A PROVIDÊNCIA DIVINA
Tomás de Aquino
A QUAIS DOS ATRIBUTOS DIVINOS DEVE-SE REDUZIR A PROVIDÊNCIA DIVINA.
Respondo dizendo que as coisas que inteligimos de Deus, por causa da imbecilidade
ou enfermidade do nosso intelecto, não as podemos conhecer senão
a partir das coisas que existem junto a nós. E por isto, para que
saibamos como a Providência é dita em Deus, deve-se examinar
como a Providência existe em nós.
1. Deve-se saber, portanto, que Túlio, no segundo livro da Velha
Retórica, colocou a providência como parte da prudência,
a qual é parte da prudência como que completiva. De fato, as
outras duas partes, a saber, a memória e a inteligência, não
são senão certas preparações ao ato da prudência.
A prudência, porém, segundo o Filósofo no VI da Ética,
é a reta razão dos agíveis. E diferem os agíveis
dos factíveis, porque factíveis são ditas aquelas coisas
que procedem do agente em direção à matéria
externa, assim como uma cadeira e uma casa, e a reta razão destas
coisas é a arte. Mas agíveis são ditos as ações
que não progridem para fora do agente, sendo atos aperfeiçoantes
do mesmo, assim como viver castamente, comportar-se pacientemente e outros
tais, e destas a reta razão é a prudência.
Mas nestes agíveis duas coisas devem ser consideradas, a saber, o
fim e aquilo que é meio para o fim. A prudência dirige naquelas
coisas que são meios para o fim; de fato, alguém é
dito prudente na medida em que é bom conselheiro, conforme é
dito no VI da Ética. Ora, o conselho não é do fim,
mas das coisas que são meios para o fim, conforme está dito
no III da Ética.
Porém o fim dos agíveis pre-existe em nós de dois modos.
De um primeiro modo, pelo conhecimento natural do fim do homem, o qual conhecimento
natural pertence ao intelecto que é tanto dos princípios dos
operáveis quanto dos especuláveis, conforme diz o Filósofo
no VI da Ética. Ora, os princípios dos operáveis são
os fins, conforme se diz no mesmo livro.
De um segundo modo, o fim dos agíveis pré-existe em nós
quanto aos afeto, e segundo este outro modo os fins dos agíveis estão
em nós pelas virtudes morais, pelas quais o homem se afeiçoa
à vida segundo a justiça, a fortaleza ou a temperança,
que é como que o fim próximo dos agíveis.
De um modo semelhante somos aperfeiçoados quanto às coisas
que são meios para o fim, tanto quanto ao conhecimento como quanto
ao apetite. Quanto ao conhecimento o somos pelo conselho, e quanto ao apetite
o somos pela eleição, e em ambas estas coisas somos dirigidos
pela prudência.
2. É evidente, portanto, que pertence à prudência dispor
ordenadamente em relação ao fim certas coisas que são
meios para se alcançá-lo. Ora, esta ação de
dispor as coisas que são meios para se alcançar um fim, ordenando-as
ao fim pela prudência, se dá por modo de um certo raciocínio
cujos princípios são os fins. De fato, destes fins é
que vem toda a razão da ordem situada em todos os operáveis,
assim como manifestamente aparece nas coisas artificiais. Portanto, para
que alguém seja prudente, é necessário que se tenha
corretamente para com os próprios fins. Não pode existir,
de fato, a reta razão a não ser que se salvem os princípios
da razão. E por isso para a prudência se requerem o intelecto
dos fins e as virtudes morais, pelas quais os afetos são corretamente
postos no fim; e por causa disso é necessário que todo homem
prudente seja virtuoso, conforme se diz no VI da Ética.
Ora, em todas as virtudes e os atos ordenados da alma isto é comum,
que a virtude do primeiro se salve em todos os seguintes; e portanto na
prudência de uma certa maneira inclui-se a vontade, que é do
fim, e o conhecimento do fim.
3. Do que foi dito fica evidente como a providência se situa para
com as demais coisas que são ditas de Deus.
A ciência, de modo geral, está tanto para o conhecimento do
fim como das coisas que são meios para o fim; pela ciência,
de fato, Deus conhece a si e às criaturas.
Mas a providência pertence somente ao conhecimento das coisas que
são meios para o fim, na medida em que são ordenadas ao fim;
e por isso a providência inclui a ciência e a vontade; porém,
situa-se essencialmente no conhecimento; não, entretanto, no especulativo,
mas no prático.
Já a potência é executiva da providência, de onde
que o ato da potência pressupõe o ato da providência
como um dirigente, daí que na providência não esteja
incluída a potência assim como estava a vontade.