O
EGOCENTRISMO
Pietro Ubaldi
A esta altura, surgem muitas questões. a que procuraremos dar aqui as respostas, para resolver, sempre procedendo em profundidade, o problema do conhecimento das últimas coisas.
Se o universo diz em Deus o seu: "eu sou", como o diz toda criatura
e, por conseguinte, todo homem, será possível então
encontrarmos, no termo máximo, o principio de egoísmo que
existe nos seres inferiores, e que é tão condenável
no homem? E isto é possível? Mas, por que então o egoísmo
humano é uma culpa? E por que ele existe e que significa e quer?
E, no princípio centralizador unitário do universo em Deus
encontraremos então o egoísmo máximo?
É um fato que, sem egocentrismo, desde os sistemas planetários
aos organismos celulares e sociais, não se mantém compacta
nenhuma unidade. Ele é, pois, necessário a todo ser. Egocentrismo
não é exatamente egoísmo. Este possui mais um sentido
de centralização com vantagem individual, com pendor separatista
e exclusivista, um sentido de usurpação em detrimento de outros
ou necessitados ou com direito. O egocentrismo possui ao invés, apenas
um sentido de centralização destituído de senso separatista
e exclusivista, sem o objetivo de usurpar nada a outrem pelo contrário,
com vantagem de conservação de um organismo global que é
necessário e útil a todos os elementos componentes O Estado,
como um chefe de família, pode ser utilmente egocêntrico sem
ser egoísta Se todo ser, para existir, deve dizer: "eu"
- o egocentrismo é uma necessidade de existência e, por isso,
não pode haver culpa em se repetir os princípios do ser, expressos
no sistema do universo. É também, segundo a Lei, que cada
fragmento conserve interiormente a natureza do esquema consoante o qual
o Todo-uno é construído.
Então, por que egoísmo é culpa? Procuremos compreender.
Egoísmo e altruísmo são termos relativos ao grau de
extensão que o eu cobre com o próprio amor e compreensão.
Enquanto o egoísmo é o amor exclusivo com relação
ao próprio "ei"' e a nenhum outro, um altruísmo
absoluto, que renuncia a tudo, inclusive a si mesmo, sem vantagem nenhuma
para um dado ser ou grupo de seres, é loucura, é suicídio.
Ambos os extremos constituem culpa. A virtude consiste no altruísmo
razoável, no sacrifício em favor de alguém, na dilatação
do egoísmo, isto é, na ampliação do princípio
do egocentrismo, e não na sua supressão. A virtude será
tanto maior quanto mais extenso for o campo dominado pelo amor, que é
a substância da Lei. Efetivamente, o egocentrismo máximo do
sistema em Deus, não é senão um egoísmo que
cobre todo o universo, dilatado assim infinitamente no amor capaz de abraçar
e defender todas as criaturas até considerá-las como partes
integrantes de si mesmo, sacrificando-se por elas.
Eis como se opera a progressão da abertura da concha do egoísmo
no altruísmo, fim da evolução que consiste exatamente
na confraternização, a qual, unificando os fragmentos do Uno,
reconduz os seres à unidade no centro - Deus. O egoísmo poderia
então denominar-se egocentrismo involuído, fechado e limitado
em si mesmo, enquanto o altruísmo seria egocentrismo evoluído,
aberto e expandido no Todo. Efetivamente, o primeiro é separatista,
desagregador centrífugo; o segundo é unitário, centrípeto.
O primeiro se afasta de Deus e o segundo se avizinha de Deus.
O egoísmo historicamente se explica. Resultado da fragmentação
do Uno em tantos outros "eu" menores, separados e separatistas
como veremos, é qualidade do ser involuído, necessário
a sua existência, pois que no nível em que se encontra, necessita
revestir esta forma de personalidade separada egoisticamente, em guerra
com todos na ignorância da superior fase orgânica, que poderá
irmaná-lo aos semelhantes em unidades maiores. Esse egocentrismo,
biologicamente justificável, só o é, todavia, para
o passado mas se tentar prolongar-se no futuro, tornar-se-á cada
vez mais condenável como egoísmo separatista, porque a evolução
leva a humanidade a um mais vasto egocentrismo coletivo. É assim
que o egocentrismo separatista, sendo uma forma biologicamente de uma utilidade
de superada, não poderá reaparecer senão sob o aspecto
cada vez mais retrógrado e anti-vital. Tendo cada vez menos razão
de existir na sua forma exclusivista e agressiva, cada vez menos também
será justificado, pois que deixou de ter função biológica.
Em Deus, o egocentrismo representa um egoísmo tão amplo, que
abraça todas as criaturas, tudo o que existe, de modo a coincidir
com o máximo altruísmo. E quanto mais o ser evolve, tanto
mais o egocentrismo tende a se aproximar ao de Deus, que é o egocentrismo
que todo ser sente, com respeito aos elementos componentes do próprio
organismo, constituindo uma necessidade para mantê-los todos compactos
em unidades em torno ao ''eu." central, alma do sistema. O egocentrismo
de Deus é, pois, um egocentrismo perfeito, isto é, não
constituído de um egoísmo separatista e exclusivista, como
o dos seres inferiores, mas sim, feito de Amor, que reforça essa
fundamental lei do ser, porque Deus é centro, não para sujeitar,
mas para atrair, não para absorver, mas para irradiar, não
para tomar, mas para dar. Se, por sua vez, os "eu" menores têm
necessidade do seu menor egocentrismo, para manter o seu menor sistema,
naquele egocentrismo também eles encontram o limite do próprio
ser. Em tal limite eles estão fechados, pois que ele forma o horizonte
da sua existência e compreensão e só pela evolução
podem sair dele, ampliando-o em outro mais vasto.
Assim é a íntima estrutura do sistema do universo. O grande
modelo é Deus, que todos os seres, inclusive o homem, devem seguir.
Esse Deus se encontra no centro do sistema. tudo centralizando em Si, para
tudo irradiar de Si, e as criaturas devem existir à Sua imagem e
semelhança, isto é, como tantos outros sois menores que irradiam,
quais centros de sistemas menores. E. assim, hierarquicamente, cada um,
segundo o grau de evolução atingido, cobre a maior ou a menor
vastidão do sistema relativo ao seu raio de ação. Tal
o modelo central, tal a lei do sistema. Certamente, a criatura é
livre e pode, pois, agir de modo contrário. Mas esteja bem certa
de que é lei também que todo o sistema se volte contra ela.
para esmagá-la, como a um inimigo. A grande corrente da vida vai
contra quem pretende inverter a rota do ser, prejudicando-o. Ela o coloca
frente ao dilema: rearmonizar-se com a Lei, enquadrando-se de novo nela,
ou ser eliminado. E os salutares golpes da dor, ainda que atenuados pelos
impulsos do Amor, não serão sustentados enquanto não
se tiver conseguido a correção ou destruição.
O ser é livre de violar, mas somente em seu dano e não tem
nenhum poder para dobrar ou anular as leis da vida.
Eis as razões remotas, que explicam e impõem o "ama o
teu próximo", do Evangelho. Hierarquicamente, a unidade do sistema
por esquemas únicos, repetidos em todos os níveis, impõe
que o mais sábio o poderoso, porque em níveis mais elevados,
deve irradiar para os inferiores, de nível mais baixo, pois que os
níveis elevados recebem dos que se encontram em níveis mais
elevados ainda do que eles, próximos a Deus. Obtém-se, assim,
através da desigualdade, a justiça. Receberá dos irmãos
maiores quem der aos seus irmãos menores . Quem mais possui, mais
deve dar. Quem menos tem, mais deve receber. Eis a perfeita justiça
alcançada pelo Amor, respeitando diferenças e desigualdades
necessárias que exprimem a posição atingida, cada qual
com sua fadiga e vontade de subir. Uma justiça perfeita, atingida
sem nivelamentos forçados, que podem constituir mutilações
para os mais evoluídos e apropriação indébitas
para os inferiores. Eis a função da Divina Providência,
já alhures estudada. Assim se compreende o Evangelho, quando diz
que não ganha a própria vida quem a conserva egoisticamente
para si, mas somente quem a dá aos outros. Recordemo-nos de que somos
células de um grande organismo e de que nenhuma célula pode
crescer e viver isolada, pensando exclusivamente em si mesma e em seu próprio
benefício, mas somente pode fazê-lo em relação
às outras, em favor do organismo inteiro. Uma cé1ula absolutamente
egoísta representa em qualquer organismo um germe revolucionário,
uma revolta à lei do Todo, uma atividade perigosa que é logo
sufocada no interesse geral, um cidadão rebelde que urge ser expulso
da sociedade.
Tal é a grande parte da moderna humanidade materialista, para quem o egocentrismo é egoísmo separatista e exclusivista de cada um contra o próprio semelhante. E efetivamente as leis da vida procuram isolar esse tipo biológico, como um cancro ou tumor, para destruí-lo. Com o próprio egoísmo, ele desejaria sustar o livre fluxo da vida, como quer a divina lei de Amor, e a vida o põe na encruzilhada: seguir a rota da Lei ou ser esmagado por ela. O homem moderno não conhece esses princípios, age como uma célula que quisesse viver exclusivamente para si, isolando-se da corrente de todo o funcionamento orgânico de que é parte. Para quem compreendeu a vida, isto é simplesmente a louca pretensão de um ignorante de tudo. Mas o sistema tem como centro Deus e não o homem e ninguém pode alterar a realidade dessa estrutura do universo. E, assim, quando um centro menor, fazendo mau uso da liberdade, tende a agir contra o Todo, então os impulsos do conjunto orgânico se encontram contra ele para expulsá-lo do sistema. Veremos, dentro em pouco, como pode surgir essa atitude rebelde das criaturas e quais as suas conseqüências.
Compreende-se, dessa forma, como o mundo de hoje, baseando-se no egoísmo,
esteja completamente fora da rota. Os métodos mais seguidos para
a conquista da riqueza representam, mesmo do ponto de vista utilitário,
um grosseiro erro psicológico. Acumular com exclusivismo egoísta
significa caminhar contra a maior corrente da vida, agir com prejuízo,
significa pôr-se em posição invertida, não obter
senão resultados negativos. E quanto mais porfiadamente o homem lutar
nessa direção, buscando vencer por ela, tanto mais se afastará
das fontes do ser, para perder-se no deserto em que o isolarão as
forças da vida, que dele se arredarão como de um pestilento.
Deus é Amor e sempre dá. A divina corrente do Todo está
baseada no princípio do dar. Agindo em contrário, o homem
pretenderia opor-lhe, como u'a muralha, o oposto sistema, do tomar! Então,
a muralha não susta a corrente, mas a corrente destrói a muralha.
A nossa economia, porventura, não está baseada no princípio
"do ut des" ? Se a balança da justiça assim se apresenta,
isto significa egoísmo pelo qual eu não darei se tu não
deres. Se não tiveres para dar, morrerás, o que a mim não
importa. E se não deres, eu não darei. Este princípio
de compensação, que são as bases reconhecidas da economia
vigente, constitui a mais lídima manifestação do egoísmo
Se tal é a atitude da alma, que salvação podem realizar
os sistemas econômicos que se erguem sobre essas bases? Uma economia
desse tipo, em face das mais profundas leis da vida, éticas e espirituais,
das quais é ilusório querer furtar-se em qualquer procedimento
nosso resulta também utilitariamente negativo, isto é, contraproducente
Efetivamente o mundo econômico-financeiro não passa de uma
série de crises em cadeia que formam uma única, perene crise
insanável porque ela não se origina de um particular momento
ou posição, mas de todo o sistema
Por que então, o homem se comporta assim e não sai dessa posição
falsa? Simplesmente porque a grande massa humana e involuída e não
compreende esses erros psicológicos e também porque, quando
já se tomou uma direção, é muito difícil
inverter a rota. E aqui se trata precisamente da evangélica inversão
dos valores, isto é, de pôr no cimo da escala destes os espirituais
e na fundo os materiais, mas hoje se verifica o inverso, sendo colocados
em cima estes últimos em virtude de que o tipo biológico dominante
na Terra não se encontra ainda, por evolução, sensibilizado
a ponto de percebê-los e apreciá-los. Ele corre atrás
dos fictícios do mundo sensório e corporal, ao invés
de buscar os mais consistentes do mundo espiritual e da alma. O tipo dominante
não consegue ainda compreender esse novo hedonismo e apoderar-se
dele em seu benefício. A nova vida é a do bem que opera honestamente,
sem enganar, pedindo antes o trabalho e depois a recompensa. O homem ignorante
prefere as vias do mal, que agem desonestamente. enganado, prometendo dar
muito e chegando mesmo a dar logo alguma coisa sem nada pedir, para mais
tarde retomar o que deu e não dar o que prometeu. O caminho feito
de mentira é mais atraente, para quem crê ser bastante bravo
para burlar as leis da vida, o que leva a cair facilmente numa armadilha.
Cada qual atrai segundo a própria psicologia e obtém o que
merece.
O homem comum, imerso em um mar de mistérios, não sabe se
orientar, detendo-se nos efeitos imediatos. No altruísmo ele vê
um sacrifício tangível, próximo, real. Vê nele
um perigo para si e para os seus, de modo que tem como um dever arrebanhar
o mais que pode para si e para os seus. Em face do altruísmo ele
recua exclamando: "E quem me garante a vida?" O assalto permanente
que sofre da parte do próximo, que ele deveria amar como a si mesmo,
justifica em parte essa sua atitude e exigiria heroísmo ter que invertê-la
no oposto. Para chegar a ela terá que dar não apenas o seu
sacrifício imediato, mas para manter-se teria que lutar sozinho contra
toda uma corrente inversa - a da sociedade humana. Todavia, há uma
grande força em sua defesa, coisa de que na Terra bem raramente se
dá conta. O homem altruísta que, por não ter egoísmo,
é espoliado de tudo, porque tal é o resultado de uma guerra
de egoísmos, para quem não ataca e se defende, tal homem atrai
as forças da vida que acorrem a fim de salvá-lo. Elas não
constituem utopia e regem o mundo. Elas acorrem porque esse homem personifica
o maior interesse e a vontade da vida, que é a evolução.
Mas, para compreender isto é necessária uma sensibilização
moral e psíquica, que não existe na maioria, uma precisa orientação
conceitual, através da qual se tenha compreendido o funcionamento
orgânico do universo, é indispensável, enfim, a prova
resultante do controle experimental de toda uma vida.
Na realidade, funcionam inúmeras forças que a maioria Ignora.
Deus, ao sensibilizado por evolução, é uma realidade
sensível. O caminho para aproximar-se Dele, suprema alegria, consiste
na progressiva dilatação do próprio egocentrismo, que
denominamos altruísmo, isto é, o fraterno amor evangélico.
Este constitui o método de ascensão para a felicidade, encurtando
as distâncias entre o homem e Deus, porque assim a criatura, segundo
o exemplo divino, volta-se para trás a fim de orientar as criaturas
irmãs. Quando o ser se decide dessa forma a funcionar segundo a lei
do Todo e se dispõe a despojar-se do que possui em favor do necessitado,
põe em movimento os impulsos do sistema e faz com que este funcione
em seu favor, de modo a ser de alguma forma provido e largamente compensado
do que perdeu, dando voluntariamente. Em outros termos, ativa-se o princípio:
quem beneficia seja beneficiado e tanto mais beneficiado quanto mais beneficiou.
Inicialmente, punge o sacrifício de pôr em movimento essas
forças, mas o sistema, pode-se dizer, é de uma precisão
mecânica tal que, uma vez posto em ação por quem compreende
e sabe, matematicamente dará resultado.
Certamente é necessário ter compreendido a estrutura coletiva
do organismo universal, a universal imanência de Deus, pela qual tudo
"é", a orgânica natureza do Todo, do qual cada indivíduo
é parte que vive em relação e das relações
com. as outras partes, célula que morre se se isolar. É necessário
evoluir para sensibilizar-se de modo a perceber essa irradiação
do centro, Deus, que rege inteiramente o sistema, até a sua periferia,
onde nós, menos evoluídos, nos encontramos. É necessário
compenetrar-se de que pobreza não existe na infinita riqueza de Deus,
de que os bens são ilimitados e constantemente irradiados, sempre
prontos a saciar qualquer possível necessidade. Deste oceano, o ser,
no entanto, não poderá captar para si mais do que lhe permite
a sua capacidade receptiva, que é dada pela sua evolução,
pela sua aderência ao sistema, ou seja, pela aderência à
Lei ou vontade de Deus. É, pois necessário que ele funcione
de acordo com a Lei, agir com amor, sabendo irradiar, dispondo-se a dar
e aplicando assim a norma evangélica do "ama o teu próximo".
O problema está em saber acionar os impulsos do sistema de modo a
pôr em movimento essa irradiação. Se soubermos abrir
as janelas de nossa alma, seremos inundados por essa irradiação.
Mas, para economizar o esforço de abri-las, quando não confiamos,
prudentemente fazemos os nossos cálculos utilitários para
nada arriscar; encolhendo-nos em um canto, e, então, permaneceremos
no quarto escuro e frio de nós mesmos a disputar com o vizinho o
pouco de luz ou de calor que, apesar de tudo, coa-se para o interior, ainda
que lá fora tudo exista numa exuberante trepidação
de vida. Mas, tal é o nosso mundo, em que as maiores guerras se fazem
para disputar o que já possuímos de uma riqueza que é
infinita, conseguindo apenas destruir o que já se encontra em nosso
poder. Desta forma, escondemo-nos em sua prisão. Bastaria saber abrir-lhe
a porta para que nos evadíssemos. A porta, para que se abra, exige
que recuemos um pouco, mas o homem prisioneiro, na ânsia de fugir,
ao invés de recuar um pouco para trás, avança sofregamente,
buscando o exterior e, pensando em tudo, menos no que deve fazer para se
libertar, mais e mais impele a porta do lado em que ela se fecha, mais e
mais com o seu esforço tornando difícil a libertação.
Ele é um louco. Para desfazer certas miragens e destruir outras tantas
ilusões psicológicas é necessário ao homem a
dolorosa elaboração de milênios.
O raciocínio do homem atual parece verdadeiro, porque o é
apenas em parte, pelo menos onde ele alcança com o conhecimento,
isto é, no seu mundo concreto, que representa a periferia do sistema
e que ele, ignorante do resto, supõe que seja tudo. Desfazer em altruísmo
o próprio egoísmo é efetivamente uma perda, mas somente
periférica e em uma primeira fase. Porque realmente não é
perda, mas antes ganho, quando em um segundo tempo o ser vem a pôr-se
em contato com outras forças não periféricas. Efetivamente,
o altruísmo não é vantajoso neste mundo, quando outros
seres estão dispostos a arrebatar-nos tudo e aproveitar-se de nosso
sacrifício em proveito próprio, embora com evidente perda
para si. E esta é definitiva para o involuído que, em remotas
conexões com o centro Deus, só é escassamente irradiado
e, por conseguinte, empobrecido e privado de novos suprimentos. E, dado
que nos encontramos na periferia do sistema e que a maioria é, por
involução, pouco irradiada, a posição do prisioneiro
da pobreza e da dor, sem capacidade de evasão, é lógica
e compreensível. Não há remédio imediato. Não
resta senão deixá-lo na posição que lhe cabe,
segundo o seu grau de evolução, a espera de que os golpes
da vida o elaborem até que ele compreenda o mecanismo do sistema
e consiga assim fazê-lo funcionar em seu proveito. É inútil
querer explicá-lo antes que ele amadureça, porque permanece
incompreensível, pois que não se aceita aquilo que não
se mereça conhecer, por não se ter feito ainda o esforço
de conquistá-lo.
Tudo será muito diverso para o evoluído. Desfazer em altruísmo
o próprio egoísmo também para ele significa um prejuízo.
Mas ele pode enfrentar com segurança esse sacrifício, porque
conhece a estrutura do sistema e sabe, por isso, o que se seguirá
a esse sofrimento. Espiritualmente ligado ao centro Deus, não vive
apenas de limitada vida periférica. Pelo contrário, é
justamente este seu sacrifício de dar irradiando, a força
decisiva que abrirá janelas que o inundarão de sol. É
este o difícil passo para trás, o único que pode permitir-lhe
abrir as portas da prisão. É esta negação de
si próprio em altruísmo, na periferia, uma afirmação
para o centro Deus, isto é, uma mobilização das forças
de irradiação que esperavam essa sua atitude para podê-lo
inundar. Porque é o ser livre que deve encontrar a chave e com ela
abrir o mistério da evolução. E, assim, em um segundo
tempo, ele será largamente recompensado e enriquecido pelo seu empobrecimento.
que, na realidade se reduz a perdas diminutas na zona periférica
do sistema universal, na zona da matéria e das ilusões. Defrontamo-nos
assim, em verdade, com um sábio cálculo utilitário
que, diferentemente do outro, conduzirá a plena satisfação
e segurança de êxito.
Eis o raciocínio desse tipo de homem. Dirige-se a Deus, dizendo:
"Senhor, eu dou, empobreço-me materialmente, mas com isto eu
me torno instrumento que adere à Tua Lei, vivo segundo as linhas
de força do Teu sistema. Para o triunfo do Teu Amor eu sacrifico
o meu pequeno eu. Tu sabes que agir assim na periferia, onde me encontro
imerso na matéria, significa empobrecer até a morte. Mas eu
não existo mais para mim, isolado, mas na vida universal, em que
Tu "és" . Eu não quero mais a mim mesmo mas somente
a Ti, em Quem eu vivo. Quero a Tua Lei. Faço parte do Teu organismo.
Sou uma célula dele, uma Tua célula. Tu és o meu eu
maior, em que agora existo. Então a minha morte não é
mais possível. Compete a Ti e à Tua Lei impedi-la, e que a
vida me seja dada, pois que ao meu fraco poder de defesa eu renunciei para
seguir a Tua Lei de Amor. Não é possível que, para
seguir-Te eu deva perder a vida. Sei que esta tem fins eternos a alcançar
e que eles devem ser alcançados. Ela não pode perder-se ao
acaso e não depende da minha pobre defesa do momento. Seguindo-Te,
eu ganho a vida. E se também morrer, não perderei senão
a minha vida menor, porque ressurgirei na Tua vida maior".
Assim se compreende o Evangelho de São João (Capítulo
XII: 24-25), quando diz:
"Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo
na terra não morrer, fica só; mas se morrer, dá muito
fruto".
"Quem ama a sua vida perdê-la-á e quem neste mundo aborrece
a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna".
A luta entre o evoluído altruísta e o mundo egoísta,
que não se preocupa senão de espoliá-lo e explorá-lo,
é terrível. A situação é tal que se procura,
por todos os meios, eliminar o benfeitor e isto exatamente por parte daqueles
a quem ele desejaria fazer o bem. Poderosa é a resistência
que o involuído opõe a quem procura fazê-lo evolver
para a felicidade e trágica é na Terra a posição
dos benfeitores da humanidade: posição de martírio!
É como querer abraçar por amor um tigre: fica despedaçado.
Porem a vida só em parte é terrena e não se exaure
apenas do ponto de vista humano. O trabalho desses homens é missão
e interessa também ao céu. Dado que à vida, se pouco
interessa o indivíduo muito interessa a função que
ele personifica, sobretudo a evolutiva, então esse indivíduo
se torna sagrado e forças superiores intervém para protegê-lo
no sacrifício até que a missão seja cumprida e se dê
o milagre.
Então, aciona-se o movimento da irradiação, porque
o ser não a contém mais em si, mas lhe faculta o fluxo, tornando-se-lhe
um canal que permita fluir no universo, de criatura em criatura, a divina
linfa vital. E a irradiação está pronta a lançar-se
onde a passagem é livre e desviar-se de onde há obstrução.
E assim os homens altruístas se tornam, cada vez mais, instrumentos
da Lei que, cada vez mais, nutre esses seus canais e os exalta, enquanto
funcionam segundo a direção dos seus sistemas de forças.
Tudo isto significa dar, cada vez mais amplamente, um despojamento crescente,
que aterrorizaria o involuído, mas no mesmo passo significa um nutrimento
sempre mais vigoroso de forças. Ser irradiado significa sentar-se
a uma lauta mesa de recursos ilimitados. E o sistema é tal que quanto
mais aumenta o sacrifício em dar, mais cresce o dom que se recebe,
porque com isto se sobe na hierarquia dos operários do Senhor, com
a conquista de poder e sabedoria crescentes.
Eis a estupenda realidade que está além das trevas que ocultam
ao homem comum a verdadeira estrutura do sistema. O Evangelho concorda com
tudo isto, concluindo pela norma do "ama o teu próximo",
sem dela dar explicações racionais. Essa conclusão
tem sua grande confirmação no mundo atual, que, não
a podendo compreender, a considera uma utopia. Estas concepções,
obtidas por visão com o método intuitivo, foram aqui expostas
pelo autor sob controle durante quarenta anos, usando o método experimental,
sem que elas, nos fatos por ele vividos, jamais encontrassem um desmentido.
Se este tivesse ocorrido, teria sido gravíssimo, porque os fatos,
ainda que apenas um, teriam desmentido a Evangelho. Muito se deve pensar
agora que o Evangelho. que parece utopia, se realmente vivido, torna tangível
a verdade que não falha.
Horizontes novos e ilimitados, inexplorados continentes do espírito,
repletos de riquezas ignoradas, vastidões abismais de infinito sobre
os quais a alma se debruça, em vertigem! O homem ignorante não
suspeita qual o futuro que ali o espera. Além do infinito astronômico
existe o maior infinito espiritual. E nesta Terra, grão de areia
cósmica, por um pouco de espaço e de bens, o homem, centelha
divina, com que ferocidade e estupidez mata, sem saber quem é e no
que poderá tornar-se!