A
liberdade
A Chave dos Grandes Mistérios - Eliphas Levi
A liberdade,
que é a vida da alma, se conserva apenas na ordem da natureza. Toda
desordem voluntária a fere, um excesso prolongado a mata.
Então, ao invés de sermos guiados e preservados pela razão,
somos abandonados às fatalidades do fluxo e do refluxo da luz magnética.
Ora, a luz magnética devora sem cessar porque está sempre criando;
para produzir continuamente, é preciso eternamente absorver.
Daí vêm as monomanias assassinas e as tentações
de suicídio. Daí vem esse espírito de perversidade que
Edgar Poe descreveu de forma tão impressionante e tão verdadeira,
e que Mirville teria razão em chamar diabo.
O diabo é a vertigem da inteligência atordoada pelas oscilações
do coração. É a monomania do nada, é a atração
do abismo, independentemente do que isso possa ser segundo as decisões
da fé católica, apostólica e romana, em que não
receamos tocar. Quanto à reprodução dos signos e dos
caracteres por esse fluido universal a que chamamos luz astral, negar sua
possibilidade seria importar-se pouco com os fenômenos mais comuns da
natureza. A miragem nas estepes da Rússia, os palácios da fada
Morgana, as figuras impressas naturalmente no coração das pedras
que Gaffarel denomina gamahés, a configuração monstruosa
de algumas crianças proveniente dos olhares ou pesadelos das mães,
todos esses fenômenos e muitos outros provam que a luz está repleta
de imagens e reflexos que projeta e reproduz de acordo com as evocações
da imaginação, da lembrança ou do desejo. A alucinação
não é sempre um devaneio sem objeto: desde que todos vêem
uma coisa, ela certamente é visível; mas, se essa coisa é
absurda, deve-se rigorosamente concluir que todos estão enganados ou
alucinados por uma aparência real. Dizer, por exemplo, que nas sessões
magnéticas do senhor Home saem das mesas mãos reais e vivas,
mãos verdadeiras, que uns vêem, que outros tocam, e pelas quais
outros ainda sentem-se tocados sem vê-Ias, dizer que essas mãos
verdadeiramente corporais são mãos de espíritos é
falar como crianças ou como loucos, é implicar contradição
nos termos. Mas reconhecer que esta ou aquela aparência, esta ou aquela
sensação se produz é ser simplesmente sincero e zombar
da zombaria dos homens probos ainda quando esses homens fossem espirituosos
como este ou aquele redator brincalhão do jornal.
Esses fenômenos de luzes que produzem aparições mostraram-se
sempre em épocas difíceis para a humanidade. São os fantasmas
da febre do mundo, é o histerismo de uma sociedade que se entedia.
Virgílio conta-nos em belos versos que, na época de César,
Roma estava repleta de espectros; sob Vespasiano, as portas do Templo de Jerusalém
abriam-se sozinhas, e ouvia-se gritar: "Os deuses se vão."
Ora, quando os deuses partem, os diabos retornam. O sentimento religioso transforma-se
em superstição quando a fé está perdida; pois
as almas têm necessidade de acreditar, porque têm sede de ter
esperança. Como a fé pode perder-se? Como a ciência pode
duvidar do infinito e da harmonia? Porque o santuário do absoluto está
sempre fechado para a maioria. Mas o reino da verdade, que é o de Deus,
sofre violências e deve ser conquistado pelos fortes. Existe um dogma,
uma chave, uma tradição sublime; e esse dogma, essa chave, essa
tradição é a alta magia. Apenas aí encontram-se
o absoluto da ciência e a base eterna da lei, o preservativo contra
toda loucura, toda superstição e todo erro, o Éden da
inteligência, o repouso do coração e a quietude da alma.
Não dizemos isso na esperança de convencer os que riem, mas
somente para advertir os que procuram. Coragem e esperança a estes;
eles certamente encontrarão, uma vez que nós encontramos.
O dogma mágico não é aquele dos médiuns. Os médiuns
que dogmatizam só podem ensinar a anarquia, uma vez que sua inspiração
resulta de uma exaltação desordenada. Eles sempre prevêem
desastres, negam a autoridade hierárquica, assumem a postura de soberanos
pontífices, como Vintras. O iniciado, ao contrário, respeita
antes de tudo a hierarquia, ama e conserva a ordem.