A morte é compreendida em nossa obra; como ela é superada?
Louis Claude de Saint Martin


A morte mesmo, que também esta compreendida em nossa obra, é dirigida e graduada com a mesma sabedoria que governa todas as operações divinas. Nossos laços materiais são partidos progressivamente e de forma quase imperceptível. Crianças de tenra idade, emergidas em sua matéria, não têm idéia da morte porque a matéria não sabe o que é a morte, muito menos o que é a vida e o espírito.
Os jovens em quem o espírito ou a Vida começa a penetrar através de sua matéria, têm mais ou menos medo da morte, na medida em que estão mais ou menos imbuídos deste espírito ou vida e na medida em que sentem o contraste entre seu espírito e sua matéria.
Os adultos e os mais velhos cujo espírito ou vida se desenvolveu e que observaram fielmente a lei de seu ser, são preenchidos de tal forma com os frutos, quando seu curso termina, que olham para a demolição de sua cobertura material sem medo ou remorso, e até mesmo com prazer.
Este revestimento material, tendo sido perpetuamente impregnado com os frutos de suas obras, tem, ao mesmo tempo, quase imperceptivelmente se submetido à decomposição em sua fonte; se o tratamento restaurativo fosse seguido, encontraria naturalmente a sua dissolução final sem dor. O que pode ser concebido de mais doce e suave do que todas estas progressões, apontadas pela Sabedoria do Altíssimo, para a restauração do Homem?
Os poderes da Alma humana após a morte.
Mas se tão grandes são os prazeres adquiridos pela devoção ao Ministério Espiritual do Homem ainda neste plano, quais não serão então aqueles que a alma irá receber quando tiver se despojado de seus espólios mortais!
Vemos que nossos corpos, neste plano, estão destinados a desfrutar de todas suas faculdades e a comunicar-se uns com os outros. Quando eles não desfrutam de suas faculdades, não se comunicam, como verificamos com as crianças.
Quando alguns corpos utilizam suas faculdades e outros não, os primeiros podem se comunicar com aqueles que não se comunicam e os conhecem enquanto que estes nada sabem sobre os primeiros. Isto se aplica a lei das almas:
Aquelas almas que, neste plano, não desfrutam de suas faculdades estão respectivamente em absoluta insignificância; elas podem estar perto uma da outra, podem morar juntas sem transmitirem impressão alguma entre si. Esta é a situação da maioria das pessoas deste mundo, para não dizer, talvez, de toda humanidade; isto porque durante nossa jornada na Terra, nossas almas são umas para as outras, tal qual como as crianças; de fato, não comunicam nada em comparação com aqueles tesouros ativos com os quais deveriam ter enriquecido, naturalmente, umas as outras, se tivessem se mantido em sua harmonia primitiva.
As almas libertadas se comunicam entre si e com
aquelas na carne.
Quando algumas das almas deixam seu estado de infância, ou seja, quando deixam seus corpos após terem se devotado, neste plano, ao verdadeiro Ministério Espiritual do Homem, desfrutam de suas faculdades após a morte, não é de se surpreender que são capazes de comunicar alguns de seus tesouros as almas ainda encarnadas, embora estas não compreendam nem a razão nem os meios desta comunicação, mesmo quando experimentam seus efeitos. Assim, uma criança pode sentir os efeitos salutares, que outro corpo de posse de todas suas faculdades possa comunicar a ela, embora não possa ver e nem saber sua origem.
Quando várias almas regeneradas desfrutam de suas faculdades ativas, após deixarem seus corpos, é normal que estendam suas relações (harmonias) entre si; isto parece tão natural que não há necessidade de buscarmos evidências na ordem física.
A admirável beleza de uma alma regenerada e sua comunicação.
Ora, não obstante à nossa degradação e ao pouco que podemos comunicar uns aos outros aqui na Terra, ficamos tão admirados quando reconhecemos as virtudes de nossos semelhantes e isto é apenas uma idéia de quão bela uma alma pode ser, (um daqueles frágeis galhos que a árvore do Homem ainda permite brotar de tempos em tempos) imaginem, então, a satisfação que nos aguarda na verdadeira região, quando nossas almas, harmonizadas e desengajadas de seus corpos terrestres, estarão juntas, comunicando, umas às outras, maravilhas adquiridas durante sua décima primeira hora e aquelas que nunca deixarão de descobrir nas regiões do infinito.
O amor de Deus e a insensibilidade do Homem, dois milagres.
Oh, Homem! você que deseja, ainda nesta vida, penetrar o glorioso Ministério do Senhor, pensa diariamente naquelas águas salutares, que, desde o crime, a bondade do altíssimo tem vertido, em todas as eras da espécie humana; pois já vistes o bastante dos caminhos de Deus para nos provar que Ele se importa, não só por toda a humanidade, mas por cada Homem em particular, como senão tivesse mais ninguém com quem se preocupar.
Assim, uma tocha no meio do círculo dos homens dá toda sua luz a cada um; assim o sol mostra toda sua face a todos que estão à sua vista; assim, a Fonte Divina de nossa admiração é universal e apenas tenta encontrar uma brecha nestas almas que irão se abrir para a sua Luz.
Mas após admirar esta fonte inexaurível, cujos tesouros foram derramados generosamente sobre o Homem em sua origem, no pacto divino e que desde a Queda, ainda tem se acumulado à nossa volta, que terrível remorso irás experimentar quando veres que, apesar destas riquezas, o Homem míngua em tal angústia e privação, que sua morada de trevas parece ter se fixado no desespero e na morte! O Homem abusou das dádivas superiores outorgadas a ele em sua glória; após o seu crime, abusou do amor que o seguiu em sua ignomínia. Quanto mais auxílios recebeu mais cresceu sua ingratidão; quando observamos este quadro descobrimos mais duas surpreendentes maravilhas: primeiro o milagre do amor de Deus para com o homem, apesar de nossos crimes e injustiças; segundo, nossa insensibilidade e desrespeito para com Deus, apesar de Seu amor e devoção por nós!
Conseqüências da insensibilidade do Homem; seu corpo é uma dor,
suas vestes seu revestimento, sua vida é sua morte.
Não! nada pode superar estas maravilhas! E qual tem sido o resultado para o Homem, de sua incompreensível ingratidão? (dirijo estas lamentações a todos os meus irmãos que se sentem infelizes). Ao invés da superioridade sobre todas as espécies e que serviam para nos fazer caminhar, como testemunha, em todas as partes de domínio Divino, qual é a atual condição dos diferentes mundos e reinos dos quais somos compostos?
É supérfluo dizer que, desde nossa degradação, nossos corpos são vítimas diárias dos elementos que os consomem tal qual o abutre devorando as entranhas de Prometheus. Sabemos que o corpo do Homem é como uma ferida, sempre em estado de supuração, e que sua vestimenta é como um curativo cirúrgico que requer constante remoção e reposição, se é que se deseje evitar uma infeção.
Muito embora esta ferida não tenha aquela característica extrema, sabemos que, desde o crime, mantemos no seio de nossas substâncias constituintes, um veneno corruptivo que consome a carne secretamente; disto o Homem não pode se livrar, tampouco pode corrigir sua malignidade ou evitar seu progresso por um só instante, pois este veneno é o fogo consumidor sobre o qual repousa nossa existência; este fogo é reconhecido pelas ciências humanas, pelo menos por meio de seus efeitos, como o princípio de nossa destruição, quando os cientistas afirmam que a respiração animal nada mais é do que uma lenta combustão.
Quem não sabe que cada indivíduo que vagueia sobre esta superfície nada é além de um necessário instrumento de sua própria morte; que ele não pode desfrutar um sopro de vida sem o negociar pelo custo da vida; que um mesmo ato produz sua existência e sua destruição? Este é o revestimento de morte que o Homem colocou no lugar daquela forma pura e imortal que deveria ter traçado desde o tesouro divino através de toda eternidade.
Também é supérfluo dizer que para conter este fogo que nos devora, nada temos ao nosso dispor senão elementos corrosivos como ele próprio, que depositam seus sedimentos em nós diariamente e, tal como o fogo, nos dá a vida apenas se nos der a morte.
Então, que benefícios nossas doenças e enfermidades agregadas a estas imperfeições naturais conseguem tirar daqueles que se propõem a nos curar? As substâncias medicinais que empregam são infectadas da mesma forma que nossos corpos e toda a Natureza. Tais substâncias medicinais só podem ser úteis na medida em que possam estar num grau menos infectado que nós. Nada está realmente vivo tanto nelas ou em nós, ou no máximo qualquer vida ou poder que exista é relativo; é a morte comprometida com a morte.