A razão dos sacrifícios proféticos e suas operações

Louis Claude de Saint Martin


De fato os profetas substituíram as extintas virtudes do sacrifício e tornaram, aos olhos do Espírito, o lugar das vítimas, que eram, agora, oferecidas como uma mera formalidade, sem fé por parte dos sacrificadores. O sangue destes profetas tornou-se o holocausto da expiação onde a ação do Espírito operava de forma mais terrível e salvadora do que no sangue dos animais.
Operava de forma mais terrível porque este sangue derramado injustamente era um notório testemunho dos crimes e cegueira do povo. Este sangue, contudo, atraía a mais desordenada das influências espirituais, com a qual este povo perdido e culpado estava poluído, de acordo com as leis de transposição que citamos anteriormente.
Os espíritos dos profetas conduziam também, pelos sofrimentos e labuta, as iniquidades de Israel, para que, ao dispersar estas influências desordenadas, irregulares, agarradas ao povo, a comunicação de influências regulares e ordenadas fosse restituída de forma mais fácil e confiável.
Se o povo tivesse aproveitado todos estes auxílios enviados pela Sabedoria e Amor Supremo, teriam por sua vez aliviado o sangue e o espírito dos profetas da opressão daquelas influências desordenadas, comunicando-lhes novamente e participando com eles do efeito daquelas virtudes e influências ordenadas que o sacrifício corporal e espiritual dos profetas haviam atraído.
Contudo, ao endurecerem-se cada vez mais, prolongaram aos profetas, mesmo após suas mortes, as dores e os trabalhos que lhes causaram durante suas vidas, tornando-os ainda maiores, pela prática da resistência e pelo peso de suas próprias iniquidades, que a caridade divina dos profetas havia tirado de suas cabeças. Ao atraírem sobre si mesmos uma dupla mancha, a de não terem ouvido a voz da Sabedoria e a de manter em penoso encarceramento aqueles que a Sabedoria tomou como seus instrumentos, todo o sangue dos profetas derramado pelo povo, desde Abel a Zacarias, lhes será cobrado; pois não se deve esquecer que o povo Hebreu foi nada menos que o representante do Homem, de toda posteridade de Adão.
Por outro lado, o sangue dos profetas operou no povo de forma mais salvadora do que aquele das vítimas Levíticas, porque, como o sangue e a vida do Homem são a base da exata imagem da Divindade, ele não poderia ser derramado sem a liberação ou sem trazer à Luz as santas influências que as almas dos justos difundem naturalmente ao seu redor; além do mais, se o sacrifício de animais pudesse abrir a região espiritual ao povo Hebreu, o sangue e a palavra dos profetas abriam a eles as vias do divino.
O fim da época profética. A contínua corrente da
orientação e misericórdia divina.
Através deste duplo poder, os profetas executaram sobre o povo Hebreu aquilo que o Espírito lhes havia enviado a realizar.
Tendo esta obra sido efetuada, as profecias acabaram entre os Judeus, pois embora o tempo não exista para o Espírito propriamente dito, a mista morada que habitamos sujeita sua ação a intervalos e partes; assim, após a escravidão babilônica, que confirmou e evidenciou as ameaças dos profetas, a obra destes parecia ter chegado ao fim; desde então, eles pareceram dar muito pouca luz, e mesmo tão pouca apenas para acelerar a construção do segundo templo; o povo então é deixado por sua própria conta, para que pudesse ter tempo de reconhecer a justiça das severidades pelas quais havia passado.
Mas, ao deixá-lo por si só, o Espírito deixou para sua orientação tanto as palavras dos profetas como a memória dos eventos recém ocorridos; assim como, após a sua eleição e Êxodo do Egito, tiveram a lei Levítica, e a história de sua libertação e de suas árduas jornadas no deserto; assim como, após o Dilúvio, os filhos de Noé ainda tinham as instruções de seu pai, e a tradição de tudo o que havia se constituído suas iniquidades, por terem considerado o Senhor um inimigo, e, o véu que caiu sobre todos os filhos de Adão só se tornou mais espesso através de seus atos.
O "Tableau Naturel" ao mostrar a necessidade de um Redentor (Reparador) que deve ser um Homem-Deus, mostrou os altos mistérios deste sacrifício, no qual a vítima oferece a si mesma sem cometer suicídio, e no qual os sacrificadores cegos, acreditando terem executado um criminoso, deram ao mundo, sem saberem, um elétron universal que realizaria sua própria renovação; "O Homem de Desejo" mostrou que o sangue desta vítima era espírito e vida, desta forma quando os Judeus perguntaram se ele poderia ser derramado sobre eles e seus filhos, não puderam separar a misericórdia da Justiça que estavam contidas ali.
Nós apenas recordamos, rapidamente, estas profundas e confortantes verdades, pois os espírito do Homem não as pode ter constantemente diante de si.
O Homem libertado da prisão de seu sangue.
Vimos que, após a queda, o sangue se tornou uma barreira e uma prisão para o Homem, e que havia a necessidade deste sangue ser purificado a fim de que o Homem recupere sua liberdade progressivamente, através das transposições que o derramamento deste sangue forjou a seu favor. Contudo vimos, ao mesmo tempo, que cada uma das leis fornecidas para a sua regeneração era apenas uma espécie de iniciação a uma lei ainda mais elevada; o objetivo de todas estas leis preparatórias era levar o Homem a fazer um sacrifício livre e voluntário de si próprio; nenhum sacrifício prévio poderia substituir a este, uma vez que, sem o derramamento de seu próprio sangue, ele não pode afirmar que está realmente libertado da prisão em que seu sangue o enclausurou.
Ora, o que lhe poderia ensinar esta bela e profunda verdade? Que o ideal não era o sacrifício de animais, já que estes, destituídos de moralidade, não deu ao Homem idéia alguma de sacrifício voluntário; e como eles traziam nada mais que seus corpos ao altar, nada mais podiam conseguir do que liberar suas correntes corporais.
Tampouco o sacrifício e morte dos profetas foi suficiente, já que estes não morreram voluntariamente, embora possam ter tido resignação; esta morte foi, para aqueles que a sofreram, apenas uma incerta conseqüência de suas missões, e não a missão propriamente dita; eles foram enviados apenas para enunciar a chegada do dia eterno da libertação do Homem; além disso, desejaram observar este dia eterno, que proclamaram sem conhecerem, e que avistaram apenas parcialmente, de tempo em tempo, e através de lampejos do espírito.
As condições necessárias da vítima e do sacrifício para
libertar a humanidade.
Posto que a palavra e o sangue dos profetas foram mais úteis ao Homem do que as vítimas da lei Levítica - e de ocorrerem desde a época de Adão até os dias de hoje; e por Adão, após sua queda, ter a lembrança de seu crime e do sacrifício do Amor que a Bondade Suprema havia feito voluntariamente a seu favor a fim de arrancá-lo do abismo - vemos que desde o primeiro pacto divino e a partir da região pura onde a verdade habita, uma contínua corrente de luz e misericórdia se estende ao Homem, através de todas as épocas, até o fim dos tempos, até retornar à morada de onde descende, levando consigo todas as almas pacíficas que terá coletado em seu caminho; que o Homem saiba que foi o Amor que abriu, dirigiu e fechou o círculo de todas as coisas.


.