OS ELEMENTOS DA CABALA EM DEZ LIÇÕES
Eliphas Levi
Prolegômenos
Gerais Segunda Lição
A Cabala Objeto e Método
Senhor e Irmão:
A proposição que deveis fazer-vos ao estudar a Cabala é
chegar à paz profunda, através da tranqüilidade do espírito
e paz do coração.
A tranqüilidade do espírito é uma conseqüência
da certeza; a paz do coração vem da paciência e da fé.
Sem a fé, a ciência conduz à dúvida; sem a ciência,
a fé conduz à superstição. As duas unidas produzem
a certeza e, para uni-las é necessário jamais confundi-las.
O objeto da fé é a hipótese e chega a converter-se em
certeza quando a hipótese exige a evidência ou as demonstrações
da ciência.
A ciência é comprovada com fatos. As leis são inferidas
da repetição dos fatos. A generalidade dos fatos em presença
de tal ou qual força demonstra a existência das leis. As leis
inteligentes são necessariamente desejadas e dirigidas pela inteligência.
A unidade das leis faz supor a unidade da inteligência legisladora.
A esta inteligência, que estamos obrigados a supor segundo as obras
manifestas, mas que não é possível definir, é
que chamamos Deus!
A minha carta chegou a vossas mãos; eis aqui um fato evidente; a minha
escrita foi reconhecida, bem como meu pensamento, e deduzistes disso que fui
eu quem vos escreveu. É uma hipótese razoável, porém
a hipótese necessária é a de que alguém escreveu
a carta. Poderia ser apócrifa, porém não tendes razão
para supô-lo. Se pretendêsseis que a carta tivesse caído
do céu, estaríeis beirando o absurdo, estabelecendo uma hipótese
absurda.
Eis, portanto, segundo o método cabalístico, como se forma a
certeza:
Evidência Certeza
Demonstração científica
Hipótese necessária
Hipótese razoável Probabilidade
Hipótese duvidosa Dúvida
Hipótese absurda Erro
Seguindo este método, o espírito adquire uma verdadeira infalibilidade,
posto que afirma o que sabe, crê naquilo que necessariamente deve supor,
admite as suposições razoáveis, examina as suposições
duvidosas e afasta as suposições absurdas.
Toda a Cabala está contida no que os mestres chamaram as trinta e duas
vias e as cinqüenta portas. As trinta e duas vias são trinta e
duas idéias absolutas e reais ligadas aos signos dos dez números
da aritmética e às vinte e duas letras do alfabeto hebraico.
Eis aqui estas idéias:
Números (Sephiroth):
1. - Potência suprema (Kether)
2. - Sabedoria absoluta (Hochmah)
3. - Inteligência infinita (Binah)
4. - Bondade (Chesed)
5. - Justiça ou rigor (Gueburah)
6. - Beleza (Tiphereth)
7. - Vitória (Netzah)
8. - Eternidade (Hod)
9. - Fecundidade (Yesod)
10 - Realidade. (Malkuth)
Letras:
Letras do Alfabeto Hebraico Cartas do Tarô
} 1- Aleph - Pai 1- O Mago
P 2- Beth - Mãe 2- A Papisa
O 3- Ghimel - Natureza 3- A Imperatriz
I 4- Daleth - Autoridade 4- O Imperador
U 5- He - Religião 5- O Sacerdote
Y 6- Vau - Liberdade 6- O Enamorado
T 7- Zain - Propriedade 7- A Carruagem
R 8- Cheth - Repartição 8- A Justiça
E 9- Theth - Prudência 9- O Eremita
W 10- Iod - Ordem 10- Roda da Fortuna
" 11- Caph - Força 11- A Força
L 12- Lamed - Sacrifício 12- A Enforcado
K 13- Mem - Morte 13- A Morte
H 14- Num - Reversibilidade 14- A Temperança
F 15- Samech - Ser universal 15- O Diabo
D 16- Hain - Equilíbrio 16- A Torre
A 17- Phé - Imortalidade 17- A Estrela
< 18- Tsade - Sombra e Reflexo 18- A Lua
N 19- Coph - Luz 19- O Sol
B 20- Resh - Reconhecimento 20- O Julgamento
C 21- Shin - Fogo 21- O Louco
Z 22- Tau - Síntese 22- O Mundo
Vosso na sagrada ciência.
Terceira Lição
Uso do Método
Senhor e Irmão:
Na lição anterior falei tão-somente das trinta e duas
vias; falarei depois das cinqüenta portas.
As idéias expressas pelos números e pelas letras são
realidades incontestáveis. Tais idéias encadeiam-se e se combinam
como os números. Procede-se logicamente de um ao outro. O homem é
o filho da mulher, porém a mulher procede do homem como o número
da unidade. A mulher explica a natureza; a natureza revela a autoridade, cria
a religião que serve de base à liberdade e que faz o homem dono
de si mesmo e do universo, etc. (Procurai um Tarô; creio, porém
que tendes um.) Disponde em duas séries de dez cartas alegóricas,
numeradas de um a vinte e um. Vereis então todas as figuras que explicam
as letras. Quanto aos números, do um ao dez, encontrareis neles a explicação
repetida quatro vezes, com os símbolos de paus ou cetro do pai; copas
ou delícias da mãe, espadas ou combate do amor e ouros ou fecundidade.
O Tarô se encontra no livro hieroglífico das trinta e duas vias
e a explicação sumária dele encontra-se no livro atribuído
ao patriarca Abraão, que se chama Sepher-Yetzirah.
O sábio Court de Gebelin foi o primeiro que adivinhou a importância
do Tarô, a grande chave dos hieróglifos hieráticos. Encontraram-se
os símbolos e os números nas profecias de Ezequiel e de São
João. A Bíblia é um livro inspirado, porém o Tarô
é o livro inspirador, Também foi chamado de roda, rota, de onde
se deduziram as formas tarô e torá. Os antigos rosacruzes conheciam-no
e o marquês de Suchet fala dele em seu livro acerca dos iluminados.
Deste livro é que surgiram nossos jogos de cartas. As cartas espanholas
ainda possuem os principais signos do Tarô primitivo e são utilizados
para jogar o jogo do hombre, ou do homem, reminiscência vaga do uso
primitivo de um livro misterioso que contém as sentenças reguladoras
de todas as divindades humanas.
Os Tarôs antigos eram medalhas, de onde se originaram mais tarde os
talismãs. As clavículas ou pequenas chaves de Salomão
eram compostas de trinta e seis talismãs contendo setenta e duas estampas
análogas às figuras hieroglíficas do Tarô. Essas
figuras, alteradas pelos copistas, encontram-se ainda nas antigas clavículas
manuscritas que se encontram nas bibliotecas. Existe um desses manuscritos
na Biblioteca Nacional de Paris e um outro na Biblioteca do Arsenal. Os únicos
manuscritos autênticos delas são os que mostram a série
dos trinta e seis talismãs com os setenta e dois nomes misteriosos;
os demais, por mais antigos que sejam, pertencem aos delírios da magia
negra e contém apenas mistificações.
Vede, para a explicação do Tarô, o meu Dogma e Ritual
da Alta Magia.
Vosso na sagrada ciência.
Quarta Lição
A Cabala
Senhor e Irmão:
Bereschith quer dizer "gênese"; Merkavah significa "carro"
em alusão às rodas e aos animais misteriosos de Ezequiel.
Bereschith e Merkavah resumem a ciência de Deus e do Mundo.
Digo "ciência de Deus" e, portanto, Deus não é
infinitamente desconhecido. Sua natureza escapa completamente a nossas investigações.
Princípio absoluto do ser e dos seres, não pode ser confundido
com os efeitos que produz e pode-se dizer, afirmando completamente sua existência,
que não é nem o não-ser, nem o ser. Fato que confunde
a razão sem extraviá-la e nos afasta definitivamente da idolatria.
Deus é o único postulatum absoluto de toda ciência, a
hipótese absolutamente necessária que serve de base a toda certeza.
Eis aqui como nossos antigos mestres estabeleceram cientificamente esta hipótese
correta da fé: o Ser é. No Ser está a vida. A vida manifesta-se
pelo movimento. O movimento perpetua-se pelo equilíbrio das forças.
A harmonia resulta da analogia dos contrários.
Existe, na natureza, lei imutável e progresso indefinido, mudança
perpétua nas formas, indestrutibilidade da substância; e isto
é o que se encontra estudando o mundo físico.
A metafísica apresenta leis e fatos análogos, na ordem intelectual
ou na moral, o verdadeiro, imutável, de um lado; do outro, a fantasia
e a ficção. De um lado, o bem que é o verdadeiro; de
outro, o mal que é o falso, e destes conflitos aparentes surgem o julgamento
e a virtude. A virtude compõe-se de bondade e justiça. Quando
boa, a virtude é indulgente; quando justa, é rigorosa. Ela é
boa porque é justa e justa porque é boa; ela se mostra bela.
Esta grande harmonia do mundo físico e do mundo moral, não podendo
ter uma causa superior a si própria, revela-nos a existência
de uma sabedoria imutável, princípios e leis eternas e de uma
inteligência infinitamente criativa. Sobre esta sabedoria e sobre esta
inteligência, inseparáveis uma da outra, repousa esta potência
suprema que os hebreus chamam a coroa. A coroa e não o rei, porque
a idéia de um rei implicaria a de um ídolo. A potência
suprema é, para os cabalistas, a coroa do universo, e a criação
inteira é o reino da coroa ou, se o senhor preferir, o domínio
da coroa.
Ninguém pode dar aquilo que não tem, e nós podemos admitir
virtualmente na causa o que se manifesta nos efeitos.
Deus é, portanto, a potência ou coroa suprema (Kether), que repousa
sobre a sabedoria imutável (Chochmah) e a inteligência criadora
(Binah); nele estão a bondade (Chesed) e a justiça (Gueburah),
que são o ideal da beleza (Tiphereth). Nele estão o movimento
sempre vitorioso (Netzah) e o grande repouso eterno (Hod). Sua vontade é
uma criação contínua (Yesod) e seu reino (Malkuth) é
a imensidade que povoa a universo.
Detenhamo-nos aqui: conhecemos Deus!
Vosso na sagrada ciência.
Quinta Lição
A Cabala II
Senhor e Irmão:
Este conhecimento racional da divindade, escalonado nas dez cifras que compõem
os números, vos oferece o método completo da filosofia cabalística.
O método compõe-se de trinta e dois meios ou instrumentos de
conhecimento que se denominam as trinta e duas vias, e de cinqüenta objetos,
aos quais pode-se aplicar a ciência, e que se chamam as cinqüenta
portas.
A ciência sintética universal considera-se como um templo com
trinta e duas vias de acesso e cinqüenta portas.
Este sistema numérico, que também poderia ser chamado decimal,
porque sua base é dez, estabelece, pelas analogias, uma classificação
exata de todos os conhecimentos humanos. Nada é mais engenhoso, e também
nada é mais lógico nem mais exato.
Esse número dez aplicado às noções absolutas do
ser na ordem divina, metafísica e natural, repete-se três vezes,
o que dá trinta para os meios de análise; acrescentai a silepse
e a síntese, a unidade que começa por se propor à mente
e aquela do resumo universal, e o senhor terá as trinta e duas vias.
As cinqüenta portas constituem uma classificação dos seres
em cinco séries de dez, que abarca todos os conhecimentos possíveis
e reina sobre todos os ramos do saber humano.
Mas não é suficiente ter encontrado um método matemático
exato. Para ser perfeito é necessário que esse método
seja progressivamente revelador, isto é, que ele nos dê o meio
de tirar exatamente todas as deduções possíveis para
obter os conhecimentos novos e de desenvolver o espírito, sem deixar
nada ao capricho da imaginação.
Isto é o que se obtém pela Gematria e pela Temurah que são
as matemáticas das idéias. A Cabala tem sua geometria ideal,
sua álgebra filosófica e sua trigonometria analógica.
É dessa forma que obriga a natureza, de certo modo, a revelar seus
segredos.
Adquiridos estes altos conhecimentos, passa-se às últimas revelações
da Cabala transcendental e estuda-se no Shemhamphorash, a origem e a razão
de todos os dogmas.
Eis aí, senhor e amigo, o que devemos aprender. Veja se isso não
vos assusta; minhas cartas são curtas, mas são resumos bastante
concisos e que dizem muito em poucas palavras. Deixei um espaço bastante
longo entre as minhas cinco primeiras lições para vos dar tempo
de refletir; posso escrever-lhe com maior freqüência, se desejar.
Acredite, senhor, em meu ardente desejo de lhe ser útil.
Vosso, de todo coração, na sagrada ciência.
ELIPHAS LEVI