ROSA-CRUZ
Stanislas de Guaita
O Vocábulo Rosa-Cruz não traz felicidade aos ultramontanos.
Por prudência, pelo menos, eles deveriam abster-se de mencioná-lo...
Os jesuítas não são os autores do grau maçônico
de R.'.C.'. (18° do Rito Escocês Antigo e Aceito)? É um
fato conhecido. Com essa inovação, e algumas outras, os jesuítas
esperavam, mudando suas intenções, abarcar indiretamente as
forças vivas de uma ordem florescente. São eles hábeis
dirigentes. Mas o abstrato do nome assim explorado foi mais forte do que
essas políticas dissimuladas; esse agente oculto apoderou-se de sua
obra e os obrigou a dar meia volta: assim, o grau maçônico
de Rosa-Cruz, fundado pelos jesuítas no século XVIII, enfeita
atualmente com sua quinquilharia simbólica o peito de seus piores
inimigos! E como se trata de uma lei da natureza, que a reação
é proporcional à ação, o agnosticismo ultramontano
dos fundadores deu lugar ao agnosticismo materialista de seus herdeiros
atuais. Sem o saber, os jesuítas tinham evocado o fantasma longínquo
de Elias-Artista. Ele apareceu por um instante, revirou sua instituição
como se vira uma luva do avesso, e depois desapareceu de repente, deixando
a obra desses fanáticos como presa do fanatismo contrário.
O verbo anticlerical dos Rosa-Cruzes clamava tão intensamente por
toda a Europa, nos primeiros lustros do século XVII, que se acreditou
tratar-se de uma associação secreta de huguenotes fanatizados;
ledo engano. Anticlerical jamais significou anticatólico ou anticristão;
confundir seria um erro. No papa, os Rosa-Cruzes distinguiam duas potências,
encarnadas em uma só carne: Jesus e César. Quando qualificavam
o sucessor de Pedro de anticristo, eles ameaçavam destruir sua tríplice
coroa, mas não visavam senão o déspota temporal do
Vaticano.
Seu sistema era, em suma, exaltar ao máximo as fórmulas até o paradoxo, falsear as obras até o milagre. Tinham tomado emprestado esse método a seus antigos mestres, os Cabalistas. Davam às alegorias um estilo tão inverossímil, que somente os imbecis se atinham sentido aparente, e os demais adivinham no primeiro contato o valor íntimo de um sentido oculto - era, de fato, um método inteligente. Foi assim que pregaram cartazes em Paris, no ano de 1622, contendo as proclamações seguintes, próprias convenhamos a intrigar os espíritos sutis e a distanciar as mentes parvas:
PRIMEIRO CARTAZ: "Nós, deputados do Colégio principal dos Irmãos da Rosa-Cruz, estamos visível e invisivelmente nesta cidade, pela graça do Altíssimo, em direção do qual se volta o coração dos justos. Mostramos e ensinamos sem limitações, podemos falar toda a espécie de língua dos países onde desejamos permanecer, para livrar os homens, nossos semelhantes, do erro e da morte."
SEGUNDO CARTAZ: "Se alguém deseja nos ver por simples curiosidade, não se comunicará jamais conosco; mas se a vontade o conduz realmente e de fato a inscrever-se nos registros de nossa fraternidade, nós que lemos os pensamentos o faremos ver a veracidade de nossas promessas; é por isso que não revelamos nosso endereço, pois os pensamentos, refletindo a vontade real do leitor, serão capazes de nos fazer conhecer a ele e ele a nós."
Não surpreenderemos os estudiosos, mesmo pouco avançados, do ocultismo, se protestarmos aqui que o anúncio dessas prerrogativas que os Irmãos exibiam, secretamente, sob a aparência de uma loucura incurável, ocultam significações da mais perfeita sabedoria. A última das pretensões das quais eles se vangloriavam, aquela que se julgará talvez a mais exorbitante, é precisamente a única que se poderá interpretar ao pé da letra. Ela lembra a condição expressa da admissão ao mais alto grau de uma fraternidade muito fechada e pouco conhecida, no areópago supremo da qual o postulante é obrigado a apresentar-se em corpo astral...
Os Irmãos iluminados da Rosa-Cruz eram obrigados, por juramento, a praticar a medicina oculta por onde quer que passassem, sem jamais receber remuneração alguma, sob nenhum pretexto. Psicurgia, Mestria Vital, Hermetismo, Teurgia e Cabala não tinham nenhum segredo para os mais avançados.
Um artigo de sua profissão de fé obrigava-os a "acreditar firmemente que, caso sua associação fracassasse, ela entraria num processo de regressão, voltando ao sepulcro de seu primeiro fundador". Isso quer dizer que se acontecer que um dos Irmãos se comprometa no mundo, a Ordem que eles terão manifestado imperfeitamente em atos voltará a seu potencial; de seu estado de abertura, ela voltará a ser oculta...
Assim como
nenhum homem é perfeito, nenhuma sociedade é indefectível.
A Ordem enfraqueceu e, por volta de 1630, entrou pelo menos como associação
regular - nas trevas ocultas de onde saíra vinte anos antes(129).
Só alguns Rosa-Cruzes manifestavam-se esporadicamente. A unidade
coletiva pareceu adormecer por longo tempo no silêncio da gruta, de
onde a fizeram sair novamente em 1888.
Os homens estão sujeitos ao erro, à malícia, à
cegueira, e os Rosa-Cruzes são homens; entretanto, não se
podem computar suas faltas ao abstrato da Ordem. Elias-Artista é
infalível, imortal, e além disso, inacessível tanto
às imperfeições como às manchas e às
ridicularizações dos homens de carne que desejam manifestá-lo.
Espírito de luz e de progresso, ele se encarna nos seres de boa vontade
que O evocam. Se estes porventura tropeçarem no caminho, Elias-Artista
os abandonará.
Fazer esse Verbo Superior mentir é impossível, mesmo que se possa mentir em Seu nome. Pois cedo ou tarde Ele encontra um órgão digno Dele (nem que seja por um minuto), uma boca fiel e leal (nem que seja para pronunciar uma só palavra). Por esse órgão de eleição, ou por esses lábios de encontro - que importa? - Sua voz se faz ouvir, poderosa e vibrante da autoridade serena e decisiva que dá ao verbo humano a inspiração do Alto. Assim são desmentidos na terra aqueles que Sua justiça havia condenado abstratamente.
Evitemos falsear o espírito tradicional da Ordem; sendo reprovados no Alto, no mesmo instante, cedo ou tarde seríamos renegados aqui embaixo pelo misterioso demiurgo que a Ordem saúda por esse nome: Elias-Artista!
Ele não é a Luz, mas, como São João Batista. Sua missão é dar o testemunho da Luz de Glória, que deve irradiar de um novo céu sobre uma terra rejuvenescido. Que Ele se manifeste por conselhos de força e que Ele desobstrua a pirâmide das santas tradições, desfigurada pelas camadas heteróclitas de detritos e de caliças que vinte séculos acumularam sobre ela. E que enfim, por Ele, as sendas sejam abertas para receber o Cristo glorioso, no ninho maior do qual se dissipará - estando Sua obra concluída - o precursor dos tempos futuros, a expressão humana do Santo Paracleto, o gênio da Ciência e da Liberdade, da Sabedoria e da Justiça integral: Elias-Artista.