A Expiação dos Pecados
OS MISTÉRIOS MENORES
ANNIE BESANT
Agora passaremos a estudar certos aspectos da Vida Crística que aparecem
entre as doutrinas do Cristianismo. Nos ensinamentos exotéricos eles
aparecem associados apenas à Pessoa do Cristo; nos esotéricos
eles são vistos como de fato pertencendo a Ele, uma vez que em sua
forma primária e em seu significado mais pleno e mais profundo, formam
parte das atividades do Logos, mas apenas secundariamente refletidos no
Cristo, e portanto em cada Alma-Cristo que trilha o caminho da Cruz. Estudados
desta forma serão vistos sendo profundamente verdadeiros, enquanto
que em sua forma exotérica eles muitas vezes confundem a inteligência
e tumultuam as emoções.
Entre eles salienta-se a doutrina da Expiação dos Pecados;
não apenas ela tem sido um ponto de intenso ataque daqueles de fora
do círculo do Cristianismo, mas tem atormentado muitas consciências
sensíveis dentro daquele círculo. Alguns dos pensadores mais
profundamente Cristãos da última metade do século XIX
foram torturados com dúvidas a respeito dos ensinamentos das igrejas
sobre este assunto, e tentaram vê-lo e apresentá-lo de um modo
que o suavizasse ou o explicasse diferentemente das noções
mais cruas baseadas numa leitura não inteligente de alguns poucos
textos profundamente místicos. Em parte alguma, talvez, mais do que
em conexão com estes deveria ser mantida em mente a advertência
de São Pedro: "Nosso amado irmão Paulo também,
de acordo com a sabedoria que lhe foi dada, vos escreveu - bem como em todas
as suas epístolas - falando nelas sobre estas coisas, nas quais existem
algumas coisas difíceis de entender, e que são desvirtuadas
por aqueles que não têm cultura ou equilíbrio, assim
como o fazem às outras escrituras, para sua própria perdição"
(II Pedro, III, 15-16). Pois os textos que falam da identidade do Cristo
com Seus irmãos homens têm sido desvirtuados numa substituição
legalizada d'Ele mesmo no lugar dos outros, e assim têm sido usados
como uma saída para se escapar dos resultados do pecado, em vez de
como uma inspiração à justiça.
O ensinamento geral na Igreja Primitiva sobre a doutrina da Expiação
foi que Cristo, como Representante da Humanidade, enfrentou e venceu Satanás,
o representante dos Poderes Tenebrosos que têm a humanidade sob seu
jugo, resgatou deles o escravo, e o libertou. Lentamente, á medida
em que os escritores Cristãos perderam contato com as verdades espirituais,
e projetaram sua própria intolerância e acrimônia no
Pai puro e amante dos ensinamentos de Cristo, eles O representaram como
estando encolerizado contra o homem, e Cristo foi feito para salvar o homem
da ira de Deus, em vez de salvá-lo da escravidão ao mal. Então
se imiscuíram expressões legalizadas, materializando ainda
mais a idéia espiritual, e o "esquema da redenção"
foi delineado de modo forense. O selo foi aposto sobre o "esquema da
redenção" por Anselmo, em seu grande livro Cur Deus Homo,
e a doutrina que havia crescido lentamente na teologia da Cristandade daí
por diante passou a levar o sinete da Igreja. Tanto Católicos Romanos
como Protestantes, na época da Reforma, acreditaram no caráter
vicarial e substitutivo da expiação empreendida por Cristo.
Entre eles não há querela sobre este ponto. Prefiro deixar
os vates Cristãos falar por si mesmos sobre o caráter da expiação.
"Lutero ensina que 'Cristo, real e efetivamente, sofre por toda a humanidade
a ira de Deus, a maldição e a morte'. Flavel diz que 'para
a ira, para a ira de um Deus infinito sem mescla, para os próprios
tormentos do inferno, Cristo foi enviado, e pela mão de seu próprio
Pai'. A homilia Anglicana prega que 'o pecado fez Deus sair dos céus
para fazer a Si mesmo sentir os horrores e dores da morte', e que o homem,
sendo um agitador do inferno e um sócio do demônio, 'foi salvo
pela morte de seu filho bem-amado'; a 'fúria de sua ira', 'sua ira
furiosa', somente poderia ser 'pacificada' por Jesus, 'tão agradável
que lhe foi o sacrifício e a oblação da morte de seu
filho'. Edwards, sendo lógico, viu que havia uma grosseira injustiça
no pecado ser punido duas vezes, e as penas do inferno, o preço do
pecado, sendo infligido duas vezes, primeiro em Jesus, o substituto da humanidade,
e depois nos perdidos, uma porção da humanidade; assim ele,
em comum com a maioria dos Calvinistas, sente-se compelido a restringir
a expiação aos eleitos, e declarou que Cristo levou os pecados,
não do mundo, mas dos eleitos; ele 'sofre não pelo mundo,
mas por aqueles que tu me deste'. Mas Edwards adere firmemente à
crença na substituição, e rejeita a expiação
universal pelas mesmas razões pelas quais 'acreditar que Cristo morreu
por todos é a maneira mais segura de provar que ele não morreu
por ninguém, do modo como os Cristãos têm entendido
isto'. Ele declara que 'Deus impôs sua cólera devida, e Cristo
padeceu as dores dos tormentos do inferno' pelo pecado. Owens considera
os sofrimentos de Cristo como 'uma compensação plena e valiosa,
junto à justiça de Deus, por todos os pecados' dos eleitos,
e diz que ele suportou 'as mesmas punições que... eles mesmos
deveriam suportar' " (A. Besant, Essay on The Atonement).
Para mostra que estas concepções eram ainda ensinadas autorizadamente
nas igrejas, escrevi ainda: "Stroud faz Cristo beber 'a taça
da ira de Deus'. Jenkins diz que 'Ele sofreu como um excluído, réprobo
e esquecido de Deus'. Dwight considera que ele suportou 'o ódio e
o desprezo' de Deus. O Bispo Jeune nos diz que 'depois que o homem fez o
pior, o pior ficou para que Cristo suportasse. Ele caiu nas mãos
de seu pai'. O Arcebispo Thomas prega que 'as nuvens da ira de Deus se ajuntaram
sobre toda a raça humana: mas descarregaram-se apenas sobre Jesus'.
Ele 'se tornou uma maldição para nós e um vaso da ira'.
Liddon ecoa o mesmo sentimento: 'Os apóstolos ensinam que a humanidade
é escrava, e que Cristo na cruz está pagando por sua salvação.
Cristo crucificado é voluntariamente entregue e amaldiçoado';
ele fala mesmo da 'quantidade precisa de ignomínia e dor necessária
para a redenção', e diz que a 'divina vítima' pagou
mais do que era absolutamente necessário' " (Ibid.).
Estas são as concepções contra as quais o erudito e
profundamente religioso Dr. MacLeod Campbell escreveu seu bem conhecido
livro On the Atonement, um volume contendo muitos pensamentos verdadeiros
e belos; F.D.Maurice e muitos outros homens Cristãos também
têm tentado tirar de sobre o Cristianismo o peso de uma doutrina tão
destrutiva para todas as idéias sobre as relações entre
Deus e o homem.
Não obstante, quando olhamos para trás para os efeitos produzidos
por esta doutrina, vemos que a fé nela, mesmo em sua forma legal
- e para nós cruamente exotérica - está ligada a alguns
dos mais altos desenvolvimentos da conduta Cristã, e que alguns dos
mais nobres exemplos da maturidade Cristã tiraram dela sua força,
sua inspiração e seu conforto. Seria injusto não reconhecer
este fato. E sempre que analisamos um fato que nos parece espantoso e incongruente,
fazemos bem em meditar sobre este fato, e tentar entendê-lo. Pois
se esta doutrina não contivesse nada além do que é
visto pelos seus oponentes dentro e fora das igrejas, se em seu verdadeiro
sentido fosse tão repelente à consciência e ao intelecto
como o imaginam muitos pensadores Cristãos, então possivelmente
não teria exercido um fascínio tão poderoso sobre as
mentes e corações dos homens, nem poderia ter sido a base
de muitas auto-entregas heróicas, ou de tocantes e patéticos
exemplos de auto-sacrifício no serviço do homem. Deve haver
algo mais nela do que jaz na sua superfície, algum cerne de vida
oculto que tem alimentado aqueles que dela retiraram sua inspiração.
Ao estudarmos esta doutrina como um dos Mistérios Menores, devemos
ver a vida oculta que estes nobres seres absorveram inconscientemente, estas
almas que estavam tão sintonizadas com aquela vida que a forma sob
a qual ela se velou não as repeliu.
Quando passamos a estudá-la como um dos Mistérios Menores,
devemos sentir que para seu entendimento é necessário algum
desenvolvimento espiritual, alguma abertura da visão interior. Compreendê-la
requer que seu espírito deva estar parcialmente desenvolvido na vida,
e somente aqueles que conhecem de modo prático algo do significado
da auto-entrega serão capazes de captar um lampejo do que está
implicado no ensinamento esotérico desta doutrina, como uma manifestação
típica da Lei do Sacrifício. Só podemos entendê-la
aplicada ao Cristo quando a vemos como uma manifestação especial
da Lei universal, um reflexo aqui embaixo do Modelo no alto, mostrando-nos
em uma vida humana concreta o que significa sacrifício.
A Lei do Sacrifício estrutura nosso sistema e todos os sistemas,
e sobre ela são construídos todos os universos. Ela está
na raiz da evolução, e isto por si a torna inteligível.
Na doutrina da Expiação ele toma uma forma concreta em associação
com homens que atingiram certo estágio no desenvolvimento espiritual,
o estágio que os capacita perceberem sua unidade com a humanidade,
e se tornar, no sentido mais profundamente verdadeiro, Salvadores dos homens.
Todas as grandes religiões do mundo declararam que o universo começa
por um ato de sacrifício e incorporaram a idéia do sacrifício
em seus ritos mais solenes. No Hinduísmo é dito que o alvorecer
da manifestação deu-se por um sacrifício (Brhadâaranyakopanishat,
I, I, 1), a humanidade emana [da Deidade] com sacrifício (Bhagavad-Gita,
III, 10) e é a Deidade que sacrifica-Se a Si mesma (Brhadâaranyakopanishat,
I, II, 7); o objetivo do sacrifício é a manifestação;
Ele não pode tornar-Se manifesto a menos que um ato de sacrifício
seja executado, e desde que nada pode se manifestar antes que Ele se manifeste
(Mundakopanishat, II, II, 10), o ato de sacrifício é chamado
de "a aurora" da criação.
Na religião de Zoroastro foi ensinado que na Existência ilimitável,
incognoscível, inominável, o sacrifício foi executado
e apareceu assim a Deidade manifesta; Ahura-Mazda nasceu de um ato de sacrifício
(Hang, Essays on the Parsis, pp. 12-14).
Na religião Cristã a mesma idéia é indicada
na frase: "o Cordeiro morto desde a fundação do mundo"
(Apocalipse, XIII, 8), morto na origem das coisas. Estas palavras só
podem se referir à importante verdade de que não pode haver
nenhuma fundação de um mundo antes que a Deidade tenha feito
um ato de sacrifício. Este ato é explicado como Ela limitando-Se
a fim de tornar-Se manifesta. "A Lei do Sacrifício poderia talvez
ser chamada com mais verdade de A Lei do Amor e da Vida, pois em todo o
universo, desde o mais alto até o mais baixo, ela é a causa
da manifestação e da vida" (W. Williamson, The Great
Law, p. 406).
"Mas se estudarmos este mundo físico, como sendo o material
mais à mão, vemos que toda a vida nele, todo o crescimento,
todo o progresso, seja das unidades ou dos agregados, depende de um contínuo
sacrifício e da resistência à dor. O Mineral á
sacrificado ao vegetal, o vegetal ao animal, ambos ao homem, os homens aos
homens, e todas as formas superiores se desfazem, e reforçam novamente,
com seus constituintes, o reino mais inferior. È uma contínua
seqüência de sacrifícios desde o mais baixo até
o mais alto, e o próprio sinal do progresso é o sacrifício
passar de involuntário e imposto a voluntário e auto-escolhido,
e aqueles que são reconhecidos com os maiores pelo intelecto humano
e os mais amados pelo coração humano são os sofredores
supremos, aquelas almas heróicas que padeceram, perseveraram, e morreram
para que a raça pudesse aproveitar de suas penas. Se o mundo é
obra do Logos, e a lei do progresso mundial no todo e nas partes é
o sacrifício, então a Lei do Sacrifício deve apontar
para algo na própria natureza do Logos, deve ter sua raiz na própria
Natureza Divina. UM pensamento um pouco mais à frente nos mostrará
que se há de existir um mundo, enfim um universo, isto só
pode acontecer porque a Existência Única condicionou-Se e assim
tornou possível a manifestação, e que o próprio
Logos é o Deus autolimitado; limitado para tornar-Se manifesto; manifesto
para levar um universo à existência; tal autolimitação
e manifestação só podem ser um supremo ato de sacrifício,
a não admira que em todo o mundo isto deva mostrar sua marca de nascença,
e que a Lei do Sacrifício deva ser a lei da existência, a lei
das vidas derivadas disto.
"Além disso, já que é um ato de sacrifício
a fim de que os indivíduos possam vir à existência para
compartilhar da felicidade Divina, é verdadeiramente um ato vicarial
- um ato feito em favor de outros; daí o fato já notado de
que o progresso é marcado pelo sacrifício se tornando voluntário
e auto-escolhido, e percebemos que a humanidade atinge sua perfeição
no homem que se doa pelos homens, e pelo seu próprio sofrimento adquire
algo altamente proveitoso para a raça.
"Aqui, nas mais altas regiões, está a verdade mais recôndita
do sacrifício vicarial, e por mais que possa ser degradado e distorcido,
esta verdade espiritual interna é indestrutível, eterna, e
a fonte de onde flui a energia espiritual que, de muitas formas e maneiras,
redime o mundo do mal e o torna a casa de Deus" (A. Besant, Nineteenth
Century, junho de 1895, The Atonement).
Quando o Logos sai do "seio do Pai" naquele "Dia" em
que se diz que Ele é "engendrado" (Hebreus, I, 5), a aurora
do Dia da Criação, da Manifestação, quando através
d'Ele Deus "fez os mundos" (Hebreus, I, 2), Ele por Sua própria
vontade limita a Si mesmo, fazendo como que uma esfera encapsulando a Vida
Divina, surgindo como um radiante orbe de Deidade, a Divina Substância,
Espírito dentro e limitação, ou Matéria, por
fora. Este é o véu de matéria que torna possível
o nascimento do Logos, Maria, ou Mãe do Mundo, necessário
para a manifestação do Eterno no tempo, para que a Deidade
possa manifestar-Se para a construção dos mundos.
Esta circunscrição, esta autolimitação, é
o ato de sacrifício, uma ação voluntária empreendida
por amor, para que outras vidas possam nascer de Si. Esta manifestação
tem sido considerada como uma morte, pois, em comparação com
a vida inimaginável de Deus em Si mesmo, tal circunscrição
na matéria pode verdadeiramente ser chamada de morte. Ela tem sido
considerada, como vimos, como uma crucificação na matéria,
e assim tem sido representada, sendo a verdadeira origem do símbolo
da cruz, seja em sua forma grega, onde se representa a vivificação
da matéria pelo Espírito Santo, seja em sua forma latina,
onde se representa o Homem Celeste, o Cristo superno" (C.W.Leadbeater,
The Christian Creed, pp. 54-56).
"Seguindo o simbolismo da cruz latina, ou crucifixo, para dentro da
noite dos séculos passados, os investigadores esperavam que a figura
desaparecesse, deixando apenas, supunham eles, o emblema da cruz mais antigo.
Como se comprovou, o inverso é o que foi verificado, e eles se admiraram
de descobrir que a certa altura a cruz desapareceu, deixando apenas a figura
com os braços erguidos. Já não havia nenhum pensamento
de dor ou tristeza associado a tal figura, embora ainda falasse de sacrifício;
mas antes aparecia como símbolo da mais pura alegria que o mundo
pode conceber - a alegria de dar livremente - pois ele tipifica o Homem
Divino pairando no espaço com os braços erguidos em bênção,
espalhando seus dons para toda a humanidade, derramando livremente de Si
mesmo em todas as direções, descendo para dentro daquele 'denso
mar de matéria, para ser limitado, apertado e confinado lá,
a fim de que através desta descida nós possamos vir a ser"
(C.W.Leadbeater, The Christian Creed, pp. 56-57).
Este sacrifício é perpétuo, pois em todas as formas
neste universo de infinita diversidade esta vida está embutida, e
é seu próprio coração, o "Coração
do Silêncio" do ritual Egípcio, o "Deus Oculto".
Este sacrifício é o segredo da evolução. A Vida
Divina, encasulada dentro de uma forma, sempre pressiona para fora, de modo
que a forma possa se expandir, mas pressiona gentilmente, evitando que a
forma possa romper antes que tenha alcançado seu limite máximo
de expansão. Com paciência e tato e discrição
infinitos, o Ser Divino mantém a pressão constante que expande,
sem aplicar uma força que poderia destruir. Em todas as formas, no
mineral, no vegetal, no animal, no homem, esta energia expansiva do Logos
age sem cessar. Esta é a força evolucionária, a vida
que se alça dentro das formas, a energia expansiva que a ciência
vislumbra mas não sabe de onde vem. O botânico fala de uma
energia dentro da planta, que a faz crescer sempre para cima; ele não
sabe como, não sabe por que, mas ele lhe dá um nome - vis
a fronte - porque ele a encontra lá, ou antes encontra os seus resultados.
Do mesmo modo que na vida vegetal, igualmente nas outras formas, fazendo-as
mais e mais expressivas da vida que está dentro delas. Quando o limite
de cada forma é atingido e ela não pode crescer mais, de modo
que nada mais possa ser ganho através dela pela alma no interior
- aquele germe de Si mesmo que o Logos está cultivando - então
Ele retira Sua energia, e a forma se desintegra - o que chamamos de morte
e decomposição. Mas a alma está com Ele, e Ele modela
para ela uma outra forma, e a morte da forma é o nascimento da alma
numa vida mais plena. Se olharmos com o lho do Espírito em vez de
com os olhos da carne, não deveríamos chorar sobre uma forma,
que é um cadáver devolvendo os materiais de que foi feito,
mas deveríamos nos alegrar pela vida estar passando para uma forma
mais nobre, para neste processo imutável expandir os poderes ainda
latentes em si.
Através deste sacrifício perpétuo do Logos é
que toda a vida existe; é a vida pela qual o universo está
sempre em devir. Esta vida é Única, mas se encarna em miríades
de formas, sempre levando-as juntas e vencendo sua resistência. Assim
há uma Unificação [no original At-one-ment, jogo de
palavras impossível de traduzir, associando Atonement, 'expiação
ou sacrifício', e At-one-ment, 'tornar-um-só' - NT], uma força
unificante, pela qual as vidas separadas gradualmente se tornam conscientes
de sua unidade, trabalhando para desenvolver em cada uma a autoconsciência,
que finalmente deverá conhecer a si mesma una com todas as outras,
e, em sua raiz, Uma só e divina.
Este é o sacrifício primário e perene, e será
visto que constitui um derramamento de Vida dirigido pelo Amor, um derramamento
voluntário e jucundo do Eu para a criação de outros
Eus. Esta é "a alegria de meu Senhor" (Mateus, XXV, 21,
23, 31-45) no qual entra o servo fiel, seguido de modo significativo pela
declaração de que Ele estava faminto, sedento, nu, doente,
um estrangeiro numa prisão, tanto nos filhos dos homens auxiliados
como nos desamparados. Para o Espírito livre, dar-Se é uma
alegria, e Ele sente Sua vida de modo mais penetrante na medida em que mais
Se doa. E quando mais dá, mais cresce, pois a lei do crescimento
é que ele aumente quando se expande, e não quando se retira
- cresce no dar, e não no tirar. O sacrifício, então,
é motivo de alegria o Logos doar-Se para criar um mundo, e, vendo
o trabalho de Sua alma, fica satisfeito. (Isaías, LIII, 11).
Mas a palavra sacrifício passou a ser associada com sofrimento, e
em todos os ritos religiosos de sacrifício existe algum sofrimento,
mesmo que seja apenas um perda trivial para aquele que sacrifica. É
conveniente entendermos como ocorreu esta mudança, de modo que quando
a palavra "sacrifício" é usada, a conotação
instintiva á de dor.
A explicação é encontrada quando deixamos a Vida manifesta
e observamos as formas em que ela está corporificada, e consideramos
o sacrifício do ponto de vista das formas. Enquanto que a vida da
Vida é dar, a vida ou persistência da forma é tomar,
pois a forma se desagasta à medida em que é usada, diminui
à medida em que persiste. Se a forma deve continuar, ela deve retirar
material novo de fora de si mesma a fim de reparar suas perdas, senão
se gasta e se desfaz. A forma deve coletar, manter, construir em si mesma
o que recolheu, doutro modo não pode persistir; e a lei do crescimento
da forma é tomar e assimilar daquilo que o universo maior oferece.
Quando a consciência se identifica com a forma, considerando a forma
como seu eu, o sacrifício assume um aspecto doloroso; dar, entregar,
perder o que foi adquirido, é sentido como minar a persistência
da forma, e assim a Lei do Sacrifício se torna uma lei de dor em
vez de uma lei de júbilo.
O homem tem de aprender pela constante dissolução das formas,
e a dor envolvida no descarte serve para que ele não se identifique
com as formas efêmeras e mutáveis, mas sim com a vida em crescimento
perene, e esta lição lhe é ensinada não apenas
pela natureza externa, mas pelas lições deliberadas dos Instrutores
que lhe deram as religiões.
Podemos detectar nas religiões do mundo quatro estágios de
instrução na Lei do Sacrifício. Primeiro, o homem é
ensinado a sacrificar parte de suas posses materiais a fim de conseguir
prosperidade material, e são feitos sacrifícios em caridade
para com os homens e em oferendas a Deidades, como podemos ler nas escrituras
dos Hindus, dos Zoroastrianos, dos Hebreus, e de fato no mundo todo. O homem
abria mão de algo valorizado a fim de assegurar a prosperidade futura
para si mesmo, sua família, sua comunidade, sua nação.
Ele sacrificava no presente para ganhar no futuro. Em segundo lugar, veio
uma lição um pouco mais difícil de aprender; em vez
de prosperidade física e bens materiais, o fruto a ser ganho pelo
sacrifício seria a felicidade celeste. O Céu deveria ser ganho,
a felicidade deveria ser desfrutada no outro lado da morte - esta era a
recompensa pelos sacrifícios feitos durante a vida vivida na Terra.
Era dado um considerável passo adiante quando um homem aprendia a
desistir das coisas pelas quais seu corpo ansiava em prol de um bem distante
que ele não podia ver nem demonstrar. Ele aprendia a entregar o visível
em troca do invisível, e ao fazer isto subia na escala do ser, pois
tão grande é o fascínio do visível e do tangível
que um homem ser capaz de desistir disto por amor a um mundo invisível
no qual acredita significa ele ter adquirido muita força e que deu
um grande passo em direção à percepção
daquele mundo invisível. Repetidamente suportou-se o martírio,
enfrentou-se o vilipêndio, o homem aprendeu a permanecer só,
suportando tudo o que sua raça pudesse despejar-lhe em cima em termos
de sofrimento, miséria e vergonha, olhando o que está além
da tumba. Na verdade, ainda existe um desejo de glória celeste, mas
não é coisa pouca ser capaz de ficar sozinho sobre a Terra
fiando-se só na companhia espiritual, firmando-se na vida interior
enquanto tudo na exterior é tortura.
A terceira lição vem quando um homem, vendo-se parte de uma
vida maior, deseja sacrificar-se pelo bem do todo, e assim se torna forte
o bastante para reconhecer que o sacrifício é correto, que
uma parte, um fragmento, uma unidade no total da vida, deve se subordinar
ao todo, subordinar o fragmento à totalidade. Então ele aprendeu
a fazer o bem, sem ser afetado pelos resultados disto em sua própria
pessoa, aprendeu a cumprir o dever, sem desejar o resultado para si, aprendeu
a perseverar porque a perseverança estava correta não porque
seria coroada, aprendeu a dar porque os dons eram devidos à humanidade
e não porque seriam compensados pelo Senhor. A alma heróica
assim treinada estava pronta então para a quarta lição:
a de que o sacrifício de tudo o que constitui o fragmento separado
deve ser oferecido porque o Espírito não está na verdade
separado, mas é parte da Vida divina, e não conhece diferença,
não sente separação, o homem se doa como parte da Vida
Universal, e na expressão desta Vida ele compartilha da alegria de
seu Senhor.
É nos três primeiros estágios que encontramos o aspecto
sofrido do sacrifício. O primeiro importa apenas pequenos sofrimentos;
no segundo a vida física e tudo o que a Terra tem a oferecer deve
ser sacrificado; o terceiro é o grande período de teste, de
provação, de crescimento e evolução da alma
humana. Pois neste estágio o dever pode exigir tudo aquilo em que
a vida parece consistir, e o homem, ainda identificado em sentimento com
a forma, embora se conheça teoricamente transcendente, descobre que
é exigido dele tudo o que ele sente ser vida, e pergunta: "Se
eu entregar tudo, o que restará?" Parece que a própria
consciência haveria de cessar com esta entrega, pois deve abrir mão
de tudo o que percebe, e não vê nada para agarrar-se no outro
lado. Uma convicção sobrepujante, uma voz imperiosa, insta-o
para que entregue sua própria vida. Se ele recua, deve continuar
na vida de sensação, na vida de intelecto, na vida do mundo,
mas á medida que desfruta das alegrias a que não ousou renunciar,
encontra uma constante insatisfação, uma fome constante, uma
constante mágoa e falta de prazer no mundo, e ele percebe a verdade
do ditado de Cristo, de que "aquele que deseja manter sua vida, a perderá"
(Mateus, XVI, 25), e que a vida que ele amava e queria preservar, enfim,
está perdida. Mas se ele arrisca tudo obedecendo a voz que lhe fala,
se ele desiste de sua vida, ao perdê-la, encontra-se na vida eterna
(João, XII, 25), e descobre que a vida que ele entregou só
era uma morte em vida, que tudo o que ele entregou foi só a ilusão,
e que ele encontrou agora a realidade. Nesta escolha o metal de que é
feita a alma é testado, e somente o ouro puro sai da fornalha ardente,
ali onde a vida foi entregue, mas onde a vida foi ganha. E então
se segue a feliz descoberta de que a vida que foi ganha assim foi ganha
para todos, não para o eu separado, descobre que o abandono do eu
separado significou a realização do Eu no homem, e a renúncia
ao limite que só ele parecia tornar a vida possível significou
derramar-se em miríades de formas, numa vividez e plenitude sequer
sonhada, "o poder de uma vida infinita" (Hebreus, VII, 16).
Este é um esboço da Lei do Sacrifício, baseado no sacrifício
primordial do Logos, o Sacrifício de que todos os outros sacrifícios
são reflexos.
Vimos como o homem Jesus, o discípulo Hebreu, abandonou Seu corpo
em alegre entrega para que uma Vida superior pudesse descer e se encarnar
no forma que Ele sacrificou voluntariamente, e como por este ato de sacrifício
Ele se tornou um Cristo de plena estatura, para ser o Guardião do
Cristianismo, e derramar Sua vida na grande religião fundada pelo
poderoso Ser com quem o sacrifício o identificou. Vimos a Alma-Crística
passando através das grandes iniciações - nascida como
uma criancinha, descendo ao rio das tristezas do mundo, com as águas
com as quais ele deve ser batizado para seu ministério ativo, transfigurado
no Monte, conduzido à cena de seu último combate, e triunfando
sobre a morte. Agora temos que ver em que sentido ele é um expiador,
como na vida-Crística a Lei do Sacrifício encontra uma expressão
perfeita.
O início do que pode ser chamado o ministério do Cristo que
chegou à maturidade está naquela intensa e permanente simpatia
com as tristezas do mundo, o que é tipificado pela descida ao rio.
Deste tempo em diante a vida pode ser resumida na frase "Ele foi fazendo
o bem", pois aqueles que sacrificam sua vida separada para serem canais
da Vida divina não podem ter interesse neste mundo exceto o de ajudar
os outros. Ele aprende a se identificar com a consciência de todos
em seu redor, aprende a sentir como eles sentem, a pensar como eles pensam,
apreciar o que eles apreciam, a sofrer como eles sofrem, e assim ele leva
para sua vida desperta diária aquele mesmo senso de unidade com os
outros que ele experimenta nos domínios superiores do ser. Ele deve
desenvolver uma simpatia que vibre em perfeita harmonia com o múltiple
acorde da vida humana, para que possa ligar em si as vidas humanas e divinas,
e se tornar um mediador entre o Céu e a Terra.
Agora o poder está manifesto nele, pois o Espírito descansa
sobre ele, e ele começa a se evidenciar aos olhos dos homens como
um dos que são capazes de ajudar seus irmãos mais jovens a
trilharem o caminho da vida. À medida em que se juntam ao seu redor,
eles sentem o poder que emana dele, a Vida divina no legítimo Filho
do Altíssimo. As almas que estão famintas lhe acorrem e ele
as alimenta com o pão da vida; os doentes pelo pecado se aproximam,
e ele os cura com a palavra viva que sana a doença e restabelece
a inteireza da alma; os cegos pela ignorância se ajuntam perto dele,
e ele abre seus olhos com a luz da sabedoria. È a marca mais característica
em seu ministério que os mais inferiores e os mais pobres, os mais
desesperados e os mais degradados, não sintam nenhuma barreira de
separação quando se aproximam dele, sintam, à medida
em que se aglomeram à sua volta, as suas boas-vindas, e não
sua repulsa, pois ele irradia um amor que entende e que por isso jamais
deseja repelir. Por mais baixo que a alma possa estar, nunca sente a Alma-Crística
como estando acima de si, mas antes como estando ao seu lado, caminhando
com pés humanos no chão que elas mesmas estão caminhando;
porém, como cheio de um estranho poder soerguidor que as pões
de pé novamente e as enche também de um novo impulso e fresca
inspiração.
Assim ele vive e trabalha, um verdadeiro Salvador dos homens, até
que chegue o tempo em que ele deve aprender um outra lição,
perdendo por um período aquela consciência daquela Vida divina
da qual a sua se tornou cada vez mais a expressão. E esta lição
é que o verdadeiro centro da Vida divina reside no interior e não
no exterior. O Eu tem seu centro dentro de cada alma humana - verdadeiramente
Ele é "o centro em toda a parte", pois Cristo está
dentro de tudo, e Deus está em Cristo - e nenhuma vida corporificada,
nada "fora do Eterno" (Light in the Path, § 8) "pode
ajudá-lo em sua mais extrema necessidade. Ele tem de aprender que
a verdadeira unidade do Pai e do Filho deve ser encontrada dentro e não
fora, e esta lição só pode ser aprendida no mais extremo
isolamento, quando ele se sente esquecido pelo Deus fora de si mesmo. À
medida que esta prova se aproxima, ele clama pelos que lhe estão
mais perto para que vigiem com ele nesta hora de escuridão; e então,
pela ruptura de todas as simpatias humana, pelo fraquejar de todos os amores
humanos, ele se encontra arremessado de volta à vida do Espírito
divino, e pede a seu Pai, sentindo-se em união consciente com Ele,
que faça a taça passar. Tendo ficado totalmente só,
exceto por aquele Auxiliador divino, ele é digno de enfrentar o seu
último ordálio, onde o Deus externo a si se desvanece, e só
resta o Deus interior. "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?",
ecoa o amargo apelo do amor desorientado e do temor. A última solidão
se abate sobre ele, e ele se sente esquecido e solitário. Porém
jamais o Pai esteve mais perto do Filho do que no momento em que a Alma-Crística
se sente abandonado, pois quando ele toca a maior profundeza da aflição
a hora do seu triunfo começa a despontar. Pois agora ele aprende
que ele mesmo deve se tornar o Deus a quem ele chama, e ao sentir a última
dor da separação ele finalmente encontra a unidade eterna,
ele sente que a fonte da vida está dentro de si mesmo, e se torna
eterno.
Ninguém pode se tornar um Salvador pleno dos homens nem simpatizar
perfeitamente com todos os sofrimentos humanos a menos que tenha enfrentado
e vencido a dor e o medo e a morte sozinho, salvo pela ajuda que tem do
Deus interior. É fácil sofrer quando existe uma consciência
ininterrupta entre o mais elevado e mais baixo; antes, não há
sofrimento enquanto esta consciência permanece intacta, pois a luz
do superior torna impossível a treva inferior, e a dor não
é dor quando suportada diante do sorriso de Deus. Existe um sofrimento
que os homens têm de enfrentar, quando a treva está na consciência
humana e nem um brilho de luz a atravessa; ele deve conhecer a dor do desespero
sentido pela alma humana quando há apenas sombras de todos os lados,
quando a consciência vacilante não consegue encontrar uma só
mão para apertar. Todo Filho do Homem desce a esta escuridão,
antes que se erga triunfante; esta é a mais amarga experiência
pela qual todo Cristo passa, antes que seja "capaz de levar a salvação
a termo para todos eles" (Hebreus, VII, 25) que procuram o Divino através
dele.
Um tal ser se tornou verdadeiramente divino, um Salvador de homens, e ele
assume o trabalho do mundo para o qual tudo aquilo foi uma preparação.
Nele devem penetrar todas as forças que trabalham contra o homem,
a fim de que elas possam ser transformadas em forças que ajudam.
Assim ele se torna um dos centros da Paz do mundo, que transmutam as forças
de combate que de outra forma poderiam aniquilar o homem. Pois os Cristos
do mundo são estes centros de Paz para onde afluem todas as forças
conflitantes, para serem transformadas lá dentro e então derramadas
de volta como forças que trabalham para a harmonia. Parte dos sofrimentos
do Cristo que ainda não está perfeito reside nesta harmonização
das forças discordes do mundo. Embora um Filho, ele ainda aprende
pelo sofrimento e assim é "tornado perfeito" (Hebreus,
V, 8-9). A humanidade estaria ainda mais cheia de combates e tomada de conflitos
não fosse pelos Cristos-discípulos vivendo em seu meio, e
harmonizando muitas das forças conflitantes em paz.
Quando se diz que o Cristo sofre "pelos homens", que Sua força
substitui sua fraqueza, Sua pureza substitui seus pecados, Sua sabedoria
substitui sua ignorância, se diz uma verdade, pois o Cristo se torna
uno com os homens para que eles compartilhem com Ele, e Ele com eles. Não
há nenhuma substituição deles por Ele, mas o que acontece
é Ele levar as suas vidas para a Sua, e derramar a Sua vida na deles.
Pois, tendo se alçado até os planos da unidade, Ele é
capaz de compartilhar tudo o que adquiriu, de dar tudo o que ganhou. Ficando
acima do plano de separatividade e olhando para baixo, para as almas ainda
imersas na separatividade. Ele pode alcançar a todas, embora elas
não possam alcançar umas às outras. A água pode
correr de cima para muitas pipas, estando elas abertas para o reservatório
enquanto permanecem fechadas umas para as outras, e assim Ele pode enviar
Sua vida para cada alma. Só é preciso uma condição
para que um Cristo possa compartilhar Sua força com um irmão
mais jovem: que na vida individual a consciência humana se abra para
o divino, se mostre receptiva para com a vida ofertada, e tome o dom livremente
derramado. Pois Deus é tão reverente para com aquele Espírito
que é Ele mesmo no homem que Ele não derramará um fluxo
de força e vida a menos que aquela alma o deseje receber. Deve haver
a abertura embaixo, assim como um eflúvio de cima, a receptividade
da natureza inferior, assim como a prontidão do superior para dar.
Este é o elo entre Cristo e o homem, isto é o que as igrejas
chamam de o "derramamento da graça divina", isto é
o que se quer dizer com a "fé" necessária para tornar
a graça eficaz. Como Giordano Bruno uma vez colocou - a alma humana
tem janelas, e pode deixar estas janelas fechadas. O sol lá fora
está brilhando, a luz é imutável; deixe as janelas
serem abertas e a luz do sol há de entrar. A luz de Deus está
batendo nas janelas de cada alma humana, e quando as janelas são
descerradas, a alma se torna iluminada. Não há mudança
em Deus, mas há uma mudança no homem, e a vontade humana não
pode ser forçada, senão a Vida divina nele teria sua devida
evolução bloqueada.
Assim, em cada Cristo que surge a humanidade é elevada a um passo
mais alto, e por Sua sabedoria a ignorância do mundo é diminuída.
Cada homem se torna menos fraco por causa da Sua força, que se derrama
sobre a humanidade e penetra na alma individual. Desta doutrina, vista estreitamente,
e assim mal interpretada, nasceu a idéia da Expiação
vicária como uma transação legal entre Deus e o homem,
na qual Jesus assumiu o lugar do pecador. Não foi entendido que Aquele
que atingira tal altitude se tornara verdadeiramente uno com todos os Seus
irmãos; a identidade de natureza foi mal tomada como uma substituição
pessoal, e assim a verdade espiritual foi perdida na rudimentaridade de
uma troca judicial.
"Então ele passa a conhecer o seu lugar no mundo, a sua função
na natureza - e ser um Salvador e fazer expiação pelos pecados
do povo. Ele está no Coração mais interno do mundo,
no Santo dos Santos, como Sumo Sacerdote da Humanidade. Ele é uno
com todos os seus irmãos, não através de uma substituição
vicária, mas através da unidade de uma vida comum. Alguém
é pecador? Ele é pecador nele, para que sua pureza possa purgá-lo.
Há alguém triste? Nele ele é o homem das tristezas;
todo coração partido parte o seu, em cada coração
lancinado o seu também é lancinado. Alguém rejubila?
Nele ele também rejubila. Alguém deseja? Nele ele sente a
carência, para que possa saciá-la com sua total satisfação.
Ele tem tudo, e porque é dele, é de todos. Ele é perfeito,
então todos são perfeitos com ele. Ele é forte; quem
então pode ser fraco, já que ele está em todos? Ele
subiu até seu alto lugar para que pudesse dar a todos abaixo de si,
e ele vive a fim de que todos possam partilhar de sua vida. Ele ergue todo
o mundo consigo quando se ergue, o caminho fica mais fácil para todos
os homens porque ele o trilhou.
"Todo filho do homem pode se tornar um Filho de Deus assim, um Salvador
do mundo. Em cada Filho destes "Deus está manifesto na carne"
(I Timóteo, III, 16), a expiação que auxilia toda a
humanidade, o poder vivo que renova todas as coisas. Só uma coisa
é necessária para trazer este poder à atividade em
qualquer alma individual: a alma deve abrir a porta e deixá-Lo entrar.
Mesmo Ele, em tudo presente, não pode forçar Seu caminho contra
a vontade de Seu irmão, a vontade humana deverá poder manter-se
tanto contra Deus como contra o homem, e pela lei da evolução
ela deve associar-se voluntariamente com a ação divina, e
não ser quebrada numa submissão compulsória. Que a
vontade abra a porta e a vida inundará a alma. Enquanto a porta estiver
fechada a vida só gentilmente emitirá através dela
sua indescritível fragrância, para que a doçura de tal
fragrância possa conquistar, pois a barreira não pode ser vencida
pela força.
"Isto é, em parte, ser um Cristo; mas como a pena mortal poderá
espelhar o imortal, ou as palavras mortais falar do que está além
do poder de dizer? A língua não pode falar, a mente não
iluminada não pode entender aquele mistério do Filho que se
tornou uno com o Pai, carregando em Seu seio os filhos dos homens"
(Annie Besant, Theosophical Review, dezembro de 1898, pp. 344-346).
Aqueles que vão se preparar para se elevar a uma tal vida no futuro
devem começar mesmo já a trilhar na vida inferior a senda
da Sombra da Cruz. Nem deveriam duvidar de seu poder de subir, pois duvidar
disto seria duvidar do Deus em seu interior. "Tende fé em vós
mesmos", é uma das lições que vem da visão
superior do homem, pois aquela fé é na realidade fé
no Deus interior. Existe um modo pelo qual a sombra da vida Crística
possa recair sobre a vida comum dos homens, e é fazendo todo ato
como sacrifício, não pelo que irá resultar para o que
o executa, mas pelo que trará para os outros, e, na vida diária
comum de pequenos deveres, ações pequenas, interesses estreitos,
através da mudança dos motivos, e assim mudando tudo. Nada
na vida externa precisa necessariamente ser alterado, em qualquer vida pode
ser ofertado um sacrifício, Deus pode ser servido em qualquer ambiente.
Desenvolver a espiritualidade é assinalado não pelo que o
homem faz, mas pelo modo que o faz; a oportunidade de crescimento reside
não nas circunstâncias, mas na atitude do homem para com elas.
"E em verdade este símbolo da cruz pode ser para nós
uma pedra de toque para distinguir o bem do mal em muitas das dificuldades
da vida. 'Só aquelas ações através das quais
brilhe a luz da cruz são dignas da vida do discípulo', diz
um verso em um livro de preceitos ocultos, e isto é interpretado
como que tudo o que o aspirante faz deveria ser dinamizado pelo fervor do
amor auto-sacrificante. O mesmo pensamento aparece em um verso mais adiante:
'Quando alguém entra na senda, coloca seu coração sobre
a cruz; quando a cruz e o coração se tornarem um só,
então ele atingiu a meta'. Assim, talvez, possamos medir nosso progresso
observando se o que domina em nossas vidas é o egoísmo ou
o auto-sacrifício" (C.W.Leadbeater, The Christian Creed, pp.
61-62).
Toda vida que começa a se modelar deste modo está preparando
a gruta onde o Cristo Infante deverá nascer, e a vida se tornará
uma constante unificação [at-one-ment, no original; novamente
se reproduz o jogo de palavras citado antes entre atonement e at-one-ment
- NT], trazendo o divino mais e mais para dentro do humano. Toda vida semelhante
de desenvolverá na vida de um "Filho bem-amado" e terá
em si a glória do Cristo. Todos os homens podem trabalhar nesta direção
fazendo de cada ato e de cada poder um sacrifício, até que
o ouro seja separado da escória, e só reste o minério
puro.