O REINO ANIMAL
Papus
O homem não deve ser considerado na condição de ser isolado, porque nesse estado ele forma apenas uma célula da humanidade inteira. É o conhecimento dos elos que unem a célula humana à humanidade, ao que Fabre d'Olivet denomina o reino hominal, que forma a base da moral que governa as relações recíprocas dos homens na Terra. É o que se deduz claramente das passagens seguintes do ensinamento de Fabre d'Olivet.
"Não considero o homem no seu isolamento individual, mas na
universalidade de sua espécie, que denominei reino hominal. Esse
reino se apresenta sempre a mim como um ser único, usufruindo de
uma existência inteligível, que se toma sensível pela
individualização. Quando os filósofos ensinaram que
a natureza só produz indivíduos, diziam a verdade, se aplicarmos
esse axioma à natureza física; mas disseram um absurdo se
referiam-se à natureza intelectual.
Essa natureza superior, muito ao contrário, só produz reinos
modificados, primeiro em espécies, depois em gêneros e, finalmente,
em indivíduos, mediante a natureza inferior. No reino hominal as
espécies são raças distintas pela cor, pelas formas
fisionômicas e pelo lugar do nascimento; os gêneros são
nações ou povos, diversificados pela língua, pelo culto,
pelas leis e pelos costumes; os indivíduos são os homens,
particularizados pela posição respectiva que ocupam nessas
nações ou nessas raças, e possuidores de faculdades
próprias e de vontades individuais. Todos os homens compõem
um ser racional do qual são os membros sensíveis.
Este ser racional, chamado corpo político, povo ou nação,
possui uma dupla existência moral e física, e pode ser considerado,
da mesma forma que o homem individual, sob a tríplice relação
de seu corpo, de sua alma ou de seu espírito, como ser corporal e
instintivo, anímico e passional, espiritual e inteligente. Essa dupla
existência nem sempre está em suas proporções
harmônicas; porque freqüentemente uma é forte quando a
outra é fraca, e uma está viva quando a outra está
morta.
A mesma desigualdade que existe entre os homens existe também entre
os povos: em alguns deles as paixões são mais desenvolvidas
do
que em outros; alguns são puramente instintivos e outros puramente
intelectuais.
Ora, existem dois grandes meios de elaboração, os quais, embora
empregados sob diversas formas e designados por nomes diferentes, decorrem
de uma mesma causa e chegam a um mesmo resultado.
Esses dois meios são:
1. A unidade e a divisibilidade que agem nos princípios.
2. A atração e a oposição que agem nos elementos.
3. A formação e a dissolução que agem na esfera
política.
4. A vida e a morte que agem nos indivíduos.
É por meio da formação que o reino hominal costuma
arruinar os indivíduos que o compõem a partir da particularização
mais extrema, isto é, a partir desse estado de isolamento individual
em que o homem só conhece a si mesmo, não faz nem mesmo idéia
do laço conjugal, o primeiro de todos, até a universalização
social, onde o mesmo culto, as mesmas leis, a mesma língua, reúnem
todos os homens.
Foi por meio da dissolução que o movimento contrário
teve lugar, e que o reino hominal, após haver colhido os frutos da
universalização social, caiu na particularização
absoluta passando por todas as fases políticas, desde o império
universal até a mais estreita individualização do homem
selvagem.
Assim, pois, o reino hominal abrange o universo inteiro. Só existe
fora dele a lei divina que o constitui, e a causa primeira de onde essa
lei foi emanada. Essa causa primeira é chamada Deus e essa lei divina
intitula-se natureza.
Deus é um, mas como a natureza parece oferecer inicialmente um segundo
princípio diferente de Deus e que ela contém um movimento
tríplice de onde decorrem três naturezas diferentes - a natureza
providencial, a natureza volitiva e a natureza fatídica resulta disso
que o homem individual só compreende o que é duplo em seus
princípios, ou triplo em suas faculdades. E quando, por um imenso
esforço de sua inteligência, ele chega à idéia
verdadeira de Deus, encontra o famoso quaternário de Pitágoras,
além do qual não existe nada.
A necessidade providencial age por consentimento; a necessidade fatídica
por sensação. O sentimento que depende da vontade adere livremente
a uma ou outra dessas duas necessidades, ou as repele igualmente para permanecer
no seu centro. A vontade pode permanecer no seu centro anímico durante
o tempo todo em que não se dividir.
Fabre d'Olivet colocou assim as bases mais sólidas que jamais encontrou
a tradição pitagórica. Retomando a questão nos
seus princípios vivos e esclarecendo-a com a luz da igreja dos patriarcas
e da fulgurante revelação cristã, o autor das Missions,
o marquês de Saint Yves d'Alveydre, revelou aos intelectuais o único
caminho político compatível com a iniciação:
a sinarquia.
Foi graças a essa luz especial que Barlet e Lejay puderam determinar com precisão as leis da vida, do crescimento e da morte da sociedade, considerada como um organismo tendo a faculdade de criar e destruir seus órgãos.
Esse é o caminho traçado para todos aqueles que desejam conhecer,
à margem das lutas estéreis dos partidos, a arte sagrada da
organização das coletividades humanas.