Sobre
algumas reflexões merecedoras de um ensaio memorável
Por Guy Verval
Quão surpreendente foi o destino de Jean Baptiste Willermoz! Nada do que ocorreu no decurso de sua vida poderia sugerir o que logo viria a ser sua reputação póstuma. Nem sua origem familiar, tampouco sua educação permitiriam prever que seu nome, sua obra e seus escritos tornar-se-iam, dois séculos mais tarde, tão conhecidos por um expressivo número de pessoas.
Dos produtores de seda Lyoneses do século XVIII podemos destacar dois nomes que permaneceriam na memória dos homens por razões bem distintas: Joseph-Marie Jacquard (1752-1834) e Jean Baptiste Willermoz (1730-1824), seu contemporâneo. Este último não é lembrado por seu ofício de tecelão, mas sim por seu trabalho na Maçonaria Mística e no campo da investigação espiritual.
Certamente foi por meio deste ofício de tecelão que ganhou
o pão de cada dia, aplicando-se com a mesma seriedade com que empreendia
suas investigações metafísicas. Esta dedicação
à profissão era, entretanto, apenas no sentido de prover o
necessário à sua sobrevivência, e nada mais. A obra
de Jean Baptiste Willermoz deveria ser totalmente conhecida, ser objeto
das mais profundas reflexões e mesmo consistir no autêntico
livro de cabeceira de todo maçom do Rito Retificado. Há uma
tal quantidade de documentos, de cartas, de manuscritos que iluminam o entendimento
de sua Arte, o que não ocorre com muitos outros Ritos de origens
obscuras e de autores anônimos. Ao legado que Willermoz nos deixa
devemos acrescentar, para fazer justiça, o legado de um Turckheim
ou de um Salzmann, o que nos permite conhecer a lenta gênese dos Rituais
Retificados, suas intenções doutrinais
e, definitivamente, seus objetivos finais. É inútil, porém,
querer atribuir o status de qual o melhor sobre os "Símbolos";
é suficiente apenas ler e compreendê-los.
Entretanto, tais documentos jamais foram reunidos, o que é lamentável.
Foram publicados, porém dispersos em obras de interesses diversos
ou mesmo em revistas confidenciais, sendo que muitos deles ainda jazem esquecidos
em remotas bibliotecas. Esta dispersão é suficiente para desanimar
o buscador de coração puro que não dispõe nem
do tempo, nem, sobretudo da paciência de reunir e mergulhar neste
montante de documentos, extremamente profundo em seu conteúdo, desconcertante,
porém, por sua própria riqueza. Dentro deste contexto, podemos
dizer que o presente ensaio de Jean-François Var nos chega em um
momento extremamente oportuno. É um desafio apresentar, em tão
poucas páginas, uma exposição clara, brilhante e incisiva
sobre o homem e sua obra. Nosso comentarista a divide em três períodos.
No primeiro revive a aprendizagem da Maçonaria, que se pode, por
questões de simplicidade, denominar
por estilo francês; no segundo, revive o encontro de capital importância
com a Teosofia de Martinez de Pasqually; por fim, no terceiro, discorre
sobre a adaptação da contribuição cavalheiresca
e templária da Estrita Observância Germânica. O resultado
foi este admirável Rito Escocês Retificado, que inclui o que
de melhor existe nos três componentes mencionados. Com isso, era de
se esperar que a obra de
Willermoz desconcertasse os maçons de seu tempo, demasiadamente ocupados
com uma convivência de lirismo fraternal, o que impediu assim a compreensão
de sua mensagem em profundidade. Foi somente através dos ensinamentos
de René Guénon que a mensagem de Willermoz pode ser percebida
e julgada em seu verdadeiro valor, o que então acarretou no ressurgimento
do Rito no século XX.
Resta-nos ainda considerar a contribuição de Willermoz à
Franco-Maçonaria de hoje. O que permaneceu de sua obra por entre
nossos contemporâneos e nas estruturas da Ordem Maçônica?
Como justamente descreve Jean-François Var, Willermoz elaborou seu
sistema baseado em três círculos concêntricos, em cujo
centro se encontra a "Ordem dos Cavaleiros Maçons Eleitos Cohen
do Universo", de Martinez de Pasqually.
A "primeira" e a "segunda" "classe", tão
bem descritas no preâmbulo de Wilhelmsbad (1782) existiram sempre,
ainda que articuladas de um outro modo não previsto nos dois "Códigos"
adotados na Convenção de 1778. Ainda hoje se faz nece ssário
avaliar mais detidamente esta questão.
Em relação a nós, encontramos em nosso país
dois organismos principais que reivindicam a herança de Willermoz.
O primeiro se considera sendo o herdeiro zeloso das Convenções
de Lyon e de Wilhelmsbad. Os quatro graus "simbólicos"
são conferidos nas lojas escocesas filiadas a uma Grande Loja Escocesa
Retificada para a Bélgica. Esta é certamente administrada
pelos delegados das lojas, sobretudo por três Irmãos revestidos
do grau "mais elevado no regime". Aos representantes da segunda
classe se atribui o poder de decisão final (Art. 3 e 4 das Constituições
e Regulamentos da Grande Loja Escocesa Retificada para a Bélgica
adotados em 14 de Julho de 1985). A segunda classe é regida pelo
Grande Priorado da Lotaríngia, saído da Província de
Brabantia, constituída em Bruxelas em 1968 pelo Grande Priorado da
França.
Esta estrutura
reproduz o "Regime" previsto pelos dois códigos já
citados. "Em toda a Ordem Retificada a autoridade pertence ao escalão
imediatamente superior, e é assim desde as lojas de Aprendiz e Companheiro
até o mais alto nível da Ordem Interior" (René
Bol, 1982). Um antigo grão Prior podia proferir as seguintes palavras
sem nenhum temor de equivocar-se: "há, pois, estruturas e regras
que são
próprias do R.E.R., que fazem dele do princípio ao fim, e
de acima a abaixo, um conjunto integrado, homogêneo e coerente"
(J.L.S., 1982-1983).
Sem desejar confrontar estes excelentes Irmãos em relação
ao significado que dão não às estruturas formais, mas
ao conteúdo doutrinal do Sistema [1] , reconhecemos que eles têm
razão ao afirmar a coerência do Rito, porém seu respeito
literal pelas prescrições administrativas do século
XVIII não faz mais que colocá-los em um beco sem saída.
Qual o propósito, pois, de pretender ser "o representante e
o arauto qualificado da mais pura Regularidade Escocesa" (declaração
de princípios da Grande Loja Escocesa Retificada para a Bélgica),
já que esta afirmação poderia excluir seus autores
da Regularidade Maçônica tal como é conhecida na atualidade?
E por qual acaso haveria Willermoz de aceitar que se lhe fechassem as portas
da Maçonaria universal? Isto quando é menos duvidoso. Por
outro lado, é por um simples acaso o fato de todos estes "tradicionalistas"
terem sido elevados no seio de lojas irregulares do Grande Oriente da Bélgica,
já que para eles a universalidade maçônica não
é mais do que um conceito desprovido de sentido?
Ao contrário da primeira, a segunda família de Maçons
Retificados deseja unir a integralidade da mensagem de Willermoz com as
exigências da Regularidade, a única via de acordo com a universalidade
da Maçonaria. Ela deixa a direção das Lojas à
Grande Loja Regular da Bélgica, Obediência protetora de todos
os Ritos, de modo que estes sejam praticados em sua mais pura autenticidade.
O grau de "Mestre Escocês de Santo André" é
conferido nas Lojas ditas de Santo André (o que Willermoz não
havia previsto), que são regidas por um Diretório Escocês
que nada mais é, sob o
ponto de vista simbólico, que o Grande Capítulo da Ordem dos
Cavaleiros Benfeitores Cidade Santa (CBCS) reagrupados no Grande Priorado
da Bélgica [2] , obediência soberana, independente da Grande
Loja Regular da Bélgica, sendo, porém, reconhecido por ela.
Esta adaptação harmoniosa permitiu a abertura, tanto aos Grandes
Priorados anglo-saxões dos "Cavaleiros Templários"
como aos Altos Graus
do Rito Sueco praticado pelas Grandes Lojas Escandinavas. Pode ser que se
trate de uma inovação.
Podemos constatar, porém, que tem o mérito de manter a vocação
cristã, aberta, tolerante e não confessional da Ordem, vocação
esta que, quando menos, permanece oculta para os auto-intitulados "tradicionalistas",
já anteriormente citados.
Não obstante, se estas duas "famílias" são
antinômicas na pratica, compartilham uma origem comum. O Grande Priorado
da Lotaríngia é uma emanação do Grande Priorado
da França, criado em 1962 a partir de uma cisão do Grande
Priorado da Gália. Este último, fundado em 1935 graças
a uma patente concedida pelo Grande Priorado Independente da Helvetia, foi
base para a fundação, em 1986, do Grande Priorado da Bélgica,
sendo este também um beneficiário de uma patente concedida
pelo G.P.I.H..
O G.P.I.H., gerador comum dos Grandes Priorados existentes, foi fundado
em 1779 pelo Capítulo de Borgonha, Vª Província da Ordem.
Sua regularidade original é incontestável, assim como seus
rituais não são exatamente os de Willermoz. Por outro lado,
ao menos sob o ponto de vista administrativo, renunciou ao controle dos
Graus Azuis desde 1844, tendo-os legado à supervisão da Grande
Loja Nacional Alpina, e conservou somente os graus de Mestre Escocês
de Santo André, de Escudeiro
Noviço e de Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa, disposição
esta que prefigura as exigências atuais.
Reconheçamos que esta filiação, por regular que seja
não é a única. O Rito Escocês Retificado é
também praticado na França por Lojas do Grande Oriente que
nada devem à Helvetia. Tal fato, pouco conhecido, merece uma atenção
toda especial. Inúmeros autores têm repetido que o capítulo
provincial de Besansón, herdeiro da província de Borgonha,
encerra seus trabalhos em 1828 e "confere ao Grande Priorado da Helvetia
todos os seus poderes, entregando-lhe ao mesmo tempo todos os seus arquivos"
(Montchal, citado por L. Charrière, 1938; pág. 14). Em 1928
o Irmão Savoire, Grão
Comendador do Grande Colégio dos Ritos do Grande Oriente da França,
antes de se tornar o primeiro Grão Prior do Grande Priorado da Gália,
precisava: "De fato, o Regime Escocês Retificado encerrou suas
atividades na França em 1830 (?), quando a última Província
cedeu seus direitos ao Grande Priorado da Helvetia". Estas afirmações,
ao que parece, não se baseiam em nenhuma prova documental.
Ao contrário, no ano de 1840, em Besansón, uma reunião
do Comitê de Administração Provincial, formado pelo
Capítulo de Borgonha, decidiu "que se retomariam os trabalhos
da Loja "Sinceridade e Perfeita União" como símbolo
de reativação do Regime Retificado sob o Diretório
que governava a segunda Província" (Charrier, 1938; pág.
59). No mesmo ano, tal Comitê reuniu 5 Cavaleiros Benfeitores da Cidade
Santa e instalou um Grande Capítulo, elegendo como seu chefe o Irmão
Ledoux, Grão-Mestre da Ordem (Ibid.). Os arquivos do antigo Diretório
de Borgonha seriam pouco depois
confiados à Loja de Besansón "La Constante Amitié",
inscrita na matrícula do Grande Oriente da França, onde tem
estado sempre.
Em todo caso, o Grande Priorado Independente da Helvetia em nada interveio
na operação e, em 1852, o Irmão Galiffe, membro da
Loja retificada de Genebra "L'Union dês Coeurs", podia escrever
que "os trabalhos (da Ordem Retificada) jamais foram encerrados na
liderança do Departamento da Província de Borgonha (Besansón)"
("La Chaîne d'Union", 1852, pág. 457). Melhor dizendo,
o que faz o R.E.R. no seio do Grande Oriente da França? Alguns se
surpreenderão com a resposta. É preciso recordar, entretanto,
que um Tratado foi firmado no dia 31 de Maio de 1776 entre o
Grande Oriente da França e os Diretores Escoceses, tratado este que
foi modificado no dia 14 de Junho de 1811. O primeiro foi assinado por Bacon
de la Chevalerie, pelo Conde de Strogonoff e pelo Marques de Choiselier
du Mesnil, representando, respectivamente, os Diretórios de Bordeaux,
Lyon e Estrasburgo.
A revisão de 1811 foi realizada por Roettiers de Montaleau, Depassy,
de Soly, Moreau de Saint-Serez, Geneure, d'Aigrefeuille, Luzard, Bacon de
Chevalerie [3] e Ch. Hariel.
O Tratado de 1776 previa a reunião dos Diretórios no Grande
Oriente da França. Os Diretórios se comprometiam a comunicar
ao Grande Oriente a lista de seus membros (art. 5). O Grande Oriente e os
Diretórios encarregar-se-iam da administração e da
disciplina sobre as lojas de seu Rito (art. 6). Estes estariam representados
no Grande Oriente por um ou vários representantes (art. 7). O direito
de visita (art. 10) e a dupla pertinência às Lojas do Rito
Francês e às do Retificado estava garantido (art. 9). A
revisão de 1811 assegura a cada Diretório (com sedes em Lyon,
Montpellier e Besansón) um representante no Grande Oriente e no Grande
Diretório de Ritos (art. 3). Estas deviam formar uma seção
que teria como objeto o Regime Retificado (art. 4). Definitivamente, o R.E.R.
se convertia em parte integrante do Grande Oriente e concorria também
a "formar no Grande Oriente a reunião geral dos Ritos"
(L. Charrière 1938, págs. 95-96 e 97). Assim, pois, e por
direito, o Grande Oriente da França é o possuidor legítimo
do R.E.R., nem mais nem menos que o Grande Priorado Independente da Helvetia.
Duas filiações são oferecidas a quem queira praticar
este Rito: a primeira, por meio do G.P.I.H., conduz ao Diretório
de Borgonha, e a outra, no seio do Grande Oriente da França, substituída
pelo acordo de 1776. (Evidentemente, resta verificar se o G.O.F. ainda poderia
ser qualificado como maçônico após 1877, mas esta é
outra história).
A terceira classe
Muito tem sido escrito a respeito desta Classe. Os "Grandes Professos"
era "secreta" por definição. Willermoz, em seu "Preâmbulo"
a Wilhelmsbad, dela fala somente sob uma forma obscura (o que não
o impediu de receber, nos bastidores, as destacadas
adesões de Charles de Hesse e do Duque Ferdinando de Brunswick, Grão-Mestre
Geral da Ordem). A instrução aos C.B.C.S., datada de 1874,
faz-lhe somente uma rápida alusão (não desespereis
meu bem amado irmão, se seguires fielmente o caminho que acabamos
de traçar, pois poderás encontrar algum dia aqueles Mestres,
aos quais é inútil buscar se for empregada alguma via duvidosa.
Eles vão à frente daqueles que os buscam com um desejo puro
e verdadeiro"). Em 1872, "a lista geral dos Irmãos Grandes
Professos" contava com 59 nomes reagrupados nos colégios de
Lyon, Estrasburgo, Turim, Chambery, Grenoble, Montpelier e Nápoles
(Steel-Maret, 1893, págs. 16-20). A Revolução causou-lhe
muitos transtornos e, ao final de sua longa vida, Willermoz não contava
com mais do que dois fiéis: seu sobrinho Jean Baptiste e Joseph-Antoine
Pont. Mesmo assim, o Grande Professo ainda sobreviveu durante algum tempo
na Alemanha graças ao Príncipe Christian de Hesse, mas sob
uma forma extramaçônica (cf. J.Fabry, 1984).
Com a morte de Willermoz, J. A. Pont tornou-se herdeiro de seus arquivos,
tendo renunciado, entretanto, a qualquer função até
o ano de 1832, segundo afirma "Le Forestier" (pág. 935).
Este autor relata o fato de J. A. Pont não ter aceitado confiar tais
arquivos à "L´Union dês Cohen", de Genebra,
entre os anos de 1829 e 1832.
O Grande Professo estaria extinto durante esta época? Este seria
o pensamento geralmente aceito caso não fosse o aparecimento de um
artigo que produziu uma grande agitação. Tal artigo, escrito
por um autor que assinava Maharba, foi publicado na revista "Le Symbolisme"
no ano de 1969, onde afirmava que Joseph-Antoine Pont, no dia 29 de maio
de 1830, havia concedido uma carta para a constituição do
Colégio e Capítulo provincial dos Grandes Professos em Genebra.
Segundo ele, o Grande Arquiteto do Universo jamais havia permitido que sua
ação se interrompesse. Existiria, pois, um Colégio
Metropolitano em Genebra para amparar o Grande Priorado Independente da
Helvetia, mesmo apesar da afirmação do Ritual dos C.B.C.S.
corrigido por esta Obediência: "Não há nada mais
além na Ordem na qual acabara de ingressar".
As suposições e conjecturas foram aumentando. Quem era este
misterioso Maharba e de onde extraía o poder de suas afirmações?
Na atualidade, sabemos que sob este pseudônimo se ocultava Jean Saunier,
um destes maçons apaixonados com o dom de guardar a Maçonaria
francesa em segredo. Falecido em 1992, deixou um dos livros mais inteligentes
já escritos sobre a Ordem ("Les Franc-Masons", 1972). Assim
descreve o Grande Professo: "Caracteriza-se por uma grande renúncia:
nenhuma pompa, nenhuma decoração, nada de espetacular, como
se fosse destinada àquele que tivesse percorrido toda uma hierarquia
de complexos graus, algumas vezes até plenos de "brilhantismo
cavalheiresco", e do despojar-se dos sonhos e ilusões. Não
se sabia qual seria a melhor maneira de sugerir o quão vãs
eram as formas exteriores para aqueles que se aproximam da iniciação
verdadeira ou, em outras palavras, a
necessidade de superar as formas" (pág. 239). Não importa
se Saunier fora recebido como Grande Professo em 1968, em Genebra ou em
outra parte qualquer; não importa se a filiação tenha
sido interrompida ou não depois de J.A. Pont. O essencial
repousa em outro ponto: o "Segredo" do Professo e do Grande Professo
é, atualmente, um segredo... público! Seus documentos, rituais
e, sobretudo, as instruções fazem parte hoje do domínio
público. Conservadas em Lyon, Haia e Copenhague, entre outras localidades,
estão acessíveis a todos. Mais ainda, foram publicadas! Paul
Vuillaud publicou as "Instruções aos Professos"
em sua obra "Joseph de Maistre, Franc-Maçon" de 1926, págs.
231-247; Antoine Faivre publicou a dos Grandes Professos como
apêndice à monumental obra "Franc-Maçonnerie Templière
et Occultiste aux XVIIIe et XIXe Siècles" de René Le
Forestier, 1970 (págs. 1023-1049).
Tais instruções, especialmente a segunda, são uma exposição
bem completa e, sobretudo compreensível da doutrina de Martinez de
Pasqually, arranjadas de modo a poder conciliá-las com as concepções
católicas muito ortodoxas de Willermoz. Sua leitura é indispensável
para uma melhor compreensão dos graus simbólicos do Rito,
mais particularmente do quarto. E isto não seria suficiente para
salientar que, longe de serem secretas, tais "Instruções"
não deveriam ser comunicadas a todo Maçom Retificado? Por
que manter, diante deste fato, uma ficção que só serve
para atrair a cobiça, exaltar a vaidade dos "Eleitos" e
suscitar a amargura dos demais? Ademais, se este grau "despojado",
segundo as palavras de Jean Saunier, tinha algum valor ritualístico,
nada era em si mesmo. O "Cerimonial das assembléias da Ordem
dos Grandes Professos", conservado no fundo Kloss[4] em Haia, confirma
plenamente as afirmações de Maharba. Resume-se a preces de
abertura e fechamento, muito próximas às preces retificadas
do primeiro grau (sem a mesma ênfase cristã que caracteriza
a do C.B.C.S., e contendo também as variantes previstas para os dias
de recepção), uma fórmula de compromisso, um sinal
e algumas palavras distintas para os dois graus[5]. Os "Estatutos e
Regulamentos da Ordem dos Grandes Professos" (mesma fonte) nos introduzem
no círculo íntimo, ensinando-nos que as assembléias
estavam consagradas, além das recepções, às
"leituras, conferências e instruções" (art.
32). Discutiam-se as matérias das conferências "sem nenhuma
cerimônia, sem que se pudesse fazer alguma distinção
de nível entre os irmãos" (art. 737).
Tratava-se, em suma, de um círculo de estudos, similar aos que atualmente
são organizados nas lojas, sejam elas retificadas ou não.
Ninguém pode negar que tal estrutura seja ainda mais necessária
na atualidade para que os maçons, iniciados segundo as formas do
Rito Retificado, conheçam e compreendam aquilo que constitui o âmago
de seu Rito. Tais estruturas são reveladas pelas Instruções
aos Professos e Grandes Professos. Não esqueçamos que a estrutura
dos graus retificados é dupla:
iniciática (o ritual de recepção) e pedagógica
(as Instruções). Aplicar na execução dos rituais
a precisão e o cuidado que nossos Irmãos Britânicos
dedicam aos seus é, de fato, muito correto. Limitar-se a esta exigência
com o entusiasmo e a intolerância de numerosos convertidos (temos
exemplos cotidianos em algumas de nossas lojas) não seria somente
um erro, mas também uma falta. Para que então limpar a fachada
do edifício se o tesouro que este guarda está descuidado ou
ignorado?
O estudo destas instruções secretas, completado pela leitura
dos graus Cohen, de seus catecismos, do "Tratado da Reintegração
dos Seres Criados" de Martinez de Pasqually, e das obras de Louis Claude
de Saint-Martin é indispensável para o maçom retificado,
caso este queira merecer plenamente este título. Resta ainda saber
se é necessário reservar este estudo somente aos membros escolhidos
da Ordem Interior, como queria Willermoz, ou então, ao contrário,
abri-lo a todos, se não desde o momento de sua
iniciação, ao menos a partir do grau de Mestre Escocês.
A resposta a esta pergunta não é simples. Os documentos "secretos"
do século XVIII são de domínio público na atualidade,
e qualquer um pode ter acesso aos mesmos. Como, pois, proibir-lhes seu acesso?
Seria preciso consolar-se recordando que os textos se defendem por si mesmos,
o que, por outro lado, estaria certo?
O problema não é novo. Cada um sabe que a Ordem Interior Cavalheiresca
comparece na pedagogia retificada como um parêntesis. A instrução
específica, bem avançada no quarto grau, parece se interromper
nos graus quinto e sexto, para então não mais ser retomada
até a classe "secreta". Neste caso, para quê conservar
esta Ordem Cavalheiresca com sua pompa e decoração? Não
seria supérfluo e destinado somente a exaltar a vaidade dos cavaleiros,
revestidos de forma altiva e com um manto
branco? A questão já foi exposta por Saltzmann e Bernard de
Turckheim, que desejavam a supressão da Ordem Interior, de inspiração
demasiadamente católica para o gosto dos luteranos de Estrasburgo.
Willermoz lhes responde sem rodeios em carta endereçada a Turckheim,
datada de 3 de Fevereiro de 1783:
"Vós propondes, como fizera em sua época o Irmão
ab Hedera, que não haja futuramente mais do que os três graus
simbólicos, suprimindo assim o escocismo e os dois graus da Ordem
Interior; ademais, que a classe dos Grandes Professos faça o 4º,
que estaria aberto e, de algum modo, prometido a todos, posto que receber
maçons nos símbolos, sem assegurar-lhes uma possível
evolução, seria como estar fazendo
uma brincadeira com eles. Porém, não havendo nenhum intermediário
entre os graus azuis e o Grande Professo, resultará que todos, exceto
aqueles que decididamente mereceriam serem expulsos, teriam direito aos
Grandes Professos, e, no sentido de não admitir ninguém que
fosse indigno, ter-se-ia de usar maior severidade na escolha do Primeiro
Grau[6]. Este projeto seria simples e atrativo, mas, meu querido amigo,
não conheceis suficientemente bem os homens e o espírito de
uma sociedade republicana para ver que é impraticável, independentemente
do perigo habitual que representa...? Se do Terceiro grau simbólico
se saltasse diretamente à classe de Professo, sem nenhum grau intermediário,
isto não se operaria sem preparar o candidato demasiado abertamente
neste Terceiro grau, e tal preparação não
poderia se efetivar sem mesclá-lo às formas ou instruções
religiosas, isso em maior ou menor grau; ademais, no momento em que fosse
mesclada a Religião à Maçonaria na Ordem Simbólica
veríamos operar sua ruína... para tornar preferível
nosso regime desvelaremos seus princípios e objetivo particular,
nossos discursos oratórios converter-se-ão em sermões,
e nossas Lojas, em igrejas ou em assembléias de
piedade religiosa; sobre todo o edifício do Regime não nomearemos
a classe secreta, mas praticamente a desvelaremos e, quando for conhecido
qual é seu objetivo, nos converteremos em suspeitos e seremos expostos
a perseguições... segundo meu conceito, caro amigo, a Maçonaria
Simbólica não deve ser mais que uma escola de moral e de beneficência,
mas sem nela introduzir nenhuma mescla ou propósito
religioso, a não ser os princípios gerais que toda sociedade
Cristã deve professar. Parece-me indispensável que haja entre
esta classe e a seguinte, ou seja, religioso-científica, uma classe
intermediária que apresente alguns desenvolvimentos dos símbolos,
velando a última para preparar a seguinte. Nesta segunda classe será
exigida a prática exata do que foi ensinado na primeira, e a fidelidade
nesta prática abrirá a porta da terceira. Por isto, esta segunda
tornar-se-á útil à humanidade e
lhe entregará seus melhores membros; este será o objetivo
e termo final da Ordem, sem que se faça menção do objetivo
secreto que não mais existe após a abolição
do antigo sistema. Qual será a alma honesta que não se sentiria
satisfeita ao encontrar como objetivo final um sistema moral e benfeitor
posto em prática? Convenhamos que aquele que não se contentasse
não mereceria ser recebido como aprendiz. Quanto aos que experimentarem
esta dupla preparação, teórica e prática, mostrarão
maiores
aptidões e desejos da 3ª classe velada pela 2ª que será
sua justa recompensa; mas a segunda deve ser, de todo modo, suficientemente
interessante por si mesma, como que para satisfazer em seu sentido próprio
àqueles que se sentiriam enfastiados na primeira e que não
teriam a aptidão necessária para a 3ª..." (em Renaissance
Traditionnelle, 1978, 35: 179-181) O projeto está claro. A primeira
classe, teórica, ensina os rudimentos da doutrina por meio dos símbolos,
ritos e instruções. Na segunda, a Ordem Interior, põe-se
prática as virtudes morais e de beneficência.
Esta exigência ética seguramente suplanta o marco das possessões,
aplicando-se a todos os instantes da vida do cavaleiro maçom. É
somente a aplicação prática desta exigência,
juntamente com outras predisposições não definidas,
que pode abrir as portas da terceira classe. A Ordem Interior é,
antes de tudo, uma prova, destinada a seleção dos indivíduos
dignos de ascender à última classe, consagrada ao
estudo das matérias de cunho "religioso-científicas".
Destacamos o parágrafo no qual Willermoz condena aqueles que convertem
as lojas em sucedâneas da igreja, mesclando indevidamente Religião
e Maçonaria.
Pelo que parece, o assunto está claro. Uma classe organizada de Grandes
Professos não pode ser concebida se não for escolhida no seio
dos C.B.C.S. Porém, uma vez mais, seria somente isso que resta destas
"Instruções", cujo segredo se desvaneceu, tornando-se
então algo público? Deixemo-las onde estão, acessíveis
a quem as deseje, "abertas" a quem possa compreendê-las.
O que poderia impedir que os Homens de Desejo, com ou sem "transmissão"
se reúnam, na Paz daquele que está sempre entre eles, para
meditar conjuntamente sobre os ensinamentos de nosso Rito? Destarte, não
seria também esta a simplicidade tão quista por Willermoz[7]?
ritos e instruções.
Na segunda, a Ordem Interior, põe-se prática as virtudes morais
e de beneficência.
Esta exigência ética seguramente suplanta o marco das possessões,
aplicando-se a todos os instantes da
vida do cavaleiro maçom. É somente a aplicação
prática desta exigência, juntamente com outras
predisposições não definidas, que pode abrir as portas
da terceira classe. A Ordem Interior é, antes de
tudo, uma prova, destinada a seleção dos indivíduos
dignos de ascender à última classe, consagrada ao
estudo das matérias de cunho "religioso-científicas".
Destacamos o parágrafo no qual Willermoz
condena aqueles que convertem as lojas em sucedâneas da igreja, mesclando
indevidamente Religião e
Maçonaria.
Pelo que parece, o assunto está claro. Uma classe organizada de Grandes
Professos não pode ser
concebida se não for escolhida no seio dos C.B.C.S. Porém,
uma vez mais, seria somente isso que resta
destas "Instruções", cujo segredo se desvaneceu,
tornando-se então algo público? Deixemo-las onde
estão, acessíveis a quem as deseje, "abertas" a
quem possa compreendê-las. O que poderia impedir que
os Homens de Desejo, com ou sem "transmissão" se reúnam,
na Paz daquele que está sempre entre eles,
para meditar conjuntamente sobre os ensinamentos de nosso Rito? Destarte,
não seria também esta a
simplicidade tão quista por Willermoz[7]?
1) BOL René
Les origines du R.E.R. Le Lien Ecossais (1982-1983) 43-44:13-19.
2) CHARRIER Louis Le Régime Ecossais Rectifié et le Grand
Orient de France. Resumo histórico de 1776 a 1938. Paris, 1938.
3) "Constitution et règlements de la Grande Loge Ecossaise Rectifiée
pour la Belgique", seguidos de sua "Declaração de
Princípios", Bruxelas, 1985.
4) FABRY Jacques J.F. Von Meyer et la Franc-Maçonnerie.
Trabalhos da Loja Nacional de Estudos Villard de Honnecourt. 8 (2ª
serie): 131-143 (1984).
5) GALIFFE John Barthelemy La Chaîne Symbolique 1852, Genebra - (Edition
anastaltique Slatkine, 1987).
6) LE FORESTIER René La Franc-Maçonnerie Templière
et Occultiste aux XVIIIe et XIXe siècles. Aubier-Montaigne, Paris
et Nauwelaerts, Louvain.
Reedição de "La Table d'Emeraude".
7) MAHARBA