O
fogo natural
Eliphas levy
O fogo natural:
ou fogo ordinário, obtido por uma combustão.
Em geral, os Alquimistas não empregavam nem carvão nem lenha
para aquecer o Ovo Filosófico. Necessitava-se uma vigilância
contínua, e era mais ou menos impossível obter-se uma temperatura
constante. Por isso, Marc-Antônios se coloca contra os sopradores ignorantes
que se serviam de carvão:
"Para que servem estas chamas violentas, porque os sábios não
usam de carvão ardente,
nem de lenha inflamada, para fazer a Obra Hermética..."
(Marc-Antônio, "La Lumiére sortant par soi-même des
Ténèbres").
Os filósofos Herméticos empregavam então uma lâmpada
a óleo, com pavio de amianto, cuja manutenção é
fácil, e que dá um calor mais ou menos uniforme. Eis o fogo
que eles tanto queriam, e do qual somente alguns falavam abertamente, nos
diz Albert Poisson.
No plano da Alquimia espiritual, o fogo é constituído pela Prece...
"Ora et labora...", reza e trabalha, nos dizem os velhos Mestres.
Nosso Fogo não se identifica com aquelas práticas psíquicas,
que repousem sobre posturas mais ou menos barrocas, ou sobre modos e ritmos
particulares de respiração. Estas práticas, comumente
definidas sob o termo geral de Hatha-Yoga, são geralmente apontadas
no Ocidente como suscetíveis de conservar a juventude e a saúde.
Mas a experiência prova, ao contrário, que os Europeus que a
adotaram (somente por esnobismo), chegaram finalmente à iluminação,
na verdade simplesmente ao misticismo, e seus conhecimentos transcendentais
não aumentaram. Se tais aquisições se realizam é
devido a outras práticas então: Bhakti-Yoga, Dhuani-Yoga, Karma-Yoga,
Samadhi-Yoga, Raja-Yoga.
Os Alquimistas admitiam vários graus para seu fogo, conforme a Obra
estivesse mais ou menos avançada.. Eles o regulavam aumentando o número
de fios que compunham a mecha:
"Faça de início um fogo brando, como se não houvesse
mais que quatro fios em tua mecha, até que a Matéria comece
a enegrecer. A seguir aumente, ponha então quatorze fios. A Matéria
se banha, ela se torna cinza. Enfim, ponha vinte e quatro fios, e terás
a brancura perfeita..."
(Happellus, "Aphorismi Basiliani").
Aqui temos, no domínio da Alquimia espiritual, uma indicação
preciosa em seu esoterismo. O fogo passa de quatro para quatorze, e de quatorze
para vinte e quatro mechas. Ao quaternário de partida se une o denário,
e depois outro denário, ou seja: tétrada + década + década.
Se estas palavras não evocam para nós a Gnose alexandrina e
seus Eons, elas nos bastam para saber que o primeiro grau do fogo, aquele
do começo da Obra, se chamava o fogo do Egito, porque ele devia se
igualar (no ponto de vista material) à temperatura estival máxima
desse país:
"Faça vosso fogo proporcional ao calor nos meses de junho e julho..."
(Anônimo, "Dialogue de Marie e d'Aros").
Ora, se o autor é anônimo, o manuscrito é belo e bem egípcio!
Esta evolução progressiva do fogo da Obra é então
representada na Alquimia espiritual por uma evolução progressiva
da Prece e de toda a Acesse semelhante, de sua amplitude, de suas freqüência,
e sobretudo de seus objetivos imediatos e sucessivos.
Querer queimar etapas (uma locução cheia de esoterismo!) seria
de fato perigoso. Não falta, infelizmente, na história da Mística,
neófitos que, mal preparados para o choque das revelações
intuitivas, param ante tais realizações psíquicas não
atendidas, e se perdem em vias irracionais. É, para evitar tais perigos,
que as igrejas (latinas ou orientais), impuseram o princípio do "diretor
da consciência", a seus fiéis desejosos de penetrar nesses
domínios. Escutemos então aos velhos Mestres:
"Tu não deixarás jamais o vaso se aquecer muito, de forma
que tu possas sempre lhe tocar com a mão nua sem perigo de queimar-te.
E isto durará todo o tempo da solução..."
(Rypley, "Tratado das Doze Portas").
"Faça um fogo vaporizante, digerinte, contínuo, não
violento, sutil, envolvente, aéreo, fechado, incombustível,
alterante..."
(Bernard Le Trévisan, "O Livro da Filosofia Natural dos Metais").
"Uma parte de fogo possui mais energia potencial que cem partes de ar,
e , por conseqüência,
uma parte de fogo pode facilmente vencer mil partes de terra..."
(Thomas de Aquino, "Tratado da Pedra Filosofal").
Veremos, em seguida, como deve ser manipulada a conduta de nosso Fogo, ou
seja, a Prece, graças a qual podemos, de acordo com a expressão
favorita de certos orientais: "queimar o Karma". Iremos agora estudar
os Elementos de nossa Obra, os Princípios a desenvolver primeiramente,
após, os que nascerão deles, ou seja, as Virtudes Essenciais,
em número de nove:
- quatro denominadas cardeais (do latim cardo: porta, elemento essencial),
- três denominadas teologais, pois elas têm essencialmente Deus
por objetivo,
- duas denominadas sublimais, porque elas são o resultado mais elevado
da prática das sete primei-
ras, e são, de qualquer sorte, sua sublimação.
Todas correspondem às Entidades Espirituais ligadas ao Plano Divino,
um pouco como as Idéias-Eternas de Platão.
Encontramos de fato no "O Pastor" , atribuído a Hermas de
Cumes, um dos quatro Padres Apostólicos, herdeiros e sucessores imediatos
dos Apóstolos, o seguinte quanto à tradição oral
do Cristianismo:
"E estas Virgens, o que são?...- Elas são Espíritos
de Santificação. Ninguém pode ser admitido no Reino de
Deus, sem ter sido previamente revestido por elas de sua própria Vestimenta.
Se receberes apenas o Nome do Filho de Deus, sem receber das mãos destas
Virgens sua vestidura, isso de nada te servirá! Pois estas Virgens
são Virtudes do Filho de Deus. Se tu portas seu Nome sem possuir Sua
Virtude, é em vão que o portas..."
(Hermas: "O Pastor", IX, 13).
"Sem o auxílio destas Virgens, é impossível conservar
seus Mandamentos. Eu vejo que elas se residem em tua "morada", unicamente
para bem purificá-la! Elas terão prazer habitando em lugar próprio,
porque são puras, castas, ativas e têm grande prestígio
junto ao Senhor. Assim, a pureza reinará em tua "morada"
e elas a habitarão. Mas à menor mancha que elas encontrarem,
sairão logo, porque estas Virgens não podem sofrer a mais leve
mácula..."
(Hermas, "O Pastor", X, 3).
O leitor atento saberá discernir sob o texto banal, o esoterismo muito
belo destas passagens. Nós as completaremos por uma citação,
extraída de um apócrifo gnóstico do segundo século:
"E em Bethel, após 62 dias, vi sete homens vestidos de branco,
que me disseram: "Levanta-te. Veste a Túnica de Sacerdote, a Coroa
da Justiça, o Racional da Inteligência, a Vestimenta da Verdade,
o Diadema da Fé, a Mitra dos Prodígios, o Ephod da Profecia..."
E cada um deles, portando um destes ornamentos, os colocam sobre mim, dizendo:
"De hoje em diante, sois Sacerdote do Senhor, tu e tua Raça, até
a Eternidade..."
("O Testamento dos Patriarcas", Levi, 8).