SE OS ATOS HUMANOS SÃO REGIDOS PELA PROVIDÊNCIA
Tomás de Aquino
Respondo
dizendo que, assim como já foi dito anteriormente, tanto mais nobremente
algo é colocado sob a ordem da providência quanto mais próximo
estiver do primeiro princípio.
Ora, entre todas as criaturas, são as substâncias espirituais
as que mais se aproximam do primeiro princípio, de onde que são
ditas terem sido assinaladas pela sua imagem; e por isso obtiveram da divina
providência que não apenas sejam provistas, mas também
que provejam, sendo esta a causa pelas quais as substâncias espirituais
podem eleger os seus atos, e não as demais criaturas, que são
somente provistas, sem serem providentes.
Importa, porém, que a divina providência, na medida em que
diz respeito à ordenação ao fim, seja feita segundo
a regra do fim. O primeiro providente, porém, é ele próprio
como o fim da providência; possui, portanto, a regra da providência
a si unida, de onde que é impossível que por parte dele próprio
possa ocorrer algum defeito nas coisas provistas pelo mesmo. Neles, deste
modo, não pode haver defeito a não ser por parte dos provistos.
Mas as criaturas, às quais a providência foi comunicada, não
são fins de sua providência, mas se ordenam a outro fim, a
saber, Deus. São ordenadas, portanto, na medida em que tomam da regra
divina a retidão de sua providência. Origina-se daqui que,
em sua providência, possa ocorrer defeito não somente por parte
dos provistos, mas também por parte dos providentes.
Segundo, todavia, que alguma criatura esteja mais unida à regra do
primeiro providente, segundo isto a ordenação da sua providência
terá uma retidão mais firme. Como, portanto, tais criaturas
podem apresentar defeitos em seus atos, e elas próprias são
causas de seus atos, surge daqui que seus defeitos tenham razão de
culpa, o que não era o caso dos defeitos das outras criaturas.
Porque, porém, tais criaturas espirituais são incorruptíveis
em seus indivíduos, também os seus indivíduos são
provistos por causa de si mesmos, e por isso os defeitos que neles ocorrem
ordenam-se à pena ou ao prêmio na medida em que lhes compete,
e não somente na medida em que são ordenados a outros. E entre
estas criaturas está o homem, porque pela sua forma, isto é,
a alma, é uma criatura espiritual, da qual vem a raiz dos atos humanos,
e pela qual o corpo do homem possui ordenação à imortalidade.
E por isto os atos humanos caem debaixo da divina providência de modo
que eles próprios são provisores de seus atos, e seus defeitos
possuem uma ordenação para com si próprios e não
somente para com os outros, assim como o pecado do homem possui uma ordenação
dada por Deus para o bem do homem para que este, ressurgindo após
o pecado, se torne mais humilde, ou pelo menos para o bem que se realiza
nele pela justiça divina, na medida em que é punido pelo pecado.
Mas os defeitos que ocorrem nas outras criaturas possuem uma ordenação
somente para com outros, assim como a corrupção deste fogo
se ordena à geração daquele ar.
E por isto, para designar este modo especial de providência, pela
qual Deus governa os atos humanos, está escrito no livro da Sabedoria:
"Dispõe de nós com reverência".