O
Mistério da Morte
ELIPHAS LÉVI
A transição dos espíritos ou o mistério
da morte. Quando o homem adormece em seu último sono,
cai primeiramente numa espécie de sonho, antes de acordar do outro
lado da vida. Cada um vê então, numa bonita fantasia ou num terrível
pesadelo, o paraíso ou o inferno nos quais acreditou durante sua existência
mortal.
É por esse motivo que muitas vezes a alma atemorizada se lança
violentamente na vida que ela acaba de deixar e que mortos, bem mortos quando
os sepultamos, acordam vivos sob o túmulo. A alma então, não
mais ousando morrer, consome-se em esforços inúteis para conservar
a vida leguminosa, por assim dizer, de seu cadáver. Ela aspira durante
seu sono o vigor fluídico dos vivos e o transmite ao corpo enterrado
cujos cabelos crescem como uma erva daninha e cujo sangue vermelho colore
os lábios. Esses mortos tornam-se vampiros; vivem conservados por uma
doença póstuma que tem sua crise, como as outras, e que termina
por convulsões horríveis durante as quais o vampiro, procurando
destruir a si próprio, devora os braços e as mãos. As
pessoas sujeitas a pesadelos podem fazer uma idéia do horror das visões
infernais. Essas visões são o castigo de uma crença atroz
e perseguem sobretudo as crenças supersticiosas e os ascetas fanáticos:
a imaginação está povoada de atormentadores, e esses
monstros, no delírio que se segue à morte, aparecem à
alma com uma espantosa realidade, cercando-a, atacando-a e dilacerando-a procurando
devorá-la. O sábio, ao contrário, é acolhido por
visões felizes, acredita ver seus amigos de outrora virem a seu encontro
e lhe sorrirem.
Mas tudo isso, dissemos, é apenas um sonho, e a alma não tarda
a acordar. Então ela mudou de meio, está acima
da atmosfera que se solidificou sob os pés de seu envoltório,
agora mais leve. Este envoltório é mais ou menos pesado; há
os que não conseguem se erguer de seu novo solo; há outros que,
ao contrário, sobem e pairam livremente no espaço, como águias.
Mas os liames de simpatia os ligam sempre à terra na qual viveram e
sobre a qual se sentem viver mais do que nunca, porque estando destruído
o corpo que os separava, têm consciência da vida universal e participam
das alegrias e dos sofrimentos de todos os homens. Eles vêem Deus como
ele é, isto é, presente em toda parte na precisão infinita
das leis da Natureza, na justiça que triunfa sempre através
de tudo o que acontece, e na caridade infinita que é a comunhão
dos eleitos. Eles sofrem, dissemos, mas têm esperança porque
amam e estão felizes por sofrer. Eles saboreiam pacificamente a doce
amargura do sacrifício e são os membros gloriosos, mas que sangram
sempre, da grande vítima eterna. Os espíritos criados à
imagem e semelhança de Deus são criaturas como ele, mas, como
ele, só podem criar suas imagens. As vontades audaciosas e desregradas
produzem larvas e fantasmas, a imaginação tem o poder de formar
coagulações aéreas e eletromagnéticas que refletem
num instante os pensamentos e sobretudo os erros do homem ou do círculo
dos homens que os coloca no mundo. Essas criações de abortos
excêntricos esgotam a razão e a vida daqueles que os fazem nascer,
e têm por característica geral a estupidez e o malefício,
porque são os tristes frutos da vontade desregrada.
Aqueles que não cultivaram sua inteligência durante sua existência ficam, após a morte, num estado de torpor e de estupor cheio de angústias e de inquietude; têm dificuldade em retomar a consciência de si mesmos, estão no vazio e na noite, não podem nem subir, nem descer, e são incapazes de se corresponder seja com o céu, seja com a terra. São tirados pouco a pouco desse estado pelos eleitos que os instruem, os consolam e os esclarecem; depois conseguem ser admitidos para novas provações cuja natureza nos é desconhecida, porque é impossível que o mesmo homem renasça duas vezes na mesma terra. Uma folha de árvore, depois que cai, não se liga mais ao galho. A lagarta torna-se borboleta, mas a borboleta nunca uma lagarta. A natureza fecha as portas atrás de tudo o que passa e impele a vida para adiante. O mesmo pedaço de pão não poderia ser comido e digerido duas vezes. As formas passam, o pensamento fica e não mais retorna o que se usou uma vez.