O MANDAMENTO DA CARIDADE
Tomás de Aquino
Introdução.
Três coisas são necessárias à salvação
do homem, a saber:
a ciência do que se há de crer,
a ciência do que se há de desejar,
e a ciência do que se há de operar.
A primeira nos é ensinada no Credo, onde nos é ensinada a
ciência dos artigos da fé. A segunda, no Pai Nosso. A terceira
na Lei.
Agora a nossa intenção é acerca da ciência do
que se há de operar, para tratar da qual encontramos quatro leis.
A lei da natureza.
A primeira lei é dita lei da natureza, e esta nada mais é
do que a luz da inteligência colocada em nós por Deus, pela
qual conhecemos o que devemos agir e o que devemos operar. Esta luz e esta
lei Deus a deu ao homem na criação, mas muitos acreditam dela
poderem desculpar-se por ignorância se não a observarem. Contra
estes diz, porém, o profeta no salmo quarto:
"Muitos dizem:
Quem nos mostrará o bem?",
como se ignorassem o que é para se operar. Mas o próprio profeta
no mesmo lugar responde:
"Sobre nós está assinalada
a luz do teu semblante, ó Senhor",
luz, a saber, do intelecto, pela qual nos é conhecido o que se deve
agir. De fato, ninguém ignora que aquilo que não quer que
seja feito a si, não o faça ao outro, e outras tais.
A lei da concupiscência.
Posto, porém, que Deus na criação deu ao homem esta
lei, a saber, a da natureza, o demônio, todavia, semeou sobre esta
uma outra lei, a da concupiscência. Com efeito, até quando
no primeiro homem a alma foi submissa a Deus, observando os divinos preceitos,
também a carne foi submissa em tudo à alma, ou à razão.
Mas depois que o demônio pela tentação afastou o homem
da observância dos preceitos divinos, também a carne se tornou
desobediente à razão. De onde aconteceu que ainda que o homem
queira o bem segundo a razão, todavia é inclinado ao contrário
pela concupiscência. E isto é o que nos diz o Apóstolo
no sétimo de Romanos:
"Mas vejo outra lei nos meus membros
que se opõe à lei da minha razão".
Daqui é que freqüentemente a lei da concupiscência corrompe
a lei da natureza e a ordem da razão, e por isso acrescenta o Apóstolo:
"Acorrentando-me à lei do pecado".
A lei da Escritura, ou do temor.
A lei da natureza, pois, estava destruída pela lei da concupiscência.
Fazia-se, portanto, necessário que o homem fosse restituído
à obra da virtude e fosse afastado dos vícios. Para isto foi
necessária a lei da Escritura.
Deve-se saber, porém, que o homem é afastado do mal e induzido
ao bem por duas coisas, a primeira das quais sendo o temor. De fato, a primeira
coisa pela qual alguém maximamente principia a evitar o pecado é
a consideração das penas do inferno e do juízo final.
Por isso é que o Eclesiástico nos diz:
"O início da Sabedoria
é o temor do Senhor",
e também:
"O temor do Senhor
expulsa o pecado",
pois, ainda que aquele que por temor não peca não seja justo,
todavia daqui principia a justificação. É deste modo
que o homem é afastado do mal e induzido ao bem pela lei de Moisés,
a qual punia os transgressores com a morte:
"Quem transgride a Lei de Moisés
é condenado à morte, sem piedade,
com base em duas ou três testemunhas".
Heb. 10
A lei Evangélica, ou do amor.
O modo do temor, porém, é insuficiente, e a lei que foi dada
por Moisés desta maneira, afastando do mal pelo temor, também
foi insuficiente. De fato, ainda que obrigasse a mão, não
obrigava a alma. Por isso há um outro modo de afastar do mal e induzir
ao bem, a saber, o modo do amor, e deste modo foi dada a lei de Cristo,
a lei Evangélica, que é lei de amor.
A lei do amor
torna livre.
Deve-se considerar, entretanto, que entre a lei do temor e a lei do amor
são encontradas três diferenças.
A primeira consiste em que a lei do temor faz de seus observantes servos,
enquanto que a lei do amor os faz livres. Pois quem opera somente pelo temor
opera pelo modo de servo; quem, porém, o faz por amor, o faz por
modo de livre, ou de filho. De onde que diz o Apóstolo:
"Onde está o Espírito do Senhor,
lá está a liberdade",
II Cor. 3
porque, a saber, estes por amor agem como filhos.
A lei do amor
introduz nos bens celestes.
A segunda diferença está em que os observadores da primeira
lei eram introduzidos nos bens temporais, conforme diz Isaías:
"Se quiserdes, e me ouvirdes,
comereis dos bens da terra".
Is. 1
Mas os observadores da segunda lei são introduzidos nos bens celestes:
"Se queres entrar na vida,
observa os mandamentos".
Mat. 19
E também:
"Fazei penitência".
Mat. 2
A lei do amor é leve.
A terceira diferença é que a primeira é pesada:
"Por que quereis impor
um jugo sobre nós
que nem nós, nem nossos pais
puderam suportar?"
Atos 15
A segunda, porém, é leve:
"O meu jugo é suave,
e o meu peso é leve".
Mat. 11
E também:
"Não recebestes um espírito de servidão
para recairdes no temor,
mas recebestes o espírito
de adoção de filhos".
Rom. 8
Conclusão: simplicidade e retidão da lei de Cristo.
Assim, portanto, como já foi dito, encontram-se quatro leis, a primeira
sendo a lei da natureza, que Deus infundiu no homem na criação,
a segunda a lei da concupiscência, a terceira a lei da Escritura,
a quarta a lei da caridade e da graça que é a lei de Cristo.
Como, porém, é evidente que nem todos podem ser versados na
ciência, foi-nos dada por Cristo uma lei breve, para que por todos
pudesse ser sabida, e ninguém por ignorância pudesse escusar-se
de sua observância, e esta é a lei do amor divino. Como diz
o Apóstolo:
"Fará o Senhor
uma palavra abreviada
sobre a terra".
Rom. 9
Deve-se saber, ademais, que esta lei deve ser a regra de todos os atos humanos.
Com efeito, assim como vemos nas coisas feitas pela arte humana, em que
cada obra é dita boa e correta quando segue a regra da arte, assim
também qualquer obra humana é reta e virtuosa quando concorda
com a regra do amor divino. Quando, porém, discorda desta regra,
não é boa, nem reta, ou perfeita. Portanto, para que os atos
humanos se tornem bons, é necessário que concordem com a regra
do amor divino.
Os efeitos
da lei do amor: o amor causa a vida espiritual.
Deve-se saber, também, que esta lei, a do amor divino, produz quatro
coisas no homem imensamente desejáveis, a primeira das quais é
causar no mesmo a vida espiritual.
É, de fato, manifesto que o amado está naturalmente no amante
e por isto, quem a Deus ama, possui Deus em si:
"Quem permanece na caridade
em Deus permanece,
e Deus nele".
I Jo. 4
A natureza do amor é também tal que transforma o amante no
amado; de onde que se amamos o que é vil e caduco, vis e instáveis
nos tornamos:
"Fizeram-se abomináveis
assim como o que amaram".
Os. 1
Se, porém, a Deus amarmos, divinos nos tornaremos, porque, como está
escrito:
"Aquele que se une ao Senhor,
constitui com Ele um só espírito".
I Cor. 6
Neste sentido é que Santo Agostinho diz que assim como a alma é
a vida do corpo, assim Deus é a vida da alma, e isto é manifesto.
Porquanto dizemos o corpo viver pela alma, quando tem as operações
próprias da vida, e quando opera e se move. Apartando- se, porém,
a alma, nem o corpo opera, nem se move. Assim também a alma opera
virtuosa e perfeitamente quando opera pela caridade, pela qual Deus habita
nela. Sem a caridade, porém, não opera:
"Quem não ama,
permanece na morte".
I Jo. 3
Deve-se considerar, também, que se alguém tiver todos os dons
do Espírito Santo sem a caridade, não tem a vida. Seja, de
fato, a graça de falar em línguas, seja o dom da fé,
ou seja qualquer outro, sem a caridade não concedem a vida. Com efeito,
se o corpo dos mortos é vestido de ouro e de pedras preciosas, não
obstante isto, morto permanece. Causar a vida espiritual é, portanto,
o primeiro dos efeitos da caridade.
O amor causa
a observância dos mandamentos.
O segundo efeito da caridade é a observância dos mandamentos
divinos. Diz São Gregório:
"Nunca o amor de Deus
é ocioso".
Porquanto, se existe, opera grandes coisas; se, porém, se recusa
a operar, amor não é. De onde que um sinal manifesto da caridade
é a prontidão na execução dos preceitos divinos.
Vemos, de fato, os que amam operar por causa do amado coisas grandes e difíceis.
Diz também o Evangelho de João:
"Se alguém me ama,
observará os meus mandamentos".
Jo. 14
Mas quem observa o mandamento e a lei do amor divino cumpre toda a lei.
Pois há dois modos de mandamentos divinos. Alguns são afirmativos,
e estes a caridade cumpre porque a plenitude da lei que consiste nos mandamentos
é o amor pelo qual os mandamentos são observados. Já
outros são proibitórios, e estes também a caridade
cumpre, porque
"não age maldosamente",
como diz o Apóstolo na primeira aos Coríntios.
O amor é
refúgio contra as adversidades.
A terceira coisa que faz a caridade é ser refúgio contra as
adversidades. Ao que tem caridade, nenhuma adversidade causa dano, antes,
se converte em coisa útil:
"Todas as coisas cooperam
para o bem dos que amam a Deus".
Rom. 8
As coisas adversas e difíceis parecem suaves para os que amam, como
entre nós o vemos manifestamente.
O amor conduz
à eterna bem aventurança.
O quarto efeito da caridade é o de conduzir à felicidade.
Somente aos que tiverem caridade a felicidade eterna é prometida,
pois todas as coisas sem a caridade são insuficientes:
"Desde já me está reservada
a coroa de justiça,
que me dará o Senhor,
justo juiz, naquele dia.
E não somente a mim,
mas a todos os que tiverem esperado
com amor a sua vinda".
II Tim. 4
E deve-se saber que somente segundo a diferença da caridade será
a diferença da bem aventurança, e não segundo nenhuma
outra virtude. Muitos, na verdade, fizeram maiores jejuns do que os apóstolos,
mas estes na bem aventurança superam todos os outros por causa da
excelência da caridade. Eles, com efeito, foram as primícias
dos que têm o Espírito, com diz o Apóstolo, no oitavo
de Romanos. De onde que a diferença da bem aventurança provém
da diferença da caridade, e assim são patentes as quatro coisas
que em nós faz a caridade.
Outros efeitos
do amor: o amor produz o perdão dos pecados.
Além destas, porém, a caridade faz outras coisas que não
se devem deixar passar.
Primeiro, causa o perdão dos pecados, algo que já vemos manifestamente
acontecer entre nós. Porquanto, se alguém ofender algum homem
e posteriormente vier a amá-lo entranhadamente, o ofendido, por causa
do amor com que é amado, perdoará a ofensa. Assim também
Deus perdoa os pecados dos que o amam:
"A caridade encobre
uma multidão de pecados".
I Pe. 4
E diz bem o apóstolo que os encobre, porque para Deus não
parece que devam ser punidos. Mas, posto que São Pedro diga que encobre
uma multidão, todavia Salomão diz no décimo de Provérbios
que
"a caridade encobre
todos os delitos",
o que o exemplo da Madalena maximamente manifesta:
"São-lhe perdoados
muitos pecados",
e a causa é mostrada:
"já que muito amou".
Luc. 7
Mas talvez alguém dirá: "Então a caridade basta
para apagar os pecados, e não é necessário o arrependimento?"
Deve-se considerar, porém, que ninguém verdadeiramente ama,
que não se arrependa verdadeiramente. De fato, é manifesto
que quanto mais amamos a alguém, tanto mais nos afligimos se a ele
ofendemos, e isto é um efeito da caridade.
O amor produz
a iluminação do coração.
A caridade causa também a iluminação do coração.
Com efeito, assim diz o livro de Jó:
"Estamos todos
envolvidos em trevas".
Jó 37
Pois freqüentemente não sabemos o que agir, ou desejar. A caridade,
porém, ensina tudo o que é necessário à salvação.
Por isto está dito:
"Sua unção
vos ensinará de tudo".
I Jo. 2
Isto é porque, onde está a caridade, lá está
o espírito Santo que a tudo conhece, o qual nos conduz no caminho
correto, assim como está escrito no Salmo 138. E por isso diz também
o Eclesiástico:
"Vós, que temeis a Deus, amai-O,
e se iluminarão os vossos corações",
a saber, para o conhecimento do que é necessário à
salvação.
O amor realiza
a perfeita alegria.
A caridade também realiza no homem a perfeita alegria. Na verdade,
ninguém tem verdadeira alegria a não ser existindo na caridade.
Quem quer que deseje algo não está contente, nem se alegra,
e nem tem repouso enquanto não o conseguir. E nas coisas temporais
sucede que o que se não se tem é apetecido, e o que se tem
é desprezado e gera o tédio. Mas não é assim
nas coisas espirituais; antes, ao contrário, quem a Deus ama, a Deus
possui, e por isso a alma de quem o ama e o deseja nEle repousa:
"Quem",
de fato,
"permanece na caridade,
em Deus permanece,
e Deus nele",
como está dito no quarto da primeira Epístola de João.
O amor produz
a perfeita paz.
Igualmente, a caridade produz a perfeita paz. Pois acontece nas coisas temporais
que sejam desejadas com freqüência, mas obtidas as mesmas, ainda
a alma do que as deseja não repousa, antes, ao contrário,
obtida uma, outra apetece:
"O coração do ímpio
é como um mar revolto,
que não pode repousar".
Ecl. 57
E também, no mesmo lugar:
"Não há paz para o ímpio,
diz o Senhor".
Mas não acontece assim na caridade para com Deus. Quem, de fato,
ama a Deus, tem a paz perfeita:
"Muita paz aos que amam a Tua lei,
e não há tropeço para eles".
Salmo 118
E isto porque somente Deus é capaz de satisfazer o nosso desejo,
porquanto Deus é maior do que o nosso coração, como
diz o Apóstolo. E por isso diz Santo Agostinho no primeiro livro
das Confissões:
"Fizeste-nos, ó Senhor,
para ti,
e o nosso coração está inquieto
enquanto não repousa em ti".
E também:
"O qual preenche de bens
o teu desejo".
Salmo 102
A caridade também torna o homem de grande dignidade. Com efeito,
todas as criaturas servem à própria majestade divina, e por
ela foram feitas, assim como as coisas artificiais servem ao artífice.
Mas a caridade faz do servo um livre e um amigo. De onde diz o Senhor:
"Já não vos chamarei de servos,
mas de amigos".
Jo. 15
Mas porventura Paulo não é servo? E os outros apóstolos
não escreviam de si serem servos? Quanto a isto deve-se saber que
há duas servidões. A primeira é a do temor, e esta
é penosa e não meritória. Se, de fato, alguém
se abstém do pecado somente pelo temor da pena, não merece
por isto. Ainda é servo.
A segunda servidão é a do amor. Se, na verdade, alguém
opera não pelo temor da justiça, mas pelo amor divino, não
opera como servo, mas como livre, porque voluntariamente, e é por
isto que Cristo diz:
"Já não vos chamarei
mais de servos".
E por que? A isto responde o Apóstolo:
"Não recebestes o espírito de servidão
para recairdes no temor,
mas recebestes o espírito
de adoção de filhos".
Rom. 8
"Não há, de fato, temor na caridade", como diz I
Jo. 4. O temor tem, certamente, tormento, mas a caridade deleitação.
O amor dignifica
o homem.
A caridade igualmente torna não somente livres, mas também
filhos, para que, a saber,
"sejamos chamados filhos de Deus
e de fato o sejamos".
I Jo. 3
Com efeito, o estranho se torna filho adotivo quando adquire para si o direito
na herança de Deus, que é a vida eterna. Pois, como diz Romanos:
"O próprio Espírito
dá testemunho ao nosso espírito
que somos filhos de Deus.
Se, porém, filhos,
também herdeiros:
herdeiros de Deus
e co-herdeiros de Cristo".
Rom. 8
E também:
"Eis que são contados
entre os filhos de Deus".
Sab. 5
O amor de caridade só pode ser alcançado pela graça.
Do que já foi dito fica patente a utilidade da caridade. Pois que,
portanto, seja tão útil, deve-se trabalhar diligentemente
para adquirí-la e retê-la.
Deve-se saber, porém, que ninguém pode por si mesmo possuir
a caridade. Antes, ao contrário, é dom inteiramente de Deus.
De onde que diz João:
"Não fomos nós que amamos a Deus,
mas Ele quem nos amou primeiro",
I Jo. 4
porque certamente não por causa de nós o amarmos primeiro
que Ele nos ama, mas o próprio fato de o amarmos é causado
em nós pelo seu amor.
Deve-se considerar também, que ainda que todos os dons sejam do pai
das luzes, todavia este dom, a saber, o da caridade, supera todos os demais
dons. De fato, todos os outros podem ser possuídos sem a caridade
e o Espírito Santo; com a caridade, porém, possui-se necessariamente
o Espírito Santo:
"A caridade de Deus
foi derramada nos nossos corações
pelo Espírito Santo que nos foi dado".
Seja o dom das línguas, portanto, seja o dom da ciência ou
o da profecia, todos estes podem ser possuídos sem a graça
e o Espírito Santo.
Quatro disposições
para alcançar de Deus a graça da caridade.
Mas ainda que a caridade seja dom divino, para possuí- la, todavia,
requer-se a disposição de nossa parte. Por isso deve-se saber
que duas coisas são necessárias para adquirir a caridade,
e duas para aumentar a caridade já adquirida.
Primeira disposição:
a escuta da palavra de Deus.
Para adquirir, pois, a caridade, a primeira coisa é a escuta diligente
da palavra de Deus, o que é suficientemente manifesto pelo que ocorre
entre nós. Ouvindo, de fato, coisas boas de alguém, somos
acesos em seu amor. Assim também, ouvindo as palavras de Deus, somos
acesos em seu amor:
"A tua palavra é um fogo ardente,
e o teu servo a amou".
Salmo 118, 140
E também:
"A palavra de Deus o inflamou".
Salmo 104
Por esta causa aqueles dois discípulos, ardendo do amor divino, diziam:
"Porventura não ardia em nós
o nosso coração,
enquanto nos falava pelo caminho
e nos explicava as Escrituras?"
Luc. 24
De onde que também no décimo de Atos se lê que
"Pregando Pedro,
o Espírito Santo caiu nos ouvintes
da palavra divina".
E o mesmo freqüentemente acontece nas pregações, isto
é, que os que se aproximam com o coração duro, por
causa da palavra da pregação, são acesos ao amor divino.
Segunda disposição:
a meditação.
Para adquirir a caridade, a segunda coisa é a contínua consideração
dos bens recebidos:
"Aqueceu-se o meu coração
dentro de mim".
Salmo 38
Se, portanto, queres conseguir o amor divino, meditarás os bens recebidos
de Deus. Demasiadamente duro seria, na verdade, quem considerando os benefícios
divinos que alcançou, os perigos dos quais escapou, e a bem aventurança
que lhe é prometida por Deus, que não se acendesse ao amor
divino. De onde que diz Santo Agostinho:
"Dura é a alma do homem que,
posto que não queira retribuir o amor,
não queira pelo menos agradecer".
E, de modo geral, assim como os pensamentos maus destróem a caridade,
assim os bons a adquirem, a alimentam e a conservam, de onde que nos é
ordenado:
"Retirai os vossos maus pensamentos
dos meus olhos".
Is. 1
E também:
"Os pensamentos perversos
separam de Deus".
Sab. 1
Terceira disposição: afastar o coração das coisas
da terra.
Há também duas coisas que aumentam a caridade possuída,
e a primeira é afastar o coração do que é terreno.
O coração, de fato, não pode ser trazido perfeitamente
a coisas diversas, de onde que ninguém é capaz de amar a Deus
e ao mundo. E por isso, quanto mais nos afastarmos do amor do que é
terreno, tanto mais nos firmaremos no amor divino. De onde que Santo Agostinho
diz no Livro das 83 Questões:
"A esperança de conseguir ou reter
o que é temporal
é veneno da caridade".
O seu alimento é a diminuição da cobiça; sua
perfeição, a nenhuma cobiça, porque a raiz de todos
os males é a cobiça.
Quem quer que, portanto, queira alimentar a caridade, insista em diminuir
a cobiça.
A cobiça é o amor de conseguir ou obter o que é temporal,
e o início de sua diminuição é o temor de Deus,
o qual não pode somente ser temido, sem amor. É por esta causa
que se ordenaram as religiões, nas quais e pelas quais a alma é
trazida do que é mundano e corruptível ao que é divino,
conforme se encontra escrito no Segundo de Macabeus, onde se lê:
"Refulgiu o Sol,
que antes estava entre nuvens".
II Mac. 1
O Sol, isto é, o intelecto humano, está entre nuvens quando
entregue às coisas terrenas. Refulgirá, porém, quando
for afastado e removido do amor do que é terreno. Resplandescerá,
então, e nele crescerá o amor divino.
Quarta disposição:
a firme paciência na adversidade.
A segunda coisa que aumenta a caridade é a firme paciência
na adversidade.
É manifesto, de fato, que quando sustentamos dificuldades por aquele
a quem amamos, o próprio amor não é destruído;
antes, ao contrário, ele cresce:
"As muitas águas",
isto é, as tribulações,
"não puderam extinguir
a caridade".
Cant. 8
É assim que os homens santos que sustentam adversidades por Deus
mais se firmam em seu amor, assim como o artífice mais amará
aquela sua obra na qual mais trabalhou. Daí também vem que
os fiéis quanto maiores aflições por Deus sustentam,
tanto mais se elevam no seu amor:
"Multiplicaram-se as águas",
isto é, as tribulações,
"e elevaram a arca ao alto",
Gen. 7
isto é, a Igreja, ou a alma do homem justo.