A CIÊNCIA DOS ESPÍRITOS
ELIPHAS LÉVI

 


Introdução
Deus ou o espírito criador, que a ciência é forçada a admitir como primeira causa;Deus que é a hipótese necessária na qual se ligam todas as certezas;O homem ou o espírito criado cuja vida aparente começa e termina, mas cujo pensamento é imortal;O mediador ou o espírito do Cristo homem sobre-humano pelo pensamento, Deus humanizado pelo trabalho e pela dor:Tal é o tríplice objeto da ciência dos espíritos. O homem, nada podendo conceber acima de si mesmo, idealiza-se para conceber Deus. O Cristo, por seus sublimes pensamentos e suas admiráveis virtudes, realizou esse ideal. É, pois, em Jesus Cristo que se deve estudar Deus, e como o mediador é também o protótipo e o modelo da humanidade, é ainda nele que se deve estudar o homem considerado exclusivamente sob o ponto de vista do espírito. A ciência dos espíritos se resume pois, inteiramente, na ciência de Jesus Cristo.Os anjos e os demônios são seres puramente hipotéticos ou lendários; pertencem à poesia e não poderiam pertencer à ciência.Contentemo-nos com os homens, estudemos Jesus Cristo e procuremos Deus. Quanto menos definimos Deus, mais somos forçados a acreditar nele. Negar o Deus indefinido e desconhecido, princípio existente e inteligente do ser e da inteligência, é afirmar temerariamente a mais vaga e a mais absurda de todas as negações; também Proudhon, essa contradição encarnada, pôde dizer com razão que o ateísmo é um dogma negativo e constitui a mais ridícula de todas as crenças: a crença irreligiosa. Mas um Deus definido é necessariamente um Deus finito, e todas as religiões pretensamente reveladas de uma maneira positiva e particular desabam logo que a razão as toca; não há senão uma religião, e Vítor Hugo disse bem quando bradou: Protesto em nome da religião contra todas as religiões. Se Deus tivesse autorizado somente Moisés, não teria permitido Jesus. Se tivesse autorizado somente Jesus, não teria permitido Maomé. Não pode aí haver senão uma lei divina, mas há, nesse baixo mundo, uma multidão de juízes e uma grande multidão de advogados que tentam rebater incessantemente, apesar de seus perpétuos desabamentos, a Babel das contradições humanas. Pascal, esse ateu tão religioso, esse cético supersticioso que duvidava de tudo em presença da lógica inexorável dos números e que acreditava no deus dos Jansenistas baseando-se num amuleto, Pascal, que, contra a sua própria vontade, não era católico porque queria ser excessivamente católico, não teve medo de afirmar que é mais garantido acreditar nos dogmas da Igreja Romana, a única a ameaçar com o inferno aqueles que não aderem a esses dogmas, como se uma ameaça não-humana fosse uma razão e como se, em matéria de fé, fosse legítimo que o medo superasse a confiança.

Produzir trevas para aumentar o medo, redobrar a obscuridade dos mistérios, exigir a obediência cega, é a magia negra das religiões; é o segredo dos sacerdócios ambiciosos que querem substituir a divindade pelo sacerdote, a própria religião pelo templo e as virtudes pelas práticas. Esse foi o crime dos Magos que pereceram por uma reação fatal: esse foi o crime dos sacerdotes hebreus, contra os quais Jesus veio protestar, e que crucificaram Jesus. O quê?! O céu nos imporia uma lei rigorosa, sancionada por suplícios eternos, e não deixaria claro e evidente para todos a própria promulgação dessa lei! Como?! A verdade, ou antes, o livro fechado que a contém seria o quinhão exclusivo de alguns fanáticos inexoráveis, e a humanidade quase inteira seria abandonada às oscilações do erro e à fatalidade de uma maldição infinita! Só é maldito aquele que pode acreditar nisso. O Deus que ele adora assemelha-se a esses monstruosos ídolos do México, cujos lábios eram incessantemente umedecidos com corações sangrando. Uma religião exclusiva não é uma religião católica. Católica quer dizer universal. Apoderar-se das forças fatais e dirigi-las para fazer delas a alavanca da inteligência, esse é o grande segredo da magia. Apelar às paixões mais cegas e ilimitadas em seu impulso, submetê-las a uma obediência de escravo, é criar a onipotência. Desse modo, colocar o espírito sob o império do sonho, exaltar ao infinito a cobiça e o medo por meio de promessas e ameaças que serão tomadas por sobrenaturais porque serão contra a natureza, fazer um exército da imensa multidão de cabeças fracas e de corações lassos que se tornarão generosos por interesse ou por temor, e com esse exército conquistar o mundo: eis o grande sonho sacerdotal e todo o segredo político dos pontífices da magia negra. Ao contrário, esclarecer os ignorantes, libertar as vontades, libertar os homens do medo e dirigi-los pelo amor, tornar acessíveis a todos a verdade e a justiça, impor à fé apenas as hipóteses necessárias à razão, e conduzir assim todos os povos a um Dogma único, simples, consolador e civilizador: essa é a realidade divina, e foi isso que o Evangelho deu ao mundo. O Evangelho é o espírito de Jesus, e esse espírito é divino. Eis nossa profissão de fé claramente formulada sobre a divindade de Jesus Cristo. Minhas palavras são espírito e vida, disse esse revelador sublime; nada disso se refere à carne. O Evangelho é a história de seu espírito. Não é a crônica de sua carne. Homem pela carne, Deus pelo espírito. Ele morreu e ressuscitou. Se viverdes de meu espírito, disse a seus Apóstolos, vossa carne será minha carne e vosso sangue será meu sangue, e essas coisas tão eminentemente espirituais, materializadas pela estupidez dos teólogos bárbaros, deram-nos hóstias sangrentas e comunhões antropofágicas. É chegado o tempo de não mais confundir o espírito com a carne. A ciência dos espíritos é o discernimento do espírito, e quando o espírito de Jesus Cristo for compreendido, esse espírito que a Igreja chama e adora sob os nomes de espírito de ciência, espírito de inteligência, espírito de força, espírito de iniciativa ou de conselho, e, por conseguinte, espírito de liberdade, quando esse espírito, repetindo, for compreendido, já não se pedirão oráculos ao sono, à catalepsia, ao sonambulismo ou às mesas giratórias. A ciência dos espíritos tem por base o conhecimento do espírito de Jesus Cristo, que é a mais alta expressão das aspirações inteligentes e magnéticas da humanidade. Jesus, o homem de luz e de bondade, foi pressentido e saudado antecipadamente pelos iniciadores de todos os cultos. O Egito, sob o nome de Horus, adorava-o dormente ainda no seio de Ísis; a Índia o chamava de Krishna e o suspendia nas mamas de Devaki; os Druidas elevaram uma estátua à virgem que devia gerá-lo; Moisés e os profetas preludiaram com magníficos ditirambos a epopéia dos Evangelhos; Maomé o reconhece e só protesta contra a adoração idolátrica de sua carne. A humanidade é, pois, cristã desde o início do mundo. Vestida à moda indiana, egípcia, judaica ou turca, em toda parte a humanidade é a mesma e o dogma é universal. Proclamemos pois, hoje, a catolicidade do mundo e não excomunguemos nem mesmo aqueles que querem isolar-se num céu cujas nuvens de glória se formariam dos vapores de uma fogueira onde queimaria sob eles e por eles quase toda a humanidade. Um tempo virá, e ele está próximo, em que tais idéias inspirarão em todo mundo um terror tal, que não se ousará mais professá-las em voz alta, e que a memória dos inquisidores de todos os cultos será condenada por sua vez, e para sempre, pela inquisição do desprezo. Uma das grandes pirâmides do Egito estava semioculta pelas montanhas de areia. De século em século, as bordas nômades do deserto amontoaram sobre elas construções híbridas e imundícies, de modo que não a enxergávamos mais. Um grande príncipe chega, ele quer desaterrar esse lugar para ali construir um templo; escava-se em redor do monte de lixo, ele é escalado, derrubado, e a grande pirâmide reaparece em toda sua majestade. Isso é uma apologia. A guerra da filosofia contra a Igreja não a destruirá, mas a libertará; porque a Igreja é a sociedade dos homens, animada pelo espírito de Jesus Cristo. À medida que as superstições religiosas, ou antes, irreligiosas descem, o Evangelho sobe; ele é estável, eterno e inabalável, quadrado na base e simples como as pirâmides. Há sempre uma lógica no poder; forças sem razão seriam forças sem alcance e, por conseguinte, sem efeito. Se o Evangelho é um poder, existe uma lógica no Evangelho.

A lógica ou a razão, o logos do poder supremo, é Deus. Essa razão, essa lógica universal, ilumina todas as almas razoáveis. Ela resplandece nas obscuridades da dúvida; atravessa, penetra, dilacera as trevas da ignorância, e as trevas não podem compreendê-la, pegá-la, encerrá-la e aprisioná-la. Essa razão fala pela boca dos sábios; resumiu-se em um homem que, por isso, foi chamado de logos feito carne, ou grande razão encarnada. Os milagres desse homem foram milagres de luz, isto é, de inteligência e de razão. Ele fez os homens compreenderem que a verdadeira religião é a filantropia. A palavra é moderna em francês, mas encontra-se textualmente em grego no evangelho segundo São João. Ele os fez ver que não é nem em tal cidade, nem sobre tal montanha, nem no templo que se deve procurar Deus, mas no espírito e na verdade. Seu ensinamento foi simples como sua vida. Amar a Deus, isto é, ao espírito e à verdade, mais do que a todas as coisas, e ao próximo como a vós mesmos, eis, dizia ele, toda a lei. É dessa forma que ele abria os olhos dos cegos, que forçava os surdos a ouvirem e os coxos a caminharem direito. As maravilhas que operava nos espíritos foram contadas sob essa forma alegórica, tão familiar aos orientais. Sua palavra tornou-se um pão que se multiplica; seu poder moral, um pé que caminha sobre as ondas, uma mão que apazigua as tempestades. As lendas se multiplicaram com a admiração cada vez maior de seus discípulos. São contos encantadores, semelhantes aos das Mil e Uma Noites, e era digno dos séculos bárbaros, que acreditamos ter ultrapassado e que ainda não terminaram, tomar essas ficções graciosas por realidades materiais e grosseiras, discutir anatomicamente a virgindade maternal de Maria, estabelecer entre as mãos de Jesus uma padaria invisível e milagrosa para multiplicar os pães no deserto, e ver correr um sangue globular e seroso, um sangue antropofágico e revoltante, sobre as brancas e puras hóstias que protestam contra o sangue e que anunciam para sempre a consumação do sacrifício. O Evangelho pertence à ciência apenas como monumento da fé, e não como documento da história. É o símbolo das grandes aspirações da humanidade. É a lenda ideal do homem perfeito. Essa lenda, a Índia já havia esboçado ao contar a maravilhosa encarnação de Vishnu na pessoa de Krishna. Krishna é também filho de uma virgem. A casta Devaki amamentando seu divino filho encontra-se no Panteão indiano e parece uma imagem de Maria. Perto do berço de Krishna encontra-se a figura simbólica do asno; a mãe leva a criança para livrá-la de um rei ciumento que queria matá-lo. Se os Vedas não fossem anteriores ao Evangelho, acreditar-se-ia que tudo isso é cópia de nosso Novo Testamento. Quer dizer que tudo isso é desprezível e nada contém de divino? Acreditamos que é necessário chegar a uma conclusão diametralmente oposta. O espírito do Evangelho é eterno e sua fórmula é a das aspirações da humanidade tão antigas quanto o mundo. A idéia de uma encarnação, isto é, de uma manifestação de Deus no homem, encontra-se em todos os dogmas dos santuários antigos; o livro do ocultismo, Siphra Di-Tzeniutha, que contém as mais altas doutrinas do judaísmo sobre Deus, representa a divindade saindo da humanidade como uma luz, e a humanidade descendo da divindade como uma sombra, de modo que tendo Deus criado o homem, o homem, por sua vez, é chamado a realizar e a criar, por assim dizer, a idéia de Deus. Que o Evangelho é um livro simbólico, isso os Apóstolos não nos ocultaram. Cristo é o fundamento, diz São Paulo, e sobre esse fundamento alguns construíram com pedra, outros com madeira, outros ainda com palha. O fogo da provação virá, e tudo o que não for sólido será consumido. É desse modo que se pode explicar a escolha que se fez mais tarde dos livros canônicos, e a rejeição definitiva dos Evangelhos apócrifos. São João, por sua vez, nos diz: Jesus fez e disse ainda muitas coisas, e, se quiséssemos escrever todas, não creio que o mundo inteiro pudesse conter os livros que se poderiam fazer. Ora, o campo da história é limitado, mas o da alegoria é imenso, e se São João não quisesse indicar com essa frase o verdadeiro alcance dos Evangelhos teria dito um absurdo. Mas quando os Apóstolos se calassem, a evidência falaria o suficiente. Como se deve, por exemplo, demonstrar a pessoas que o diabo, isto é, o personagem fictício que representa o mal, não transportou Jesus, concreta e efetivamente, sobre uma montanha tão alta que se poderia ver de lá todos os reinos da terra? O Evangelho está cheio de histórias semelhantes compostas segundo o gênio dos hebreus, que ocultavam sempre sua doutrina secreta através de enigmas e imagens; segundo o gênio do próprio Jesus, que, no dizer dos Evangelistas, quase nunca falava sem parábolas. O Talmude inteiro é composto segundo esse método, e Maimônides diz que os absurdos mais evidentes desse livro escondem segredos da mais alta sabedoria. Observemos somente, diz o abade Chiarini, em sua Teoria do Judaísmo, que, para estudar o Talmude, é indispensável, entre outras coisas, passar os olhos pelas antiguidades religiosas de todos os povos do Oriente, a fim de não atribuir apenas ao judaísmo, como geralmente se faz, o estilo alegórico e esse amor imoderado pelas fábulas sagradas, comum a todos os intérpretes das religiões orientais. Quer dizer que, sob todas essas alegorias, a pessoa real do Cristo desaparece e se anula? Devemos considerar, como Dupuis e Volney, a existência humana e pessoal de Jesus tão duvidosa como a de Osíris, tão fabulosa como a do indiano Krishna? Como se ousaria afirmar isso, uma vez que Jesus Cristo está ainda vivo em suas obras, ainda presente em seu espírito, que já mudou e certamente transfigurará toda a face da terra? Duvidou-se da existência de Homero, mas de qual Homero? Daquele dos comentadores pode ser, mas a Ilíada e a Odisséia não estão aí? Esses divinos poemas compuseram-se sozinhos? E que grande distância existe entre esses livros sem dúvida admiráveis e o poema vivo do cristianismo, essa Ilíada dos mártires onde os deuses combatem e são vencidos por mulheres e crianças? Essa Odisséia da Igreja que, após tantas perseguições e tempestades, chega, mendicante sublime, ao umbral do palácio dos Césares, lança com um braço vitorioso as flechas que atravessam os corações de seus inimigos e vai sentar-se no trono do mundo. O espírito de Jesus existe com muito maior certeza e evidência que o gênio de Homero. Mas esse espírito é um espírito de abnegação e de sacrifício, e é por isso que ele é divino. Quanto menos o homem se procura, mais se encontra. Quanto mais se abandona, mais merece a adoração do céu. Quanto mais se esquece, mais será lembrado. Eis, em poucas palavras, os grandes segredos da onipotência do cristianismo. Jesus, que deu esses preceitos, deu também o exemplo. Ele se anulou em presença de sua obra.
O homem desapareceu no símbolo, e foi assim que se fez Deus. O Evangelho nos diz que ele conduziu seus discípulos para o alto de uma montanha e se transfigurou diante deles. Seu rosto tornou-se um sol e suas roupas ficaram brancas como a neve, isto é, o homem apagou-se na luz da revelação nova. E mais tarde a tradição, completando a lenda, diz que Jesus, subindo ao céu, não deixou nada dele sobre a terra além do seu espírito espalhado em toda a Igreja, e a marca indelével de seus pés sobre o cume da montanha. De que serve procurar agora, seja em Nazaré, seja em Belém, o berço da criança que foi Jesus Cristo, na esperança de reencontrar, em algum fragmento de seus cueiros, traços de sua vida puramente humana? A choupana de José foi derrubada há muito tempo, e dos cueiros do Salvador, branqueados pela Virgem, fizeram-se faixas para cobrir as chagas da humanidade. Jesus ressuscitou. Ele não está mais aqui; por que procurar um vivo entre os mortos? O Evangelho é Jesus transfigurado; é a epopéia de seu admirável espírito, são os milagres de sua moral representados pelas mais comoventes imagens. Não se deve suprimir nenhuma palavra desse livro, não é necessário colocar nele mais nenhuma letra. Porque é o testamento divino do homem que se anulou para nós. Procuremos nele as luzes para a fé, e não ensinamentos para a história das crenças consoladoras, e não probabilidades científicas. Quando as antigas estatuárias do Oriente representavam os deuses, davam-lhes formas híbridas e monstruosas, a fim de que todos compreendessem que os deuses não são homens. É dessa forma que os evangelistas, semeando sua narrativa de fatos materialmente impossíveis ou formalmente contraditórios, nos queriam fazer compreender que não escreviam uma simples história, mas um profundo símbolo, e que aqui, como em todos os livros sagrados, a letra que mata serve de véu ao espírito que só vivifica! É pois uma impiedade, uma verdadeira profanação, procurar no exterior da marca que deixou sobre a montanha, ao se elevar ao céu, os traços eminentemente humanos e materiais desse homem que, pelo mais perfeito dos sacrifícios, desmaterializou-se, confundindo-se de alguma forma com Deus. Mas se quiséssemos fazê-lo, se os críticos inimigos do cristianismo quisessem os documentos para a história desse homem, não seria disfarçando o Evangelho e nele tecendo variantes de fantasia; não seria dando explicações grotescas a seus milagres, tomado ao pé da letra, que conseguiriam fazer alguma coisa racional. Jesus era judeu; viveu e morreu entre os judeus. Foram os judeus que o conheceram, que o rejeitaram, que o acusaram e o condenaram, e se dezenove séculos após sua glorificação quisermos revisar seu processo, serão os judeus que deveremos ouvir.

Ora, os judeus, apesar das ridículas asserções de Dupuis e de Volney, atestam a existência real de Jesus e acusam-no ainda de muitos crimes; suas lembranças estão consignadas no Talmude, esse repertório imenso e completo de todas as tradições dos judeus. Vidas de Jesus, redigidas conforme o Talmude e aumentadas por comentários odiosos, foram escritas por cabalistas e rabinos. Conhecemos dois desses escritos: o Sepher Toldos Jeschu e o Maasé Talouy, ou a história do enforcado. Pesquisamos e encontramos esses livros, dos quais fazemos uma análise fiel, descartando somente as divagações e injúrias. Lendo-os, compreenderemos por que a grande e antiga sabedoria de Israel rejeita e despreza nossos mistérios. Que deplorável mal-entendido separa os pais dos filhos! Como se estivéssemos dizendo que existe um outro deus que não Deus! Como se Davi tivesse blasfemado quando disse aos mestres da terra: Vós sois deuses e morrereis como homens. Como se o próprio Jesus não tivesse dito: Retorno para junto de meu Pai e vosso Pai, para junto de vosso Deus e meu Deus! Mas de que serve defender uma causa que não tem juízes? Só vejo aqui partes interessadas. Vejo o ilustríssimo Renan, vejo Veuillot, esse ultramontano tão tristemente célebre, e, por trás desses dois advogados comprometedores, observo uma plebe mais ardente do que hábil. Para quem, pois, escreverei? Meu livro não terá importância para meu século se eu não pisar em um dos sulcos abertos por esses lavradores de terrenos vagos; mas que me importa? Consagrei minha vida à verdade, e eu a direi para quem quiser e souber entendê-la; se isso não acontecer em um dia, acontecerá em um ano, se não for em um ano, o será em um século, mas estou tranqüilo, porque sei que esse dia virá. Não terei nem entusiasmo nem prostração. Não procuro prosélitos e não temo os adversários, não quero nem um Thabor nem um pelourinho, mas me resigno tanto a um como ao outro. A verdade não vem de nós e não é para nós. Insensato é tanto aquele que a oculta como aquele que a revela e se vangloria. Vi homens que a vendiam como foi vendido o Salvador, mas aqueles que acreditaram pagá-la eram ingênuos e loucos. A verdade não é uma prostituta, ela não se vende; ela se dá àqueles que a amam e que a procuram com grande sinceridade. A ignorância da maior parte dos cristãos em relação à teologia dos judeus, à sua exegese, a seu Talmude, sua Cabala, impede-os de compreender bem o gênio dos evangelhos nascidos na Judéia. Todos os doutores judeus concordam em admitir a alegoria nas tradições que o povo eleito queria ocultar à inteligência dos profanos. Maimônides, como já dissemos, encontra tanto mais ciência e profundidade nas fábulas talmúdícas, quanto mais elas parecem desprovidas de bom senso, pois a própria enormidade dos absurdos é um preservativo contra a credulidade cega que toma tudo ao pé da letra, preservativo hierárquico, por assim dizer, porque esclarece apenas aos sábios e cega cada vez mais os insensatos. É para os sábios que escrevemos. Daremos primeiramente a visão talmúdica sobre Jesus, depois analisaremos rapidamente os evangelhos canônicos e consagrados a fazer ressaltar o gênio; procuraremos nos evangelhos apócrifos as manifestações excêntricas desse gênio universal. Estudaremos as mais antigas hipóteses e os maiores sábios do mundo. Em seguida, retomaremos a questão dos espíritos e dos milagres, procuraremos seu princípio, examinaremos, para melhor explicar os antigos, aqueles que se cumprem em nossos dias. Diremos nossa última palavra sobre o espiritismo, e nosso livro inteiro será apenas uma homenagem ao verdadeiro cristianismo e à eterna razão.