O
ADÃO UNIVERSAL
Stanislas de Guaita
O universal Adão, desintegrando-se, rolou até os confins; precipitou-se na cloaca da substância diferenciada, produzida por sua própria queda; disseminou-se, inexaurivelmente, semeando em profusão almas de vida cada vez menos inteligentes, cada vez menos morais e conscientes, até nas formas mais humildes da existência e do devir. Mas isso não é tudo. Uma vez dividido ao infinito, seu destino quer que ele se reconstitua em sua unidade ontológica; depois de ele ter descido, seu destino quer que ele ascenda, que ele evolua, enfim, depois de ter involuído.
Não abordaremos o problema - tão perturbador em sua profundidade
oculta - das redenções mineral, vegetal e animal: esse mistério
jamais será totalmente desvendado.Digamos uma só palavra:
escutai, vós todos que sabeis compreender o espírito de um
arcano sob o véu de uma imagem grosseira e material. Diremos apenas
uma palavra. Se a alma espiritual está totalmente obscurecida na
pedra, termo último ou, diríamos, resultado ínfimo
da involução, como a Consciência pode despertar pouco
a pouco, na evolução das formas progressivas. Através
dos reinos mineral, vegetal e animal?... Que Deus ex machina vem, então,
em sua ajuda? Em uma palavra, como a Consciência vai desembaraçar-se
da Inconsciência absoluta à medida que evolui? Nós vos
perguntamos se a Eterna Sabedoria não colocou um fim à decadência
de Adão e limitou, pela interposição de uma barreira
intransponível, sua descida aos infernos do não ser? Essa
muralha providencial chama-se Matéria. Uma vez possuído inteiramente
por ela, o espírito não pode descer mais.
O próprio Deus lhe diz: Tu não irás mais longe. Como um metal em fusão, quando entra em ebulição longe do ponto central, congela-se repentinamente, prisioneiro de sua própria natureza, que é endurecer no frio; assim, a alma espiritual, distanciada de sua fonte divina, compacta-se e objetiva-se: tal é a origem da matéria, espécie de meio termo, pacto entre o ser e o não-ser; agregação passiva que o espírito pode penetrar e elaborar, mas não ultrapassar! Debilitado na sua queda, o espírito choca-se contra esse obstáculo invencível e deve, necessariamente, ricochetear daí esse movimento redentor: a evolução recorrente! A própria impulsão da queda adâmica determina a reascensão. A lei da Reação proporcional interveio. Para sempre incompatível com o Nada, onde ela está prestes a soçobrar, a alma espiritual decaída encontra. nas profundezas de sua natureza oculta, um princípio ocasional que a freia bruscamente e que a projeta de volta. A Involução choca-se contra seu termo irrecusável, fatal ou providencial. O movimento adquirido não poderá aniquilar-se ou se perder... Ele se torna repercussivo e retrógrado. A decadência involutiva é sustada; a própria força das coisas necessita de uma reação: a Evolução redentora nasceu.
Porém, tomando o ser adâmico nos dois terços de sua viagem de retorno, enquanto ele, já parcialmente livre dos estreitos e despóticos entraves com que a natureza física o sobrecarregou, pôde evoluir até a condição de homem. Permitimo-nos examinar, em linhas gerais, seu retorno à sua síntese verbal, o Adão celeste.