ANÁLISE DO “TRATADO DA REINTEGRAÇÃO DOS SERES”

Segunda Parte


O Homem-Arquétipo é um ser andrógino. Nos diz o Gênesis (Cap. 1, 27 e 28): “E criou; homem e mulher os criou”. É este elemento negativo, feminino, que Adam vai jogar fora de si mesmo. É o lado esquerdo, feminino, passivo, lunar, tenebroso, material o qual ao separar-se do lado direito, masculino, ativo, solar, luminoso, espiritual, dará nascimento à Eva. A Mulher-Arquétipo foi, pois, extraída de um dos lados do Andrógino e não de uma de suas costelas ... (Todas as religiões antigas conheceram um ser Divino, original, que era masculino e feminino).

Assim nos expressa o Gênesis (Cap. 2, 23 e 24):

“E disse Adam: Isto é agora osso dos meus ossos e carne de minha carne (ele conserva o Espírito, a alma), esta será chamada Mulher - em hebraico Isha porque do homem foi tirada - em hebraico Ish.”

É nesta matéria nova, na Eva do Gênesis, a mulher simbólica, a quem Adão penetra para criar a Vida. O Homem-Arquétipo degradou-se, pois ao tentar igualar-se a Deus. Seu novo mundo ou domínio foi chamado Mundo Hylico pela Gnosis, nosso universo material, mundo cheio de imperfeições e de males. O pouco de bom que nele existe provém das antigas perfeições do Homem-Arquétipo. Uma vez que se dividiu em dois seres diferentes, a soma das ditas perfeições originais não pode ser total em cada um deles ... daí, pois a Queda. Aqui en­contramos a razão pela qual os antigos cultos haviam deificado a Natureza, que é a Mãe de tudo o que é. Porém, com respeito a tudo o que é “abaixo dos Céus” ..., Isis, Eva, Demeter, Rhea, Cybeles, não são mais do que símbolos da Natureza material emanada de Adam Kadmon, personificadas pelas Virgens Negras, símbolos da Matéria Prima.

A essência superior de Adam Kadmon, integrada no seio da nova Matéria, é o Enxofre, expressão alquímica que designa a alma do mundo. A segunda essência, o mediador plástico, aquele que constituía a forma de Adam, seu duplo superior, sobreveio do Mercúrio, outra expressão alquímica que designa o Astral dos ocultistas, o plano intermediário. A Maté­ria, saída do Caos segundo é o Sal alquímico, o suporte, o receptáculo, a prisão.

Paralelamente, podemos dizer que Adam é o Enxofre, que Eva é o Sal e que o Caim do Gênesis é o Mercúrio desta trindade simbólica, termos que a Alquimia também co­nhece com as denominações de Rei, da Rainha e do Servidor dos Sábios...

É possível conceber, então, porque em todos os seus graus a Matéria Universal seja algo vivo, como o admite a antiga e a moderna química e como, em suas manifestações, pode ser mais ou menos consciente e inteligente.

Através dos quatro mundos da Natureza: mineral, vegetal, animal, hominal (entre os quais não existe nenhuma solução de continuidade), está o Homem-Arquétipo, o Adam Kadmon, a inteligência Demiúrgica primitiva, manifesta, dispersa, disseminada, aprisio­nada. Daí aquele revestimento de “peles de animal” que se refere o Gênesis: E Deus deu ao homem e sua mulher túnicas de pele e os revestiu”... (3, 21).

Este novo universo Divino, igualmente o refúgio das Entidades caídas, que se refugiaram nele para esconderem-se ainda mais do Absoluto, na quimérica esperança de esca­par das leis Eternas, presentes em tudo.

Tais entidades caídas têm, pois, um interesse primordial em que o Homem, dis­perso, mas presente em todas as partes da Matéria, que constitui o Universo visível, continue organizando e animando este domínio, que mais adiante será de propriedade deles.

Como a alma do Homem-Arquétipo ficou aprisionada na Matéria Universal, também assim a alma do homem individual se encontra prisioneira de seu corpo material. E as mortes físicas e as reencarnações sucessivas são os meios pelos quais as Entidades caídas mani­festam sua solicitude pelo ser humano. De acordo com isto, nos é possível compreender me­lhor as palavras do Redentor e dos Profetas. Assim, Isaias quando nos disse:

“Oh! Morte, onde está tua vitória? Oh! Morte, onde está teu aguilhão?”

Com o termo “aguilhão” de alude ao aguilhão dos sentidos, que incitam à alma separada a reencarnar-se em um corpo material.

A Força, a Sabedoria, a Beleza que se manifestam ainda neste mundo material, constituem os esforços do Homem-Arquétipo para voltar a ser o que era antes de sua Queda. As qualidades contrárias constituem a manifestação das Entidades caídas, manifestações desti­nadas a manter o clima que desejaram criar para subsistir, tal qual o quiseram, quando delibe­radamente interromperam seu retorno até o Absoluto.

Porém, o Homem-Arquétipo não voltará a tomar posse de seu primitivo Es­plendor e de sua liberdade, senão separando-se da matéria que o absorve por toda parte. Para ele, é necessário que todas as células que o formam, quer dizer, os homens individualmente considerados, possam depois de sua morte natural, reconstituir o Arquétipo, reintegrando-se definitivamente nele e escapando, desta maneira, ao ciclo das reencarnações.

Então, os microcosmos farão o Macrocosmo, os Homens individuais, reflexos materiais do Arquétipo, são pois, igualmente, reflexos Divinos (mesmo que inferiores alguns escalões). Da mesma maneira, o Arquétipo é, também, o reflexo de Deus, do primitivo Verbo Criador ou Logos, do Espírito de Deus do qual fala o Gênesis.

É correto referir-se a ele, então, como o Grande Arquiteto do Universo. Todo o culto de adoração dirigido a este último é, pois, um culto satânico, já que é dirigido ao Homem e não ao Absoluto. É por isso que a Maçonaria o invoca, porém, sem adorá-lo.

Para escapar ao ciclo das reencarnações neste mundo infernal, (in-ferno: lugar inferior) é necessário que o Homem-individual se liberte de tudo que o atrai para a Matéria e se desprenda, desta forma, de escravidão a que é submetido pelas sensações materiais. Ainda as­sim, é preciso elevar-se moralmente. Contra esta tendência para a perfeição lutam as Entidades caídas, tentando-o de mil maneiras, com o propósito de atrai-lo ao seio de Mundo invisível e manter oculta a influência que exercem sobre ele.

É contra elas que deve lutar o Homem-individual, desmascarando-as e expul­sando-as da esfera de sua existência. Isto se consegue, de uma parte, mediante a Iniciação que o une aos elementos do Arquétipo já reunidos e reintegrados, o que exotericamente se designa com o nome de Comunhão com os Santos; e, por outra parte, através do conhecimento liber­tador, que lhe ensina os meios de apresentar a libertação pessoal definitiva e da Humanidade enceguecida, valendo-se do trabalho pessoal.

Referente a estas últimas possibilidades, deve-se referir às grandes Operações Equinoxiais, que tendem a purificar a Aura Terrestre, mediante exorcismos e conjurações, de acordo com os ritos da Alta Magia, aos quais os Elus Cohen denominavam Os Trabalhos ou O Culto.

Então, quando houver esta libertação individual, dar-se-á a grande libertação coletiva, aquela que por si só permitirá a reconstituição do Arquétipo e logo sua reintegração no seio da Divindade, da qual emanou primitivamente.

Abandonado por si mesmo por seu animador, o Mundo da matéria dissolver-se-á, ao ficar sem a vida, harmonia e direção do Arquétipo. Sob a pressão naturalmente anárquica das Entidades caídas, esta desagregação das partes do Todo irá se acelerando. Então, o Uni­verso terá chegado ao seu fim; este será o fim do mundo, anunciado pelas tradições universais.

“Da mesma maneira que um livro cuja leitura termina, terminarão o Céu e a Terra...”

A Essência Divina recuperará, então, gradualmente, o acesso àquelas regiões próprias de sua essência e das quais se havia separado primitivamente. As ilusões momentâ­neas chamadas com os nomes de criaturas, seres, mundos, desaparecerão. Porque Deus é o Todo e o Todo está em Deus, ainda que o Todo não seja Deus! O Absoluto nada extraiu de um Nada ilusório, que não poderia existir fora D'Ele sem ser Ele próprio.

Só este desprendimento da essência Divina é que permitiu a Criação dos Mun­dos Angélicos, materiais, etc., assim como é o desprendimento ou retratação desta mesma es­sência que permitiu a emanação dos Seres espirituais.

Desta maneira, realizar-se-á a simbólica Vitória do Bem sobre o Mal, da Luz sobre as Trevas, pelo simples retorno das coisas até o Divino, mediante uma reassimilação dos seres, purificados e regenerados.

Tal é o desenvolvimento esotérico da Grande Obra Universal.

Martinez de Pasqually consignou suas teorias iluministas através de graus, em número de nove, em sua Ordem dos Elus Cohen. Tais graus denominavam-se: Aprendiz, Companheiro, Mestre, Eleito, Aprendiz Cohen, Companheiro Cohen, Mestre Cohen, Grande Arquiteto e Cavaleiro Comendador.

O sistema deste Rito, combina com as teorias expostas no Tratado da Reinte­gração abrangendo a criação do primeiro homem, seu castigo e as penas do corpo, da alma e do espírito daquele que estava em prova. O propósito a que se propõe a Iniciação é regenerar o homem, reintegrando-o em sua essência primitiva e nos direitos que perdeu por sua queda. Divide-se em duas partes. Na primeira, o candidato não é, aos olhos daquele que o inicia, mais que um composto de barro e lama e não recebe a vida senão com a condição de não provar do fruto da Árvore da Ciência. O Neófito promete cumpri-lo, porém, sente-se seduzido, quebra sua palavra e por isso é castigado e lançado nas chamas. No entanto, se por meio de trabalhos úteis e de uma vida exemplar e virtuosa, repara sua falta, renasce para uma vida nova.

Na segunda parte, o candidato se encontra animado de um sopro Divino, está apto para conhecer os segredos mais ocultos da natureza, a Cabala, a adivinhação, a alta quí­mica e a Ciência dos seres incorpóreos lhe são muito familiares.

Quando em 1767 Martinez de Pasqually se radicou em Bordeaux, contraiu ma­trimônio com a sobrinha do senhor Collás, Major do Regimento de Foix, chamada Margarida Angélica Collás de Saint-Michel. Por motivo de seu matrimônio, Martinez conheceu muitos oficiais do Regimento de Foix, recrutando entre esses oficiais vários membros para sua Ordem dos Elus Cohen.

No ano seguinte, em 1768, sua mulher deu à Luz a um filho a quem puseram o nome de João Jacob Felipe Joaquim Anselmo, sendo assistido em seu batizado por quatro cohens da Ordem, como padrinhos.

Durante todo este tempo trabalhou Martinez, em Bordeaux, na confecção dos rituais de Iniciação dos diferentes graus, na propaganda e na fundação de novas Lojas, em tra­balhos de Magia prática e em compartilhar seus ensinamentos, por correspondência ou direta­mente, a alguns discípulos escolhidos. Com freqüência recebia a visita dos discípulos que viaja­vam a Bordeaux, a fim de ficarem uma temporada em contato pessoal com o Mestre.

Martinez de Pasqually vivia modestamente e, às vezes, chegou a passar por si­tuações econômicas penosas, porém com dignidade.

Em 1772 Martinez embarcou para São Domingos, onde um parente seu lhe havia deixado uma herança de importância. Ali morreu em 1774.

A última carta que Willermoz recebeu de Martinez de Pasqually, tem data de 03 de agosto de 1774, do Porto Príncipe, de onde seguia dirigindo a Ordem. Nesta carta anuncia a remessa de rituais para seis graus da Ordem, por um irmão que viajaria à Europa. Falava de sua enfermidade e nomeava o irmão Caignet de Lester seu sucessor espiritual na direção da Ordem.

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