos e a palavra e o gesto justos.

O hábito assim adquirido de possuir-se plenamente confere à vontade um poder de controle ao qual ela não renunciará mesmo durante o sono, o que evitará que sejamos máquinas passivas e nos permitirá mover-nos em sonho, tomar decisões, falar, agir. Todo um mundo desconhecido se abrirá diante de nós, todo um vasto campo de possibilidades cativantes, de energias até então embrionárias se desenvolverão em nós; a Natureza assumirá uma nova significação e o nosso ser total encontrar-se-á modificado, esclarecido, dinamizado.


Vimos no capítulo precedente quais são as fontes dos nossos sonhos. De fato, como já explicamos, durante o sono só vemos as paisagens do país em que habita o homem interior. São, por conseguinte, as predileções deste último que devem ser melhoradas; é para o socorro pessoal que nos envia a Providência viva, por intermédio dos seus agentes visíveis e invisíveis, que é necessário torná-lo atento.

Pois a lei das atrações que rege a ordem física governa ainda a ordem hiper-física. O homem interior persegue igualmente no invisível os desejos que tentamos realizar na matéria. A paixão dominante busca satisfazer-se com tanto ardor no sono quanto na vigília.

Por conseguinte, deve-se tomar as seguintes precauções:

1ª. Antes de deitar-se, tomar fôlego, se é que podemos dizer assim; uma recapitulação clara e concisa do dia permitirá avaliar o progresso ou o recuo; quanto à noite que começa, a oração dominical contém todos os agradecimentos e todas as solicitações úteis, já que
nosso pão material é assegurado quando o trabalhamos; é o pão da alma que urge ganharmos. Durante o dia é o esforço, a provação e o sofrimento que no-lo garantem; no sono, é o sonho;


2ª. É preciso então, por alguns minutos, esquecer os seus problemas, os seus sofrimentos, entrar com um desejo profundo e simples no amor de Deus e na mente do Mestre sempre presente; pedir-lhe a luz, e o meio de compreendê-la, o favor de lembrar-se dela e a força de expandí-la: pois, repito, o sonho pode nos instruir e também nos permitir prestar serviço a alguém;


3ª. Manter-se interiormente no maior abandono possível de si mesmo e de tudo que a nós se refere, a fim de deixar a porta aberta ao imprevisto do Alto, ao impossível humano, ao possível divino;


4ª. Em último lugar, se prometemos rezar por um doente ou por um amigo que sofre, é preciso fazê-lo apesar da própria fadiga. Quando, além disso, o trabalho do dia foi muito duro, o Pai não exige longas orações: um ímpeto do coração basta, se bem que seja melhor formulá-la em voz alta.


As precauções descritas acima serão de grande valia para lembrar-se dos sonhos.


Quanto mais puro for o nosso coração, mais ardente será o nosso desejo de luz, e quanto mais o nosso interior confia em Deus, mais vívidas serão as impressões noturnas.


Mesmo assim, aquele que se inicia nesta prática deve manter perto de si um lápis e papel; é possível, com um pouco de energia, despertar alguns segundos para anotar uma palavra sobre o sonho que se acaba de ter. Em todo caso, é necessário, ao levantar-se, fazer um esforço de memória, calmo e tranqüilo, para escrever num registro que conservaremos, tudo o que lembrarmos ter vivido durante a noite que termina. É necessário mencionar tudo, mesmo os detalhes mais imprecisos; uma palavra pode permitir a reconstituição de uma cena. Por vezes há sonhos em dois ou três planos que se imbricam, se desdobram e se reúnem em seqüência.


Será bom, logo ao abrir os olhos, nos proporcionarmos alguns minutos de calma rememoração, durante os quais, por menos afeito que esteja o cérebro, as lembranças chegarão vívidas e precisas.

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