À
aproximação da morte
do livro “A reencarnação “
de Papus
É provável que, à parte certos pontos gerais, à aproximação da morte, cada qual tenha consciência em relação consigo mesmo.
Eis os meus com as circunstâncias que o rodeavam. Empreendi em fevereiro de 1904 uma longa viagem de conferências com o colega Girault; tinha escolhido para título “Tomada de posse”. e Girault: “Para a cidade melhor” as duas conferências se completavam mutuamente.
Podíamos faze-Ias cem vezes sem que fossem da mesma maneira, pois que a tomada de posse da terra pela humanidade começa no meio das ruínas do velho mundo através das quais cresce o novo germinal. É nesses escombros que os povos procuram orientar-se para uma existência melhor, mais consciente e mais. elevada.
A viagem devia compreender trinta cidades da França, Córsega e Algéria. Calais, Roubaix, Tourcoing e Liancourt tiveram as primeiras conferências, pois vinha da Inglaterra.
Uma tormenta de neve nos tendo rodeado em Liancourt, comecei a lutar contra uma gripe, ora vencida, ora mais forte.
Em Troyes, onde passava alguns dias, o médico e os amigos opondo-se a que fosse fazer a conferência de Chaumont, não quis, resistindo, fazer que se ocupassem de mim, mas sentia que minha vontade seria menos poderosa; a vontade se dobra como o aço duma espada: parecia-me que indo a Chaumont ficaria curada; foi em Chaumont que fiz meus estudos e Chaumont e Paris eram as únicas cidades que tinha visto antes da minha viagem da Caledônia.
Quando fui à conferência de Toulon, julguei que esta vez tinha vencido o mal e era desta convicção que falava no fim do meu discurso. Mas, uma vez no hotel Términus, onde devia ter um ou dois dias de descanso, era eu que estava vencida; a gripe tinha-se mudado em congestão pulmonar.
Desci rapidamente a tal estado que pensava nesta expressão que representa o aniquilamento de todas as forças do corpo: o trapo humano; parecia-me efetivamente que meu corpo arrastava-se como um farrapo; o pensamento, tendo-se exteriorizado, olhava-o como a qualquer outra coisa.
À aproximação da morte tudo se torna sensação; primeiramente, nas condições comparáveis à da agulha duma bússola procurando o Norte durante os ciclones, os sentidos podem ser empregados uns pelos outros: depois parece ser um só deles que reúne a todos.
Parecia-me ler através dos meus dedos cartas que minha amiga Carlota tinha em suas mãos.
A agonia se compõe de perturbação antes que de dor; a gente sente-se escorregar nos elementos com duas impressões, uma que leva como ao fio d'água, a outra que dissemina no espaço o ente cujas moléculas se desagregam, como um aroma se espalha no ar ou uma matéria corante num líquido. Esta sensação não é sem prazer: parece que poderia durar muito tempo assim.
O pensamento se materializa em símbolos, em quadros, e sob esta forma é mais intenso e mais elevado.
As lembranças se compõem das impressões recebidas outrora, que se renovam mais fortes. É assim que recebia sensações da mesma ordem que as que tinha presentes com mais força pela própria situação.
Na Caledônia, durante um ciclone, o céu, a terra, o oceano sendo uma só noite na qual rugiam os elementos desencadeados, ao passo que torrentes de água vertiam nas ondas que subiam precipitadas, procurando escalar as praias com suas garras brancas de escuma; segurava-me nos rochedos para resistir aos urros dos abismos que me atraiam ao fundo; pensando que em tempos remotos tínhamos vivido nos elementos, tinha esta mesma impressão deslizando no infinito com a certeza que a morte é uma volta aos elementos.
Lembrava-me duma impressão do infinito, porém de outra ordem; um dos nossos amigos, o Sr. Huot, tocava em seu violão um trecho composto por um nihilista que não deixou seu nome ao morrer; sentia a sensação de outrora, ainda a de um abismo, em cujas estreitas e úmidas paredes teria, na escuridão, batido com os braços; aí, ainda eram os elementos que se ouviam como durante os ciclones, porém que cantavam.
Quando tornou-se difícil falar, a voz não sendo mais que um sopro, que apenas pode evocar uma vibração na garganta onde a sede desapareceu, quando os membros estão pesados como o mármore, uma grande calma se faz; as coisas parecem naturais; a gente se olha de cima com o pensamento; com o corpo estendido diante dele, a gente não pergunta se vai viver ou morrer: olha e é tudo.
Olha-se aí e alhures, em todo o mundo que parece ter-se tomado menor, muito menor para que. a raça humana não seja mais que um povo.
Olha-se perto e longe os mortos e os vivos e como ao redor duma pedra jogada n'água estão ao redor de vós círculos concêntricos, estas ondas, sem dúvida, de eletricidade, vão-se embora longe, muito longe.
O tempo pesa como um rochedo, o passado parece existir ainda, o futuro é já, a personalidade desapareceu e olha-se sempre: a gente mesma é um olhar.
Diante dos olhos uma nebulosa estendeu-se semelhante aos grandes nevoeiros; no quarto só distinguia ainda as pessoas pela forma, a estatura, como se elas fossem grandes sombras chinesas.
Ao longe. o pensamento sempre se materializa por imagens. A guerra aparece como uma imensa mancha de sangue com mortos, moribundos, cavalos sem cavaleiros e com as crinas ao vento; mais longe, o grande desastre chegando ao cúmulo: as mães, as criancinhas, os velhos abandonados; o incêndio alumiando as ruínas; a fome, a peste, como outrora, e todavia, a humanidade chegada à primeira juventude da raça, o velho covil é pouco a pouco penetrado pela luz, a ciência, a verdade, como as cavernas cheias de amarelo foram, depois da descoberta do fogo, invadidas pelas famílias humanas, com a tocha à mão.
Como voltei daí, não o sei; é uma dor real e cruel quando as moléculas dispersadas ou próximas a se-lo se unem e a gente sobe à corrente da vida, e a voz extinta passa de novo através dos lábios já imóveis.
Será porventura a corrente simpática, que de toda parte se dirigia para mim, que veio ajudar os cuidados de Carlota e do sábio doutor Bertholet? Principalmente uma coisa chamou minha atenção: é que devo me esforçar em merecer esta simpatia muito grande para um só ente, ao passo que tantos outros caem esquecidos por todos.
Em meu estudo sobre mim mesma, enganei-me na avaliação do
tempo. Apesar das peripécias da doença, pareceu-me mais curto.
Quando comecei a achar-me melhor, avaliei em oito dias a agonia que durara
quase quatro semanas; pensei então nestes contos em que o sono que
durou cem ou mais anos parece ser de algumas horas.
E, durante este tempo, no Oriente a questão se desembaraçou a golpes de machado; o arroz da Manchúria germinaria no sangue para lucro dos financeiros russos e dos financeiros Japoneses, para a maior glória do. Czar, se os estudantes e os mujiks deixassem passar a. hora do 89 ou do 93 do Norte.
A fraternidade entre os povos se cimenta por tanto sangue derramado, que nenhum assalto dos déspotas ou dos seus inconscientes rebanhos poderá mais desagregar dela uma só partícula. . .
A respeito da guerra e dos desastres, se as lições dadas à
raça humana por todos os grandes carniceiros de homens não
fossem enfim compreendidas, seria para se considerar os homens mais estúpidos
que os animais. Ao passo que com a juventude do XX século, uma era
nova se prepara, toda de ciência e de paz, na qual cada um e todo
empregarão, para sua felicidade e a dos outros, as ciências,
as artes, as descobertas que farão mais largos os cérebros
e maiores os corações.
Seja o que for, podemos resumir, conforme as experiências iniciáticas
e conforme as narrações dos que voltaram, o estado do ente
humano imediatamente após a morte.
A sensação da morte não é dolorosa na evolução normal, exceto no suicídio. Esta sensação é análoga à que se sente num bote que desliza sobre a água; daí a barca de Isis, a barca de Charonte, e todas as idéias mitológicas que traduzem para o povo na Antigüidade as sensações do plano astral. Para os modernos, a sensação é análoga à duma viagem de estrada de ferro, sem abalo. O ente não crê que sofreu o que chamamos morte; parece-lhe estar dormindo e sonhar.
Ao mesmo tempo, como a morte é um verdadeiro nascimento para os planos que aqui chamamos invisíveis, o ente encontra ao redor de si todos os seus parentes, todos os que julgava perdidos e que celebram sua chegada com transportes de entusiasmo, enquanto os pobres abandonados da terra se lamentam e crêem numa partida definitiva.
Durante três dias, diz a tradição iniciática, o espírito, acompanhado por seu guia, pode visitar todos os pontos da terra que lhe seriam agradáveis de ver. Pode aparecer, quer em sonho, quer diretamente (fantasma dos vivos) aos entes caros que deixou na terra; pode até - e isto muitas vezes acontece - seguir seu enterro no estado astral; depois chega o sono.
É preciso que os novos órgãos astrais se habituem ao
plano nos quais doravante vão evoluir ti, como a natureza não
dá saltos, esta nova adaptação Sp faz lentamente, conforme
a evolução anterior do espírito.
Para os iniciados, para aqueles que já foram ao plano astral, esta
evolução é suprimida e a passagem das portas zodiacais
se faz com a maior facilidade. Para os não-iniciados e os profanos,
os que não passaram neste plano, que é indicado no grau Rosa-Cruz
pelo esqueleto colocado na entrada e na saída da câmara vermelha,
para esses a evolução é mais lenta e o despertamento
pode esperar de um mês a um ano de tempo terrestre.
Ainda uma vez aqui tudo é individual. Os Hindus estudaram perfeitamente estas diferenças do tempo, e nos mostram que um ano do plano divino é equivalente a 365 anos do plano terrestre.
Por isso, os Espíritos têm muita dificuldade, quando são evocados, em fixar o tempo terrestre cuja noção perderam.
É claro que não podemos entrar em detalhes a respeito da ocupação do espírito no plano divino porque também este é um caso de evolução individual: uns participarão da marcha dos entes astrais, - era este o ideal dos Egípcios: participar da vida de Râ; - outros, mais modestamente, participarão da evolução de um mineral e outros das criações das invenções terrestres ou marcianas. Era preciso escrever volumes para estudar detalhadamente estes assuntos, cuja existência apenas podemos esboçar aqui.
Uma vez realizado o despertamento, o espírito utiliza seus órgãos astrais, primeiramente para ajudar a evolução geral, depois para constituir seus futuros aposentos terrestres. ..
Dizemos terrestres, porque falamos na terra; porém a reencarnação pode fazer-se em qualquer outro planeta .de qualquer sistema, supondo que o sistema astronômico ensinado pelos sábios contemporâneos seja exato, o que só saberemos depois da morte.