O PODER DA PALAVRA
Eliphas Levi
É o verbo que cria as formas, e as formas, por sua vez, reagem sobre
o verbo para modificá-lo e
terminá-lo. Toda palavra de verdade é o começo de um
ato de justiça. Pergunta-se se o homem algumas vezes pode ser necessariamente
impelido para o mal. Sim, quando ele tem o julgamento falso e, por conseguinte,
o verbo injusto.
Mas alguém é tão responsável por um julgamento
falso como por uma má ação. O que falseia o julgamento
são as vaidades injustas do egoísmo. O verbo injusto, não
podendo realizar-se pela criação, realiza-se pela destruição.
É preciso que mate ou morra.
Se pudesse permanecer sem ação seria a maior de todas as desordens,
uma blasfêmia duradoura
contra a verdade. Tal é a palavra ociosa da qual Cristo disse que
se prestará conta no juizo final. Um gracejo, uma tolice que recreia
e que faz rir não é uma palavra ociosa.
A beleza da palavra é um esplendor de verdade. Uma palavra verdadeira
é sempre bela, uma bela
palavra é sempre verdadeira. É por isso que as obras de arte
são sempre santas quando são belas.
Que me importa que Anacreonte cante Batylle, se, em seus versos, ouço
as notas da divina harmonia
que é o hino eterno da beleza? A poesia é pura como o sol:
ela estende seu véu de luz sobre os erros
da humanidade. Ai daquele que quisesse erguer o véu para perceber
fealdades.
O Concílio de Trento disse que é permitido às pessoas
sábias e prudentes lerem os livros dos antigos,
mesmo obscenos, por causa da beleza da forma. Uma estátua de Nero
ou de Heliogábalo feita como as obras-primas de Fídias não
seria uma obra absolutamente bela e absolutamente boa? E os que gostariam
de vê-la destruída por representar um monstro não mereceriam
as vaias do mundo inteiro?
As estátuas escandalosas são as estátuas malfeitas;
e a Vênus de Milo seria profanada se fosse
exposta ao lado das Virgens que ousam expor em algumas igrejas.
Aprende-se o mal nos livros de moral tolamente escritos, bem mais do que
nas poesias de Catulo ou
nas engenhosas alegorias de Apuleio. Não há maus livros senão
os livros malpensados ou malfeitos.
Todo verbo de beleza é um verbo de verdade. É uma luz formulada
em palavra. Porém, é preciso uma sombra para que a mais brilhante
luz produza-se e torne-se visível; e a palavra criadora, para tornar-se
eficaz, necessita de contraditores. É preciso que suporte a prova
da negação, do sarcasmo, depois aquela ainda bem mais cruel
da indiferença e do esquecimento. "É preciso", dizia
o Mestre, "que o grão apodreça para germinar."
O verbo que afirma e a palavra que nega devem casar-se, e de sua união
nascerá a verdade prática, a
palavra real e progressiva. É a necessidade que deve constranger
os trabalhadores a escolherem por
pedra angular a que inicialmente fora desconhecida e rejeitada. Que a contradição
nunca desencoraje,
pois, os homens de iniciativa. O arado necessita de uma terra e a terra
resiste porque trabalha. Ela
defende-se como todas as virgens, concebe e dá à luz lentamente
como todas as mães. Vós, pois, que quereis semear uma planta
nova no campo da inteligência, compreendei e respeitai as resistências
pudibundas da experiência limitada e da razão tardia.
Quando uma palavra nova vem ao mundo, necessita de laços e cueiros;
foi o gênio que a concebeu,
mas é a experiência que deve alimentá-la. Não
receeis que seja desamparada e morra; o
esquecimento para ela é um repouso favorável e as contradições
são uma cultura. Quando um sol
desponta no espaço, cria ou atrai mundos. Uma única fagulha
de luz fixa promete ao espaço um
universo.
Toda a magia está numa palavra, e essa palavra, pronunciada cabalisticamente,
é mais forte que
todos os poderes do céu, da terra e do inferno. Com o nome de Jod
he van he domina-se: os reinos
são conquistados em nome de Adonai, e as forças ocultas que
compõem o império de Hermes são
totalmente obedientes àquele que sabe pronunciar segundo a ciência
o nome incomunicável de Agla.
Para pronunciar segundo a ciência as grandes palavras da Cabala, é
preciso pronunciá-las com uma
inteligência inteira, com uma vontade que nada detenha, com uma atividade
que nada rejeite. Em
magia ter dito é ter feito; o verbo começa com letras, termina
com atos. Só se quer realmente algo
quando se quer com todo o coração, a ponto de por isso ferir
as mais caras afeições; com todas as
forças a ponto de expor a saúde, a fortuna e a vida. É
pela devoção absoluta que a fé se prova e se constitui.
Mas o homem armado de semelhante fé poderá remover montanhas.
O inimigo mais fatal de nossas almas é a preguiça. A inércia
possui uma embriaguez que nos
adormece; mas o sono da inércia é a corrupção
e a morte. As faculdades da alma humana são como
as ondas do oceano: necessitam, para conservarem-se, do sal e do amargor
das lágrimas; necessitam
das tormentas do céu e da agitação das tempestades.
Quando, ao invés de caminharmos na rota do progresso, queremos ser
carregados, estamos dormindo
nos braços da morte; é para nós que é dito,
como ao paralítico do Evangelho: Carregai vossa cama e
andai! Somos nós que devemos carregar a morte para precipitá-la
na vida.
Segundo a magnífica e terrível expressão de São
João, o inferno é um fogo que dorme. É uma vida
sem atividade e sem progresso; é enxofre em estagnação:
stagnum ignis et sulphuris.
A vida que dorme é análoga à palavra ociosa e é
disso que os homens terão de prestar contas no dia
do juízo final.
A inteligência fala e a matéria agita-se; só descansará
depois de ter tomado a forma dada pela
palavra. Vede o verbo cristão há dezenove séculos trabalhando
o mundo. Que combates de gigantes!
Quantos erros experimentados e rechaçados! Quanto cristianismo desiludido
e irritado no fundo do
protesto, desde o século XVI até o século XVIII! O
egoísmo humano, desesperado com suas
derrotas, amotinou sucessivamente todas as suas estupidezes. Revestiram
o Salvador do mundo com
todos os andrajos e todas as púrpuras derrisórias: depois
de Jesus o Inquisidor, fez-se o Jesus
Revolucionário. Se fordes capaz, medi quantas lágrimas e quanto
sangue correram, ousai prever
quanto ainda correrá antes que se chegue ao reino messiânico
do Homem-Deus, que subjuga ao
mesmo tempo todas as paixões aos poderes e todos os poderes à
justiça!
ADVENIAT REGNUM TUUM! Eis o que setecentos milhões de vozes repetem
noite e dia em toda
a superfície da terra, há quase mil e novecentos anos, enquanto
os israelitas continuam a esperar o
Messias. Ele falou, e ele voltará; veio para morrer, e prometeu retornar
para viver.
CÉU É A HARMONIA DOS SENTIMENTOS GENEROSOS.
INFERNO É O CONFLITO DOS INSTINTOS COVARDES.
Quando a humanidade, a poder de experiências sangrentas e dolorosas,
tiver compreendido bem essa dupla verdade, abjurará do inferno do
egoísmo para entrar no céu da abnegação e da
caridade cristã.
A lira de Orfeu desbravou a Grécia selvagem, e a lira de Anfião
construiu a misteriosa Tebas. É que
a harmonia é a verdade. A natureza inteira é harmonia, mas
o Evangelho não é uma lira: é o livro dos
princípios eternos que devem regular e que regularão todas
as liras e todas as harmonias vivas do
universo.
Enquanto o mundo não compreender estas três palavras: verdade,
razão, justiça, e estas: dever,
hierarquia, sociedade, a divisa revolucionária, liberdade, igualdade,
fraternidade, será apenas uma
tríplice mentira.
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