A
NUVEM SOBRE O SANTUÁRIO
Eckhartshausen
A TERCEIRA CARTA
A verdade que
se encontra no mais íntimo dos mistérios, é semelhante
ao Sol; só é permitido ao olhar da águia (a alma do
homem capaz de receber a luz), fixá-lo. A visão de outro qualquer
mortal é ofuscada e a penumbra o envolve na própria luz.
Jamais a sublime "qualquer coisa" que está no mais íntimo
dos santas mistérios se ocultou ao olhar da águia, daquele
que é capaz de receber a luz.
Deus e a natureza não têm mistérios para seus filhos.
O mistério existe somente na fraqueza do nosso ser, incapaz de suportar
a luz, e ainda sem preparo para vislumbrar em toda sua pureza a verdade
nua.
Esta fraqueza é a nuvem que cobre o santuário; o véu
que oculta o Santo dos Santos.
Mas para que o homem pudesse recuperar a luz, a força e dignidade
perdidas, a divindade amante abaixou-se à fraqueza de suas criaturas
e escreveu as verdades e os mistérios interiores e eternos, no exterior
das coisas, a fim de que o homem pudesse elevar-se por elas até o
espírito.
Estes textos são as cerimônias ou o exterior da religião,
que conduz ao espírito interior de união com Deus, ativo e
cheio de vida.
Os hieróglifos dos mistérios são também partes
destes textos; eles são os esquemas e os desenhos das verdades interiores
e santas, que cobre o véu estendido sobre o Santuário.
A religião e os mistérios se unem para conduzir todos os nossos
irmãos a uma verdade, ambos têm por finalidade uma transposição,
uma renovação de nosso ser. Os dois têm por fim a reedificação
de um templo no qual a sabedoria habite com o amor, Deus com o homem. Mas
a religião e os mistérios seriam fenômenos inteiramente
inúteis, se a Divindade não lhes houvesse dado os meios efetivos
para alcançar seus grandes fins.
Ora, estes meios sempre têm estado no Santuário o mais interno;
os Mistérios estão destinados a construir um templo à
Religião, e a Religião está destinada a reunir nele
os homens com Deus.
Tal é a grandeza da religião e esta tem sido a alta dignidade
dos mistérios de todos os tempos.
Seria ultrajante para vós, irmãos intimamente amados, se pudéssemos
pensar que não tivésseis "jamais" contemplado os
santos mistérios em seu verdadeiro ponto de vista, que os representa
como o único meio de conservar na sua pureza e sua integridade, a
doutrina das verdades importantes sobre Deus, a natureza e o homem; esta
doutrina estava encerrada na santa linguagem dos símbolos e as verdades
que ela continha, tendo sido traduzidas pouco a pouco entre os profanos
na sua linguagem comum, tornaram-se cada vez mais obscuras e mais ininteligíveis.
Os mistérios, como sabeis, irmãos caríssimos, prometem
coisas que serão sempre a herança de um pequeno número
de homens; mistérios que não podem ser vendidos nem ensinados
publicamente, são segredos que só podem ser recebidos por
um coração que se esforça para adquirir a sabedoria
e o amor e aonde a sabedoria e o amor já tenham sido despertados.
Aquele no qual esta chama santa foi despertada, vive completamente feliz,
contente com tudo e sente-se livre até na escravidão. Ele
vê a causa da corrupção humana e sabe que ela é
inevitável. Não odeia nenhum criminoso, deplora e procura
levantar aquele que cai, chamando para si ao que se extraviou; não
extingue o pavio que bruxuleia e de maneira alguma acaba de quebrar o caniço
envergado, porque ele sente que apesar de toda corrupção,
nada existe corrompido em sua totalidade.
Ele penetra num olhar firme a verdade de todos os sistemas religiosos em
seus alicerces; ele conhece as origens da superstição e da
incredulidade como sendo as modificações da verdade, que ainda
não atingiram seu equilíbrio.
Estamos certos, dignos irmãos, que considerais o homem místico
deste ponto de vista e que não atribuis de modo algum, à sua
"arte real", aquilo que a atividade desregrada de alguns indivíduos
isolados tenha feito dele.
É com estes princípios, que são inteiramente os nossos,
que vós considerais a religião e os mistérios das santas
escolas da sabedoria como irmãos que, dando-se às mãos,
têm velado pelo bem de todos os homens desde o seu nascimento.
A religião se divide em uma religião exterior e uma interior.
A religião exterior tem por objeto o culto e as cerimônias,
e a religião interior, a adoração em espírito
e em verdade.
As escolas de sabedoria dividem-se também em escolas exteriores e
interiores. As escolas exteriores possuem a letra dos hieróglifos,
e as escolas interiores, o espírito e o sentido.
A religião exterior está ligada à religião interior
pelas cerimônias.
As escolas exteriores dos mistérios ligam-se, pelos hieróglifos
com o interior.
Mas aproximamo-nos agora dos tempos em que o espírito deve tornar
a letra viva, a nuvem que cobre o Santuário desaparecerá,
os hieróglifos passarão à visão real, as palavras
ao entendimento.
Aproximamo-nos dos tempos em que será rasgado o grande véu
que cobre o Santo dos Santos. Aquele que venera os santos mistérios
não se fará mais compreender por palavras e sinais exteriores,
mas pelo espírito das palavras e a verdade dos símbolos.
Assim é que a religião não será mais um cerimonial
exterior, mas os mistérios interiores e santos transfigurarão
o culto exterior a fim de preparar os homens à adoração
de Deus em espírito e em verdade.
Não tardará que a noite escura da linguagem das imagens desapareça,
a luz engendrará o dia e a santa obscuridade dos mistérios
se manifestará no esplendor, da mais alta verdade.
Os caminhos da luz estão preparados para os eleitos e para aqueles
que são capazes de por ele marcharem. A luz da natureza, a luz da
razão e a luz da revelação se unirão.
O átrio da natureza, o templo da razão, e o santuário
da revelação formarão um só Templo. É
assim que o grande edifício será completamente concluído,
edifício que consiste na reunião do homem com a natureza e
com Deus.
O conhecimento perfeito de Deus, do homem e da natureza, serão as
luzes que iluminarão os condutores da humanidade para reconduzir
de todos os lados os homens seus irmãos, das verdades obscuras dos
preconceitos, à razão pura, e dos recônditos das paixões
tumultuosas aos caminhos da paz e da virtude.
A coroa daqueles que governam o mundo será a razão pura, seu
cetro, o amor ativo, e o Santuário lhes dará a unção
e a força para libertar o entendimento dos povos dos preconceitos
e das trevas, seus corações das paixões, do amor próprio
é do egoísmo, e sua existência física da pobreza
e da doença.
Aproximamo-nos do reino da luz, do reino da sabedoria e do amor, de reino
de Deus que é a origem da luz; irmãos da luz, existe somente
uma religião cuja verdade simples encontra-se dividida em todas as
religiões como ramos, para retornar da multiplicidade a uma religião
única.
Filhos da verdade, não há senão uma ordem, uma fraternidade,
uma associação de homens unidos para adquirir a luz. Deste
centro, o mal-entendido fez surgir ordens inumeráveis; todas voltarão
da multiplicidade de opiniões à verdade única e a verdadeira
associação daqueles que são capazes de receber a luz
ou a Comunidade dos Eleitos.
Com esta medida deve-se medir todas as religiões e todas as associações
dos homens.
A multiplicidade está no cerimonial exterior, no interior a verdade
é uma só.
A causa da multiplicidade das confrarias está na multiplicidade de
explicação dos símbolos segundo o tempo, as necessidades
e as circunstâncias. A verdadeira comunidade da Luz não pode
ser senão uma.
Todo exterior é um envoltório que cobre o interior, assim
é que todo exterior é também uma letra que se multiplica
sempre, mas que não muda nem enfraquece jamais a simplicidade do
espírito no interior.
A letra era necessária, devíamos encontrá-la, compô-lo
e aprender a decifrá-la para recobrar o sentido interior, o espírito.
Todos os erros, todas as divisões, todos os mal-entendidos, tudo
o que nas religiões e nas associações secretas, dá
lugar a tantos erros, somente diz respeito à letra; tudo isso se
relaciona somente com o véu exterior sobre o qual os hieróglifos,
as cerimônias e os ritos são escritos; nada toca o interior,
o espírito permanece intacto e santo.
Presentemente os tempos de realização para os que procuram
a luz se aproximam.
Aproxima-se o tempo em que o velho deve ser ligado ao novo, o exterior ao
interior, o alto ao baixo, o coração à razão,
o homem a Deus, e esta época está reservada à presente
idade.
Não me pergunteis, irmãos bem amados... por que na presente
idade?
Tudo tem seu tempo para os seres que vivem no tempo e no espaço;
assim é que, são as leis invariáveis da Sabedoria de
Deus que coordenam tudo de acordo com a harmonia e a perfeição.
Os eleitos deviam primeiramente trabalhar para adquirir a sabedoria e o
amor até que fossem capazes de merecer o poder que a invariável
Divindade só poderá dar àqueles que conhecem e àqueles
que amam.
Durante as trevas da noite espera-se a alvorada; depois o sol se levanta
e atinge o meio dia onde toda sombra desaparece ante sua luz direta. No
princípio a letra da verdade devia existir, em seguida veio a explicação
prática, depois a própria verdade e não foi senão
após ela que o Espírito de Verdade pode vir, o qual confirma
a verdade e imprime o selo que autentica a luz.
Aquele que está ao alcance da verdade nos entenderá.
É a vós, irmãos intimamente amados, que vos esforçais
para adquirir a verdade, que haveis conservado fielmente os hieróglifos
dos santos mistérios no vosso templo, é para vos que se dirige
o primeiro raio de luz, este raio penetra através das nuvens dos
mistérios para anunciar o meio-dia e os tesouros que traz.
Não pergunteis "quem" são aqueles que vos escrevem;
olhai o espírito e não a letra, a coisa e não as pessoas.
Nenhum egoísmo, nenhum orgulho ou móbil de baixos sentimentos
reina em nosso incógnito. Conhecemos a finalidade do destino dos
homens e a luz que nos ilumina guia todas nossas ações.
Somos especialmente chamados para vos escrever, irmãos bem amados
na luz; e o que dá vida a nossa incumbência, são as
verdades que possuímos e que vos comunicaremos ao menor indício
de acordo com a medida de capacidade de cada um.
A comunicação é própria à luz, onde há
receptividade e capacidade para ela, mas não obriga ninguém,
e aguarda que queiram recebê-la espontaneamente.
Nosso desejo, nossa finalidade, nosso encargo é vivificar por toda
parte a letra morta e fazer retornar aos hieróglifos o espírito
vivo; e transformar o inativo em ativo, a morte em vida; não podemos
realizar tudo isto por nós mesmos, mas pelo Espírito de Luz
Daquele que é a Sabedoria, o Amor e a Luz do mundo, e deseja tornar-se
também vosso espírito e vossa luz.
Até o presente, o Santuário, o mais interno, foi separado
do Templo, e o Templo assediado por aqueles que estavam no exterior; aproxima-se
o tempo em que o Santuário interior deve reunir-se ao Templo, para
que, aqueles que nele se encontram, possam agir sobre os que estão
nos átrios, até que tudo se converta em um só templo.
No nosso santuário, todos os mistérios do espírito
e da verdade são conservados puramente; ele não pode ser jamais
violado pelos profanos, nem maculado pelos impuros.
Este santuário é invisível como o é uma força
que se conhece apenas pela própria ação.
Por esta curta descrição, caros irmãos, podeis julgar
quem somos e seria supérfluo assegurar-vos que não fazemos
parte dessas cabeças inquietas que, no mundo profano, querem erigir
um ideal de suas próprias fantasias. Também não pertencemos
àqueles que desejam representar grandes papéis no mundo e
prometem prodígios que eles próprios não compreendem.
Tão pouco pertencemos a essa classe de descontentes que desejariam
vingar-se de sua categoria inferior, ou que têm por finalidade a sede
de dominar, o gosto das aventuras e das coisas extravagantes.
Podemos assegurar-vos que não pertencemos a nenhuma outra seita e
nenhuma outra associação, que a grande e verdadeira associação
de todos aqueles que são capazes de receber a luz, e, nenhuma parcialidade,
qualquer que seja ela, terminando por "us" ou por "er"
não tem a menor influência sobre nós.
Também não pertencemos àqueles que se julgam no direito
de subjugar tudo segundo seus planos e têm a arrogância de querer
reformar todas as sociedades; podemos assegurar-vos com fidelidade que conhecemos
exatamente o mais íntimo da Religião e dos Santos Mistérios;
e que também possuímos realmente aquilo que sempre conjeturou-se
estar na profundidade interna do ser, e que esta mesma posse nos dá
a força de legitimarmos nosso encargo, e de comunicar por toda parte,
ao hieróglifo, à letra morta, o espírito e a vida.
Os tesouros de, nosso santuário são grandes; nós possuímos
o sentido e o espírito de todos os hieróglifos e de todas
as cerimônias que existiram desde o dia da Criação até
os nossos tempos; e as verdades, as mais internas, de todos os Livros Sagrados,
com as razões dos ritos dos mais antigos povos.
Possuímos uma luz que nos unge e pela qual percebemos o mais oculto
e o mais interior da natureza.
Possuímos um fogo que nos alimenta e nos dá a força
para agir sobre tudo aquilo que está na natureza. Possuímos
uma "Chave para abrir" as portas dos mistérios, e uma "chave
para fechar" o laboratório da natureza.
Possuímos o conhecimento de um elo para nos ligar aos mundos superiores
e transmitir-nos suas linguagens.
Todo o maravilhoso da natureza está subordinado ao poder de nossa
vontade em união com a Divindade.
Possuímos a ciência que interroga a própria natureza,
onde não existe o erro, mas somente a verdade e a luz.
Na nossa escola, tudo pode ser ensinado; pois nosso mestre é a própria
Luz e o seu Espírito. A plenitude de nosso saber é o conhecimento
da correspondência do mundo divino cora o mundo espiritual, deste
com a mundo elemental, e, do inundo elemental com o mundo material.
Por estes conhecimentos estamos em condições de coordenar
os espíritos da natureza e o coração do homem.
Nossas ciências são a herança prometida aos Eleitos
ou àqueles que são capazes de receber a luz e a prática
de nossa ciência é a plenitude da Divina Aliança com
os filhos dos homens.
Poderíamos vos contar, queridos irmãos, coisas maravilhosas
que estão ocultas no tesouro do Santuário, coisas tais que
vos deixariam admirados e fora de vós mesmos; poderíamos vos
falar de coisas de cuja concepção, o filósofo, pensando
o mais profundamente possível, está tão afastado como
a terra do sol, e das quais estamos tão próximos, como o está
o ser mais interior de todos da luz mais profunda.
Mas a nossa intenção não é de excitar vossa
curiosidade; a única persuasão interior e a sede do bem dos
nossos irmãos deve impelir aquele que é capaz de receber a
luz na fonte, onde sua sede de sabedoria pode ser aplacada e a fome de amor
saciada.
A sabedoria e o amor habitam no nosso íntimo, lá não
reina nenhum constrangimento; a verdade de suas incitações
é o nosso poder mágico.
Podemos assegurar que tesouros de um valor infinito estão nos mistérios
mais íntimos; asseguramos, também que tal simplicidade os
envolve, que permanecerão sempre inacessíveis ao sábio
orgulhoso, e ainda que tais tesouros, cuja procura traz a muitos profanos
inquietação e loucura, são e permanecerão para
nós a verdadeira sabedoria.
Bênçãos para vós meus irmãos, se sentis
estas grandes verdades. A recuperação do "Tríplice
Verbo" e de sua força será vossa recompensa. Vossa felicidade
será a de ter a força de contribuir a reconciliar os homens
com os homens, a natureza e Deus; aquele que é o verdadeiro trabalho
de todo obreiro que não rejeitou a "Pedra Angular".
Agora nós cumprimos nosso encargo e anunciamos a aproximação
do grande meio-dia, e a reunião do Santuário o mais interior
com o Templo.
Deixamos o resto à vossa livre vontade.
Sabemos bem, para nosso amargo desgosto, que assim como o Salvador foi pessoalmente
desconhecido, ridicularizado e perseguido quando veio na Sua humildade,
assim Seu Espírito que aparecerá na glória, será
rejeitado e ridicularizado por muitos. Apesar disto o advento do Seu Espírito
deve ser anunciado nos templos, para que aquilo que está escrito
se realize.
"Bati às vossas portas e vós não as abristes;
Chamei e vós não escutastes Minha voz; convidei-vos para as
bodas e estáveis ocupados com outras coisas".
A Paz e a Luz do Espírito estejam convosco.