Os Pais do Filho
ELIPHAS LÉVI
Como Deus ordenou
que um velho companheiro carpinteiro esposasse uma virgem de sangue real.
Havia, na tribo de Judá, um bom velho chamado José, carpinteiro
de profissão, homem viúvo, e pai de muitos filhos, muito trabalhador,
ainda que de habilidade medíocre, simples em seus pensamentos, mas
justo em seus julgamentos, o que lhe havia dado o apelido de Justo, o verdadeiro
modelo do homem do povo, o tipo do verdadeiro proletário.
A ele deveria ser confiada'a Virgem, porque o povo pobre sabe o que custa
a família e compreende melhor que ninguém a santidade do lar,
a pureza da jovem, e a dignidade da mãe. José, pois, tendo
ouvido tocar os
clarins do Templo, que anunciavam o décimo-quarto ano após
o nascimento de Maria, deixou seu machado e foi a Jerusalém. Lá,
encontravam-se jovens de todas as tribos, que desejavam a beleza de Maria;
todos sonhavam com o prazer que teriam em possuí-la; José
pensava na felicidade de ser seu amigo e de trabalhar para nutri-la, deixando-a
dona de si mesma. O sumo sacerdote disse aos jovens: Pegai na mão
bastões, e aquele cujo bastão florescer e sobre a cabeça
do qual a pomba pousar, aquele será o esposo de Maria. Mas, quando
Maria olhou, não viu florido o bastão de nenhum de seus pretendentes
que queriam tornar-se seus donos, e a pomba não encontrou em quem
pousar. Chamaram então, por escárnio, o velho José,
que se mantinha afastado, e ele teve o bastão florido.
Então a pomba pousou e Maria lhe estendeu a mão. José
lhe disse: - Como o Senhor escolheu-me para ser seu esposo? pois sou velho
e tenho filhos grandes. Maria lhe disse: - És justo e não
oprimirás a virgem que Deus te confia. Prometi a Deus que não
seria escrava de um homem; sirva-me de pai. Porque todos esses jovens que
estão aqui me desejaram sem me amar, e não consentirei jamais
no ultraje de seus desejos. José lhe disse: - Que assim seja, e a
levou para sua casa em Nazaré, onde a deixou, e voltou a trabalhar
em Capharnaüm. Ora, Maria era de estirpe real e sacerdotal e levou
como dote, ao trabalhador José, a hereditariedade da realeza e do
sacerdócio. Assim, por ter compreendido a dignidade da Virgem, e
ter sido feito o seu protetor, o simples trabalhador tornou-se sacerdote
e rei, e o mundo trocou de donos. Porque Maria não havia escolhido,
para seu guardião, nem um sacerdote, nem um rei, mas um pobre velho
carpinteiro chamado José, e isso porque ele era justo. E foi aí
o início desse reino de justiça, que, apesar de todos os esforços
dos maus, finalmente se estabelecerá sobre a terra.
Como a virgem tornou-se mãe sem pecado, e das ansiedades de José. Naquele tempo, tendo Maria saído para tirar água, um jovem de grande beleza abordou-a perto da fonte e lhe disse: Eu te saúdo, cheia de graça. Maria perturbou-se e voltou precipitadamente para casa, mas lá reencontrou o mesmo jovem que a saudou dizendo-lhe outra vez: Não temas nada, sou um anjo do Senhor, é ele quem me envia a ti. O que mais ele lhe disse encontra-se narrado nos Evangelhos, onde se vê que esse jovem era o anjo Gabriel. Mas os judeus, na sua malícia, pretendiam que fosse um soldado chamado Panther, e que, durante muitos dias, voltava para ver Maria em sua casa. Seis meses após, José voltou a Nazaré e ficou consternado vendo que a virgem estava grávida. Ele lhe perguntou como pudera isso acontecer, e ela respondeu chorando: Não faltei com minhas promessas e não sou infiel nem diante de Deus nem diante de vós. José bem sabia que não a tinha tocado e não se atribuía nenhum direito sobre ela, visto que ela o havia escolhido somente para seu amigo e seu guardião. Entretanto ele ficou com o coração triste e não mais a interrogou, mas pensava em mandá-la embora. Uma noite, quando adormecera com esse pensamento, uma mão o tocou e uma voz lhe falou.
Abrindo bem os olhos, viu diante de si o mesmo anjo que havia aparecido a Maria. Pai José, disse-lhe, tu prometeste proteger Maria; por que queres abandoná-la quando ela mais tem necessidade de cuidados de um pai e de um amigo? Ela não te pertence, és tu que pertences a ela; por que queres abandoná-la? Prometeste respeitar os segredos de seu pudor; tu a deixaste virgem e tu a reencontras prestes a tornar-se mãe. Honra-a sempre como a uma virgem e protege-a como a uma mãe. Por que condenas a criança cujo pai não conheces? Não sabes que sempre o pai de uma criança é Deus? Ama-a pois por causa de Maria que está confiada a ti, e guarda-a em consideração a Deus, seu pai. Dessa forma ocultarás de todos a maldade dos homens, e tua casa será abençoada. José meditou sobre essas palavras durante o resto da noite, e, ao amanhecer, foi encontrar Maria e lhe disse: Perdoa-me por te fazer chorar, eu que sou teu pai; sou teu amigo e te fiz chorar. Pensava em te mandar embora quando te tornasses mãe, e quem pois te receberia se teu velho José te abandonasse? Guarda esse segredo que é de Deus; eu protegerei teu filho que é também filho de Deus e do qual terei a honra de cuidar como se fosse meu. Maria respondeu-lhe: Bendito sejas, porque a verdade eterna falou em teu coração. Poderias me desonrar, e não o fizeste. Por isso teu nome será venerável. E quando as gerações do futuro me chamarem de Maria, a bem-aventurada, a ti chamarão José, o justo. E o filho de Deus te chamará de pai, porque tu te pareces com Deus, que é justo e bom, e ele te assistirá em teu último dia, porque terás sido o fiel guardião de seu nascimento.