Cada sociedade nos céus representa um só homem

O Céu E As Suas Maravilhas e o Inferno Segundo O Que Foi Ouvido E Visto

Por
Emanuel Swedenborg


68. Cada sociedade do céu representa também um só homem, e é a semelhança de um homem, como me foi permitido ver algumas vezes. Havia uma sociedade em que se insinuaram muitos espíritos que tinham sabido simular os anjos de luz, espíritos que eram hipócritas. Enquanto eles eram separados de junto dos anjos, eu vi que a sociedade inteira aparecia a princípio como um todo obscuro, depois gradualmente em forma humana, também de um modo obscuro, e, finalmente, na luz, como um homem. Aqueles que estavam no homem e o compunham eram os que estavam no bem dessa sociedade; os outros que não estavam no homem e não o compunham eram os hipócritas. Estes foram expulsos e aqueles retidos, e assim se fez a separação. Hipócritas são os que falam bem e também agem bem, mas em todas as coisas eles só têm em vista a si próprios. Eles se exprimem como fazem os anjos sobre o Senhor, sobre o céu, sobre o amor, sobre a vida celeste, e também procedem bem, a fim de se apresentarem tal qual se mostram em sua linguagem. Mas eles pensam de modo diferente. Não têm crença alguma e querem bem somente a si próprios. O que eles fazem de bem é para si próprios e, se o fazem para outros, é com o fim de serem notados e, por conseguinte, para si próprios igualmente.
69. Foi-me permitido ver, também, que uma sociedade inteira aparece como um em uma forma humana, quando o Senhor Se apresenta. Aparecia no alto, para o oriente, como uma nuvem de um branco avermelhado com estrelinhas ao redor. Essa nuvem descia e, gradualmente, à proporção que descia, tornou-se mais luminosa, e finalmente eu a vi em uma forma perfeitamente humana. As estrelinhas ao redor da nuvem eram anjos, que apareciam assim pela luz dimanando do Senhor.
70. Cumpre saber que, ainda que todos os que estejam em uma mesma sociedade do céu apareçam, quando estão juntos, com a semelhança de um homem, contudo o homem apresentado por uma sociedade não é semelhante ao homem apresentado por uma outra sociedade. Eles se distinguem entre si como as faces humanas de uma estirpe. E isso por um motivo semelhante ao que foi mencionado anteriormente (parágrafo 47), isto é, porque eles são diversificados, segundo as variedades do bem em que eles estão e ao qual devem a sua forma. As sociedades que estão no céu íntimo ou supremo, e no centro desse céu, aparecem na forma humana mais perfeita e bela.
71. É coisa digna de se lembrar que, quanto mais anjos há formando uma sociedade do céu fazendo um, mais a forma humana dessa sociedade é perfeita, porque a variedade disposta em forma celeste faz a perfeição, como foi mostrado anteriormente (número 56), e a variedade é maior ali onde houver um maior número. Cada sociedade do céu aumenta em número cada dia e, à proporção que aumenta, torna-se mais perfeita. Assim, não só a sociedade é aperfeiçoada, mais ainda o céu em geral, porque as sociedades constituem o céu. Por isso o céu é aperfeiçoado por uma multidão crescente, e se pode ver quanto se enganam aqueles que crêem que o céu está fechado por plenitude, quando, todavia, acontece o contrário: ele nunca é fechado por plenitude e uma plenitude cada vez maior o aperfeiçoa. É por essa razão que os anjos não têm maior desejo senão o de verem anjos que vêm juntar-se a eles como novos hóspedes.
72. Se cada sociedade é a efígie de um homem, quando ela aparece como um, é porque o céu inteiro tem essa efígie, como foi exposto nos parágrafos 59 a 67; e na forma mais perfeita, qual é a forma do céu, há semelhança das partes com o todo e das coisas menores com a que é maior. As coisas menores e as partes do céu são as sociedades de que ele se compõe e que até são céus em uma forma menor (ver os parágrafos 51 a 58 ). Há uma tal semelhança perpétua porque nos céus os bens de todos dimanam de um só amor, por conseguinte de uma só origem. O amor único, de onde procede a origem de todos os bens que estão lá, é o amor para com o Senhor e que procede d'Ele Mesmo. Daí é que o céu inteiro é a semelhança do Senhor no geral, cada sociedade o é no menos geral, e cada anjo no particular, como foi mostrado no n.º 58.

x. Portanto, cada anjo é uma perfeita forma humana

73. Nos dois artigos precedentes mostrou-se que o céu em todo o complexo representa um só homem, e que o mesmo sucede a cada sociedade no céu. Da série de razões apresentadas segue-se que cada anjo representa igualmente um homem. Como o céu é Homem na maior forma, e uma sociedade do céu o é na menor forma, do mesmo modo o anjo é o céu na mínima forma, porque na forma mais perfeita, qual é a forma do céu, há semelhança do todo na parte e da parte no todo. Se tal sucede é porque o céu é uma comunhão, porquanto comunica a cada um tudo o que ele tem e cada um recebe dessa comunhão tudo o que possui. O anjo é um receptáculo e, por conseguinte, é o céu na mínima forma, como foi mostrado anteriormente. Do mesmo modo, o homem [é um receptáculo]. Quanto mais ele receber o céu e quanto mais ele for também receptáculo, mais ele é o céu e mais ele é anjo (ver n.º 57). Isso é assim descrito no Apocalipse: "Mediu o muro da santa Jerusalém cento e quarenta e quatro côvados, medida de homem que é medida de anjo" (21:17). Aí, "Jerusalém" é a igreja do Senhor e, em um sentido mais elevado, o céu; "o muro" é a verdade que protege contra o ataque dos falsos e dos males; o número "cento e quarenta e quatro" são todas as verdades e todos os bens no complexo; "a medida" é a sua qualidade; "o homem" é aquele em que estão todas essas verdades e todos esses bens no geral e na parte, por conseguinte, aquele em quem está o céu. E, como o anjo também é homem segundo essas verdades e esses bens, por isso é dito "medida de homem que é a do anjo". Tal é o sentido espiritual dessas palavras. Quem poderia, sem esse sentido, compreender que o muro da santa Jerusalém era medida do homem, que é a do anjo?
74. Mas volto agora à experiência. Que os anjos são formas humanas ou homens é o que vi muitas vezes, pois conversei com eles como um indivíduo conversa com outro, ora com um só, ora com muitos em conjunto, e nada vi neles que diferisse do homem quanto à forma. Fiquei até admirado algumas vezes que assim fosse. E, para que não se diga que era falácia ou visão de fantasia, foi-me dado vê-los em plena vigília, ou quando eu estava em todo o sentido do corpo e em estado de clara percepção. Eu também contei-lhes muitas vezes que, no mundo cristão, os homens se acham em tão cega ignorância a respeito dos anjos e dos espíritos, que eles crêem que são mentes sem forma e puros pensamentos de que eles não têm idéia alguma, senão como de alguma coisa etérea, tendo em si o vital. E como não lhes atribuem coisa alguma do que pertence ao homem, exceto o cogitativo, eles crêem que os anjos não vêem, porque não têm olhos, não ouvem porque não têm ouvidos e não falam porque não têm boca nem língua. Disseram-me os anjos a esse respeito que eles sabiam que tal crença existe entre um grande número no mundo e que ela reina entre os eruditos e também - coisa de que se admiravam - entre os sacerdotes. Eles deram-me também a causa disso. É que os eruditos, que foram os promotores e, a princípio, emitiram tal idéia sobre os anjos e os espíritos, pensaram a respeito deles segundo os sensuais do homem externo e não segundo uma luz interior nem segundo a idéia comum que foi gravada em cada homem. Assim, não podem deixar de imaginar tais coisas, pois os sensuais do homem externo percebem somente as coisas que estão na natureza, mas não as que estão acima dela nem, por conseguinte, coisa alguma do que diz respeito ao mundo espiritual. A falsidade do pensamento a respeito dos anjos passou desses promotores, como chefes, a outros que pensaram não por si próprios, mas segundo tais chefes. E os que primeiro pensam segundo os outros e assim formam a sua fé, e que depois consideram por seu entendimento as coisas que eles creram, dificilmente podem desprender-se delas. Por isso é que a maior parte as aceita, confirmando-as. Disseram-me depois que os simples de fé e de coração não têm tal idéia sobre os anjos, mas têm a idéia de que os anjos são homens do céu, e isso porque eles não apagaram pela erudição aquilo que neles fora gravado do céu, e porque eles nada concebem sem uma forma. Daí é que, nos templos, os anjos, quer na escultura, quer na pintura, foram sempre representados como homens. Quanto a esse conhecimento interno que procede do céu, eles me disseram que é o Divino influindo nos que estão no bem da fé e da vida.
75. De toda a minha experiência, que agora é de muitos anos, posso dizer e afirmar que os anjos, quanto à sua forma, são absolutamente homens, tendo uma face, olhos, orelhas, peito, braços, mãos e pés. Eles se vêem mutuamente, ouvem, conversam entre si. Em uma palavra, nada lhes falta absolutamente daquilo que constitui o homem, exceto que eles não são revestidos de um corpo material. Eu os vi em sua luz, que excede em muitos graus a luz do mundo ao meio-dia, e, nessa luz, eu discernia toda as suas feições mais distinta e claramente do que vejo as faces dos homens na terra. Foi-me também concedido ver o anjo do céu íntimo: ele tinha a face mais brilhante e mais resplandecente do que os anjos dos céus inferiores. Eu o examinei e ele tinha a forma humana em toda a perfeição.
76. Mas cumpre saber que os anjos não podem ser vistos pelos olhos do corpo do homem, mas pelos olhos de seu espírito, porque o espírito do homem está no mundo espiritual e todas as partes de seu corpo estão no mundo material. O semelhante vê o semelhante em razão da similitude. Além disso, o órgão da vista do corpo, que é o olho, é tão grosseiro que ele certamente não vê as coisas menores da natureza sem ser com o auxílio de instrumentos de ótica, como todos sabem. E, com mais forte razão, não pode ver as coisas que estão acima da esfera da natureza, como todas aquelas do mundo espiritual. Mas a verdade é que essas coisas são vistas pelo homem quando ele é desligado da vista do corpo e a vista de seu espírito é aberta, o que se faz em um momento, se o Senhor deseja que tais coisas sejam vistas. E então o homem não sabe outra coisa senão que ele as vê pelos próprios olhos do corpo. Assim foram vistos os anjos por Abrahão, por Loth, Manoá e pelos profetas. Assim foi visto o Senhor, depois da ressurreição, pelos discípulos, e foi também desse modo que os anjos foram vistos por mim. Como os profetas assim viram, por isso é que eles foram chamados "videntes" e "homens de olhos abertos" (I Samuel 9:9, Números 24:3). Fazer ver assim foi chamado "abrir os olhos", como se deu com o moço de Eliseu, a cujo respeito se lê: "Eliseu disse: JEHOVAH, abre, peço, os olhos dele para que veja. E abrindo JEHOVAH os olhos do moço, este viu, e eis aquele monte cheio de cavalos e de carros de fogo ao redor de Eliseu" (II Reis 6:17).
77. Espíritos probos, com os quais também conversei a respeito disso, lastimaram de coração que tal ignorância existisse na Igreja sobre o estado do céu e sobre os espíritos e os anjos e, indignados, diziam que eu devia positivamente declarar que os espíritos e os anjos não são mentes sem forma nem sopros etéreos, mas homens em forma humana, e que eles vêem, ouvem e sentem do mesmo modo que os que estão no mundo.