O Cristianismo Esotérico
Ou
Os Mistérios Menores
Annie Besant
PREFÁCIO
O objetivo deste livro é sugerir certas linhas de pensamento sobre
as profundas verdades subjacentes ao Cristianismo, verdades geralmente consideradas
de modo superficial, e mui freqüentemente negadas. O generoso desejo
de dividir com todos o que é precioso, de disseminar amplamente verdades
inestimáveis, de não excluir ninguém da iluminação
do conhecimento, resultou em um zelo indiscriminado que vulgarizou o Cristianismo,
e tem apresentado seus ensinamentos sob uma forma que freqüentemente
repele o coração e aliena o intelecto. O mandamento de "pregar
o Evangelho a todas as criaturas" (Marcos, XVI, 15) - embora reconhecidamente
de autenticidade duvidosa - tem sido interpretado como proibindo o ensino
da Gnose só a poucos, e aparentemente ignorou o dito menos popular
do mesmo Grande Instrutor: "Não deis o que é santo aos
cães, nem lanceis vossas pérolas aos porcos" (Mateus,
VII, 6).
Este sentimentalismo espúrio - que se recusa a reconhecer as desigualdades
óbvias de inteligência e moralidade, e por isso rebaixa o ensino
do altamente evoluído para o nível alcançável
pelo menos evoluído, sacrificando o mais elevado ao menos elevado
de um modo que prejudica a ambos - não tinha lugar no viril bom senso
dos Cristãos primitivos. São Clemente de Alexandria diz incisivamente,
após aludir aos Mistérios: "Mesmo agora eu receio, como
é dito, 'lançar as pérolas aos porcos, para que não
as pisoteiem, e se voltem contra nós e nos despedacem'. Pois é
difícil exibir as palavras realmente puras e transparentes a respeito
da verdadeira Luz aos ouvintes suínos e despreparados" (Clemente
de Alexandria, Stromata, livro I, XII - Clarke's Ante-Nicene Christian Library).
Se o verdadeiro conhecimento, a Gnose, há de formar parte novamente
dos ensinos Cristãos, só poderá sê-lo com as
antigas restrições, e a idéia de o rebaixarmos às
capacidades dos menos evoluídos deve definitivamente ser abandonada..
Somente pelo ensino acima do nível de compreensão do pouco
evoluído pode ser aberto o caminho para uma restauração
do conhecimento arcano, e o estudo dos Mistérios Menores deve preceder
o dos Maiores. Os Maiores jamais serão publicados através
de livros; eles só podem ser transmitidos de Mestre a discípulo,
"da boca para o ouvido". Mas os Mistérios Menores, que
são o desvelar parcial de verdades profundas, podem ser restaurados
agora mesmo, e um volume como este tenciona delineá-los, e apresentar
a natureza dos ensinamentos que devem ser dominados. "Onde só
são dadas sugestões, a tranqüila meditação
sobre as verdades sugeridas com discrição faz que seus contornos
se tornem visíveis, e a luz mais clara obtida com a meditação
continuada aos poucos as apresentará mais completamente. Pois a meditação
aquieta a mente inferior, sempre engajada no pensamento sobre objetos externos,
e só quando a mente inferior fica tranqüila ela pode então
ser iluminada pelo Espírito. O conhecimento das verdades espirituais
deve ser obtido assim, a partir de dentro, e não de fora, do Espírito
divino cujo templo nós somos" (I Coríntios, III, 16),
e não de um Instrutor externo. Estas coisas são "discernidas
espiritualmente" por aquele divino Espírito interior, aquela
"mente de Cristo" da qual fala o Apóstolo (ibid., II, 14-16),
e esta luz interna é lançada sobre a mente inferior.
Este é o caminho da Sabedoria Divina, da verdadeira TEOSOFIA. Ela
não é, como alguns pensam, uma versão diluída
do Hinduísmo, ou do Budismo, ou do Taoísmo, ou de qualquer
religião particular. Ela é tão verdadeiramente Cristianismo
Esotérico como é Budismo Esotérico, e pertence igualmente
a todas as religiões, e a nenhuma com exclusividade. Esta é
a fonte das sugestões feitas neste pequeno volume, para o auxílio
daqueles que buscam a Luz - aquela "verdadeira Luz que ilumina todos
os homens que vêm ao mundo" (João, I, 9), embora a maioria
ainda não tenha aberto seus olhos para ela. Ela não traz a
Luz. Apenas diz: "Vêde a Luz!". Assim ouvimos. Ela apela
somente aos poucos que anseiam por mais do que os ensinamentos exotéricos
lhes dão. Pois ela não é dirigida para aqueles que
estão satisfeitos com os ensinamentos exotéricos, pois por
que o pão deveria ser forçado aos que não têm
fome? Para aqueles que têm fome, possa ela provar-se pão, e
não pedra.
CAPÍTULO I
O Lado Oculto das Religiões
Muitos, talvez a maioria, que virem o título deste livro, de imediato
objetarão, e negarão que haja qualquer coisa valiosa que possa
ser descrita corretamente como "Cristianismo Esotérico".
Existe uma idéia amplamente disseminada, e além disso muito
popular, de que não existe essa coisa de um ensino oculto em conexão
com o Cristianismo, e que "Os Mistérios", sejam Menores
ou Maiores, foram uma instituição puramente Pagã. O
próprio nome dos "Mistérios de Jesus", tão
familiar aos ouvidos dos Cristãos dos primeiros séculos, soaria
com um choque de surpresa nos de seus sucessores modernos, e, se mencionado
como denotando uma instituição especial e definida na Igreja
Primitiva, provocaria um sorriso de incredulidade. Na verdade tem se tornado
um motivo de gracejos que o Cristianismo não possua segredos, que
o que quer que tenha a dizer o diz para todos, e o que quer que tenha a
ensinar, ensina para todos. Suas verdades são supostas ser tão
simples que "um caminhante, embora tolo, não possa enganar-se
com elas", e o "Evangelho simples" se tornou uma frase feita.
É necessário, portanto, provar claramente que pelo menos na
Igreja Primitiva o Cristianismo não ficava nem uma vírgula
atrás das outras grandes religiões no fato de possuir um lado
oculto, e que ele guardava, como tesouro inestimável, os segredos
revelados em seus Mistérios somente a uns poucos escolhidos. Mas
antes de fazermos isto será bom considerarmos toda a questão
do lado oculto das religiões, e averiguarmos por que um tal lado
deve existir se uma religião há de ser forte e estável;
pois assim sua existência no Cristianismo parecerá uma conclusão
natural, e as referências a ele nos escritos dos Padres Cristãos
parecerão simples e naturais em vez de surpreendentes e ininteligíveis.
Como um fato histórico, a existência deste esoterismo é
demonstrável; mas pode ser demonstrado também que intelectualmente
é uma necessidade.
A primeira questão que devemos responder é: Qual é
o objetivo das religiões? Elas são dadas ao mundo por homens
mais sábios do que as massas do povo ao qual são outorgadas,
e têm o propósito de estimular a evolução humana.
A fim de fazer isto efetivamente elas devem atingir os indivíduos
e influenciá-los. Mas os homens não estão todos no
mesmo nível de evolução, a evolução poderia
ser figurada como uma escala progressiva, com homens em todos os estágios.
Os mais altamente evoluídos estão muito acima dos menos evoluídos,
tanto em inteligência como em caráter; as suas capacidades
de entender e de agir também variam em cada estágio. Portanto,
é inútil dar a todos o mesmo ensino religioso; aquilo que
ajudaria o homem intelectualizado seria inteiramente ininteligível
para o estúpido, enquanto que aquilo que lançaria o santo
em êxtase deixaria o criminoso inabalado. Se, por outro lado, o ensinamento
adequado para auxiliar o não inteligente é intoleravelmente
cru e tosco para o filósofo, enquanto que aquilo que redime o criminoso
é completamente inútil para o santo. Mesmo assim todos os
tipos (de pessoas) precisam de religião, de modo que cada um possa
se alçar a uma vida mais elevada do que aquela que está levando,
e nenhum tipo ou nível deve ser sacrificado a nenhum outro. A religião
deve ser tão graduada como a evolução, senão
falhará em seu objetivo.
A seguir vem a questão: De que modo as religiões procuram
estimular a evolução humana? As religiões buscam desenvolver
as naturezas moral e intelectual, e auxiliar a natureza espiritual a desabrochar.
Considerando o homem como um ser complexo, elas procuram tocá-lo
em todos os pontos de sua constituição, e portanto trazer
mensagens adequadas para cada um, ensinamentos adequados às mais
diversas necessidades humanas. Os ensinamentos devem portanto ser adaptados
a cada mente e coração a que são endereçados.
Se uma religião não alcança e adestra a inteligência,
se ela não purifica e inspira as emoções, terá
falhado em seu objetivo, até onde isso envolver a pessoa buscada.
Ela assim não apenas se dirige à inteligência e às
emoções, mas procura, como foi dito, estimular o desabrochar
da natureza espiritual. Ela responde àquele impulso interno que existe
na humanidade, e que está sempre impulsionando a raça para
diante. Pois fundo no coração de todos - amiúde suplantada
por situações transitórias, amiúde submersa
debaixo de interesses e ansiedades prementes - existe uma contínua
busca por Deus. "Assim como o cervo busca pelas fontes d'água,
assim busca" (Salmos, XIII, 1) a humanidade por Deus. A busca às
vezes é interrompida durante algum tempo, e o anelo parece desaparecer.
Fases são recorrentes na civilização e no pensamento,
daí que este grito do Espírito humano pelo Divino - buscando
sua fonte assim como a água busca seu nível, para tomar um
exemplo de Giordano Bruno - este anelo do Espírito humano por aquilo
que lhe é semelhante no universo, da parte pelo todo, parece aquietar-se,
parece ter-se desvanecido; não obstante o anelo reaparece e o Espírito
lança o mesmo grito. Sufocado por algum tempo, aparentemente destruído,
mesmo que a tendência do momento possa ser esta, ele se ergue de novo
e novamente com persistência imorredoura, repete-se sempre e sempre,
não importa quantas vezes tenha silenciado; e assim prova-se constituir
uma tendência inerente à natureza humana, e portanto uma parte
constituinte inerradicável. Aqueles que declaram triunfantes "Ora!,
está morto!" o encontram face a face de novo, e com a mesma
vitalidade. Aqueles que edificam sem dar-lhe espaço vêem seus
edifícios tão bem construídos derrocar como se abalados
por um terremoto. Aqueles que o sufocam encontram as mais brutas superstições
seguirem-se à negação. É tanto uma parte integral
da humanidade, que o homem terá alguma resposta aos seus questionamentos;
antes uma resposta falsa do que nenhuma. Se ele não puder encontrar
a verdade religiosa, ele abraçará o erro religioso antes do
que ficar sem religião alguma, e aceitará os ideais mais toscos
e incongruentes do que admitir a inexistência do ideal.
A religião, assim, satisfaz esta ânsia, e tomando conta do
constituinte humano que lhe dá surgimento, o treina, fortalece, purifica
e guia em direção ao seu fim próprio - a união
do Espírito humano com o divino, de modo "que Deus possa ser
tudo em todos" (I Coríntios, XV, 28).
A próxima pergunta com que nos deparamos neste estudo é: Qual
a origem das religiões? A isto foram dadas duas respostas nos tempos
modernos - a da Mitologia Comparada e a da Religião Comparada. Ambas
respaldam suas respostas em uma única base comum de fatos admitidos.
A pesquisa provou irrefutavelmente que as religiões do mundo são
marcadamente semelhantes nos seus ensinamentos principais, na existência
de Fundadores que apresentam poderes sobre-humanos e extraordinária
elevação moral, nos seus preceitos éticos, no seu uso
de meios para entrar em contato com os mundos invisíveis, e nos símbolos
pelos quais expressam suas crenças principais. Esta similaridade,
chegando em muitos casos até a identidade, prova - de acordo com
ambas escolas - uma origem comum.
Mas sobre a natureza desta origem comum as duas escolas estão em
litígio. Os Mitologistas Comparados pretendem que a origem comum
seja a ignorância comum, e que as mais elevadas doutrinas religiosas
sejam simplesmente expressões refinadas das crenças cruas
e bárbaras dos selvagens, dos homens primitivos, a respeito de si
mesmos e do seu ambiente. O animismo, o fetichismo, o culto à natureza,
o culto ao sol - estes são os constituintes do barro primevo do qual
brotou o esplêndido lírio da religião. Um Krishna, um
Buda, um Lao-Tsé, um Jesus, são altamente civilizados, mas
descendentes diretos do curandeiro dançante do selvagem. Deus é
uma fotografia compósita dos inumeráveis Deuses, os quais
são personificações das forças da natureza.
E assim por diante. E é tudo resumido na frase: as religiões
são ramos de um tronco único - a ignorância humana.
A Religião Comparada considera, por outro lado, que todas as religiões
sejam originadas dos ensinamentos dos Homens Divinos, que dão a diferentes
nações do mundo, de tempos em tempos, as partes das verdades
fundamentais da religião que os povos são capazes de receber,
ensinando sempre a mesma moralidade, inculcando o uso de meios similares,
empregando os mesmos símbolos significativos. As religiões
selvagens - animismo e o resto - são degenerações,
resultados da decadência, distorcidos e atrofiados descendentes das
verdadeiras crenças religiosas. O culto ao sol e as formas puras
de culto à natureza foram, em seus dias, nobres religiões,
altamente alegóricas, mas cheias de verdade e conhecimento profundos.
Os grandes Instrutores - como é proclamado pelos Hinduístas,
Budistas, por alguns que estudam a Religião Comparada, como os Teosofistas
- formam uma Fraternidade perene de homens que se elevaram para além
da humanidade, que aparecem em certas épocas para iluminar o mundo,
e que são os guardiães espirituais da raça humana.
Esta visão pode ser resumida na frase: "As religiões
são ramos de um tronco único - a Sabedoria Divina".
Esta Sabedoria Divina é chamada de Sabedoria, Gnose, Teosofia, e
alguns, em diferentes eras do mundo, desejaram enfatizar assim sua crença
nesta unidade das religiões preferindo o nome eclético de
Teosofia, antes do que qualquer designação mais estreita.
O valor relativo dos argumentos das duas escolas opostas deve ser julgado
pela reunião das evidências apresentadas por cada uma. A aparição
de uma forma degenerada de uma idéia nobre pode semelhar-se muito
ao produto refinado de uma idéia grosseira, e o único método
de discernir entre degeneração e evolução seria
o exame, se possível, de formas ancestrais intermediárias
e remotas. A evidência trazida pelos crentes na Sabedoria é
deste tipo. Eles alegam que os Fundadores das religiões, a julgar
pelo registro de seus ensinamentos, estavam muito acima do nível
médio da humanidade; que as Escrituras das religiões contêm
preceitos morais, ideais sublimes, aspirações poéticas,
profundas asserções filosóficas, dos quais sequer se
aproximam em beleza e elevação os escritos posteriores nas
mesmas religiões - isto é, que o antigo é mais elevado
do que o novo, em vez de o novo ser mais elevado que o antigo -; que não
pode ser demonstrado nenhum caso do processo de refinamento e melhoramento
suposto ser a fonte das religiões atuais, enquanto que podem ser
apresentados muitos casos de degeneração de ensinos puros;
que mesmo entre os selvagens, se suas religiões forma cuidadosamente
estudadas, muitos traços de idéias elevadas podem ser encontrados,
idéias que obviamente estão acima da capacidade dos próprios
selvagens em produzi-las.
Esta última idéia foi desenvolvida por Andrew Lang, que -
a julgar pelo seu livro The Making of Religion - deveria ser classificado
como adepto da Religião Comparada antes do que da Mitologia Comparada.
Ele aponta para a existência de uma tradição comum,
a qual, alega ele, não pode ter sido desenvolvida pelos selvagens
por si mesmos, sendo homens cujas crenças ordinárias são
do tipo mais tosco e cujas mentes são pouco desenvolvidas. Ele mostra,
debaixo de crenças brutas e visões degradadas, elevadas tradições
de um caráter sublime, chegando mesmo a tratar da natureza do Ser
Divino e Suas relações com os homens. As deidades adoradas
são, em sua maior parte, verdadeiros demônios, mas por trás,
para além de todos eles, existe uma tênue mas gloriosa Presença
acima de tudo, raramente ou nunca nomeada, mas sussurrada como sendo a fonte
de tudo, como poder, amor e bondade, terna demais para despertar terror,
boa demais para requerer preces. Tais idéias manifestamente não
podem ter sido concebidas pelos selvagens onde são encontradas, e
elas permanecem como testemunhos eloqüentes da revelação
feita por algum grande Instrutor - do qual geralmente é detectável
um vestígio de tradição - que era Filho da Sabedoria,
e que comunicou alguns de seus ensinamentos em uma era há muito passada.
A razão, e na verdade a justificação, da visão
dos que assumem a Mitologia Comparada é patente. Eles encontram em
todas as direções formas inferiores de fé religiosa,
existindo entre tribos selvagens. Isto foi visto como acompanhamento da
falta geral de civilização. Considerando os homens civilizados
evoluindo dos não civilizados, o que seria mais natural do que considerar
a religião civilizada derivando da religião não civilizada?
È a primeira idéia óbvia. Só um estudo posterior
e mais profundo pode mostrar que os selvagens de hoje não são
nossos protótipos ancestrais, mas são a prole degenerada de
grandes raças civilizadas do passado, e que o homem em sua infância
não foi deixado crescer sem treinamento, mas foi cuidado e educado
pelos mais velhos, de quem ele recebeu sua primeira orientação
tanto em religião como em civilização. Esta visão
está sendo substanciada por fatos tais como aqueles abordados por
Lang, e logo suscitará a pergunta: "Quem foram estes mais velhos,
dos quais são encontradas tradições em todo lugar?"
Ainda prosseguindo em nossa pesquisa, passamos à próxima questão:
A que povos as religiões foram dadas? E aqui de imediato chegamos
a uma dificuldade com a qual todo Fundador de religião deve lidar,
aquela já mencionada envolvendo o objetivo primário da própria
religião, a estimulação da evolução humana,
com seu corolário de que todos os graus da humanidade em evolução
devem ser considerados por Ele. Homens em todos os estágios de evolução,
do mais bárbaro ao mais desenvolvido; são encontrados homens
de elevada inteligência, mas também de mentalidade a mais subdesenvolvida;
em um local existe uma civilização altamente desenvolvida
e complexa, em outro, uma política crua e simples. Mesmo dentro de
cada civilização encontramos os tipos mais variados - o mais
ignorante e o mais educado, o mais pensativo e o mais relaxado, o mais espiritual
e o mais brutal; mesmo assim cada um destes tipos deve ser alcançado,
e cada um deve ser ajudado no estágio em que estiver. Se a evolução
for uma verdade, esta dificuldade é inevitável, e deve ser
enfrentada e superada pelo Instrutor divino, senão Sua obra será
um fracasso. Se o homem está evoluindo como tudo em seu redor está
evoluindo, estas diferentes de desenvolvimento, estes variados graus de
inteligência devem ser uma característica da humanidade em
toda parte, e devem receber atenção em cada religião
do mundo.
Assim somos trazidos face a face à evidência de que não
pode haver só um e o mesmo ensino religioso sequer para uma só
nação, muito menos para uma civilização que
seja, ou para o mundo todo. Se houver apenas um ensino, um grande número
daqueles a quem seria endereçada escapariam inteiramente á
sua influência. Se for conformada àqueles cuja inteligência
é limitada, cuja moralidade é elementar, cujas percepções
são obtusas, de modo que possa ajudá-los e treiná-los,
capacitando-os assim a evoluir, seria uma religião completamente
inadequada para aqueles homens, vivendo na mesma civilização,
que têm percepções morais finas e delicadas, inteligência
brilhante e sutil, e uma espiritualidade em evolução. Mas
se, por outro lado, esta última classe há de ser auxiliada,
se à inteligência há de ser dada uma filosofia que possa
ser considerada admirável, se as delicadas percepções
morais hão de ser ainda mais refinadas, se à natureza espiritual
que desperta há de ser possibilitado que frutifique até a
plenitude, então a religião deve ser tão espiritual,
tão intelectual, e tão moral, que quando for pregada à
primeira classe não tocará suas mentes ou seus corações,
para eles será como um rosário de frases sem sentido, incapazes
de suscitar sua inteligência latente, ou de dar-lhes qualquer padrão
de conduta que os ajude a evoluir para uma moralidade mais pura.
Olhando, então, para estes fatos a respeito da religião, considerando
seu objetivo, seus meios, sua origem, a natureza e variadas necessidades
dos povos a quem foi endereçada, reconhecendo a evolução
das faculdades espirituais, intelectuais e morais no homem, e a necessidade
de cada homem por um treinamento tal que lhe seja adequado para o estágio
de evolução em que chegou, somos conduzidos à absoluta
necessidade de um ensinamento religioso variado e graduado tal que atenda
a estas diferentes necessidades e ajude a cada homem em sua própria
posição.
Existe ainda uma outra razão pela qual o ensinamento esotérico
é desejável a respeito de certas classes de verdades. Este
é eminentemente o fato a respeito desta classe que "conhecimento
é poder". A promulgação pública de uma
filosofia profundamente intelectual, suficiente para treinar um intelecto
altamente desenvolvido e atrair a adesão de uma mente excelsa, não
pode prejudicar ninguém. Pode ser pregada sem hesitação,
pois não atrai o ignorante, que se afastará dela considerando-a
seca, rígida e desinteressante. Mas existem ensinamentos que tratam
da constituição da natureza, explicam leis recônditas,
e lançam luz sobre processos ocultos, cujo conhecimento dá
controle sobre energias naturais, e capacitam seu possuidor a dirigir estas
energias para certos fins, do mesmo modo que o químico lida com a
produção de compostos químicos. Tal conhecimento pode
ser bastante útil para homens altamente evoluídos, e pode
aumentar seu poder de servir a raça. Mas se este conhecimento fosse
publicado ao mundo, poderia ser e seria mal empregado, assim como o conhecimento
de venenos sutis foi mal empregado na Idade Média pelos Borgia e
por outros. Passaria às mãos de pessoas de poderoso intelecto,
mas de desejos descontrolados, homens movidos por instintos separativistas,
procurando o lucro para seus eus separados e descuidados do bem comum. Eles
seriam atraídos pela idéia de ganhar poderes que os colocariam
acima do nível geral, e poriam a humanidade à sua mercê,
e correriam para adquirir o conhecimento que exalta seus possuidores a uma
posição super-humana. Com esta posse, eles se tornariam ainda
mais egoístas e confirmados em sua separatividade, seu orgulho seria
alimentado e seu senso de distanciamento intensificado, e assim eles inevitavelmente
seriam levados pela estrada que leva ao diabolismo, a Senda da Mão
Esquerda, cuja meta é o isolamento e não a união. E
não só eles sofreriam em sua natureza interna, mas também
se tornariam uma ameaça à Sociedade, que já sofre o
suficiente nas mãos de homens cujo intelecto é mais evoluído
que sua consciência. Disto emerge a necessidade de ocultar certos
ensinamentos daqueles que, moralmente, ainda não estão prontos
para recebê-los; e esta necessidade pesa sobre todo Instrutor capaz
de transmitir este conhecimento. Ele deseja dá-lo àqueles
que usarão para o bem comum, para estimular a evolução
humana, os poderes que o conhecimento confere; mas ele deseja igualmente
não ter parte alguma no dá-lo àqueles que o usariam
para seu próprio engrandecimento à custa dos outros.
Tampouco isso é um assunto teórico, de acordo com os Registros
Ocultos, que dão detalhes dos eventos aludidos no Gênesis VI
et seq. Este conhecimento, naqueles antigos dias e no continente de Atlantis,
foi dado sem nenhum requisito rígido a respeito da elevação
moral, pureza e altruísmo dos candidatos. Aqueles que eram intelectualmente
qualificados eram ensinados, assim como aos homens são ensinadas
as ciências comuns nos dias modernos. A publicidade que ora é
exigida tão imperiosamente foi dada então, com o resultado
de que os homens se tornaram gigantes em conhecimento mas também
gigantes no mal, até que a Terra gemeu debaixo de seus opressores
e o grito de uma humanidade arrasada ecoou através dos mundos. Então
sucedeu-se a destruição de Atlantis, o afundamento daquele
vasto continente debaixo das águas do oceano, do que alguns detalhes
são dados nas Escrituras Hebraicas através da história
de Noé e o dilúvio, e, nas Escrituras Hindus, na história
do Manu Vaivasvata.
Desde aquela experiência do perigo de permitir-se mãos impuras
tocar no conhecimento que é poder, os grandes Instrutores impuseram
rígidas condições sobre pureza, altruísmo e
autocontrole para todos os candidatos àquela instrução.
Eles terminantemente recusam transmitir conhecimento deste tipo a quem quer
que seja que não se sujeite a uma rígida disciplina, planejada
para eliminar a separatividade de sentimento e interesses. Eles avaliam
a força moral do candidato ainda mais do que seu desenvolvimento
intelectual, pois o próprio conhecimento desenvolverá o intelecto,
enquanto ele coloca um freio sobre a natureza moral. É muito melhor
que os Grandes sejam acusados pelo ignorante, por Seu suposto egoísmo
em reter o conhecimento, do que Eles terem de precipitar o mundo em outra
catástrofe Atlante.
Apresentamos muita teoria sobre a necessidade de um lado oculto em todas
as religiões. Quando da teoria passamos aos fatos, naturalmente perguntamos:
Este lado oculto existiu no passado, formando parte das religiões
do mundo? A resposta deve ser uma imediata e convicta afirmativa; todas
as grandes religiões têm alegado possuir um ensinamento oculto,
e têm declarado que ele é o repositório do conhecimento
místico - ou oculto - teórico, e ainda mais do prático.
A explicação mística de ensino popular era pública,
e a expunha como alegoria, dando a asserções e histórias
cruas e irracionais um significado que o intelecto pudesse aceitar. Por
trás deste misticismo teórico, assim como por trás
do popular, existia além o misticismo prático, um ensino espiritual
oculto, que só era concedido sob condições muito definidas,
condições conhecidas e divulgadas, que deviam ser preenchidas
por todos os candidatos. São Clemente de Alexandria menciona esta
divisão dos Mistérios. Ele diz que depois da purificação
"há os Mistérios Menores, que têm alguma base de
instrução e de preparação preliminar para o
que vem depois, e os Grandes Mistérios, através dos quais
nada resta para aprender do universo, mas só para contemplar e compreender
a natureza e as coisas" (Stromata, livro V, cap. XI. Ante-Nicene Christian
Library (A.-N.C.L), vol. XII).
Esta posição não pode ser considerada controversa a
respeito das antigas religiões. Os Mistérios do Egito eram
a glória daquela terra antiga, e os mais nobres filhos da Grécia,
como Platão, foram para Saís e para Tebas para serem iniciados
pelos Instrutores de Sabedoria egípcios. Os Mistérios Mitraicos
dos persas, os Mistérios Órficos e Báquicos e mais
tarde os semiMistérios Eleusinos dos gregos, os Mistérios
da Samotrácia, Cítia, Caldéia, de nome são familiares,
senão pelo menos como frases feitas. Mesmo nas formas extremamente
diluídas dos Mistérios Eleusinos, seu valor é mui altamente
louvado pelos mais eminentes homens da Grécia, como Píndaro,
Sófocles, Isócrates, Plutarco, e Platão. Eles eram
considerados especialmente úteis com relação à
existência pós-morte, e o iniciado aprendia aquilo que garantiria
sua futura felicidade. Sopater alegou ainda que a Iniciação
estabelecia uma afinidade da alma com a Natureza divina, e no exotérico
Hino a Deméter são feitas referências veladas ao santo
infante, Iacchus, e à sua morte e ressurreição, assim
como eram apresentadas nos Mistérios (vide o artigo "Mistérios",
Encyclopaedia Britannica, 9ª ed. inglesa).
De Jâmblico, o grande teurgo dos séculos III e IV, muito pode
ser aprendido sobre o objetivo dos Mistérios. Teurgia era magia,
"a última parte da ciência sacerdotal" (Psellus,
citado por T. Taylor em Iamblicus on the Mysteries, p.343, nota na p. 23,
2ª ed.) e era praticada nos Grandes Mistérios para evocar a
aparição de Seres superiores. A teoria sobre onde se baseiam
estes Mistérios pode ser apresentada brevemente da seguinte forma:
Existe UM, antes de todos os seres, imóvel, habitando na solidão
de Sua própria unidade. D'AQUELE surge o Deus Supremo, o Auto-engendrado,
a Bondade, a Fonte de todas as coisas, a Raiz, o Deus dos Deuses, a Causa
Primordial, desdobrando-Se em Luz (Iamblicus, sic ante, p. 301). D'Ele brota
o Mundo Inteligível, ou universo ideal, a Mente Universal, Nous,
e os Deuses incorpóreos ou inteligíveis relacionados a ela.
Dali surge a Alma Mundial, a que pertencem "as formas intelectuais
divinas que existem junto dos corpos visíveis dos Deuses" (Ibid.,
p. 72). Então derivam várias hierarquias de seres super-humanos,
Arcanjos Arcontes (Regentes) ou Cosmocratores, Anjos, Gênios [Daimons,
no original - NT], etc. O Homem é um ser de ordem inferior, aliado
àqueles em sua natureza, e capaz de conhecê-los; seu conhecimento
era adquirido nos Mistérios, e conduzia á união com
Deus (O artigo Mysteries da Enc. Britannica tem a seguinte continuação
no ensinamento de Plotino [204-206 dC]: "O UM [o deus Supremo citado
antes] é exaltado acima de nous e das idéias; transcende toda
a existência e não é cognoscível pela razão.
Permanecendo Ele mesmo em repouso, como que irradia de sua própria
plenitude uma imagem de Si mesmo, chamada nous, e que constitui o sistema
de idéias do mundo inteligível. A alma por sua vez é
a imagem ou produto de nous, e a alma por seu movimento toma matéria
corpórea. A alma deste modo olha para dois caminhos - para nous,
de onde se origina, e para a vida material, que é seu próprio
produto. O esforço ético consiste em repudiar o sensível;
a existência material é em si um estranhamento em relação
a Deus... Para atingir sua meta última, o próprio pensamento
deve ser deixado para trás, pois o pensamento é uma forma
de movimento, e o desejo da alma é pelo descanso imóvel que
pertence ao UM. A união com a deidade transcendente não é
tanto conhecimento ou visão, mas êxtase, coalescência,
contato. O Neoplatonismo é assim antes de tudo um sistema de completo
racionalismo; é pressuposto, em outras palavras, que a razão
seja capaz de mapear todo o sistema das coisas. Mas, porquanto Deus seja
afirmado estar além da razão, o misticismo se torna de certo
modo o necessário complemento do todo-abrangente racionalismo último.
O sistema culmina em um ato místico"). Nos Mistérios
estas doutrinas eram expostas, "a progressão do UM, e a regressão
de todas as coisas para o UM, e a completa supremacia do UM" (Iamblichus,
sic ante, p. 73), e, mais ainda, estes diferentes Seres eram evocados, e
apareciam, algumas vezes para ensinar, algumas vezes, por Sua mera presença,
para elevar e purificar. "Os Deuses", diz Jâmblico, "sendo
benevolentes e propícios, concediam sua luz aos teurgos com abundância
generosíssima, chamando as almas deles para cima, para si mesmos,
buscando que se unissem a si mesmos, e acostumando-as, enquanto ainda estando
em corpos, a ser separadas dos corpos, e ser levadas diretamente ao seu
princípio eterno e inteligível" (Ibid., pp. 55-56). Pois
"a alma, tendo uma vida dupla, uma em conjunção ao corpo,
mas outra separada de todos os corpos" (Ibid., pp. 118-119), e "é
muitíssimo necessário aprender a separá-la do corpo,
para que ela possa unir-se aos Deuses por sua parte intelectual e divina,
e aprender os genuínos princípios do conhecimento, e as verdades
do mundo inteligível" (Iamblichus, pp. 118-119). "A presença
dos Deuses, em verdade, concede-nos saúde de corpo, virtude de alma,
pureza de intelecto e, numa palavra, eleva tudo em nós até
sua própria natureza. Ela (a presença dos Deuses) exibe o
que não é corpo como corpo aos olhos da alma" (Ibid.,
pp. 95-100). Quando os Deuses aparecem, a alma recebe "uma liberação
das paixões, uma perfeição transcendente, e uma energia
inteiramente mais excelente, e participa do amor divino e de uma imensa
alegria" (Ibid. p. 101). "Com isso ganhamos uma vida divina, e
somos tornados em realidade divinos" (ibid., p. 330).
O ponto culminante dos Mistérios era quando o Iniciado se tornava
um deus, seja pela união com um Ser divino fora de si, seja pela
percepção do Eu divino em si. Isso era chamado êxtase,
e era um estado que o Yogi indiano chamaria Samadhi, sendo posto em transe
o corpo denso e a alma liberta efetuando sua própria união
com o Grande Ser. Este "êxtase não é propriamente
falando uma faculdade, é um estado da alma, que a transforma de tal
modo que então ela percebe o que antes estava oculto de si. O estado
não era permanente antes que nossa união com Deus fosse irrevogável;
aqui, na vida terrena, o êxtase não passa de um instante...
O homem pode cessar de ser homem, e passar a ser Deus; mas o homem não
pode ser Deus e homem ao mesmo tempo"(G.R.S.Mead, Plotinus, p. 42-43).
Plotino declara ter atingido este estado "somente três vezes".
Também Proclo ensinou que a única salvação da
alma era retornar à sua forma intelectual, e assim escapar do "ciclo
de geração, das peregrinações multiplicadas",
e atingir o verdadeiro Ser, "a energia simples e uniforme do período
de igualdade [sameness, no original - NT], em vez do movimento abundantemente
errante do período em que é caracterizada pela diferença".
Esta é a vida procurada pelos iniciados por Orfeu nos Mistérios
de Baco e Prosérpina, e este é o resultado da prática
das virtudes purificativas, ou catárticas (Iamblichus, p. 364, nota
na p. 134).
Estas virtudes eram necessárias para os Grandes Mistérios,
já que estavam relacionadas à purificação do
corpo sutil, no qual a alma atuava quando fora do corpo denso. As virtudes
políticas ou práticas pertenciam à vida comum dos homens,
e era requerido que existissem em certo grau antes que ele pudesse ser candidato
mesmo para uma Escola tal como a descrita antes. Então vinham as
virtudes catárticas, pelas quais o corpo sutil, o das emoções
e da mente inferior, era purificado; em terceiro lugar vinham as virtudes
intelectuais, pertencendo ao Augoeides, ou a forma luminosa do intelecto;
em quarto, as contemplativas, ou paradigmáticas, pelas quais era
realizada a união com deus. Porfírio escreve: "Aquele
que age de acordo com as virtudes práticas é um homem digno;
mas o que age de acordo com as virtudes purificativas é um homem
angélico, ou também um gênio [daimon, no original -
NT] bom. Aquele que atua de acordo só com as virtudes intelectuais
é um Deus; mas o que age de acordo com as virtudes paradigmáticas
é o Pai dos Deuses" (G.R.S.Mead, Orpheus, pp. 285-286).
Também era dada muita instrução nos Mistérios
pelas hierarquia angélica e outras, e de Pitágoras, o grande
instrutor que foi iniciado na Índia, e que deu "o conhecimento
das coisas que são" aos seus discípulos eleitos, é
dito ter possuído um conhecimento tal de música que ele podia
usá-la para controlar as mais selvagens paixões dos homens,
e para iluminar suas mentes. São dados exemplos disto por Jâmblico
em sua Vida de Pitágoras. Parece provável que o título
de Teodidacto ["ensinado por Deus" - NT], dado a Amônio
Saccas, o mestre de Plotino, se referia menos à sublimidade de seus
ensinamentos do que á divina instrução por ele recebida
nos Mistérios.
Alguns dos símbolos usados são explicados por Jâmblico
(Iamblicus, p. 864, nota na p. 134) que diz para Porfírio remover
de seu pensamento na imagem da coisa simbolizada e chegar em seu significado
intelectual. Assim "lodo" significa tudo o que é corpóreo
e material; o "Deus sentado sobre o lótus" significava
que Deus transcendia tanto o lodo quanto o intelecto, simbolizado pelo lótus,
e estava estabelecido em Si mesmo, estando sentado. Seu domínio sobre
o mundo era figurado na expressão "navegando em um barco",
e assim por diante (Ibid., p. 205 et seq). Sobre este uso dos símbolos
Proclo assinala que "o método Órfico almejava a revelação
das coisas divinas por meio de símbolos, um método comum a
todos os escritores sobre a sabedoria divina" (G.R.S. Mead, Orpheus,
p. 59).
A Escola Pitagórica na Magna Grécia foi fechada no final do
século VI aC, devido à perseguição do poder
civil, mas outras comunidades existiam, preservando a tradição
sagrada (Ibid., p. 30). Mead declara que Platão a intelectualizara
a fim de protegê-la de uma crescente profanação, e os
ritos Eleusinos preservaram algumas de suas formas, tendo perdido sua substância.
Os Neoplatônicos herdaram de Pitágoras e Platão, e seus
trabalhos deveriam ser estudados por aqueles que percebiam algo da grandeza
e beleza preservadas para o mundo nos Mistérios.
A Escola Pitagórica em si serve como um protótipo da disciplina
aplicada. Sobre isto Mead fornece muitos detalhes interessantes (G.R.S.Mead,
Orpheus, p. 263 e 271) e assinala: "Os autores da antigüidade
concordam que esta disciplina havia conseguido produzir os mais altos exemplos,
não só da mais pura castidade e sentimento, mas também
uma simplicidade de modos, uma delicadeza e um gosto por buscas sérias,
que não tinha paralelo. Isto é admitido até mesmo pelos
escritores Cristãos". A Escola tinha discípulos externos,
liderando a vida familiar e social, e a citação acima se refere
a eles. Na Escola interna havia três graus - o primeiro, dos Ouvintes,
que estudavam por dois anos em silêncio, fazendo o melhor possível
para dominar os ensinamentos; o segundo era dos Mathematici, onde era ensinada
a geometria e a música, a natureza do número, da forma, da
cor e do som; o terceiro grau era dos Physici, que dominavam a cosmogonia
e a metafísica. Isto levava aos verdadeiros Mistérios. Os
candidatos à Escola deveria ser "de uma reputação
imaculada e de uma disposição tranqüila".
A estreita identidade entre os métodos e objetivos seguidos nestes
diversos Mistérios e aqueles do Yoga na Índia é patente
até ao observador mais superficial. Não é, contudo,
necessário supormos que as nações da antigüidade
beberam na Índia; todas beberam de uma única fonte, a Grande
Loja da Ásia Central, que enviava seus Iniciados a todas as terras.
Todos eles ensinavam as mesmas doutrinas, seguiam os mesmos métodos,
conduzindo aos mesmos fins. Mas havia muita intercomunicação
entre os Iniciados de todas as nações, e havia uma linguagem
comum e um simbolismo comum. Deste modo Pitágoras esteve entre os
Indianos, e recebeu na Índia uma alta Iniciação, e
Apolônio de Tyana mais tarde seguir suas pegadas. Muito indianas em
sua forma assim como em seu pensamento foram as palavras de Plotino no seu
leito de morte: "Agora procuro levar de volta o Eu em mim ao Eu de
tudo" (G.R.S.Mead, Plotinus).
Entre os Hinduístas o dever de ensinar o conhecimento supremo só
ao digno era estritamente enfatizado. "O mais profundo mistério
da culminação do conhecimento... não deve ser declarado
a alguém que não seja um filho ou um discípulo, e a
quem não é tranqüilo de mente" (Shvetâshvataropanishad,
VI, 22). Novamente, depois de um resumo de Yoga, lemos: "Levantai!
Despertai! Tendo encontrado os Grandes Seres, ouvi! O caminho é tão
difícil de andar como se fora a fina lâmina de uma navalha.
Assim diz o sábio" (Kathopanishad, III, 14). O Mestre é
necessário, pois o ensinamento escrito sozinho não basta.
A "culminação do conhecimento" é conhecer
a Deus - e não apenas acreditar; é se tornar uno com Deus
- não somente adorá-lo à distância. O homem deve
conhecer a realidade da Existência divina, e então conhecer
- não apenas vagamente acreditar ou ter esperança - que seu
Eu mais profundo é uno com Deus, e que o objetivo da vida é
perceber [realise no original - pode ser entendido tanto como perceber como
no sentido de realizar, levar a cabo - NT] esta unidade. A menos que a religião
possa guiar um homem até esta realização, será
somente "como um sino que toca ou um guizo que retine" (I Coríntios,
VI, 17).
Também foi dito que o homem deveria aprender a deixar o corpo denso:
"Que um homem a separe (a alma) com firmeza de seu próprio corpo,
como o cerne do talo de capim de seu invólucro" (Kathopanishad,
VI, 17). E foi escrito: "No mais elevado corpo dourado reside o Brahman
imaculado, imutável; Ele é a radiosa, branca Luz das luzes,
conhecida dos que conhecem o Eu" (Mundakopanishad, II, II, 9). "Quando
o vidente vir o Criador dourado, o Senhor, o Espírito, cujo seio
é Brahman, então, tendo arrojado de si mérito e demérito,
imaculado, o sábio atinge a mais elevada união" (Ibid.,
III, I, 3).
Tampouco estavam os Hebreus desprovidos de seu conhecimento secreto e suas
Escolas de Iniciação. A companhia dos profetas em Naioth,
presidida por Samuel (I Samuel, XIX, 20) formava uma destas Escolas, e o
ensinamento oral era transmitido por eles. Escolas similares existiam em
Bethel e Jericó (II Reis, II, 2, 5) e na Concordância de Cruden
(Verbete Escola) há a seguinte nota interessante: "As Escolas
ou Colégios dos profetas são as primeiras (escolas) de que
temos qualquer notícia na Escritura; onde os filhos dos profetas,
isto é, seus discípulos, viviam nos exercícios de uma
vida retirada e austera, em estudo e meditação, e na leitura
da lei de Deus... Estas Escolas, ou Sociedades, dos profetas foram sucedidas
pelas Sinagogas". A Kabbala, que contém os ensinos semipúblicos,
é, na forma que subsiste hoje, uma compilação moderna,
parte da qual é trabalho do Rabbi Moisés de Leão, que
morreu em 1305. Ela consiste de cinco livros, Bahir, Zohar, Sepher Sephiroth,
Sepher Yetzirah, e Asch Metzareth, e é dito ter sido transmitida
oralmente desde tempos muito antigos -- como antigüidade, é
reconhecida historicamente. O Dr. Wynn Westcott diz que "a tradição
Hebraica atribui às partes mais antigas do Zohar uma data que anteceda
a construção do segundo Templo"; e é dito que
o Rabbi Simeão ben Jochai colocou por escrito partes dele no primeiro
século depois de Cristo. O Sepher Yetzirah é mencionado por
Saadjah Gaon, que morreu em 940 dC, como sendo "muito antigo"
(Dr. Wynn Westcott, Sepher Yetzirah, p. 9). Algumas partes do ensinamento
oral foram incorporadas à Kabbala na forma em que ela se encontra
hoje, mas a verdadeira sabedoria arcaica dos Hebreus permanece sob guarda
de alguns poucos dos verdadeiros filhos de Israel.
Breve como é este esboço, é contudo suficiente para
demonstrar a existência de um lado oculto nas religiões do
mundo além do Cristianismo, e podemos agora examinar a questão
de se o Cristianismo foi uma exceção a esta regra universal.
CAPÍTULO II
O Lado Oculto do Cristianismo
a) O Testemunho das Escrituras
Tendo visto que as religiões do passado reivindicaram uníssonas
ter um lado oculto, ser custódias de "Mistérios",
e que esta reivindicação foi endossada pela busca de Iniciação
pelos homens mais eminentes, devemos agora averiguar se o Cristianismo fica
fora deste círculo de religiões, sozinho sem uma Gnose, oferecendo
ao mundo uma fé simples e não um conhecimento profundo. Se
for assim, seria em verdade um fato triste e lamentável, provando
ser o Cristianismo apenas destinado a uma só classe, e não
a todos os tipos de seres humanos. Mas que isto não é assim,
seremos capazes de provar além da possibilidade de dúvida
racional.
E esta prova é a coisa que a Cristandade mais urgentemente necessita
nestes tempos, pois até a própria flor da Cristandade está
perecendo por falta de conhecimento. Se o ensino esotérico puder
ser restabelecido e angariar estudantes pacientes e dedicados, não
demorará muito para que o lado oculto também seja restaurado.
Discípulos dos Mistérios Menores se tornarão candidatos
aos Maiores, e com a reobtenção do conhecimento voltará
também a autoridade do ensinamento. E de fato a necessidade é
grande. Pois, olhando para o mundo em volta de nós, descobrimos que
a religião no Ocidente está sofrendo da mesma dificuldade
que teoricamente nós deveríamos esperar encontrar. O Cristianismo,
tendo perdido seu ensino místico e esotérico, está
perdendo terreno entre grande número das pessoas mais altamente educadas,
e a revivescência parcial durante os últimos anos é
coincidente com a reintrodução de alguns ensinamentos místicos.
É patente para todo estudante nos últimos 40 anos do século
passado (o século XIX), que multidões de pessoas inteligentes
e de alta moralidade tenham se desviado para fora das igrejas, porque os
ensinamentos que recebiam lá ultrajavam sua inteligência e
chocavam seu senso moral. É inútil pretender que o agnosticismo
disseminado deste período tenha suas raízes seja na falta
de moralidade ou na deliberada perversidade de mente. Qualquer um que estudar
com cuidado o fenômeno logo admitirá que homens de poderoso
intelecto foram levados para fora do Cristianismo pela crueza das idéias
religiosas apresentadas, as contradições nos ensinamentos
das autoridades, nas concepções sobre Deus, o homem e o universo,
que nenhuma inteligência treinada poderia chegar a admitir. Nem pode
ser dito que qualquer tipo de degradação moral esteja na raiz
da revolta contra os dogmas da Igreja. Os rebeldes não eram ruins
demais para a sua religião. Ao contrário, foi a religião
que ficou ruim demais para eles. A rebelião contra o Cristianismo
popular foi devida ao despertar e crescimento da consciência; foi
a consciência que se revoltou, assim como a inteligência, contra
ensinamentos desonrosos tanto para Deus quanto para o homem, que representavam
Deus como um tirano, e o homem como sendo essencialmente mau, obtendo a
salvação por submissão escrava.
A razão para esta revolta jaz no gradual rebaixamento do ensinamento
Cristão para uma alegada simplicidade, para que o mais ignorante
pudesse ser capaz de compreendê-lo. Os religiosos Protestantes assertaram
sonoramente que nada deveria ser pregado exceto aquilo que pudesse ser compreendido,
que a glória do Evangelho está em sua simplicidade, e que
a criança e o inculto deveriam ser capazes de entendê-lo e
aplicá-lo à vida. Bastante verdadeiro, se com isto se quisesse
dizer que existem algumas verdades religiosas que todos podem entender,
e que a religião falha se deixa o mais inferior, o mais ignorante,
o mais estúpido, de fora de sua influência elevadora. Mas falso,
completamente falso, se com isso se quiser dizer que a religião não
tem verdades que o ignorante não possa compreender, que é
uma coisa tão pobre e limitada a ponto de não ter nada para
ensinar que esteja acima do pensamento do não inteligente ou acima
do nível moral do degradado. Falso, fatalmente falso, se este for
seu sentido; pois à medida que esta visão se espalha, ocupando
os púlpitos e sendo proclamada nas igrejas, muitos homens e mulheres
nobres, cujos corações quase se partem quando rompem sua ligação
que os une à sua antiga fé, saem das igrejas, e deixam seus
lugares ser preenchidos pelos hipócrita e pelo ignorante. Eles ou
passam para um estado de agnosticismo passivo, ou - se são jovens
e entusiastas - para uma condição de agressão ativa,
não acreditando que aquilo que poderia ser a coisa mais elevada ultraje
tanto o intelecto como a consciência, e preferem a honestidade de
uma descrença aberta ao embotamento do intelecto e da consciência
sob imposição de uma autoridade em quem não reconhecem
nada que seja divino.
Neste estudo do pensamento de nosso tempo vemos que a questão de
um ensinamento oculto em conexão com o Cristianismo se torna de importância
vital. O Cristianismo há de sobreviver como a religião do
Ocidente? Viverá através dos séculos futuros, e continuará
a ter uma parte na formação do pensamento das raças
ocidentais em evolução? Se há de viver, deve recuperar
o conhecimento que perdeu, e ter de novo seus místicos e seus ensinamentos
ocultos; deve mais uma vez colocar-se como uma autoridade ensinando as verdades
espirituais, revestido da única autoridade que vale alguma coisa,
a autoridade do conhecimento. Se estes ensinamentos forem recuperados, sua
influência logo será vista nas novas e mais amplas concepções
da verdade; dogmas, que agora parecem apenas meras cascas e plumas, deverão
novamente ser apresentações de partes das realidades fundamentais.
Em primeiro lugar, o Cristianismo reaparecerá no "Lugar Santo",
no Templo, de modo que todos que sejam capazes de receber suas linhas de
pensamento divulgado em público; e em segundo lugar, o Cristianismo
Oculto descerá outra vez ao Ádito, residindo detrás
do véu que guarda o "Santo dos Santos", para dentro do
qual só os Iniciados podem passar. Então novamente o ensinamento
oculto estará ao alcance daqueles que se qualificarem para recebê-lo,
de acordo com as antigas regras, aqueles que desejam nos dias de hoje enfrentar
as antigas exigências, feitas a todos os que hão de alegrar-se
em conhecer a realidade e a verdade das coisas espirituais.
Mais uma vez voltemos nossos olhos para a história, para vermos se
o Cristianismo foi único entre as religiões em não
possuir nenhum conhecimento interno, ou se assemelhou-se a todas as outras
possuindo este tesouro oculto. Este problema é uma questão
de evidência, não de teoria, e deve ser decidido pela autoridade
dos documentos existentes e não pelo mero "assim se diz"
dos Cristãos modernos.
É fato que tanto o Novo Testamento e os escritos da Igreja Primitiva
fazem as mesmas declarações sobre a posse de tais ensinamentos
pela Igreja, e sabemos a partir deles do fato da existência dos Mistérios
- chamados Mistérios de Jesus, ou Mistério do Reino -, das
condições impostas aos candidatos, algo da natureza geral
dos ensinamentos dados, e outros detalhes. Certas passagens no Novo Testamento
ficariam inteiramente obscuras, não fosse pela luz lançada
neles pelas declarações definidas dos Padres e Bispos da Igreja,
mas debaixo daquela luz elas se tornam claras e inteligíveis.
Teria na verdade sido estranho se fosse diferente, quando consideramos as
linhas do pensamento religioso que influenciaram o Cristianismo primitivo.
Aliado aos hebreus, os persas, os gregos, tinto pelos antigos credos da
Índia, profundamente colorido pelo pensamento sírio e egípcio,
este último ramo do grande tronco religioso não poderia fazer
outra coisa senão reafirmar as antigas tradições, colocando
ao alcance das raças ocidentais todo o tesouro das tradições
antigas. "A fé antigamente confiada aos Santos" teria na
verdade sido esvaziada deste valor principal se, quando transmitida para
o Ocidente, a pérola do ensinamento esotérico tivesse sido
escamoteada.
A primeira evidência a ser examinada é a do Novo Testamento.
Para nossos propósitos podemos colocar de lado todas as enfadonhas
questões das diferentes redações e dos diferentes autores,
que só podem ser julgadas por eruditos. A erudição
crítica tem muito a dizer sobre a idade dos manuscritos, sobre a
autenticidade dos documentos, e assim por diante. Podemos aceitar as Escrituras
canônicas como demonstração do que era acreditado na
Igreja Primitiva a respeito do ensino de Cristo e de Seus seguidores imediatos,
e ver o que elas dizem sobre a existência de um ensinamento secreto
transmitido somente a uns poucos. Tendo visto as palavras postas na boca
do próprio Jesus, e consideradas pela Igreja como de suprema autoridade,
olharemos para os escritos do grande apóstolo São Paulo; então
consideraremos as declarações feitas por aqueles que herdaram
a tradição apostólica e guiaram a Igreja durante os
primeiros séculos. Ao longo desta ininterrupta linha de tradição
e testemunho escrito pode ser estabelecida a proposição de
que o Cristianismo tinha um lado oculto. Veremos ainda que os Mistérios
Menores de interpretação mística podem ser acompanhados
através dos séculos até o início do século
XIX, e que embora já não houvesse Escolas de Misticismo reconhecidas
como preparatórias para a iniciação depois do desaparecimento
dos Mistérios, ainda assim grandes Místicos, de tempos em
tempos, alcançaram os degraus inferiores do êxtase por seus
próprios esforços contínuos, auxiliados sem dúvida
pelos Instrutores invisíveis.
As palavras do próprio Mestre são claras e definidas, e foram,
como veremos, citadas por Orígenes como referentes ao ensinamento
secreto preservado na Igreja. "E quando estava sozinho, aqueles que
estavam com Ele, os doze, faziam-Lhe perguntas sobre as parábolas.
E Ele lhes disse: 'A vós é dado conhecer o mistério
do Reino de Deus, mas a eles que estão de fora, todas estas coisas
são dadas em parábolas' ". E mais adiante: "Com
muitas parábolas semelhantes Ele pregava a palavra à multidão,
pois só assim podiam ouvir. Mas sem parábolas Ele não
lhes falava; e quando eles estavam sozinhos Ele explicava todas as coisas
aos Seus discípulos" (Marcos, IV, 10, 11, 33, 34. Vide também
Mateus, XIII, 11, 34, 36, e Lucas, VIII, 10). Percebam as significativas
palavras "quando estavam sozinhos", e a frase "aqueles que
estão de fora". Também na versão de São
Mateus: "Jesus despediu a multidão, e entrou na casa; e Seus
discípulos foram com Ele". Estes ensinamentos dados "na
casa", os significados mais recônditos de Suas instruções,
considera-se que eram transmitidos de instrutor a instrutor. O Evangelho
dá, note-se, as explicações místicas alegóricas,
aquilo que chamamos Os Mistérios Menores, mas o significado mais
profundo diz-se ter sido dado somente aos iniciados.
Novamente, Jesus diz até mesmo aos Seus apóstolos: "Eu
ainda tenho muitas coisas para vos dizer, mas ainda não sois capazes
de as receber" (João, XVI, 12). Algumas delas provavelmente
foram ditas depois de Sua morte, quando Ele foi visto pelos discípulos
"falando das coisas pertencentes ao Reino de Deus" (Atos, 1, 3).
Nenhuma delas foi registrada publicamente, mas quem pode acreditar que foram
deixadas de lado ou esquecidas, e não preservadas como algo inestimável?
Havia uma tradição na Igreja que Ele visitou Seus apóstolos
durante um considerável período após Sua morte, para
dar-lhes instrução - um fato a que faremos menção
mais tarde - e no famoso tratado Gnóstico Pistis Sophia, lemos: "chegou-se
a dizer que, depois de ressuscitar dos mortos, Jesus passou onze anos falando
com Seus discípulos e instruindo-os" (loc. cit., trad. G.R.S.
Mead, I, I, 1). Então vem a frase, que muitos gostam de amenizar
e explicar evasivamente: "Não deis o que é santo aos
cães, nem lanceis vossas pérolas ao porcos" (Mateus,
VII, 6) - um preceito que é de aplicação geral, na
verdade, mas foi considerado pela Igreja Primitiva referir-se aos ensinamentos
secretos. Deveria ser lembrado que as palavras não tinham a mesma
dureza naqueles dias como têm agora, pois a palavra "cães"
- significando o vulgo, o profano - era aplicada por aqueles de um determinado
círculo a todos os que eram de fora de seu grupo, seja por uma sociedade
ou associação, ou por uma nação - como pelos
Judeus a respeito dos Gentios (assim como sobre as mulheres gregas: "Não
é lícito tirar o pão das crianças e jogá-lo
para os cães" - Marcos, VII, 27). Algumas vezes era usada para
designar aqueles que estavam fora do círculo dos Iniciados, e a encontramos
aplicada neste sentido na Igreja Primitiva; aqueles que, não tendo
sido iniciados nos Mistérios, eram considerados como fora do "Reino
de Deus", ou da "Israel espiritual", e tinham este nome aplicado
a eles.
Havia diversos nomes, além do termo "O Mistério",
ou "Os Mistérios", usados para designar o círculo
sagrado de Iniciados ou ligados à Iniciação: "O
Reino". "O Reino de Deus", O Reino dos Céus",
A Vereda Estreita", "A Porta Estreita", "O Perfeito",
"O Salvo", "Vida Eterna", "Vida", "O
Segundo Nascimento", "O Pequenino", "A Criancinha".
O significado é tornado claro pelo uso destas palavras nos primeiros
escritos Cristãos, e em alguns casos fora do círculo Cristão.
Assim, o termo "O Perfeito" era usado pelos Essênios, que
tinham três graus em suas comunidades: os Neófitos, os Irmãos,
e os Perfeitos - sendo estes os Iniciados; e é empregado geralmente
neste sentido nos antigos escritos. "A Criancinha" era o nome
comum para um candidato recém iniciado, isto é, aquele que
recém teve seu "segundo nascimento".
Quando passamos a conhecer este uso, muitas passagens de outro modo obscuras
e rudes se tornam inteligíveis. "Então um disse-lhe:
Senhor, serão poucos os salvos? E Ele respondeu-lhes: Esforçai-vos
para entrar pela porta estreita; pois digo-vos, muitos procurarão
entrar e não serão capazes" (Lucas, XIII, 23, 24). Se
isto for aplicado, do modo Protestante usual, à salvação
do fogo eterno do inferno, a afirmação se torna incrível,
chocante. Não se pode supor que nenhum Salvador do mundo possa afirmar
que muitos procurarão evitar o inferno e entrar no céu, mas
não serão capazes de fazê-lo. Mas se aplicado à
estreita porta de entrada na Iniciação e sua conseqüente
salvação do renascimento, é perfeitamente verdadeiro
e natural. E novamente: "Entrai pela porta estreita; pois larga é
a porta e amplo é o caminho que conduz à destruição,
e muitos serão os que andarão neles; porque estreita é
a porta e apertado é o caminho que conduz à vida; e poucos
o encontrarão" (Mateus, VII, 13, 14). A advertência que
se segue imediatamente contra os falsos profetas, os mestres dos Mistérios
tenebrosos, é muito própria em relação a aquilo.
Nenhum estudante pode esquecer o som familiar destas palavras usadas no
mesmo sentido em outras passagens. A "antiga vereda estreita"
é familiar a todos; a senda "tão difícil de trilhar
como se fosse o fio de uma navalha" (Kathopanishad, II, IV, 10, 11)
já mencionado; a perambulação "de morte em morte"
daqueles que seguem o florido caminho dos desejos, daqueles que não
conhecem Deus; pois só se tornam imortais e escapam da bocarra da
morte, da repetida destruição, aqueles homens que eliminaram
todos os desejos (Brhadâranyakopanishad, IV, IV, 7). A alusão
á morte, é claro, é feita aos repetidos nascimentos
da alma na existência material grosseira, considerada sempre como
"morte" quando comparada à "vida" dos mundos
mais elevados e sutis.
Esta "Porta Estreita" era o portal da Iniciação,
através dele o candidato entrava no "Reino". E sempre foi
e deve ser verdadeiro que somente uns poucos podem passar por aquele portal,
embora miríades - uma excepcionalmente "grande multitude, que
ninguém poderia contar" (Apocalipse, VII, 9), e não uns
poucos - adentrem a felicidade do mundo celeste. Assim também falou
um outro grande Instrutor, há quase três mil anos atrás:
"Dentre milhares de homens talvez só um se esforce pela perfeição;
dentre os milhares que a obtém talvez só um Me conheça
em essência" (Bhagavad Gita, VII, 3). Pois são poucos
os Iniciados em cada geração, são a flor da humanidade;
mas nenhuma frase terrível de condenação eterna é
pronunciada nesta declaração sobre a vasta maioria da raça
humana. Como Proclo ensinou (vide ante, p. 23), os salvos são os
que escapam do ciclo da geração, ao qual está atada
a humanidade.
Em conexão a isto podemos lembrar da história do jovem que
veio a Jesus, e chamando-lhe de "Bom Mestre", perguntou como ele
poderia obter a vida eterna - a bem reconhecida liberação
dos renascimentos através do conhecimento de Deus (deve ser lembrado
que os Judeus acreditavam que todas as almas imperfeitas voltavam para viver
novamente na Terra). Sua primeira resposta foi o preceito exotérico
usual: "Observa os mandamentos". Mas quando o jovem respondeu:
"Todas estas coisas eu tenho observado desde minha juventude",
então, para aquela consciência livre de toda a transgressão,
veio a resposta do verdadeiro Mestre: "Se queres ser perfeito, vai
e vende tudo o que tens, e dá aos pobres, e terás um tesouro
nos céus, depois vem e segue-Me". "Se queres ser perfeito",
ser um membro do reino, devem ser abraçadas a pobreza e a obediência.
E então para os seus próprios discípulos Jesus explica
que dificilmente um homem rico pode entrar no Reino dos Céus, sendo
tal entrada mais difícil que um camelo passar pelo buraco de uma
agulha; pelos homens esta entrada não poderia ocorrer, por Deus todas
as coisas são possíveis (Mateus, XIX, 16-26). Somente Deus
no homem pode ultrapassar aquela barreira. Este texto tem sido explicado
de várias maneiras, sendo obviamente impossível conseguí-lo
tomando seu significado superficial, que um homem rico não pode entrar
em um estado de felicidade pós-morte. Neste estado entram tanto o
rico como o pobre, e as práticas universais dos Cristãos mostram
que eles nem por um momento acreditam que a riqueza impeça sua felicidade
após a morte. Mas se o significado real de "Reino dos Céus"
for aplicado, temos a expressão de um fato simples e direto. Pois
aquele conhecimento de Deus que é Vida Eterna (João, XVII,
3) não pode ser obtido até que tudo o que for terreno seja
abandonado, não pode ser aprendido até que tudo tenha sido
sacrificado. O homem deve desistir não só da riqueza terrena,
que daí em diante pode passa por suas mãos só para
administrá-la, mas ele deve desistir também de sua riqueza
interna, até onde ele a guardar como sua contra o mundo; antes que
ele seja desnudado não poderá passar pela porta estreita.
Este tem sido sempre um requisito para a Iniciação, e o voto
do candidato tem sido sempre "pobreza, obediência, castidade".
O "segundo nascimento" é um outro termo bem conhecido para
Iniciação; mesmo hoje na Índia as castas mais elevadas
são chamadas "duas vezes nascidas", e a cerimônia
que os torna duas vezes nascidos é uma cerimônia de Iniciação
- na verdade mera simulação, nos dias de hoje, mas segue "o
padrão das coisas que está no céu" (Hebreus, IX,
23). Quando Jesus está se dirigindo a Nicodemos, Ele fala que "a
não ser que um homem nasça duas vezes, não pode ver
o Reino de Deus", e este nascimento é dito como sendo aquele
"da água do Espírito" (João, III, 3, 5);
esta é a primeira Iniciação; uma ulterior é
a "do Espirito Santo e do fogo" (Mateus, III, 11), o batismo do
Iniciado em sua maturidade, assim como a primeira é a do nascimento,
que o recebe como "uma Criancinha" que entra no Reino (ibid.,
XVIII, 3). Quão totalmente familiares eram estas imagens entre os
místicos dos Judeus é indicado pela surpresa demonstrada por
Jesus quando Nicodemos se embaraçava com Sua fraseologia mística:
"Tu és um mestre de Israel e não conheces estas coisas?"
(João, III, 10).
Um outro preceito de Jesus que permanece como "um ditado rude"
para seus seguidores é: "Sêde perfeitos, assim como vosso
Pai no céu é perfeito" (Mateus, V, 48). O Cristão
comum sabe que possivelmente não conseguirá obedecer a este
mandamento; cheio como está com as fragilidades e fraquezas humanas,
como poderá ser perfeito como Deus é perfeito? Vendo a impossibilidade
da meta posta diante dele, ele discretamente a põe de lado, e não
pensa mais nisso. Mas vista como o esforço coroador de muitas vidas
de melhoras constantes, como o triunfo do Deus interno sobre a natureza
inferior, a meta parece então dentro do alcance, e lembramos as palavras
de Porfírio, sobre como o homem que atinge as "virtudes paradigmáticas
é o Pai dos Deuses" (vide ante, p. 24) e que nos Mistérios
aquelas virtudes são adquiridas.
São Paulo segue nas pegadas de seu Mestre, e fala exatamente do mesmo
sentido, mas com uma explicitude e clareza maiores, como poderia ser esperado
a partir de seu trabalho organizador na Igreja. O estudante deveria ler
com atenção os capítulos II e III, e o versículo
1 do capítulo V da Primeira Epístola aos Coríntios,
lembrando, à medida que lê, que as palavras são endereçadas
aos membros batizados e comungantes da Igreja, membros plenos no sentido
moderno, embora, descritos como bebês e carnais pelo Apóstolo.
Eles não eram catecúmenos ou neófitos, mas homens e
mulheres que estava em plena posse de todos os privilégios e responsabilidades
como membros da Igreja, reconhecidos pelo Apóstolo como estando apartados
do mundo, e dos quais não esperava que se portassem como homens do
mundo. Eles estavam, de fato, de posse de tudo o que a Igreja moderna dá
aos seus membros. Resumamos as palavras do Apóstolo:
"Eu venho
a vós trazendo o testemunho divino, e não vos enganando com
sabedoria humana, mas venho com o poder do Espírito. Em verdade 'falamos
sabedoria entre os que são perfeitos, mas não é sabedoria
humana'. Falamos da sabedoria de Deus em mistério, mesmo a sabedoria
oculta, que Deus ordenou antes que o mundo existisse, a qual nem os príncipes
deste mundo conhecem. As coisas daquela sabedoria estão além
do entendimento dos homens, 'mas Deus as revela a eles por Seu Espírito...
as coisas íntimas de Deus', 'ensinadas pelo Espírito Santo'
(Note-se como isto se alinha com a promessa de Jesus em João, XVI,
12-14: "Eu tenho ainda muitas coisas a vos dizer, mas ainda não
as podeis suportar. Porém quando Ele, o Espírito da Verdade,
vier, Ele vos guiará em toda a verdade... Ele vos mostrará
as coisas do porvir... Ele as receberá de Mim e as mostrará
a vós"). Estas são coisas espirituais, a serem discernidas
somente pelos homens espirituais, em quem está a mente de Cristo.
'E Eu, irmãos, não vos poderia falar como falo aos espirituais,
mas falo como aos carnais até mesmo para os bebês em Cristo...
Eles não eram capazes de o suportar, como vós não o
suportaríeis ainda. Pois sois ainda carnais'. Como um mestre-construtor
[um outro termo técnico nos Mistérios] Eu deixei as fundações'
e 'vós sois o Templo de Deus, e o Espírito de Deus habita
em vós'. 'Que um homem nos considere assim, como ministros de Cristo,
e guardiães dos Mistérios de Deus' ".
Alguém pode ler esta passagem - e tudo o que foi dito no resumo é
para enfatizar os pontos importantes - sem reconhecer o fato de que o Apóstolo
possuía uma sabedoria divina dada nos Mistérios, que seus
seguidores coríntios ainda não eram capazes de receber? E
notem a recorrência de termos técnicos: a "sabedoria",
a "sabedoria de Deus em mistério", a "sabedoria oculta",
conhecida somente pelos homens "espirituais", falada somente entre
os "perfeitos", sabedoria da qual eram excluídos os não-"espirituais",
os "bebês em Cristo", e só conhecida dos "mestres
construtores", os "guardiães dos Mistérios de Deus".
Repetidas vezes ele se refere a estes Mistérios. Escrevendo aos Cristãos
de Éfeso ele diz que "pela revelação", pelo
desvelamento, tinha sido feito "sabedor dos Mistérios",
e daí seu "conhecimento dos mistérios de Cristo";
todos podiam saber sobre a "irmandade dos Mistérios" (Efésios,
III, 3, 4, 9). Sobre este Mistério, ele repete aos colossenses que
foi "feito ministro", "o Mistério que esteve ocultos
das idades e das gerações, mas que agora era tornado manifesto
aos Seus santos"; não ao mundo, nem mesmo aos Cristãos,
mas somente aos Santos. Para eles era revelada "a glória deste
Mistério"; e o que era isso? "Cristo em vós"
- uma frase significativa, que veremos, logo, pertencer à vida do
Iniciado; assim finalmente todo homem deve aprender a sabedoria, e se tornar
"perfeito em Cristo Jesus" (Colossenses, i, 23, 25-28. Mas São
Clemente, em seu Stromata, traduz "todo homem" como "o homem
todo". Vide o Livro V, cap. X). A estes Colossenses ele ordena orar
"para que Deus nos abra aporta da profecia, para falar o Mistério
de Cristo" (Colossenses, IV, 3), uma passagem à qual São
Clemente se refere como sendo uma em que o Apóstolo "revela
claramente que o conhecimento não pertence a todos" (Clemente
de Alexandria, Stromata, Livro V, cap. X; A.-N.C.L. Alguns ditos adicionais
dos Apóstolos serão encontrados nas citações
de Clemente, mostrando qual significado tinham para as mentes daqueles que
sucederam os Apóstolos, e que viviam na mesma atmosfera de pensamento).
Da mesma forma também escreve ao seu bem-amado Timóteo, ordenando-lhe
selecionar seus diáconos dentre aqueles que "mantinham o Mistério
da fé em uma consciência pura", aquele "grande Mistério
da Piedade", que ele havia aprendido (I Timóteo, III, 9, 16),
cujo conhecimento era necessário para os instrutores da Igreja.
Porém São Timóteo está em uma posição
importante como representante da geração seguinte de instrutores
Cristãos. Ele foi discípulo de São Paulo, e foi indicado
por ele para guiar e dirigir uma porção da Igreja. Ele havia
sido, sabemos, iniciado nos Mistérios pelo próprio São
Paulo, e é feita referência a isto, e os termos técnicos
mais uma vez servem como chave. "Esta função te delego,
meu filho Timóteo, de acordo com as profecias que foram feitas sobre
ti" (I Timóteo, I, 18), a bênção solene
do Iniciador, que admitia o candidato; mas o Iniciador não estava
sozinho: "Não descureis o dom que está em vós,
o qual vos foi dado pela profecia, abandonando o Presbitério"
(ibid., IV, 14) dos Irmãos Maiores. E ele lhe adverte preservar aquela
"vida eterna, à qual também fostes chamado, e professastes
um bom voto diante de muitas testemunhas" (ibid., VI, 13) - o voto
do novo Iniciado prestado na presença dos Irmãos Maiores e
da assembléia dos Iniciados. O conhecimento dado então era
a incumbência sagrada sobre a qual São Paulo fazia tanta ênfase:
"Oh Timóteo, preserva aquilo que te foi confiado" (Ibid.
20) - e não o conhecimento comumente possuído pelos Cristãos,
a respeito do qual não havia obrigação nenhuma sobre
São Timóteo, mas o depósito sagrado confiado a ele
como Iniciado, e essencial ao bem da Igreja. São Paulo mais tarde
volta a isto, enfatizando a suprema importância do assunto de um modo
que teria sido exagerado se o conhecimento fosse a propriedade comum dos
homens Cristãos: "Guarda bem a forma das sérias palavras
que ouvistes de mim... Aquela boa coisa que te foi confiada, guarda-a pelo
Espírito Santo que reside em nós" (II Timóteo,
I, 13,14) - uma adjuração tão séria quanto seria
possível por lábios humanos. Mais ainda, era seu dever prover
a devida transmissão deste depósito sagrado, para que pudesse
transmitido ao futuro, e a Igreja nunca fosse deixada sem Instrutores: "As
coisas que ouvistes de mim entre muitas testemunhas" - os ensinamentos
orais sagrados dados na assembléia dos Iniciados, que testemunhava
a precisão da transmissão - "confia o mesmo a homens
dignos, que sejam também capazes de ensinar aos outros" (Ibid.,
II, 2).
O conhecimento - ou, se preferirmos o termo, a suposição -
de que a Igreja possuía estes ensinamentos ocultos lança uma
torrente de luz sobre estas diversas passagens de São Paulo sobre
si mesmo, e quando as reunimos, temos um perfil da evolução
do Iniciado. São Paulo diz que embora ele já estivesse entre
os perfeitos, os Iniciados - pois ele diz: "Que nós, portanto,
que somos perfeitos, tenhamos esta mentalidade" - ele ainda não
tinha "atingido", ainda não era em verdade inteiramente
"perfeito", pois ainda não havia recebido Cristo, ele ainda
não havia atingido o "alto chamado de Deus em Cristo",
"o poder de Sua ressurreição, e a companhia de Seus sofrimentos,
sendo tornado conforme à Sua morte"; e ele estava tentando,
diz, "se por algum meio puder alcançar a ressurreição
dos mortos" (Filipenses, III, 8, 10-12, 14, 15). Pois esta era a Iniciação
que libertava, que fazia do Iniciado um Mestre perfeito, o Cristo Ressurrecto,
libertando-o finalmente dos "mortos", da humanidade presa ao ciclo
da geração, dos laços que atavam a alma à matéria
grosseira. Novamente aqui temos um número de termos técnicos,
e mesmo o leitor superficial deveria perceber que a "ressurreição
dos mortos" mencionada aqui não poderia ser a ressurreição
comum dos modernos Cristãos, suposta ser inevitável para todos
os homens, e portanto não requerendo obviamente nenhuma luta especial
da parte de ninguém para conseguí-la. De fato a própria
palavra "conseguir" estaria fora de lugar ao referir-se a uma
experiência humana universal e inevitável. São Paulo
não poderia evitar esta ressurreição, de acordo com
o ponto de vista dos Cristãos modernos. Qual seria então a
ressurreição a ser conseguida para a qual ele estava fazendo
tão estrênuos esforços? Uma vez mais a única
resposta vem dos Mistérios. Neles o Iniciado se aproximava da Iniciação
que libertava do ciclo do renascimento, o ciclo da geração,
era chamado de "o Cristo sofredor", ele compartilhava dos sofrimentos
do Salvador do mundo, era crucificado misticamente, "tornado conforme
à Sua morte", e então conseguia a ressurreição,
a companhia do Cristo glorificado, e, depois, a morte já não
tinha poder sobre ele (Apocalipse, i, 18. "Eu sou Aquele que vive,
esteve morto e ressurgiu, e vive eternamente. Amen"). Este era o "prêmio"
em direção ao qual o Apóstolo estava se esforçando,
e ele urge "todos os que são perfeitos", não o crente
comum, para que também se esforcem deste modo. Que não se
contentem com o que já obtiveram até então, mas que
se esforcem por mais.
Esta semelhança com Cristo do Iniciado, de fato, é o próprio
trabalho dos Mistérios Maiores, como veremos em maior detalhe quando
estudarmos "O Cristo Místico". O Iniciado já não
devia ver o Cristo como fora de si mesmo. "Embora tenhamos conhecido
o Cristo na carne, deste modo já não o conhecemos" (II
Coríntios, V, 16).
O crente comum havia sido "revestido de Cristo, assim como todos de
vós que fostes batizados em Cristo se revestiram de Cristo"
(Gálatas, III, 27). Então eles se tronavam os "bebês
em Cristo", a quem já se fez referência, e Cristo era
o Salvador de quem eles buscavam ajuda, conhecendo-O "na carne".
Mas quando eles haviam vencido a natureza inferior e já não
eram "carnais", então eles entrariam em um caminho mais
elevado, e se tornariam eles mesmo Cristo. Isto que ele mesmo já
havia conseguido era o desejo do Apóstolo para os seus seguidores.
"Meus filhos, de quem sofro as dores do parto até que Cristo
seja formado em vós" (Gálatas, IV, 19). Ele já
era seu pai espiritual, "tendo-vos gerado através do evangelho"
(I Coríntios, IV, 15). Mas agora ele era como aquele que gera "novamente",
como se fosse sua mãe para levá-los ao segundo nascimento.
Então o Cristo Infante, a Santa Criança, nascia na alma, "o
homem oculto no coração" (I Pedro, III, 4), e o Iniciado
se tornava assim "a Criancinha"; daí por diante ele devia
viver em sua pessoa a vida do Cristo, até que se trinasse o "homem
perfeito", crescendo "até a medida da plena estatura de
Cristo" (Efésios, IV, 13). Então ele, como São
Paulo estava fazendo, repetia em sua própria carne os sofrimentos
de Cristo (Colossenses, I, 24) e sempre tinha "junto a si a morte do
Senhor Jesus", para que pudesse dizer com verdade "sou crucificado
com Cristo; não obstante eu vivo; embora não seja eu, mas
é Cristo que vive em mim" (Gálatas, II, 20). Assim o
Apóstolo estava ele mesmo sofrendo; assim ele descrevia si próprio.
E quando a luta termina, quão diferente é o tom calmo de triunfo
sobre árduos esforços dos primeiros anos: "Agora estou
pronto para ser oferecido, e o tempo de minha partida está próximo.
Eu lutei a boa luta, terminei minha carreira, guardei a fé; por isso
me espera uma coroa de justiça" (II Timóteo, IV, 6-8).
Esta era a coroa dada " a ele que vencera", de quem é dito
pelo Cristo Ressurrecto: "Eu farei dele um pilar no Templo de meu Deus;
e dali não sairá mais" (Apocalipse, III, 12). Pois após
a "Ressurreição" o Iniciado se tornava o Homem Perfeito,
o Mestre, e já não sai do Templo, mas dali serve e guia os
mundos.
Pode ser bom assinalar, antes de encerarmos este capítulo, que o
próprio São Paulo sanciona o uso do ensinamento teórico
místico na explicação dos eventos históricos
registrados nas escrituras. A história escrita ali não é
considerada por ele um mero registro de fatos, que ocorreram no plano físico.
Verdadeiro místico, ele via nos eventos físicos as sombras
das verdades universais sempre ocorrendo nos mundos mais altos e internos,
e sabia que os eventos escolhidos para serem preservados nos escritos ocultos
eram aqueles mais típicos, cuja explicação serviria
à instrução humana. Assim ele toma a história
de Abraão, Sarai, Hagar, Ismael e Isaac, e dizendo que "aquelas
coisas são alegorias", ele passa a dar a interpretação
mística (Gálatas, IV, 22-31). Referindo-se à fuga dos
israelitas do Egito, ele fala do Mar Vermelho como um batismo, do maná
e da água como comida e bebida espirituais, da rocha de onde a água
fluiu como sendo o Cristo (I Coríntios, X, 1-4). Ele vê o grande
mistério da união de Cristo com Sua Igreja na relação
de marido e mulher, e fala dos Cristãos como sendo a carne e os ossos
do corpo de Cristo (Efésios, V, 23-32). O autor desta Epístola
aos Hebreus alegoriza todo o sistema de culto Judeu. No Templo ele vê
um espelho do Templo celeste, no Sumo Sacerdote ele vê Cristo, nos
sacrifícios vê a doação do Filho imaculado; os
sacerdotes do Templo não passam de "exemplos e sombras das coisas
celestes", do sacerdócio celeste servindo no "verdadeiro
tabernáculo". Uma alegoria muito elaborada é assim desenvolvida
nos capítulos III a X, e o escritor alega que o Espírito Santo
significava assim o sentido mais profundo; tudo era "uma imagem para
esta época".
Nesta visão dos escritos sagrados não é alegado que
os eventos registrados não tenham tido lugar, mas apenas que sua
ocorrência física era coisa de menor importância. Uma
explicação como esta é o desvelar dos Mistérios
Menores, o ensinamento místico que é permitido dar ao mundo.
Não é, como muitos imaginam, um mero jogo de imaginação,
mas é a atividade de uma verdadeira intuição, vendo
os protótipos nos céus, e não somente as sombras lançadas
por eles na tela do tempo terreno.
CAPÍTULO III
O Lado Oculto do Cristianismo - Conclusão
b) O Testemunho da Igreja
Enquanto possa ocorrer que alguns estejam querendo admitir a posse pelo
Apóstolo e seus sucessores imediatos de um conhecimento das coisas
espirituais mais profundo do que o que era corrente entre as massas dos
crentes em seu redor, poucos provavelmente desejarão dar o próximo
passo, e, deixando este círculo enfeitiçado, aceitar os Mistérios
da Igreja Primitiva como o depositário de seus ensinamentos sagrados.
Mesmo que tenhamos São Paulo fazendo os preparativos para a transmissão
do ensino não escrito, iniciando ele mesmo a São Timóteo,
e instruindo São Timóteo para que por sua vez iniciasse outros,
os quais o dariam a ainda outros, depois deles. Vemos assim um arranjo de
quatro gerações sucessivas de instrutores, citadas nas mesmas
Escrituras, e eles com muita folga sobrepujariam os escritores da Igreja
Primitiva que testemunham a existência dos Mistérios. Pois
entre eles há discípulos dos próprios Apóstolos,
embora as declarações mais definitivas sejam daqueles afastados
dos Apóstolos por um instrutor intermediário. Porém,
assim que iniciamos o estudo dos escritos da Igreja Primitiva, se nos deparam
os fatos de que existem alusões que são inteligíveis
apenas considerando a existência dos Mistérios, e depois declarações
de que os Mistérios realmente existem. Isto poderia, é claro,
ser esperado, analisando as condições em que o Novo Testamento
deixa o assunto, mas causa satisfação descobrir que os fatos
correspondem às expectativas.
As primeiras testemunhas são aqueles chamados Padres Apostólicos,
os discípulos dos Apóstolos; mas demasiado pouco subsiste
de seus escritos, e mesmo o que resta é questionado. Quando não
são escritas controversamente, as declarações não
são tão categóricas como as dos escritores posteriores.
Suas cartas são para o encorajamento dos crentes. Policarpo, Bispo
de Smirna, e, juntamente com Inácio, discípulo de São
João (The Martyrdom of Ignatius, vol. I, cap. III - Os texto utilizados
provêm da Ante-Nicene Christian Library, de Clarke, um utilíssimo
compêndio de antigüidades Cristãs. O número do
volume é o seu número na série), expressa a esperança
de que seus correspondentes sejam "bem versados nas sagradas Escrituras
e que nada lhes seja oculto; mas para mim este privilégio ainda não
foi outorgado" (Ibid., The Epistle of Polycarp, cap. XII). - escrevendo,
aparentemente, antes de alcançar a Iniciação plena.
Barnabé fala em comunicar "alguma porção do que
eu mesmo recebi" (Ibid., The Epistle of Barnabas, cap. I) e depois
de expor a Lei misticamente, declara que "nós, então,
entendendo corretamente Seus mandamentos, os explicamos do modo como o Senhor
pretendeu que significassem" (Ibid., cap. X). Inácio, Bispo
de Antióquia, um discípulo de São João (Ibid.,
The Martyrdom of Ignatius, cap. I), fala de si mesmo como "ainda não
sendo perfeito em Jesus Cristo. Pois só agora iniciei a ser um discípulo,
e falo a vós como a meus condiscípulos" (Ibid., Epistle
of Ignatius to the Ephesians, cap. III), e fala deles como "iniciados
nos mistérios do Evangelho com Paulo, o santo, o martirizado"
(Ibid., cap. XII). Mais uma vez ele diz: "Poderia eu não vos
escrever coisas mais cheias de mistério? Mas temo em fazê-lo,
podendo prejudicar-vos, a vós que sois apenas bebês. Perdoai-me
a este respeito, pois não sendo capazes de receber todo seu peso,
seríeis sufocados por elas. Pois mesmo eu, embora ligado (por Cristo)
e sendo capaz de entender coisas celestiais, as ordens angélicas,
e os diferentes tipos de anjos e hierarquias, a diferença entre tronos
e potestades, a grandiosidade dos éons, e a preeminência dos
querubins e serafins, a sublimidade do Espírito, o reino do Senhor,
e acima de tudo a incomparável majestade de Deus Todo-poderoso -
embora eu conheça estas coisas, ainda não sou de modo algum
perfeito, nem sou um discípulo da estatura de Paulo ou Pedro"
(Ibid., To the Trallians, vol. 2). Esta passagem é interessante,
ao indicar que a organização das hierarquias celestes era
um dos assuntos sobre os quais era dada instrução nos Mistérios.
Novamente ele fala do Sumo Sacerdote, do Hierofante, "a quem foi confiado
o Santo dos Santos, e quem sozinho foi informado dos segredos de Deus"
(Ibid., To the Philadelphians, cap. IX).
Passamos a seguir para São Clemente de Alexandria e seu discípulo
Orígenes, os dois escritores dos séculos II e III que mais
nos contam sobre os Mistérios na Igreja Primitiva; embora a atmosfera
geral seja cheia de alusões místicas, os dois são claros
e categóricos em suas asserções de que os Mistérios
eram uma instituição reconhecida.
São Clemente foi um discípulo de Panteno, e fala dele e de
dois outros, ditos ser provavelmente Tatiano e Teódoto, como "preservando
a tradição da doutrina bendita derivada diretamente dos santos
Apóstolos Pedro, Tiago, João e Paulo" (Clemente de Alexandria,
Stromata, livro I, cap., I - A.-N.C.L, vol. IV), assim seu elo com os próprios
Apóstolos tem apenas um intermediário. Ele foi o diretor da
Escola Catequética de Alexandria em 189 dC, e morreu cerca de 220
dC. Orígenes nasceu em torno de 185 dC, foi seu discípulo,
e é, talvez, o mais instruído dos Padres, e um homem da mais
rara beleza moral. Estas são as testemunhas de quem recebemos o mais
importante registro da existência de Mistérios definidos na
Igreja Primitiva.
Os Stromata, ou Miscelânea, de São Clemente, são nossa
fonte de informação sobre os Mistérios naquela sua
época. Ele mesmo fala destes escritos como uma "miscelânea
de notas Gnósticas, de acordo com a verdadeira filosofia" (Stromata,
livro I, cap. XXVIII - A.-N.C.Lib., vol. IV), e as descreve também
como memorandos dos ensinamentos que ele mesmo recebera de Panteno. A passagem
é instrutiva: "O Senhor... permitiu-nos comunicar aqueles Divinos
Mistérios, e aquela santa luz, àqueles capazes de os receber.
Ele certamente não revela à multidão o que não
pertence à multidão, mas aos poucos que Ele sabe que lhes
pertencem, que são capazes de recebê-los e ser moldados de
acordo com eles. Mas coisas secretas são confiadas á voz,
e não ao escrito, como é o caso com Deus. E se alguém
diz (parece que mesmo naquele tempo havia alguns que objetavam de alguma
verdade ser ensinada secretamente!) que está escrito 'Não
há nada escrito que não seja revelado, nem oculto que não
seja descoberto', que também ouça de nós, que àquele
que ouve secretamente, mesmo o que é secreto será manifesto.
Isto é o que foi predito por aquele oráculo. E para aquele
que é capaz de conservar em segredo o que lhe é transmitido,
o que é velado lhe será descoberto como verdade; e o que está
oculto da maioria aparecerá manifesto aos poucos... Os Mistérios
são confiados misticamente, para o que é falado possa estar
na boca do que fala; não em sua voz, mas em seu entendimento... O
escrito destes meus memoranda, bem o sei, é fraco quando comparado
com aquele espírito, que é cheio de graça, o qual eu
tive o privilégio de ouvir. Mas será uma imagem para recordar
o arquétipo àquele que foi tocado com o Tirso". O Tirso,
podemos assinalar, era a vareta levada pelos Iniciados, e os candidatos
eram tocados com ela durante a cerimônia de Iniciação.
Tinha uma significação mística, simbolizando a medula
espinhal e a glândula pineal nos Mistérios Menores, e um Bastão,
conhecido dos Ocultistas, nos Maiores. Dizer, portanto, "àqueles
que foram tocados com o Tirso", era exatamente o mesmo que dizer, "àquele
que foi iniciado nos Mistérios'. Clemente prossegue: "Nós
professamos não explicar coisas secretas suficientemente - longe
disto - mas apenas recordá-las à memória, se tivermos
esquecido algum detalhe, ou com o intuito de não esquecer. Muitas
coisas, sei bem, nos escapam, na da passagem do tempo, e que deixamos de
lado sem as escrever... Há coisas então de que não
guardamos memória alguma; pois o poder que estava nos homens benditos
era grande". Uma experiência freqüente daqueles ensinados
pelos Grandes Seres, pois Sua presença estimula e torna ativos poderes
que normalmente estão latentes, e que o discípulo, desassistido,
não pode evocar. "Também há coisas que permanecem
de todo não registradas; que agora nos fogem; e outras que estão
confusas, tendo se desvanecido na própria mente, uma vez que tal
tarefa não é simples para os inexperientes; estas eu reavivo
em meus comentários. Algumas coisas eu omito de propósito,
exercitando uma sábia seleção, receando escrever o
que eu evitei falar; não para enganar - pois seria errado - mas temendo
por meus leitores, para que não tropecem tomando-as num sentido equívoco;
e, como diz o ditado, estaríamos 'dando uma espada para uma criança'.
Pois é impossível que o que fosse escrito não fosse
percebido (se tornasse sabido), assim permanece impublicado por mim. Mas
sendo sempre circunspecto, usando apenas uma voz, a do escrito, (as coisas
escritas) não respondem nada para aquele que faz perguntas além
do que foi escrito; pois elas requerem necessariamente a ajuda de alguém,
seja de quem escreveu, ou de outro que seguiu em seus passos. Meu tratado
esconde certas coisas; em outras se demora; outras apenas menciona. Ele
tenta falar discretamente, exibir secretamente, e demonstrar silenciosamente"
(Ibid., livro I, cap. I).
Esta passagem, se apenas ela existisse, seria suficiente para confirmar
a existência de um ensinamento secreto na Igreja Primitiva. Mas de
modo algum é um espécimen isolado. No capítulo XII
do mesmo livro I, sob o título "Os Mistérios da Fé
não devem ser divulgados a todos", Clemente declara que, uma
vez que outros além do sábio podem chegar a ver sua obra,
"é obrigatório portanto ocultar em um Mistério
a sabedoria enunciada, que o Filho de Deus ensinou". Língua
purificada de quem fala, ouvido purificado de quem ouve, isto era necessário.
"Tais foram as restrições no caminho de minha escrita.
E mesmo agora eu temo, como se diz, de 'lançar as pérolas
aos porcos, para que não as calquem sob seus pés e se voltem
contra nós e nos despedacem'. Pois é difícil exibir
as palavras realmente puras e transparentes a respeito da verdadeira luz
aos ouvidos suínos e destreinados. Pois dificilmente haveria coisas
que pudessem ser mais ridículas do que estas para a multidão;
nem, por outro lado, qualquer assunto poderia ser mais admirável
ou mais inspirador para aqueles de natureza nobre. Mas o sábio não
profere com sua boca o que discute em concílio. Mas o que ouvis no
ouvido, disse o Senhor, 'proclamai acima das casas', fazendo com que recebam
as tradições sagradas do verdadeiro conhecimento, e expondo-as
alto e conspicuamente; e já que 'ouvimos no ouvido', então
as entregarmos a outros é obrigatório; mas não nos
agrada comunicar a todos sem distinção o que lhes é
dito em parábolas. Mas só existe um esboço em nossos
memoranda, os quais têm a verdade esparsa e difusa, para que possa
escapar da atenção daqueles que apanham sementes como gralhas;
mas quando elas encontram um homem que as acolhe bem cada uma delas germinará
e produzirá grão".
Clemente poderia ter acrescentado que "proclamar acima das casas"
era proclamar ou expor na assembléia dos Perfeitos, dos Iniciados,
e de modo algum bradá-las para os homens nas ruas.
Novamente ele diz que aqueles que são "ainda cegos e surdos,
não tendo entendimento, ou a visão clara e penetrante da alma
contemplativa... devem ficar de fora do coro divino... Por conseguinte,
em concordância com o método de ocultação, o
Verbo verdadeiramente sagrado, verdadeiramente divino e necessário
para nós, depositado no escrínio da verdade, era indicado,
pelos egípcios, pelo que eles chamavam de adyta, e os Hebreus, de
véu. Somente os consagrados... eram autorizados a ter-lhe acesso.
Pois Platão também ensinou que não é lícito
para 'o impuro tocar no que é puro. Por isso as profecias e oráculos
são proferidos em enigmas, e os Mistérios não são
exibidos de imediato e em amplitude a todos, mas somente depois de certas
purificações e instruções prévias"
(Ibid., livro V, cap. IV). Ele então discorre longamente sobre os
Símbolos, expondo os Pitagóricos, os Hebreus, Egípcios,
e então assinala que o ignorante e o inculto falham em entendê-los.
"Mas o Gnóstico compreende. Pois não é desejado
que todas as cosias sejam expostas indiscriminada e completamente a todos,
nem que os benefícios da sabedoria sejam comunicados àqueles
que nem em sonho se purificaram na alma (pois não é permitido
entregar a qualquer arrivista o que foi procurado com tantos esforços
laboriosos); nem serão expostos ao profano os Mistérios da
Palavra". Os Pitagóricos e Platão, Zenão e Aristóteles
tinham ensinamentos exotéricos e esotéricos. Os filósofos
estabeleceram os Mistérios, pois "não seria mais benéfico
para a santa e bendita contemplação das realidades serem ocultas?"
(Ibid., cap. IX). Os Apóstolos também aprovavam "o velamento
dos Mistérios da Fé". "pois existe uma instrução
para os perfeitos", à qual se alude em Colossenses, 9-11 e 25-27.
"Tanto é que, por outro lado, então, existem os Mistérios
que estavam ocultos até o tempo dos Apóstolos, e foram pregados
por eles assim como foram recebidos do Senhor, e, ocultos no Antigo Testamento,
foram manifestos aos santos. E, por outro lado, há 'as riquezas da
glória do mistérios entre os Gentios', que é a fé
e esperança em Cristo; o que em outra parte ele chama de "o
fundamento". Ele cita São Paulo para demonstrar que este "conhecimento
não pertence a todos", e diz, referindo-se a Hebreus V e VI,
que "certamente existem entre os Hebreus algumas coisas transmitidas
oralmente"; e então se refere a São Barnabé, que
fala de Deus, "que colocou em nossos corações a sabedoria
e o entendimento de seus segredos", e diz que "é dado a
poucos entender estas coisas", como se apresentando "um traço
de tradição Gnóstica". "Portanto a instrução
que revela coisas ocultas é chamada de iluminação,
assim como é somente o instrutor que levanta a tampa da arca"
(Ibid., livro V, cap. X). Referindo-se mais a São Paulo, ele comenta
sua declaração em Romanos de que ele "virá na
plenitude da bênção de Cristo" (loc. cit., XX,
29), e diz que ele significa com isto "o dom espiritual e a interpretação
Gnóstica, que ao estar presente deseja transmitir a eles como 'a
plenitude de Cristo, de acordo com a revelação do Mistérios
selado nas eras da eternidade, mas agora manifesto pelas Escrituras proféticas'
(Ibid., XVI, e 25-26; a versão citada difere em palavras, mas não
em sentido, da Edição Inglesa Autorizada)... Mas apenas a
uns poucos dentre eles é mostrado o que são estas coisas que
o Mistério contém. Corretamente, então, Platão,
nas cartas tratando de Deus, diz: 'Devemos nos expressar em enigmas; para
que se por qualquer acaso o escrito, por terra ou por mar, cair nas mãos
de alguém, este permaneça ignorante" (Stromata, livro
V, cap. X).
Depois de muito exame dos escritores gregos, e uma investigação
na filosofia, São Clemente declara que a Gnose "transmitida
e revelada pelo Filho de Deus é sabedoria... E a Gnose em si é
aquilo que continuou pela transmissão a uns poucos, tendo sido transmitida
oralmente pelos Apóstolos" (Ibid., livro VI, cap. VII). É
feita uma exposição muito alentada da vida do Gnóstico,
do Iniciado, e São Clemente a conclui dizendo: "Que isto baste
para aqueles que têm ouvidos. Pois não é preciso desvelar
o mistério, mas apenas indicar o que baste, para aqueles que são
partícipes no conhecimento, para traze-lo de novo à mente"
(Ibid., livro VII, cap. XIV).
Considerando a Escritura como consistindo de alegorias e símbolos,
e como escondendo o sentido a fim de estimular a indagação
e para preservar o ignorante do perigo (ibid., livro VI, cap. XV), São
Clemente naturalmente confinou a instrução superior aos mais
cultos. "Nosso Gnóstico será profundamente culto"
(Ibid., livro VI, cap. X), diz ele. "Pois o Gnóstico deve ser
erudito" (ibid., livro VI, cap. VII). Aqueles que adquiriram desenvoltura
através de treinamento prévio poderiam dominar o conhecimento
mais profundo, pois embora "um homem possa ser um crente sem estudo,
também declaramos que é impossível para um homem sem
estudo compreender as coisas que são expostas na doutrina" (Ibid.,
livro I, cap. VI). "Alguns que se imaginam naturalmente dotados não
desejam se aproximar da filosofia ou da lógica; antes não
desejam aprender a ciência natural. Eles requerem apenas a fé
pobre... Assim também eu chamo de verdadeiramente erudito aquele
que leva tudo à base da verdade - para que, da geometria, da música,
da gramática e da própria filosofia, selecionando o que é
útil, preserve a fé contra assaltos. Quão necessário
é, para o que deseja compartilhar do conhecimento de Deus, tratar
dos assuntos intelectuais através da filosofia" (ibid., cap.
IX). "O Gnóstico se vale dos ramos do conhecimento como exercícios
preparatórios auxiliares" (Ibid., livro VI, cap. X). Quão
longe estava São Clemente de pensar que o ensinamento do Cristianismo
devesse ser medido pela ignorância do inculto. "Aquele que é
familiarizado com todos os tipos de sabedoria será preeminentemente
um Gnóstico" (Ibid., livro I, cap. XIII). Assim enquanto acolhe
o ignorante e o pecador, e encontra no Evangelho o que atende às
suas necessidades, considera que somente o culto e o puro seriam candidatos
adequados para os Mistérios. "O Apóstolo, distintamente
da perfeição Gnóstica, chama a fé comum de fundamento,
e algumas vezes de leite" (Stromata, vol. XII, livro V, cap. IV), mas
sobre aquele fundamento devia ser erguido o edifício da Gnose, e
o alimento próprio de homens devia suceder ao dos bebês. Não
há nenhuma intolerância ou complacência na distinção
que ele faz, mas apenas um calmo e sábio reconhecimento dos fatos.
Mesmo o candidato bem preparado, o discípulo culto e treinado, só
poderiam esperar avançar passo a passo nas profundas verdades desveladas
nos Mistérios. Isto aparece claramente em seus comentários
sobre a visão de Hermas, onde ele também dá algumas
sugestões sobre o método de ler-se obras ocultas. "Não
deu também o Poder, que apareceu a Hermas na Visão, sob a
forma da Igreja, para transcrição o livro que ele desejava
que fosse conhecido dos eleitos? E isto, ele diz, ele transcreveu ao papel,
não sabendo como completar as sílabas. E isto significa que
a Escritura é clara para todos, quando tomada ao pé da letra;
e que isto é a fé que ocupa o lugar dos rudimentos. Daí
é empregada também a expressão figurada 'leitura de
acordo com a letra', enquanto que nós entendemos que a interpretação
gnóstica das Escrituras, quando a fé chegou a um grau avançado,
é comparada com a leitura de acordo com as sílabas... Porém
aquilo o Salvador ensinou os Apóstolos, a interpretação
oral dos escritos (Escrituras) foi dada também a nós, inscrita
pelo poder de Deus nos corações renovados, de acordo com a
renovação do livro. Assim aqueles de grande reputação
entre os gregos dedicam o fruto da romãzeira a Hermes, a quem chamam
de fala, por conta de sua interpretação. Pois a fala oculta
muito... Portanto não é apenas àqueles que lêem
com simplicidade que a aquisição da verdade é tão
difícil, mas a história de Moisés ensina que nem mesmo
àqueles cuja prerrogativa é o conhecimento da verdade a sua
contemplação é desvelada completamente; assim como
os hebreus foram acostumados a contemplar a glória de Moisés,
e os profetas de Israel as visões dos anjos, assim também
nós nos tornamos capazes de olhar os esplendores da verdade face
a face" (Ibid., livro VI, cap. XV).
Poderiam ser dadas ainda outras referências, mas estas serão
suficientes para estabelecer o fato de que São Clemente sabia da
existência dos Mistérios no seio da Igreja, havia sido iniciado
neles, e escreveu para o benefício daqueles que também haviam
sido iniciados.
A testemunha seguinte é o discípulo Orígenes, aquela
brilhantíssima luz de erudição, coragem, santidade,
devoção, brandura e zelo, cujas obras permanecem como minas
de ouro onde o estudante pode garimpar os tesouros da sabedoria.
Em sua famosa controvérsia contra Celso, foram feitos ataques ao
Cristianismo que suscitaram uma defesa da posição Cristã
onde foram feitas freqüentes referências aos ensinamentos secretos
(Contra Celsus, livro I. Este livro é encontrado no volume X da A.-N.C.Lib.
Os livros restantes estão no volume XXIII).
Celso alegou, como argumento de seu ataque, que o Cristianismo era um sistema
secreto, e Orígenes refuta isto dizendo que conquanto certas doutrinas
fossem secretas, muitas outras eram públicas, e que este sistema
de ensinamentos exotéricos e esotéricos, adotado no Cristianismo,
era também de uso geral entre os filósofos. O leitor notará,
na passagem abaixo, a distinção feita entre a ressurreição
de Jesus, considerada sob uma luz histórica, e o "mistério
da ressurreição":
"Acima de tudo, uma vez que ele (Celso) freqüentemente chama a
doutrina Cristã de sistema secreto (de fé), devemos confutá-lo
também neste ponto, uma vez que quase todo o mundo está mais
familiarizado com aquilo que os Cristãos pregam do que com as opiniões
favoritas dos filósofos. Pois quem desconhece a declaração
de que Jesus nasceu de uma virgem, e que foi crucificado, e que Sua ressurreição
é um artigo de fé, e que é esperado um juízo
final, no qual os maus serão punidos de acordo com suas faltas, e
os justos serão devidamente recompensados? Mesmo assim, o Mistério
da ressurreição, não sendo compreendido, é feito
objeto de ridículo entre os descrentes. Nestas circunstâncias,
falar da doutrina Cristã como sendo um sistema secreto é um
completo absurdo. Mas que deva haver certas doutrinas, não descobertas
à multidão, que o são depois que o profano é
ensinado, não é uma peculiaridade apenas do Cristianismo,
mas também de sistemas filosóficos nos quais certas verdades
são exotéricas e outras são esotéricas. Alguns
dos ouvintes de Pitágoras se contentavam com seu ipse dixit, enquanto
que outros eram ensinados em segredo naquelas doutrinas que não eram
consideradas próprias para serem comunicadas aos ouvidos profanos
e insuficientemente preparados. Além disso, todos os Mistérios
que são celebrados em toda a Grécia e em todos os países
bárbaros, embora mantidos em segredo, não sofrem de nenhum
descrédito, de modo que é vão que ele procure caluniar
as doutrinas secretas do Cristianismo, constatando-se que ele não
compreende corretamente sua natureza" (Origen against Celsus, livro
I, cap. VII - A.-N.C.Libr, vol. X).
É impossível negar que nesta importante passagem Orígenes
nitidamente coloca os Mistérios Cristãos na mesma categoria
dos do mundo Pagão, e invoca que aquilo que não é considerado
como um descrédito em relação a outras religiões
não deveria constituir motivo de ataque quando encontrado no Cristianismo.
Ainda escrevendo contra Celso, ele declara que os ensinamentos secretos
de Jesus foram preservados na Igreja, e se refere especificamente às
explicações que Ele deu a Seus discípulos a respeito
de Suas parábolas, ao responder á comparação
de Celso entre "os Mistérios internos da Igreja de Deus"
e o culto egípcio aos animais. "Ainda não falei da observância
de tudo o que está escrito nos Evangelhos, cada um dos quais contém
muita doutrina difícil de ser entendida, não apenas pela multidão,
mas mesmo por alguns dos mais inteligentes, incluindo uma profundíssima
explicação das parábolas que Jesus aplicava 'àqueles
de fora', ao mesmo tempo reservando a exibição de seu pleno
significado àqueles que haviam passado pelo estágio do ensino
exotérico, e que vinham a Ele em privado na casa. E quando estes
passam a entendê-la, admiram a razão pela qual alguns são
ditos ser 'de fora' e outros 'de casa' (Origen against Celsus, livro I,
cap. VII).
E ele se refere discretamente à "montanha" de onde Jesus
ascendeu, e de onde Ele desceu para auxiliar "aqueles que eram incapazes
de seguí-Lo para onde foram os Seus discípulos". A alusão
é à "Montanha da Iniciação", uma frase
mística bem conhecida, do mesmo modo que Moisés fez o Tabernáculo
segundo o modelo "mostrado a ti no monte" (Êxodo, XX, 40;
XXVI, 30, e compare-se com Hebreus, VIII, 5, e IX, 25). Orígenes
se refere novamente a isto mais tarde, dizendo que Jesus mostrou-se bem
diferente, em sua aparência real quando estava na "Montanha",
daqueles que O viram e não podiam "seguí-Lo tão
alto" (Origen against Celsus, livro IV, cap. XVI).
Igualmente em seu comentário sobre o Evangelho de Mateus, capítulo
XV, tratando do episódio da mulher sírio-fenícia, Orígenes
assinala: "E talvez, também, das palavras de Jesus existam alguns
pães que são passíveis de serem dados somente aos mais
racionais, como se fosse a crianças; e outras haja como se fossem
migalhas da mansão e mesa dos bem-nascidos, que podem ser usadas
por algumas almas semelhantes a cães".
A Celso, que lamentava que pecadores fossem trazidos para dentro da Igreja,
Orígenes responde dizendo que a Igreja tinha o remédio para
os que estavam doentes, mas também o estudo e conhecimento das coisas
divinas para aqueles que estavam sãos. Os pecadores eram ensinados
a não pecar, e somente quando era visto que havia sido feito progresso,
e os homens estivessem "purificados pela Palavra", "então,
e não antes, nós os convidamos à participação
em nossos Mistérios. Pois nós falamos sabedoria entre os que
são perfeitos" (Origen against Celsus, livro III, cap. LIX).
Os pecadores vêm para serem curados: "Pois existe na divindade
do Verbo alguns auxílios para a cura dos que estão doentes...
(Existem) outros, ainda, que ao puro de alma e corpo exibem a 'revelação
do Mistério, que foi mantido secreto desde que o mundo começou,
mas que agora foi feito manifesto pelas Escrituras dos profetas', e 'pelo
aparecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo', cuja 'aparição'
é manifesta a cada um dos que são perfeitos, e que ilumina
a razão no verdadeiro conhecimento das coisas" (Origen against
Celsus, livro III, cap. LXI). Tais aparições de Seres divinos
tinham lugar, como vimos, nos Mistérios Pagãos, e aqueles
da Igreja tinham igualmente visitantes gloriosos. "Deus, o Verbo",
ele diz, "foi enviado como um médico para os pecadores, mas
como um Instrutor dos Mistérios Divinos para aqueles que já
são puros, e que não pecam mais" (Ibid., cap. LXII).
"A sabedoria não entrará na alma de um homem vil, nem
irá residir em um corpo que está imerso no pecado"; daí
que estes ensinamentos elevados são dados apenas àqueles que
são "atletas na piedade e em todas as virtudes".
Os Cristãos não admitiam o impuro neste conhecimento, mas
diziam: "Quem quer que haja limpado as mãos, e, portanto, ergue
mãos limpas para Deus... que venha a nós... quem quer que
seja puro não somente de todo aviltamento, mas também do que
é considerado como transgressões menores, que seja intrepidamente
iniciado nos Mistérios de Jesus, que são feitos propriamente
conhecidos somente aos santos e aos puros". Também assim, antes
que a cerimônia de Iniciação começasse, aquele
que atuava como Iniciador, de acordo com os preceitos de Jesus, o Hierofante,
fazia a significativa proclamação "àqueles que
foram purificados no coração: Aquele cuja alma desde há
muito tempo não tem consciência de nenhum mal, especialmente
desde que sujeitou-se à cura pelo Verbo, que este ouça as
doutrinas que eram ditas em privado por Jesus a Seus genuínos discípulos".
Esta era a abertura das portas da "Iniciação, dos que
já estavam purificados, para os sagrados Mistérios" (Origen
against Celsus, livro III, cap. LX). Só estes poderiam aprender as
realidades dos mundos invisíveis, e poderiam entrar nos recintos
sagrados onde, como antigamente, os anjos eram os instrutores, e onde o
conhecimento era dado pela visão e não pelas palavras. É
impossível não perceber o tom diferente destes Cristãos
em relação aos seus sucessores modernos. Para aqueles a perfeita
pureza de vida, a prática da virtude, o cumprimento da Lei divina
em cada detalhe na conduta exterior, a perfeição da justiça,
eram - assim como para os Pagãos - somente o início do caminho
ao invés de seu final. Hoje em dia considera-se que a religião
completou gloriosamente seu objetivo quando produz um Santo; assim foi aos
Santos que devotou suas mais altas energias, e, tomando os puros de coração,
levava-os à Visão Beatífica.
O mesmo fato do ensinamento secreto aparece novamente quando Orígenes
discute os argumentos de Celso sobre a sabedoria de preservar costumes ancestrais,
baseada na crença de que "as várias regiões da
Terra foram desde o início entregues a diferentes Espíritos
superintendentes, e foram assim distribuídas entre certos Poderes
diretores, e deste modo a administração do mundo é
levada adiante" (Origen against Celsus, livro V, cap. XXV - A.-N.C.Libr.,
vol. XXIII).
Tendo Orígenes condenado as deduções de Celso, prossegue:
"Mas como imaginamos ser provável que alguns daqueles acostumados
a investigações mais profundas se deparem com este tratado,
arrisquemos a deixar algumas considerações de um tipo mais
profundo, com uma visão mística e secreta a respeito da distribuição
original das várias regiões da Terra entre diferentes Espíritos
superintendentes" (Ibid., cap. XXVIII). Ele diz que Celso havia entendido
mal as razões mais profundas a respeito do arranjo dos assuntos terrenos,
algumas das quais são abordadas mesmo na história grega. Então
ele cita o Deuteronômio, XXXII, 8-9,: "Quando o Altíssimo
dividiu as nações, quando Ele dispersou os filhos de Adão,
estabeleceu os limites dos povos de acordo com o número dos Anjos
de Deus; e a porção do Senhor foi Seu povo Jacó, e
Israel a linhagem de Sua herança". Este é o fraseado
da edição Septuaginta, não a da Inglesa Autorizada,
mas é muito sugestivo de que o título de "Senhor"
fosse atribuído ao Anjo Regente dos Judeus, apenas, e não
ao "Altíssimo", isto é, Deus. Esta visão
desapareceu, pela ignorância, e disto deriva a inadequação
de muitas das declarações que se referem ao "Senhor",
quando são transferidas ao "Altíssimo", como por
exemplo em Juizes, I, 19 ["O Senhor estava com Judá, e ele conquistou
a montanha, porém não pôde despojar os habitantes da
planície, que possuíam carruagens de ferro" - NT].
Orígenes então relata a história da Torre de Babel,
e continua: "Mas muito poderia ser dito sobre estes assuntos, e coisas
de tipo místico, como o que segue: 'É bom ocultar o segredo
de um rei', Tobias, XII, 7, 'a fim de que a doutrina da entrada das almas
nos corpos (porém não a da transmigração de
um corpo para outro) não seja divulgada ao entendimento comum, nem
o que é santo dado aos cães, nem pérolas jogadas aos
porcos. Pois tal procedimento seria ímpio, sendo equivalente a uma
traição das declarações misteriosas da sabedoria
de Deus... É suficiente, contudo, representar no estilo de uma narrativa
histórica, com uma vestimenta de história, o que é
planejado para veicular um significado secreto, para que aqueles que têm
capacidade desenvolvam por si mesmos tudo o que se relaciona ao assunto"
(Origen against Celsus, livro V, cap. XXIX - A.-N.C.Libr., vol. XXIII).
Ele então expõe mais completamente a história da Torre
de Babel, e escreve: "Porém, a seguir, se alguém tiver
capacidade, que entenda aquilo que assume a forma de história, e
que contém algumas coisas que são literalmente verdade, embora
ao mesmo tempo veicule um significado mais profundo..." (Ibid., cap.
XXXI).
Depois de tentar mostrar que o "Senhor" era mais poderoso do que
os outros Espíritos superintendentes de diferentes partes da Terra,
e que ele enviou seu povo para ser punido vivendo debaixo do domínio
de outros poderes, e depois alinhou-os com todas as nações
menos favorecidas que podiam ser reunidas, Orígenes conclui dizendo:
"como observamos previamente, estas declarações devem
ser entendidas como sendo feitas por nós com um sentido oculto, indicando
os erros daqueles que asseveram... " (Ibid., cap. XXXII) como o fez
Celso.
Depois de assinalar que "o objetivo do Cristianismo é que nos
tornemos sábios" (Ibid., cap. XIV), Orígenes prossegue:
""Se consultamos os livros escritos depois do tempo de Jesus,
veremos que aquelas multidões de crentes que ouviram as parábolas
são, como se diz, "de fora', e dignos apenas das doutrinas exotéricas,
enquanto que os discípulos aprendem em privado a explicação
das parábolas. Pois privadamente Jesus descerrou todas as coisas
aos Seus discípulos , estimando acima das multidões aqueles
que desejavam conhecer Sua sabedoria. E Ele promete àqueles que acreditam
n'Ele torná-los homens sábios e escribas... E Paulo também
em seu catálogo dos 'Charismata' outorgados por Deus, colocou em
primeiro lugar 'a Palavra da sabedoria', e em segundo, como sendo-lhe inferior,
a 'palavra do conhecimento', mas em terceiro, e mais abaixo, a 'fé'.
E porque ele considerava 'a palavra' mais alto do que os poderes miraculosos,
ele por esta razão coloca a 'operação de milagres'
e os 'dons de cura' em um lugar mais baixo do que os dons da 'Palavra' "
(Ibid., cap. XLVI).
O Evangelho em verdade ajudava o ignorante, "mas não é
impedimento algum para o conhecimento de Deus, antes é uma assistência,
ter sido educado, e ter estudado as melhores opiniões, e ser sábio"
(Ibid., caps. XLVII e LIV). Assim, para o inculto, "eu tento melhorá-lo
também com o melhor de minha habilidade, embora eu não deseje
construir a comunidade Cristã a partir de tais materiais. Pois eu
busco de preferência os que são mais sagazes e argutos, porque
são capazes de compreender o significado dos ditos mais difíceis"(Ibid.,
cap. LXXIV). Aqui expusemos claramente a antiga idéia Cristã,
inteiramente de acordo com as considerações apresentadas no
Capítulo I deste livro. No Cristianismo existe espaço para
o ignorante, mas ele não foi planejado somente para estes, e tem
ensinamentos mais profundos para os "sagazes e argutos".
É para estes últimos que ele tem grande empenho em mostrar
que as Escrituras Cristãs e Judaicas têm significados ocultos,
velados debaixo de histórias cujo significado exterior ele repele
como absurdos, aludindo à serpente e a árvore da vida, e "as
outras declarações que se seguem, que poderiam em si conduzir
um leitor cândido a ver que todas estas coisas têm, não
impropriamente, um significado alegórico" (Ibid., livro IV,
cap. XXXIX). Muitos capítulos são devotados a estes sentidos
alegóricos e místicos, escondidos debaixo das palavras do
Velho e do Novo Testamentos, e ele alega que Moisés, como os Egípcios,
contou histórias que ocultavam o significado" (Origen against
Celsus, livro I, cap. XVII e outros - A.-N.C.Libr., vol X). "Aquele
que lida candidamente com as histórias" - este é o cânone
geral de interpretação de Orígenes - "e deseje
se preservar de ser confundido por elas, exercitará seu julgamento
sobre a quais declarações dará seu consentimento, e
o que aceitará figuradamente, procurando descobrir a intenção
dos autores destas invenções, e contra quais declarações
ele preservará suas crenças, como tendo sido escritas para
a gratificação de certos indivíduos. E dissemos isto
como antecipação a respeito de toda a história relatada
nos Evangelhos a respeito de Jesus" (Ibid., cap. XIII). Uma grande
parte de seu Livro IV é tomada por ilustrações das
explicações místicas das histórias das Escrituras,
e qualquer um que deseje seguir o assunto pode lê-lo.
No De Principiis, Orígenes dá como sendo o ensinamento recebido
da Igreja "que as escrituras foram escritas pelo Espírito de
Deus, e tendo um significado, não apenas aquele aparente á
primeira vista, mas também um outro, que escapa da percepção
da maioria. Pois aquelas (palavras) que são escritas são as
formas de certos Mistérios, e as imagens das coisas divinas. A este
respeito existe uma única opinião em toda a Igreja, de que
toda a lei é em verdade espiritual; mas que o significado espiritual
que a lei veicula não é conhecido de todos, mas só
àqueles em quem a graça do espírito Santo é
outorgada na palavra da sabedoria e do conhecimento" (De Principiis,
prefácio, p. 8 - A.-N.C.Libr., vol. X). Aqueles que lembram o que
já foi citado verão na "Palavra de sabedoria" e
na "palavra do conhecimento" as duas instruções
místicas típicas, a espiritual e a intelectual.
NO Livro IV de De Principiis, Orígenes explica longamente suas concepções
sobre a interpretação da Escritura. Ela tem um "corpo",
que é "o senso histórico e comum"; uma "alma",
um significado figurado a ser descoberto pelo exercício do intelecto;
e um "espírito", um sentido interno e espiritual, a ser
conhecido somente por aqueles que têm "a mente de Cristo".
Ele considera que coisas incongruentes e impossíveis são inseridas
na história para estimular um leitor inteligente, e compeli-lo a
buscar uma explicação mais profunda, enquanto que as pessoas
simples a lerão sem perceber as dificuldades (Ibid., cap. I).
O Cardeal Newman, em seu Arians of the Fourth Century, faz certas declarações
interessantes sobre a Disciplina Arcani, mas, com o ceticismo profunda e
indelevelmente enraizado do século XIX, ele não pode acreditar
de todo nas "riquezas da glória do Mistério", ou
provavelmente nem por um momento concebeu a possibilidade da existência
de tais esplêndidas realidades. Mesmo sendo ele um crente em Jesus,
e as palavras da promessa de Jesus sendo claras e definidas: "Eu não
vos deixarei sem conforto; Eu virei a vós. Ainda um pouco mais, e
o mundo já não Me verá; mas vós me vereis: porque
Eu vivo, e viverei. Naquele dia devereis saber que Eu estou no meu Pai,
e vós em Mim, e Eu em vós" (João, XIV, 18-20).
A promessa foi amplamente cumprida, pois Ele veio a eles e os ensinou em
Seus Mistérios; lá eles O viram, embora o mundo já
não O visse, e reconheceram o Cristo neles, e sua vida como a do
Cristo.
O cardeal Newman reconhece uma tradição secreta, transmitida
desde os Apóstolos, mas ele considera que consistia das doutrinas
Cristãs, mais tarde divulgadas, esquecendo que aqueles que eram informados
de que ainda não estavam prontos para recebê-la (a doutrina
secreta) não eram pagãos, nem mesmo catecúmenos, mas
membros plenos e comungantes da Igreja Cristã. Assim ele diz que
esta tradição secreta foi mais tarde (divulgada com autoridade
e perpetuada sob a forma de símbolos", e foi corporificada "nos
credos dos primeiros Concílios" (Loc. cit., cap. I, seç.
III, p. 55). Mas como as doutrinas nos credos são encontráveis
nos Evangelhos e nas Epístolas, esta posição é
completamente insustentável, tudo isto já tendo sido divulgado
ao mundo amplamente; e os membros da Igreja certamente estavam instruídos
de tudo a respeito de todas elas. As repetidas declarações
a respeito do sigilo se tornam sem sentido se explicadas desta forma. O
Cardeal, entretanto, diz que o que quer que "não tenha sido
autenticado desta forma, seja informação profética
ou comentário sobre as antigas dispensações, é,
pelas circunstâncias do caso, perdido para a Igreja" (Loc. cit.,
cap. I, seç., III, pp. 55-56). Isto é muito provável,
de fato é certamente verdadeiro, até onde interessa à
Igreja, mas não obstante é recuperável.
Comentando sobre Irineu, que em sua obra Contra as Heresias dá muita
ênfase sobre a existência de uma Tradição Apostólica
na Igreja, o Cardeal escreve: "Ele então passa a falar da clareza
e poder de persuasão das tradições preservadas na Igreja,
como contendo a verdadeira sabedoria dos perfeitos, da qual fala São
Paulo, e à qual pretendem os Gnósticos. E, na verdade, (mesmo)
sem provas formais da existência e da autoridade nos primeiros tempos
de uma Tradição Apostólica, é claro que deve
ter havido uma tal tradição, supondo que os Apóstolos
conversassem, e seus amigos tivessem lembranças, como outros homens.
É de todo inconcebível que eles não tivessem sido levados
a arranjar as séries de doutrinas reveladas mais sistematicamente
do que as registram nas Escrituras, assim que seus seguidores foram expostos
aos ataques e más interpretações dos heréticos;
a menos que tenham sido proibidos disto, uma suposição que
não se sustenta. Suas declarações surgidas nestas circunstâncias
obviamente seriam preservadas, juntamente com os outros segredos, mas que
eram verdades de menor importância, aos quais São Paulo parece
aludir, e que os primeiros escritores mais ou menos reconhecem, seja a respeito
dos modelos da Igreja Judaica, ou dos destinos futuros da Cristã.
E tais recordações dos ensinamentos apostólicos evidentemente
seriam imperativas sobre a fé daqueles que eram instruídos
nelas; a menos que se possa supor que, embora provindo de instrutores inspirados,
não fossem de origem divina" (Ibid., pp. 54,55). Em uma parte
da seção que trata do método alegórico, ele
escreve em referência ao sacrifício de Isaac, etc, como sendo
"típico da revelação do Novo Testamento":
"Em reforço a esta declaração, seja observado
que parece ter havido ('parece ter havido' é uma expressão
algo fraca, depois do que é dito sobre Clemente e Orígenes,
dos quais algumas citações são dadas no texto) na Igreja
uma explicação tradicional destes modelos históricos,
derivada dos Apóstolos, mas mantidas entre as doutrinas secretas,
por serem perigosas à maioria dos ouvintes; e certamente São
Paulo, na Epístola aos Hebreus, nos dá um exemplo desta tradição,
tanto como existente quanto como secreta (mesmo sendo mostrado ser de origem
Judaica), quando, primeiro provando-se e questionando a fé de seus
irmãos, comunica, não sem hesitação, a visão
evangélica da passagem sobre Melquisedec, do modo como foi introduzida
no livro do Gênesis" (Ibid., p. 62).
As convulsões sociais e políticas que acompanharam a morte
do Império Romano agora começavam a torturar sua vasta moldura,
e mesmo os Cristãos foram colhidos no torvelinho dos interesses egoístas
em combate. Ainda encontraremos referências esparsas ao conhecimento
especial concedido aos líderes e instrutores da Igreja, conhecimento
das hierarquias celeste, instruções dadas por anjos, e assim
por diante. Mas a ausência de discípulos aceitáveis
fez com que os Mistérios se extinguissem como uma instituição
cuja existência era reconhecida publicamente, e o ensinamento passou
a ser dado mais e mais secretamente àquelas almas mais e mais raras,
que pela cultura, pureza e devoção se mostravam capazes de
recebê-lo. Já não havia escolas onde os ensinamentos
preliminares fossem dados, e com seu desaparecimento "a porta foi fechada".
Não obstante pode-se detectar duas correntes na Cristandade, as quais
tiveram suas fontes nos Mistérios desaparecidos. Uma era a corrente
do aprendizado místico, fluindo da Sabedoria, da Gnose transmitida
nos Mistérios; outra era a corrente da contemplação
mística, igualmente parte da Gnose, conduzindo ao êxtase, à
visão espiritual. Esta última, contudo, divorciada do conhecimento,
raramente atingiu o verdadeiro êxtase, e tendeu ou a correr desenfreada
para as regiões mais baixas dos mundos invisíveis, ou perder-se
entre uma variegada multidão de formas sutis superfísicas,
visíveis como aparições objetivas à visão
oculta - forçada prematuramente por jejuns, vigílias e atenção
concentrada - mas em sua maioria nascidas dos pensamentos e emoções
do vidente. Mesmo quando as formas observadas não eram pensamentos
externalizados, eram vistas através de uma atmosfera distorcedora
de idéias e crenças preconcebidas, e assim tornadas largamente
indignas de crédito. Não obstante, algumas das visões
foram veramente de coisas celestiais, e Jesus realmente apareceu de tempos
em tempos aos Seus amantes devotados, e anjos algumas vezes iluminaram com
sua presença a cela do monge e da freira, a solitude do devoto apaixonado
e do paciente buscador de Deus. Negar a possibilidade de tais experiências
seria amputar na própria raiz aquilo "que tem sido acreditado
com mais certeza" em todas as religiões, e é conhecido
dos ocultistas - a intercomunicação entre Espíritos
encerrados na carne e aqueles revestidos de vestimentas mais sutis, o contato
de mente com mente através das barreiras da matéria, o desabrochar
da divindade no homem, o conhecimento seguro de uma vida além dos
portões da morte.
Olhando pelos séculos não vemos tempo algum em que a Cristandade
estivesse de todo privada de mistérios. "Foi provavelmente em
torno do final do século V, bem na época em que a antiga filosofia
estava morrendo na Escola de Atenas, que a filosofia especulativa do Neoplatonismo
estabeleceu-se definitivamente no pensamento Cristão através
das falsificações literárias do Pseudo-Dionísio.
As doutrinas do Cristianismo estavam naquela altura tão firmemente
estabelecidas que a Igreja poderia encarar uma interpretação
simbólica ou mística delas sem ansiedade. O autor da Theologica
Mystica e de outras obras atribuídas ao Areopagita passa, assim,
a desenvolver as doutrinas de Proclo sem muita modificação
em um sistema de Cristianismo esotérico. Deus é o Ser inominável
e supra-essencial, acima da própria bondade. Daí a 'teologia
negativa', que sobe da criatura até Deus retirando um após
outro todos os atributos determinados, e que nos conduz para mais perto
da verdade. O retorno para Deus é a consumação de todas
as coisas e a meta indicada pelo ensino Cristão. As mesmas doutrinas
foram pregadas com maior fervor eclesiástico por Máximo, o
Confessor (580-622). Máximo representa quase a última atividade
especulativa da Igreja grega, mas a influência dos escritos do Pseudo-Dionísio
foi transmitida para o Ocidente no século IX por Erígena,
em cujo espírito especulativo tiveram origem tanto o escolasticismo
quanto o misticismo da Idade Média. Erígena traduziu Dionísio
para o latim junto com os comentários de Máximo, e seu sistema
é essencialmente baseado no deles. É adotada a teologia negativa,
e Deus é considerado um Ser sem atributos, acima de todas as categorias,
e portanto não impropriamente chamado de Nada. Fora deste Nada ou
essência incompreensível é criado eternamente o mundo
das idéias ou causas primordiais. Este é o Verbo ou Filho
de Deus, em quem existem todas as coisas, até onde possuam existência
substancial. Toda a existência é uma teofania, e como Deus
é o início de todas as coisas, também é seu
final. Erígena ensina o resgate de todas as coisas sob a forma da
adunatio ou deificatio Dionisiana. Estas são as linhas gerais permanentes
do que pode ser chamado a filosofia do misticismo nos tempos Cristãos,
e é notável a escassez de variação com que são
repetidas de era em era" (Artigo sobre Misticysm, in Encyclopaedia
Britannica).
No século XI Bernardo de Claraval (1091-1153) e Hugo de São
Victor continuaram a tradição mística, com Richard
de São Victor no século seguinte, e São Boaventura,
o Doutor Seráfico, e o grande Tomás de Aquino (1227-1274)
no século XIII. Tomás de Aquino domina a Europa da Idade Média,
pela força de seu caráter não menos do que por sua
erudição e piedade. Ele estabelece a "Revelação"
como uma fonte de conhecimento, sendo a Escritura e a tradição
os dois canais por onde corre, e a influência, perceptível
em seus escritos, do Pseudo-Dionísio o conecta aos Neoplatônicos.
A segunda fonte é a Razão, e aqui os canais são a filosofia
Platônica e os métodos de Aristóteles - este uma aliança
que não fez bem ao Cristianismo, pois Aristóteles se tornou
um obstáculo para o progresso do pensamento superior, o que se evidencia
nas lutas de Giordano Bruno, o Pitagórico. Tomás de Aquino
foi canonizado em 1323, e o grande Dominicano permanece como um modelo da
união da teologia e da filosofia - o anelo de sua vida. Eles pertencem
à grande Igreja da Europa ocidental, e sustentam sua reivindicação
de ser considerada a transmissora da tocha santa do ensinamento místico.
Em torno dela também se disseminaram muitas seitas, julgadas heréticas,
mas que continham tradições verdadeiras do sagrado conhecimento
secreto, como os Cátaros e muitos outros, perseguidos por uma Igreja
ciumenta de sua autoridade, temerosa de que as pérolas santas passassem
à custódia profana. Também naquele século Santa
Elisabeth da Hungria rebrilha com doçura e pureza, enquanto que Eckhart
(1260-1329) prova ser um digno herdeiro das Escolas Alexandrinas. Eckhart
ensinou que "a Divindade é a Essência (Wesen) absoluta,
incognoscível não só pelos homens, mas também
por Si mesmo; Ela é escuridão e absoluta indeterminação,
Nicht, em contraste a Icht, ou existência definida e cognoscível.
Mas é a potencialidade de todas as coisas, e Sua natureza, num processo
triádico, passa à consciência de Si como o Deus trino.
A criação não é um ato temporal, mas uma necessidade
eterna da natureza divina". Eckhart se compraz em dizer que "eu
sou necessário para Deus, assim como Deus é necessário
para mim. Em meu conhecimento e amor Deus conhece e ama a Si mesmo"
(Verbete Mysticism; Encyclopaedia Britannica).
Eckhart é seguido, no século XIV, por John Tauler e Nicolas
de Basel, "o amigo de Deus em Oberland". Deles nasceu a Sociedade
dos Amigos de Deus, verdadeiros místicos e seguidores da antiga tradição.
Mead assinala que Tomás de Aquino, Tauler e Eckhart seguiram o Pseudo-Dionísio,
que seguiu Plotino, Jâmblico e Proclo, que por sua vez seguiram Platão
e Pitágoras (Mead, Orpheus, pp. 53-54). Deste modo são interligados
os seguidores da Sabedoria em todas as eras. Foi provavelmente um "Amigo"
o autor da Die Deustche Theologie, um livro de devoção mística,
que teve o curioso destino de ser aprovado por Schaupitz, o Vigário-Geral
da ordem Agostiniana, que foi recomendado a Lutero e pelo próprio
Lutero, que o publicou em 1516, como um livro que deveria estar logo depois
da Bíblia e dos escritos de Santo Agostinho de Hipona. Um outro "Amigo"
foi Ruysbroeck, cuja influência em Groot foi devida à fundação
dos Irmãos do Quinhão Comum ou da Vida Comum - uma Sociedade
que deve permanecer sempre memorável, já que tinha entre seus
membros aquele príncipe dos místicos, Thomas a Kempis (1380-1471),
o autor da imortal Imitação de Cristo.
No século XV o lado mais puramente intelectual do misticismo desponta
mais fortemente do que o extático - tão dominante nestas sociedades
do século XIV - e temos o Cardeal Nicolau de Cusa, junto com Giordano
Bruno, o martirizado cavaleiro errante da filosofia, e Paracelso, o caluniadíssimo
cientista, que retirou seu conhecimento diretamente das fontes orientais
originais, em vez de através de canais gregos.
O século XVI presenciou o nascimento de Jacob Böhme (1575-1624),
o "remendão inspirado", verdadeiramente um Iniciado em
obscurecimento, dolorosamente perseguido por homens não iluminados;
e então veio Santa Teresa, a oprimidíssima e sofredora mística
espanhola; e São João da Cruz, uma flama ardente de intensa
devoção; e São Francisco de Sales. Roma foi sábia
ao canonizá-los, mais sábia que a Reforma, que perseguiu Böhme,
mas o espírito da Reforma foi sempre intensamente antimístico,
e onde quer que seu alento tenha passado as formosas flores do misticismo
murcharam como debaixo do Sirocco.
Assim, embora tendo apoiado, canonizando, uma Teresa morta, depois de tê-la
atormentado amargamente em vida, a Igreja procedeu pior com Madame de Guyon
(1648-1717), uma verdadeira mística, e com Miguel de Molinos (1627-1696),
digno de sentar-se ao lado de São João da Cruz, que continuou
no século XVII a alta devoção do místico, transformada
em uma forma peculiarmente passiva - o Quietismo.
Neste mesmo século surgiu a escola dos Platônicos em Cambridge,
de quem Henry More (1614-1687) pode servir como exemplo eminente; também
Thomas Vaugham, e Robert Fludd, o Rosacruz; e lá foi formada ainda
a Sociedade dos Filadelfos, e vemos William Law (1686-1761) ativo no século
XVIII, e ultrapassando Saint-Martin (1743-1803), cujos escritos fascinaram
tantos estudantes do século XIX (Aqui devo prestar reconhecimento
ao artigo Mysticism da Encyclopaedia Britannica, embora esta publicação
não possa de modo algum ser responsabilizada pelas opiniões
expressas).
Nem devemos omitir Christian Rosenkreutz (morto em 1484), cuja mística
Sociedade da Rosa e da Cruz, aparecida em 1614, tinha verdadeiro conhecimento,
e cujo espírito renasceu no "Conde de Saint-Germain", a
misteriosa figura que apareceu e desapareceu na melancolia, iluminada por
lúgubres lampejos, do final do século XVIII. Também
místicos foram alguns Quakers, a muito perseguida seita dos Amigos,
procurando a iluminação da Luz Interior, e ouvindo sempre
a Voz Interior. E houve muitos outros místicos, "de quem o mundo
não foi digno", como a completamente adorável e sábia
Mãe Juliana de Norwich, do século XIV, jóias da Cristandade,
escassamente conhecidas, mas justificando o Cristianismo diante do mundo.
Assim, ao mesmo tempo em que saudamos reverentes estas Crianças da
Luz, espalhadas pelos séculos, somos forçados a reconhecer
nelas a ausência daquela união de intelecto agudo e alta devoção
que seriam fundidos pelo treinamento nos Mistérios, e enquanto nos
maravilhamos de que tenham se alçado tão alto, não
podemos senão desejar que tivessem seus raros dons sido desenvolvidos
debaixo da magnífica disciplina arcani.
Alphonse Louis Constant, mais conhecido por seu pseudônimo Eliphas
Levi, expressou muito bem a perda dos Mistérios, e a necessidade
de sua reinstituição. "Um grande infortúnio se
abateu sobre a Cristandade. A traição dos Mistérios
pelos falsos Gnósticos - pois Gnósticos, isto é, aqueles
que sabem, eram os Iniciados do Cristianismo primitivo - fizeram com que
a Gnose fosse rejeitada, e alienaram a Igreja das supremas verdades da Kabbala,
que contém todos os segredos da teologia transcendental... Que a
ciência mais absoluta, que a mais excelsa razão, se tornem
uma vez mais o patrimônio dos líderes dos povos; que a arte
sacerdotal e a arte régia tomem o duplo cetro das antigas iniciações,
e o mundo social será uma vez mais tirado de seu caos. Chega de queimar
as imagens, basta de derrubar os templos; templos e imagens são necessários
para os homens; mas expulsem os mercenários da casa de oração;
que o cego deixe de ser o líder para os cegos, reconstrua-se a hierarquia
de inteligência e santidade, e reconheçam somente aqueles que
sabem como instrutores dos que crêem" (The Mysteries of Magic,
trad. para o inglês de A.E.Waite, pp 58 e 60).
Retomarão as Igrejas de hoje o ensinamento místico, os Mistérios
Menores, preparando assim seus filhos para o restabelecimento dos Mistérios
Maiores, atraindo mais uma vez o Anjos para ensinar, e tendo como Hierofante
o Divino Mestre, Jesus? Da resposta a esta pergunta depende o futuro do
Cristianismo.
CAPÍTULO IV
O Cristo Histórico
Já falamos, no capítulo I, sobre as identidades que existem
em todas as religiões do mundo, e vimos que de um estudo destas identidades
de crenças, simbolismos, ritos, cerimônias, histórias
e festivais comemorativos nasceu uma escola moderna que relaciona tudo isto
a uma fonte comum na ignorância humana, e em uma explicação
primitiva dos fenômenos naturais. A partir destas identidades foram
forjadas armas para atacar cada religião por sua vez, e os mais efetivos
ataques ao Cristianismo e à existência histórica de
seu Fundador obtiveram suas armas naquela fonte. Passando agora ao estudo
da vida de Cristo, dos ritos do Cristianismo, seus sacramentos, suas doutrinas,
seria fatal ignorarmos os fatos reunidos pela Mitologia Comparada. Entendidos
corretamente, eles podem ser úteis, em vez de daninhos. Vimos que
os Apóstolos e seus sucessores trataram mui livremente o Antigo Testamento
como tendo um sentido alegórico e místico muito mais importante
do que o histórico, embora de modo algum negando-o, e não
tiveram escrúpulos em instruir o crente culto de que alguns relatos
que eram aparentemente históricos fossem em verdade puramente alegóricos.
Ali, talvez, seja mais necessário entender isto do que ao estudarmos
a história de Jesus, cognominado de Cristo, pois quando não
desenredamos as linhas emaranhadas, e vemos onde os símbolos foram
tomados como eventos, alegorias como histórias, perdemos a maior
parte da instrutividade da narrativa e muito de sua finíssima beleza.
Não podemos insistir demais no fato de que o Cristianismo ganha,
e não perde, quando o conhecimento é acrescentado à
fé e à virtude, de acordo com a injunção apostólica
(II Pedro, I, 5). Os homens temem que o Cristianismo seja enfraquecido quando
a razão o analisa, e que seja "perigoso" admitir que eventos
imaginados serem históricos têm o significado mais profundo
no terreno mítico ou místico. Ao contrário, ele é
fortalecido, e o estudante descobre, com alegria, que a pérola de
grande valor brilha com um lustro mais puro e claro quando a camada de ignorância
é removida e as suas muitas cores são vistas.
Hoje em dia há duas escolas de pensamento, acerbamente opostas entre
si, disputando em torno da história do grande Instrutor Hebreu. De
acordo com uma escola não há nada exceto mitos e lendas nos
registros de Sua vida - mitos e lendas que foram dados como explicação
de certos fenômenos naturais, resquícios de um modo figurativo
de se ensinar os fatos da natureza, de imprimir nas mentes dos incultos
certas classificações abrangentes dos eventos naturais que
são importantes em si, e que se prestavam á instrução
moral. Os que ratificam esta visão formam uma escola bem definida
à qual pertencem muitos homens de alta educação e poderosa
inteligência, e em torno deles se reúnem multidões de
menos instruídos, que enfatizam com veemência crua os elementos
mais destrutivos dos seus pronunciamentos. A esta escola se opõe
a dos crentes no Cristianismo ortodoxo, que declaram que toda a narrativa
de Jesus é histórica, não adulterada pela lenda ou
pelo mito. Eles sustentam que esta narrativa não é nada mais
do que a história da vida de um homem nascido há dezenove
séculos atrás na Palestina, que passou por todas as experiências
registradas nos Evangelhos, e eles negam que a narrativa tenha qualquer
significação além daquela de uma vida divina e humana.
Estas duas escolas permanecem em antagonismo direto, uma asseverando que
tudo é lenda, a outra declarando que tudo é história.
Entre elas existem muitas variantes de opinião geralmente rotuladas
de "livre-pensamento", que consideram a narrativa da vida como
parcialmente legendária e parcialmente histórica, mas não
oferecem nenhum método definido e racional de interpretação,
e nenhuma explicação adequada para o complexo todo. E também
encontramos, dentro do âmbito da Igreja Cristã, um número
grande e sempre crescente de Cristãos fiéis e devotos de inteligência
refinada, homens e mulheres que são aplicados em sua fé e
religiosos em suas aspirações, mas que vêem na narrativa
Evangélica mais do que a história de um simples Homem Divino.
Eles alegam - defendendo sua posição contra as Escrituras
reveladas - que a história de Cristo tem um significado mais profundo
e importante do que aquele que jaz na superfície; conquanto sustentem
o caráter histórico de Jesus, ao mesmo tempo declaram que
O CRISTO é mais que o homem Jesus, e que tem um significado místico.
Em apoio a esta posição eles indicam certas frases que são
usadas por São Paulo: "Meus filhos, de quem sofro as dores do
parto até que Cristo esteja formado em vós" (Gálatas,
IV, 19); aqui São Paulo obviamente não pode se referir a um
Jesus histórico, mas a alguma projeção [forth-putting,
no original - NT] da alma humana que para ele é a formação
de Cristo no seu interior. Novamente o mesmo instrutor declara que embora
ele tenha conhecido Cristo na carne, dali em diante ele já não
o conheceria assim (II Coríntios, V, 16); obviamente implicando que
embora conhecendo o Cristo de carne - Jesus - havia uma concepção
superior à qual chegara que lançava o Cristo histórico
na sombra. Esta é a visão que muitos estão procurando
hoje em dia, e - confrontados com os fatos da Religião Comparada,
perplexos pelas contradições dos Evangelhos, confusos pelos
problemas que eles não podem resolver enquanto ficarem presos ao
mero significado superficial de sua escritura - então gritam desesperados
que a letra mata mas o espírito vivifica, e procuram descobrir algum
significado mais profundo e vasto em uma história que é tão
velha quanto as religiões do mundo, e tem sempre servido como o verdadeiro
cerne e vida para cada religião na qual reapareceu. Estes infatigáveis
pensadores, demasiado desconectados e indefinidos para serem considerados
uma escola, parecem estender uma mão, de um lado, para aqueles que
imaginam tudo ser uma lenda, pedindo-lhes para aceitarem uma base histórica;
de outro lado, dizem a seus irmãos Cristãos que existe um
perigo crescente em se aferrar a um significado literal e exclusivo, o qual
já não pode ser defeso diante do conhecimento crescente desta
época, e pondo a perder inteiramente o significado espiritual. Há
um perigo de perder-se "a história do Cristo" junto com
aquele pensamento sobre o Cristo que tem sido o sustento e a inspiração
de milhões de vidas nobres no Oriente e no Ocidente, embora o Cristo
seja chamado por outros nomes e adorado sob outras formas; um perigo de
que a pérola de grande valor se perca para nós, e o homem
seja completamente empobrecido para sempre.
O que é preciso, a fim de que este perigo possa ser evitado, é
desemaranhar as diferentes linhas na história do Cristo, e colocá-las
lado a lado - a linha da história, a linha da lenda, a linha do misticismo.
Elas se misturaram numa só linha, para grande prejuízo daquele
que pensa, e desemaranhando-as veremos que a história se torna mais,
e não menos, valiosa quando se acrescenta a ela o conhecimento, e
que aqui, como em tudo que pertence basicamente à verdade, quanto
mais brilhante é luz lançada, maior é a beleza que
se desvela.
Estudaremos primeiro o Cristo histórico; depois o Cristo mítico,
e enfim o Cristo místico. E veremos que elementos retirados de todos
eles constituem o Jesus Cristo das Igrejas. Todos eles entram na composição
da Figura patética e grandiosa que domina os pensamentos e as emoções
da Cristandade, o Homem das Dores, o Salvador, o Amante e o Senhor dos Homens.
O Cristo Histórico ou Jesus, o Curador e Instrutor
A linha da história de vida de Jesus é uma que pode ser separada
sem grande dificuldade das outras com que se mesclou. Podemos aqui muito
bem auxiliar nosso estudo com referência àqueles registros
do passado que peritos podem confirmar por si mesmos, e a partir dos quais
certos detalhes a respeito do Instrutor Hebreu foram transmitidos ao mundo
por H.P.Blavatsky e por outros peritos em investigação oculta.
Mas nas mentes de muitos pode surgir um óbice quando essa palavra
"perito" é aplicada em conexão ao ocultismo. Embora
signifique simplesmente uma pessoa que por estudo especial, por treinamento
especial, acumulou um tipo especial de conhecimento, e desenvolveu poderes
que o capacitam a dar uma opinião fundamentada em seu conhecimento
pessoal a respeito do assunto com que está lidando. Assim como falamos
de Huxley como um perito em Biologia, assim como falamos de Senior Wrangler
como um perito em Matemática, ou de Lyell como um perito em geologia,
então podemos muito bem chamar de perito em ocultismo um homem que
primeiro dominou intelectualmente certas teorias fundamentais sobre a constituição
do homem e do universo, e segundo desenvolveu em si mesmo os poderes que
existem latentes em todos - e são passíveis de serem desenvolvidos
por aqueles que se aplicam aos estudos apropriados - capacidades que o habilitam
a examinar por si mesmo os mais obscuros processos da natureza. Assim como
um homem pode nascer com uma faculdade matemática, e treinando esta
faculdade ano após ano ele pode aumentar imensamente sua capacidade
matemática, do mesmo modo um homem pode nascer com certas faculdades
em si, faculdades pertencentes à Alma, que podem ser desenvolvidas
pelo treino e pela disciplina. Quando, tendo desenvolvido estas faculdades,
ele as aplica ao estudo do mundo invisível, um tal homem se trona
um perito na Ciência Oculta, e um tal homem pode à sua vontade
confirmar os registros a que me referi. Esta confirmação está
tão fora do alcance da pessoa comum quanto um livro matemático
escrito nos símbolos da matemática avançada está
fora do alcance daqueles destreinados na ciência matemática.
Não há nada de exclusivo no conhecimento a não ser
até onde cada ciência é exclusiva; aqueles que nascem
com uma faculdade, e a adestram, podem dominar sua respectiva ciência,
enquanto que aqueles que iniciam a vida sem qualquer faculdade, ou os que
não a desenvolvem se a possuem, devem se contentar em permanecer
na ignorância. Estas são as regras por toda parte a respeito
da obtenção de conhecimento, tanto no Ocultismo como em qualquer
ciência.
Os registros ocultos em parte endossam a história contada nos Evangelhos,
e em parte a refutam; eles nos apresentam a vida, e assim nos capacitam
a separá-la dos mitos que se lhe estão entretecidos.
A criança cujo nome foi traduzido como Jesus nasceu na Palestina
em 105 aC, durante o consulado de Publius Rutilius Rufus e Gnaeus Mallius
Maximus. Seus pais eram de boa linhagem, mas pobres, e ele foi educado no
conhecimento das escrituras Hebraicas. Sua fervorosa devoção
e uma gravidade precoce levaram seus pais a dedicá-lo à vida
religiosa e ascética, e logo após uma visita a Jerusalém,
na qual a extraordinária inteligência e avidez por conhecimento
do jovem foram demonstrados em sua busca pelos doutores do Templo, ele foi
enviado para ser treinado em uma comunidade Essênia no sul do deserto
da Judéia. Chegando aos dezenove anos, foi para o mosteiro Essênio
perto do Monte Serbal, um mosteiro que era muito visitado pelos eruditos
que viajavam da Pérsia e Índia para o Egito, e onde havia
sido reunida uma magnífica biblioteca de obras ocultas - muitas delas
indianas da região Trans-himalaica. Desta séde de conhecimento
místico ele passou mais tarde para o Egito. Ele foi completamente
instruído nos ensinamentos secretos que eram a verdadeira fonte da
vida entre os Essênios, e foi iniciado no Egito como um discípulo
daquela Loja sublime de onde saíram todos os Fundadores de todas
as grandes religiões. Pois o Egito havia permanecido como um dos
centros mundiais dos verdadeiros Mistérios, dos quais todos os Mistérios
semipúblicos são o pálido e distante reflexo. Os Mistérios
mencionados na história como Egípcios eram as sombras das
verdadeiras coisas "no Monte", e lá o jovem hebreu recebeu
a consagração solene que o preparou para o Real Sacerdócio
que mais tarde ele obteria. Tão sobre-humanamente puro e tão
pleno de devoção era ele, que em sua graciosa maturidade pairava
conspicuamente acima dos severos e algo fanáticos ascetas entre os
quais havia sido treinado, espalhando nos austeros Judeus ao seu redor a
fragrância de uma sabedoria gentil e terna, como uma rosa estranhamente
plantada em um deserto espalharia seu aroma na aridez à volta. A
bela e majestosa graça de sua branca pureza permanecia em seu redor
como um halo feito de radioso luar, e suas palavras, embora escassas, eram
sempre doces e amáveis, trazendo mesmo o mais rude para uma temporária
gentileza, e o mais rígido para uma efêmera suavidade. Assim
ele viveu por vinte e nove anos de vida mortal, crescendo de graça
em graça.
Esta pureza e devoção sobre-humanas aprontaram o homem Jesus,
o discípulo, para tornar-se o templo de um poder superior, de uma
poderosa Presença interna. O tempo havia chegado para uma daquelas
manifestações divinas que de era em era ocorrem para o auxílio
da humanidade, quando um novo impulso é necessário para estimular
a evolução espiritual da humanidade, quando uma nova civilização
está prestes a despontar. O mundo do Ocidente estava então
no seio do tempo, pronto para nascer, e a sub-raça Teutônica
devia receber o cetro do império das mãos fraquejantes de
Roma. Antes que ela iniciasse sua jornada deveria aparecer um Salvador do
Mundo, para permanecer abençoando ao lado do berço do Hércules
infante.
Estava para encarnar sobre a Terra um poderoso "Filho de Deus",
um Instrutor supremo, "cheio de graça e verdade" (João,
I, 14), um Ser em quem a Sabedoria Divina residia em plena medida, que era
verdadeiramente "o Verbo" encarnado, Luz e Vida em abundante riqueza,
uma verdadeira Fonte das Águas da Vida. Senhor de Compaixão
e Sabedoria - tal era Seu nome - e de Sua morada nos Lugares Secretos veio
Ele para o mundo dos homens.
Para Ele era necessário um tabernáculo terreno, uma forma
humana, o corpo de um homem, e quem mais pronto para emprestar seu corpo
em alegre e anelante serviço Àquele diante de quem os Anjos
e homens se curvam na mais humilde reverência, como este Hebreu dos
hebreus, este o mais puro e mais nobre dentre os "Perfeitos",
cujo corpo imaculado e mente impecável era o melhor que a humanidade
poderia oferecer? O homem Jesus entregou-se em um sacrifício voluntário,
"ofereceu-se sem mácula" ao Senhor do Amor, que tomou aquela
forma pura como tabernáculo, e lá residiu por três anos
de vida mortal.
Esta época é assinalada nas tradições reunidas
nos Evangelhos como a do Batismo de Jesus, quando o Espírito foi
visto "descendo dos céus como uma pomba, e ficou sobre Ele"
(Ibid., I, 32), e uma voz celestial proclamou-O como Seu Filho muito amado,
a quem os homens deveriam ouvir. Em verdade Ele era o Filho bem-amado de
quem o Pai se comprazia (Mateus, III, 17), e daquele tempo em diante "Jesus
começou a pregar" (Ibid., IV, 17), e este foi o mistério
assombroso, "Deus manifesto na carne" (I Timóteo, III,
16) - não só n'Ele estava Deus, pois: "Não está
escrito em vossa lei, 'Eu disse: Vós sois Deuses'? Se a Lei chama
Deuses a quem a palavra de Deus foi dirigida, e a Escritura não pode
ser ignorada, dizei d'Ele, a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, 'Tu
blasfemas', porque Eu disse 'Eu sou o Filho de Deus' ?" (João,
X, 34-36). Verdadeiramente todos os homens são Deuses, no que tange
ao Espírito neles, mas não em todos a Divindade está
manifesta como n'Aquele bem-amado Filho do Altíssimo.
A esta Presença manifesta o nome "o Cristo" pode ser dado
corretamente, e foi Ele quem viveu e se moveu sob a forma do homem Jesus
através das colinas e planícies da Palestina, ensinando, curando
doenças, e reunindo em Seu redor como discípulos umas poucas
almas dentre as mais avançadas. O raro charme de Seu régio
amor, derramando-se d'Ele como raios de um sol, atraiu para em torno a Si
os sofredores, os fatigados e os oprimidos, e a magia sutilmente terna de
Sua gentil sabedoria, purificava, enobrecia e aliviava as vidas que entravam
em contato com a Sua. Com parábolas e imagens luminosas Ele ensinou
as multidões incultas que se aglomeravam à Sua volta, e usando
os poderes do Espírito livre, curava muitas doenças com a
palavra ou o toque, fortalecendo as energias magnéticas que eram
de Seu corpo puro com a força irresistível de Sua vida interior.
Rejeitado pelos Seus irmãos Essênios onde primeiramente trabalhou
- cujos argumentos contra Sua vida proposta de trabalho amoroso são
resumidas na história da tentação - porque ele levava
às multidões a sabedoria espiritual que eles consideravam
o tesouro de que mais se orgulhavam, e o mais secreto, e porque Seu amor
todo-abrangente atraía para seu círculo o pária e o
degradado - sempre amante no mais baixo como no mais alto, o Eu Divino -
Ele viu se juntando em Seu redor muito rapidamente as negras nuvens do ódio
e da suspeita. Os doutores e regentes da nação logo passaram
a encará-Lo com inveja e raiva; Sua espiritualidade era uma censura
constante para seu materialismo, Seu poder, uma constante, embora silenciosa,
exposição de sua fraqueza. Mal três anos haviam se passado
desde Seu batismo quando a tempestade que se formava irrompeu, e o corpo
humano de Jesus pagou o preço por abrigar a gloriosa Presença
de um Instrutor mais que humano.
O pequeno grupo de discípulos eleitos que Ele havia escolhido como
repositórios de Seus ensinamentos foi assim privado da presença
física de Seu Mestre antes que houvessem assimilado Suas instruções,
mas eram almas de um tipo elevado e avançado, prontas para aprender
a sabedoria, a aptas para transmiti-la para homens menos evoluídos.
O mais receptivo de todos era o "discípulo que Jesus amava",
jovem, ávido e ardente, profundamente devoto de Seu Mestre, e compartilhando
de Seu espírito de amor todo-abrangente. Ele representou, através
do século que se seguiu à partida física do Cristo,
o espírito da devoção mística que buscava o
êxtase, a visão e a união com o Divino, enquanto que
o grande Apóstolo tardio, São Paulo, representou o lado sabedoria
dos Mistérios.
O Mestre não esqueceu Sua promessa de vir a eles depois que o mundo
O tivesse perdido de vista (João, XIV, 18-19), e por cerca de cinqüenta
anos Ele os visitou em Seu corpo espiritual sutil, continuando os ensinamentos
que havia iniciado enquanto estava com eles, e treinando-os num conhecimento
das verdades ocultas. Eles viviam juntos, em sua maior parte, em um local
retirado nos limites da Judéia, não atraindo nenhuma atenção
entre as muitas comunidades aparentemente similares da época, estudando
as profundas verdades que Ele ensinava e adquirindo "os dons do Espírito".
Estas instruções internas, começadas durante Sua vida
física entre eles e desenvolvidas depois de Ele deixar o corpo, formaram
a base dos "Mistérios de Jesus", que vimos na primitiva
História da Igreja, e deram a vida interna que foi o núcleo
em torno do qual se juntaram os materiais heterogêneos que formaram
o Cristianismo eclesiástico.
No admirável fragmento chamado Pistis Sophia, temos um documento
do maior interesse a respeito dos ensinamentos ocultos, escrito pelo famoso
Valentino. Nele é dito que durante os onze anos imediatamente depois
de Sua morte Jesus instruiu Seus discípulos até "a região
dos primeiros estatutos somente, e até as regiões do primeiro
mistério, o mistério dentro do véu" (Valentinus,
Pistis Sophia, livro I, 1; trad., de G.R.S.Mead,). Eles não haviam
aprendido até a distribuição das ordens angélicas,
das quais fala Inácio. Então Jesus, estando "no Monte"
com Seus discípulos, e tendo recebido Sua Vestimenta mística,
o conhecimento de todas as regiões e das Palavras de Poder que as
franqueiam, ensinou mais Seus discípulos, prometendo: "Eu vos
aperfeiçoarei em toda perfeição, dos mistérios
do interior até os mistérios do exterior: Eu vos encherei
do Espírito, para que sejais chamados de espirituais, perfeitos em
todas as perfeições" (Ibid., 60). E Ele os ensinou sobre
Sophia, a Sabedoria, e sua queda na matéria em sua tentativa de se
elevar até o Altíssimo, e de seus gritos para a Luz na qual
ela havia confiado, e sobre o envio de Jesus para redimi-la do caos, e sobre
sua coroação com Sua luz, e sua libertação da
escravidão. E Ele lhes falou mais sobre o Mistério mais excelso,
o inefável, o mais simples e claro de todos, a ser conhecido somente
pelos que renunciaram completamente ao mundo (Ibid., livro II, 218), através
de cujo conhecimento os homens se tornam Cristos, pois "tais homens
são eu mesmo, e eu sou estes homens", pois Cristo é aquele
Mistério mais excelso (Ibid., 230). Sabendo isto, os homens são
"transformados em pura luz e são trazidos para dentro da luz"
(Ibid., 357). E ele executou para eles a grande cerimônia da Iniciação,
o batismo "que conduz à região da verdade e à
região da luz", e ordenou-lhes celebrá-la para outros
que fossem dignos: "Mas ocultai este mistério, não o
deis a todos os homens, mas só àqueles que farão todas
as coisas que vos disse em meus mandamentos" (Ibid., 377).
Desde então, estando plenamente instruídos, os apóstolos
saíram a pregar, sempre auxiliados por seu Mestre.
Além disso, estes mesmos discípulos e seus primeiros colegas
escreveram de memória todos os ditos públicos e parábolas
do Mestre que haviam ouvido, e reuniram com grande zelo quaisquer relatos
que puderam encontrar, registrando também estes, e divulgando-os
todos entre aqueles que gradualmente se associavam á sua pequena
comunidade. Foram feitas várias coleções, qualquer
membro escrevendo o que ele mesmo lembrava, e adicionando seleções
de relatos alheios. Os ensinamentos internos, dados por Cristo aos Seus
eleitos, não forma registrados, mas eram ensinados oralmente àqueles
julgados dignos de os receber, para estudantes que formavam pequenas comunidades
para levar uma vida retirada, e que ficavam em contato com o corpo central.
O Cristo histórico é, pois, um Ser glorioso pertencente à
grande hierarquia espiritual que guia a evolução espiritual
da humanidade, e que usou por cerca de três anos o corpo humano do
discípulo Jesus; que passou o último destes três anos
ensinando publicamente através da Judéia e da Samaria; que
foi um curador de doenças e operou outras obras ocultas admiráveis;
que reuniu em torno de Si um pequeno grupo de discípulos a quem instruiu
nas verdades mais profundas da vida espiritual; que atraiu homens para Si
pelo amor singular, pela ternura e pela rica sabedoria que transpiravam
de Sua Pessoa; e que finalmente foi votado à morte por blasfêmia,
por ensinar a Divindade inerente de Si mesmo e de todos os homens Ele veio
para dar um novo impulso à vida espiritual do mundo; para restabelecer
os ensinamentos internos referentes á vida espiritual; para indicar
novamente a antiga senda estreita; para proclamar a existência do
"Reino dos Céus", da Iniciação que admite
àquele conhecimento de Deus que é a vida eterna; e para admitir
uns poucos a este Reino que seriam capazes de ensiná-lo a outros.
Em torno desta Figura gloriosa se reuniram os mitos que O ligaram à
longa linhagem de Seus predecessores, os mitos que em alegorias contam a
história de todas as vidas que à d'Ele se assemelham, pois
elas simbolizam a obra do Logos no Cosmos e a mais elevada evolução
da alma humana individual.
Mas não devemos supor que a obra do Cristo em prol de Seus seguidores
encerrou depois que Ele estabeleceu os Mistérios, ou ficou confinada
a raras aparições ali. Aquele poderoso Ser que utilizou o
corpo de Jesus como veículo, e cujo cuidado vigilante se estende
sobre toda a evolução espiritual da quinta raça da
humanidade, depositou nas fortes mãos do santo discípulo que
lhe rendera o corpo o cuidado pela Igreja nascente. Aperfeiçoando
sua evolução humana, Jesus se tornou um dos Mestres de Sabedoria,
e tomou a Cristandade sob Sua especial responsabilidade, sempre procurando
guiá-la nas linhas certas, protegê-la, guardá-la e nutri-la.
Ele era o Hierofante nos Mistérios Cristãos, o Instrutor direto
dos Iniciados. Sua foi a inspiração que manteve acesa a Gnose
na Igreja, até que a crescente massa de ignorância se tornou
tão grande que mesmo Seu alento não poderia alimentar a chama
suficientemente para que evitar sua extinção. Seu é
o paciente labor com que alma após alma fortalecida persevera através
das trevas, e acalenta dentro de si mesma a centelha do anelo místico,
a sede de encontra o deus Oculto. Seu é o constante derramar de verdade
em cada cérebro pronto a recebê-la, para que mão após
mão estendida através dos séculos passe a tocha do
conhecimento, que assim jamais se extinguiu. Sua era a Forma que ficava
ao lado de cada patíbulo e em meio às chamas da fogueira,
consolando Seus confessores e Seus mártires, amenizando as dores
de suas penas, e enchendo seus corações com Sua paz. Seu foi
o impulso que falou através do trovão de Savonarola, que guiou
a calma sabedoria de Erasmo, que inspirou a profunda ética de intoxicado
por deus Spinoza. Sua foi a energia que impeliu Roger Bacon, Galileu e Paracelso
em suas pesquisas da natureza. Sua foi a beleza que deslumbrou Fra Angelico
e Raphael e Leonardo da Vinci, que inspirou o gênio de Michelangelo,
que brilhou diante dos olhos de Murillo, e que deu o poder que erigiu as
maravilhas do mundo, o Duomo de Milão, San Marco em Veneza, a Catedral
de Florença. Sua foi a melodia que se ouve nas missas de Mozart,
nas sonatas de Beethoven, nos oratórios de Haendel, nas fugas de
Bach, no austero esplendor de Brahms. Sua é a presença que
confortou os místicos solitários, os ocultistas perseguidos,
os pacientes buscadores da verdade. Pela persuasão e pela ameaça,
pela eloqüência de um São Francisco e nos chistes de um
Voltaire, pela doce submissão de um Thomas a Kempis, e na robusta
virilidade de um Lutero, Ele procurou instruir e despertar, ganhar para
a santidade ou atiçar para longe do mal. Através dos longos
séculos Ele tem se esforçado e trabalhado, e, mesmo com todo
o enorme peso do Cristianismo para levar, jamais deixou descuidado ou desconsolado
um só coração humano que tenha lhe clamado por ajuda.
E agora Ele está tentando devolver em benefício da Cristandade
uma parte da copiosa torrente de Sabedoria derramada para a renovação
do mundo, e está buscando pelas Igrejas alguns que tenham ouvidos
para ouvir a Sabedoria, e os que respondam ao Seu apelo por mensageiros
que a levem ao seu rebanho; "Eis-me aqui; envia-me".
CAPITULO V
O Cristo Mítico
Já vimos que o uso que se faz da Religião Comparada contra
a Religião, e alguns de seus ataques mais destrutivos têm sido
levantados contra o Cristo. Seu nascimento de uma Virgem no "Natal",
a matança dos Inocentes, Seus milagres e Seus ensinamentos, Sua crucificação,
ressurreição e ascensão - todos estes eventos na história
de Sua vida são assinalados na história de outras vidas, e
Sua existência histórica é questionada com base nestas
identidades. Até onde se relaciona aos milagres e ensinamentos, podemos
brevemente descartar os primeiros reconhecendo que os maiores Instrutores
operaram obras que, no plano físico, aparecem como milagres à
visão de seus contemporâneos, mas são sabidos pelos
ocultistas serem realizados pelo exercício de poderes possuídos
por todos os Iniciados acima de certo nível. Os ensinamentos que
Ele deu também podem ser considerados não-originais; mas onde
o estudante de Mitologia Comparada imagina ter provado que ninguém
é inspirado divinamente ao demonstrar que saíram dos lábios
de Manu, dos lábios de Buda, dos lábios de Jesus, ensinamentos
morais similares, o ocultista diz que certamente Jesus deve ter repetido
os ensinamentos de Seus predecessores, uma vez que foi um mensageiro da
mesma Loja. As verdades profundas a respeito do Espírito divino e
humano eram tão verdadeiras milhares de anos antes que Jesus tivesse
nascido na Palestina quanto depois de Ele ter nascido, e dizer que o mundo
foi deixado sem este ensinamento, e que o homem foi deixado na escuridão
moral desde sua origem até vinte séculos atrás é
dizer que houve uma humanidade sem um Instrutor, filhos sem um Pai, almas
humanas gritando por luz no meio da treva que não lhes dá
resposta alguma - uma concepção tão blasfema sobre
Deus quanto é desesperante para o homem, uma concepção
contradita pela aparição de cada Sábio, pela grandiosa
literatura, pelas nobres vidas nas milhares de eras antes que Cristo aparecesse.
Reconhecendo então em Jesus o grande mestre do Ocidente, o principal
Mensageiro da Loja para o mundo ocidental, devemos enfrentar a dificuldade
que arruinou a crença n'Ele nas mentes de tantos: Por que os festivais
que comemoram os eventos na vida de Jesus são encontrados nas religiões
pré-Cristãs, e nelas comemoram eventos idênticos das
vidas de outros Instrutores?
A Mitologia Comparada, que atraiu a atenção pública
para esta questão nos tempos modernos, pode ser dita ter um século
de idade, datando do aparecimento da Histoire Abrégée de différents
Cults, de Dulaure, da Origens de touts les Cultes, de Dupuis, do Hindu Pantheon,
de Moor, e do Anacalypsis, de Godfrey Higgins. Estas obras foram seguidas
por uma enxurrada de outras, ficando mais científicas e rigorosas
em suas compilações e comparações dos fatos,
até que se tornou impossível para qualquer pessoa educada
sequer duvidar das identidades e similaridades que existem em todas as direções.
Não se encontrará nestes dias qualquer Cristão que
esteja preparado para argumentar que os símbolos, ritos e cerimônias
Cristãos são únicos - exceto, talvez, entre os ignorantes.
Aqui ainda temos simplicidade de crença aliada à ignorância
dos fatos; mas fora desta última classe não encontramos nem
mesmo o mais devoto Cristão alegando que o Cristianismo não
tem muito em comum com credos mais antigos que ele mesmo. Mas é bem
sabido que nos primeiros séculos "depois de Cristo" estas
semelhanças eram admitidas por todos, e que a Mitologia Comparada
moderna só está repetindo com grande precisão o que
era reconhecido universalmente na Igreja Primitiva. Justino Mártir,
por exemplo, povoa suas páginas com referências às religiões
de seu tempo, e se um atacante moderno do Cristianismo citasse alguns casos
onde os ensinamentos Cristãos são idênticos aos de religiões
mais antigas, ele não poderia encontrar guias melhores do que os
apologistas do segundo século. Eles citam ensinamentos, histórias
e símbolos Pagãos, advogando que a própria identidade
dos ensinamentos, histórias e símbolos Cristãos com
aqueles deveria prevenir a rejeição apriorística destes
por serem considerados em si incríveis. É dada na verdade
uma razão curiosa para esta identidade, que dificilmente encontrará
seguidores nos dias de hoje. Diz Justino Mártir: "Os que transmitem
os mitos que os poetas criaram não aduzem nenhumas provas para os
jovens que os aprendem; e passamos a demonstrar que eles foram elaborados
sob a influência de demônios maus, para enganar e perder a raça
humana. Pois tendo ouvido ser proclamado pelos profetas que Cristo havia
de vir, e que os homens maus haviam de ser punidos pelo fogo, enviaram muitos
que seriam chamados filhos de Júpiter, com a impressão de
que eles seriam capazes de produzir nos homens a idéia de que as
coisas ditas a respeito de Cristo eram meras fábulas maravilhosas,
como as coisas que foram ditas pelos poetas". "E os demônios,
em verdade, tendo ouvido sobre esta purificação publicada
pelo profeta, instigaram aqueles que entram em seus templos, e estão
prestes a se aproximarem dali com libações e holocaustos,
a espargirem a si mesmos [com água, referência à prática
dos Cristãos de usar a água benta para a purificação
prévia quando da entrada na igreja, prática empregada também
por religiões Pagãs em seus templos - NT]; e eles os fazem
ainda se lavarem inteiramente quando partem" (Justin Martyr, First
Apology, §§ LIV, LXII e LXVI; A.-N.C.Libr., vol. II). "Pois
eu mesmo, quando descobri os malignos artifícios que os maus espíritos
lançaram em volta das doutrinas divinas dos Cristãos, para
impedir que outros se lhe juntassem, ri" (Justin Martyr, Second Apology,
§ XIII; A.-N.C.Libr., vol. II).
Estas identidades foram consideradas então como a obra de demônios,
cópias dos originais Cristãos, e circularam largamente no
mundo pré-Cristão com o intuito de prejudicar a recepção
da verdade quando ela viesse. Há uma certa dificuldade em aceitarmos
as declarações mais antigas como cópias e as mais tardias
como originais, mas sem disputar com Justino Mártir se as cópias
precederam os originais ou os originais às cópias, podemos
nos contentar em aceitar seu testemunho sobre a existência destas
identidades entre a fé que florescia no império Romano de
seu tempo e a nova religião a qual ele estava engajado em defender.
Tertuliano fala de modo igualmente explícito, levantando a objeção
feita em seus dias também ao Cristianismo, de que "as nações
que são alheias ao entendimento dos poderes espirituais, atribuem
aos seus ídolos a dotação da mesma eficácia
às águas". "E de fato eles o fazem", ele responde
muito francamente, "mas estes se iludem com águas inócuas.
Pois a ablução é o canal através do qual eles
são iniciados em certos ritos sacros de alguns Ísis ou Mitras
notórios; e eles honram os próprios Deuses com abluções...
Eles são batizados nos jogos Apolíneos ou Eleusinos, e presumem
que o efeito de seus atos é a regeneração e remissão
de seus pecados devidos aos seus perjúrios. De fato, reconhecemos
aqui também o zelo dos diabos ao rivalizarem com as coisas de Deus,
quando os encontramos praticando também o batismo em seus súditos"
(Tertulian, On Baptism, cap. V; A.-N.C.Libr., vol VII). Pare resolvermos
estas dificuldades devemos estudar o Cristo Mítico, o Cristo dos
mitos ou lendas solares, sendo estes mitos as formas figuradas nas quais
certas verdades profundas foram dadas ao mundo.
Mas um "mito" de modo algum é o que a maioria das pessoas
imagina que seja - uma mera história fantástica erguida sobre
uma base factual, ou mesmo inteiramente à parte dos fatos. Um mito
é muito mais verdadeiro do que uma história, pois uma história
só conta um relato das sombras, enquanto que um mito conta um relato
das substâncias que produzem as sombras. Assim no alto como embaixo;
e primeiro no alto, e depois embaixo. Existem certos grandes princípios
de acordo com os quais nosso grande sistema é construído;
há certas leis através das quais estes princípios são
desenvolvidos em detalhe; há certos seres que encarnam os princípios
e cujas atividades são as leis; existem hostes de seres inferiores
que atuam como veículos para estas atividades, como agentes, como
instrumentos; existem os Egos dos homens misturados a tudo isto, cumprindo
sua parte no grande drama cósmico. Estes trabalhadores multivariados
nos mundos invisíveis lançam suas sombras na matéria
física, e estas sombras são as "coisas" - os corpos,
os objetos, que constituem o universo físico. Estas sombras só
dão uma idéia pobre dos objetos que as originam, assim como
o que chamamos de sombras aqui embaixo só dão uma idéia
pobre dos objetos que as lançam; elas são meros contornos,
com uma negrura uniforme em vez de detalhes, e só possuem largura
e altura, mas não profundidade.
A história é um relato, muito imperfeito e freqüentemente
distorcido, da dança da sombras no mundo-sombra da matéria
física. Qualquer um que tenha assistido a um teatro de sombras chinesas,
e comparou o que acontece detrás da tela de projeção
com os movimentos das sombras na tela, pode ter uma vívida idéia
da natureza ilusória das ações-sombras, e pode elaborar
daí diversas analogias de modo nenhum enganosas (O estudante poderia
ler o relato de Platão sobre a "Caverna" e seus habitantes,
lembrando que Platão foi um Iniciado: Platão, República,
livro VII).
O mito é um relato dos movimentos daqueles que lançam as sombras,
e a linguagem na qual o relato é dado é o que se chama linguagem
de símbolos. Assim como temos palavras para designar as coisas -
assim como a palavra "mesa" é um símbolo para um
artigo reconhecido de certo tipo - igualmente o símbolo designa objetos
nos planos superiores. São um alfabeto pictórico, usado por
todos os elaboradores de mitos, e cada símbolo tem seu significado
determinado. Um símbolo é usado para significar um certo objeto
assim como as palavras são usadas aqui embaixo para distinguir uma
coisa da outra, de modo que é necessário um conhecimento dos
símbolos para a leitura de um mito. Pois os contadores originais
de todos os mitos são sempre Iniciados, que estão acostumados
a usar a linguagem simbólica, e que, é claro, usam os símbolos
em seus significados convencionados.
Um símbolo tem um significado principal, e depois vários outros
significados subsidiários relacionados àquele significado
principal. Por exemplo, o Sol é o símbolo do Logos; este é
o significado principal ou primário. Mas também funciona aplicado
para uma encarnação do Logos, ou para qualquer um dos grandes
Mensageiros que O representam na época, como os embaixadores representam
seu Rei. Grandes Iniciados que são enviados em missões especiais
para encarnar entre os homens e viver com eles durante algum tempo como
regentes ou Instrutores seriam designados pelo símbolo do Sol; pois
embora este não seja seu símbolo em um sentido individual,
é seu em virtude de seu ofício.
Todos aqueles que são designados por este símbolo têm
certas características, passam por certas situações
e desempenham certas atividades durante suas vidas na Terra. O Sol é
a sombra física, ou corpo, como é chamado, do Logos, daí
que seu curso anual na natureza reflete Sua atividade, no modo parcial através
do qual uma sombra representa a atividade do objeto que a lança.
O Logos, "o Filho de Deus", descendo à matéria,
tem como sombra o curso anual do Sol, e o Mito Solar o relata. Daí,
mais uma vez, uma encarnação do Logos, ou um de Seus altos
embaixadores, também apresentará esta atividade, como sombra,
em Seu corpo de homem. Assim é necessário que surjam identidades
nas histórias de vida destes embaixadores. De fato, a ausência
destas identidades de imediato indicaria que esta pessoa em questão
não era um embaixador pleno, e que sua missão era de um caráter
inferior.
O Mito Solar, então, é uma história que primariamente
representa a atividade do Logos, ou Verbo, no cosmo; secundariamente, representa
a vida de alguém que seja uma encarnação do Logos,
ou seja um de Seus embaixadores. O Herói do mito é usualmente
representado como um Deus, ou Semideus, e sua vida, como será compreendido
pelo que já se disse, deve ser ordenada de acordo com o curso do
Sol, como sombra do Logos. A parte do curso vivida durante a vida humana
é a que recai entre o solstício de inverno e o zênite
do verão. O Herói nasce no solstício de inverno, morre
no equinócio de primavera, e, vencendo a morte, ascendo aos céus.
As seguintes notas são interessantes neste sentido, por olharem o
mito de um modo mais genérico, como uma alegoria, figurando verdades
internas: "Alfred de Vigny disse que a lenda é mais freqüentemente
verdadeira do que a história, porque a lenda reconta não atos
que são amiúde incompletos e abortivos, mas o gênio
em si do grande homem e das grandes nações. É principalmente
em relação ao Evangelho que este belo pensamento é
aplicável, pois o Evangelho não é meramente a narração
do que sucedeu; é a narração sublime do que é
e sempre será. O Salvador do mundo será sempre adorado pelos
reis da inteligência, representados pelos Magos; multiplicará
sempre o pão eucarístico, para alimentar e confortar nossas
almas; virá a nós caminhando sobre as águas, sempre
estenderá Suas mãos e nos fará atravessar as cristas
das ondas; sempre curará nossas intemperanças e dará
luz para nossos olhos; sempre aparecerá aos Seus fiéis, luminoso
e transfigurado sobre o Tabor, interpretando a lei de Moisés e moderando
o zelo de Elias" (Eliphas Levi, The Mysteries of Magic, p. 48).
Veremos que os mitos são muito estreitamente associados aos Mistérios,
pois parte dos Mistérios consistia em apresentar imagens vivas das
ocorrências nos mundos superiores que se tornaram corporificadas nos
mitos. De fato nos Pseudomistérios, fragmentos mutilados das imagens
vivas dos Mistérios verdadeiros eram representados por atores que
apresentavam um drama, e muitos mitos secundários são estes
dramas colocados em palavras.
As linhas gerais da história do Deus Sol são muito nítidas,
sendo a movimentada vida do Deus Sol estendida pelos seis primeiros meses
do ano solar, sendo os outros seis empregados na proteção
e preservação gerais. Ele sempre nasce no solstício
de inverno, depois do dia mais curto do ano, na meia-noite do dia 24 de
dezembro [isto no hemisfério norte - NT], quando o signo da Virgem
está se elevando no horizonte; nascendo na elevação
deste signo, nasce sempre de uma virgem, e ela permanece sempre virgem depois
de ter dado à luz a seu Filho Solar, assim como a Virgem Celeste
permanece intacta e imaculada quando o Sol emerge dela nos céus.
Ele é fraco e frágil como uma criança, nascido quando
os dias são mais curtos e as noites mais longas - estamos ao norte
da linha equatorial - rodeado de perigos em sua infância, e o reino
das trevas muito maior que o seu em seus primeiros dias. Mas ele sobrevive
a todos os perigos que o ameaçam, e o dia aumenta sua duração
à medida que se aproxima o equinócio da primavera, até
que chega o tempo do traspasse, a crucificação, cuja data
varia a cada ano. O Deus Sol algumas vezes é figurado dentro do círculo
do horizonte, com a cabeça e pés tocando o círculo
ao norte e ao sul, e as mãos estendidas tocando o leste e o oeste
- "Ele foi crucificado". Depois disto ele se ergue triunfante
e ascende ao céu, e colhe o grão e a vinha, dando sua própria
vida para eles para fazer sua substância a através deles para
os seus adoradores. O Deus que nasce no início do dia 25 de dezembro
é sempre crucificado no equinócio da primavera, e sempre dá
sua vida como alimento aos seus adoradores - estas são as mais salientes
características do Deus Sol. A fixidez da data de nascimento e a
variabilidade da data de morte são cheias de significado, quando
lembramos que uma é uma posição solar fixa e a outra
é variável. A "Páscoa" é um evento
móvel, calculado pelas posições relativas do sol e
da lua, um modo impossível de se fixar ano após ano o aniversário
de um evento histórico, mas um modo muito natural e na verdade inevitável
de calcular um festival solar. Estas datas móveis não apontam
para a história de um homem, para a do Herói de um mito solar.
Estes eventos são reproduzidos nas vidas dos vários Deuses
Solares, e a antigüidade é pródiga em ilustrações
deles. A Ísis do Egito, como nossa Maria de Belém, foi Nossa
Senhora Imaculada, Estrela do Mar, Rainha do Céu, Mãe de Deus.
Nós a vemos em imagens acima do crescente lunar, coroada de estrelas;
ela acalenta seu filho Hórus, e a cruz aparece no dorso do trono
onde ele se assenta sobre o joelho de sua mãe. A Virgem do Zodíaco
é representada nos antigos desenhos como uma mãe aleitando
uma criança - o protótipo de todas as Madonnas com seus Bebês
divinos, mostrando a origem do símbolo. Devaki é igualmente
figurada com o divino Krishna em seus braços, assim como Mylitta,
ou Istar, da Babilônia, também com a onipresente coroa de estrelas,
e com seu filho Tammuz sobre seu joelho. Mercúrio e Esculápio,
Baco e Hércules, Perseu e os Dióscuros, Mitra e Zoroastro,
foram todos de nascimento divino e humano.
A relação do solstício de inverno e Jesus também
é significativa. O nascimento de Mitra era celebrado no solstício
de inverno com grande júbilo, e Hórus também nascia
nesta ocasião: "Seu nascimento é um dos maiores mistérios
da religião (Egípcia). Imagens representando-o apareciam nas
paredes dos templos... Ele era o filho da Deidade. Na época do Natal,
ou aquele espelho de nosso festival, sua imagem era levada para fora do
santuário com cerimônias especiais, assim como a imagem do
Bambino ainda é levada para fora e exibida em Roma" (Bonwiok,
Egyptian Belief, p. 157. Citado em Williamson, The Great Law, p. 26).
Sobre a fixação da data de 25 de dezembro como o nascimento
de Jesus, Williamson diz o seguinte: "Todos os Cristãos sabem
que 25 de dezembro agora é o festival convencionado para o nascimento
de Jesus, mas poucos se dão conta que não foi sempre assim;
diz-se que 136 datas diferentes forma fixadas por diferentes seitas Cristãs.
Lightfoot o assinala em 15 de setembro, outros em fevereiro ou agosto, Epifânio
menciona duas seitas, uma celebrando-o em junho, outra em julho. O assunto
finalmente foi decidido pelo Papa Júlio I, em 337, e São Crisóstomo,
em 390, diz: 'Neste dia (25 de dezembro), o nascimento de Cristo foi também
há pouco fixado em Roma, a fim de que enquanto os pagãos estivessem
ocupados com seu suas cerimônias (as Brumálias, em honra a
Baco), os Cristãos pudessem realizar seus ritos em paz'. Gibbon,
em seu Declínio e Queda do Império Romano, escreve: 'Os (Cristãos)
Romanos, tão ignorantes como seus irmãos a respeito da data
real de seu (de Cristo) nascimento, fixaram o festival solene em 25v de
dezembro, nas Brumálias ou solstício de inverno, quando os
Pagãos celebravam anualmente o nascimento do Sol'. King, em seu Gnostics
and Their Remains, também diz: 'O antigo festival fixado em 25 de
dezembro em honra do nascimento do Invencível (O festival Natalia
Solis Invicti, o nascimento do Sol Invencível), e celebrado com os
grandes jogos no Circo, foi depois transferido para a comemoração
do nascimento de Cristo, cuja data precisa muitos Padres confessam que desconhecem',
enquanto que nos dias de hoje Canon Farrar escreve que 'todas as tentativas
de descobrir o mês e dia da natividade são inúteis.
Não existe nenhum dado que nos habilite a determiná-los sequer
com exatidão aproximada'. Do que se disse fica aparente que o grande
festival do solstício do inverno tem sido celebrado durante eras
passadas, e em terras muito separadas, em honra do nascimento de um Deus,
que quase invariavelmente é mencionado como um 'Salvador', e cuja
mãe é dita ser uma virgem pura. As notáveis semelhanças,
também, que têm sido citadas não só a respeito
do nascimento mas também da vida de tantos destes Deuses Salvadores
são de longe numerosas demais para serem tidas como mera coincidência"
(Williamson, The Great Law, pp. 40-42 Os que desejam estudar este assunto
sob o viés da Religião Comparada não podem fazer melhor
senão ler The Great Law, cujo autor é um homem profundamente
religioso e um Cristão).
No caso do Senhor Buda podemos ver como um mito se liga a um personagem
histórico. A história de Sua vida é bem conhecida,
e nos relatos indianos comuns a história do nascimento é simples
e humana. Mas no relato chinês Ele nasce de uma Virgem, Mâyâdevi,
o mito arcaico encontrado n'Ele um novo Herói.
Williamson também nos fala que fogos eram e são acesos em
25 de dezembro sobre as colinas entre os povos celtas, e eles ainda são
conhecidos entre os highlanders irlandeses e escoceses como Bheil ou Baaltine,
levando os fogos o nome de Bel, Bal ou Baal, sua antiga deidade, o Deus
Sol, embora sejam acesos agora em honra de Cristo (Ibid., pp. 36-37).
Considerado corretamente, o festival Cristão deveria ter novos elementos
de júbilo e sacralidade, quando os amantes de Cristo vêem nele
a repetição de uma antiga solenidade, vêem-no se estendendo
sobre todo o mundo, e longe, muito longe na obscura antigüidade; para
que os sinos do Natal retinam através de toda a história humana
e soem musicalmente de dentro da noite dos tempos. A marca da verdade é
encontrada não na posse exclusiva, mas na aceitação
universal.
A data da morte, como dito antes, não é fixa como a data de
nascimento. A data da morte é calculada pelas posições
relativas do Sol e da Lua no equinócio de primavera, variando em
cada ano, e a data da morte de cada Herói Solar é encontrada
para ser celebrada nesta conexão. O animal adotado como símbolo
do Herói é o signo do Zodíaco no qual o Sol está
no equinócio vernal desta era, e isto varia com a precessão
dos equinócios. Oannes da Assíria tinha o signo de Peixes,
e é figurado assim. Mitra cai em Touro, e portanto conduz um touro,
e Osíris era adorado como Osíris-Ápis, ou Serápis,
o Touro, O Merodach da Babilônia era adorado como um Touro, assim
como Astarte da Síria. Quando o Sol está no signo de Áries,
temos o Carneiro ou Cordeiro, o mesmo para Astarte e Júpiter Ammon,
e é este mesmo animal que se tornou o símbolo de Jesus - O
Cordeiro de Deus. O uso do Cordeiro como Seu símbolo, freqüentemente
portando uma cruz, é comum nas esculturas das catacumbas. Sobre isto
escreve Williamson: "No curso do tempo o Cordeiro foi representado
na cruz, mas foi só no Sínodo de Constantinopla, realizado
em 680, que foi ordenado que em vez do antigo símbolo, a figura de
um homem estendido sobre uma cruz deveria ser representado. Este cânone
foi ratificado pelo Papa Adriano I" (The Great Law, p. 116). O antiqüíssimo
Peixe também é assinalado para Jesus, e assim Ele é
figurado nas catacumbas.
A morte e ressurreição do Herói Solar no ou perto do
equinócio vernal é tão disseminada como seu nascimento
no solstício de inverno. Osíris foi morto por Tífon,
e Ele é representado no círculo do horizonte, com os braços
estendidos, como se crucificado - uma postura originalmente de bênção,
e não de sofrimento. A morte de Tammuz era anualmente fixada no equinócio
de primavera na Babilônia e na Síria, assim como Adônis
na Síria e Grécia, e Àtis na Frígia, eram representados
"como um homem estendido com um cordeiro aos pés" (Ibid.,
p. 68). A morte de Mitra era celebrada similarmente na Pérsia, e
a de Baco e Dionísio - um e o mesmo - na Grécia. No México
a mesma idéia reaparece, e como o usual, acompanhada da cruz.
Em todos estes casos a lamentação pela morte é imediatamente
seguida pelo júbilo pela ressurreição, e a respeito
disto é interessante notar que o nome Easter [Páscoa, em inglês
- NT], é derivado de Ishtar, a mãe virgem do finado Tammuz
(Ibid., p. 56).
Também é interessante notar que o luto precedente à
morte no equinócio vernal - a moderna Quaresma - é encontrado
no México, Egito, Babilônia, Assíria, Ásia Menor,
em alguns casos exatamente de quarenta dias (Ibid., pp., 120-123).
Nos Pseudomistérios, a história do Deus Sol era dramatizada,
e nos antigos Mistérios era vivida pelo Iniciado, e daí os
"mitos" solares e os grandes fatos da Iniciação
foram misturados. Daí quando o Mestre Cristo se tornou o Mestre dos
Mistérios, as lendas dos antigos Heróis daqueles Mistérios
se juntaram em Seu redor, e as histórias foram de novo recitadas
a respeito do último dos Instrutores divinos representantes do Logos
no Sol. Então o festival de Sua natividade se tornou a data imemorial
de quando o Sol nasceu da Virgem, quando o céu da meia-noite se enchia
das hostes jubilosas dos seres celestiais, e
"Muito cedo, muito cedo, Cristo nasceu".
À medida que a grande lenda do Sol se reuniu em Seu redor, o signo
do Cordeiro se tornou o de Sua crucificação, como o signo
da Virgem se tornou o de Seu nascimento. Vimos que o Touro era consagrado
para Mitra assim como o Peixe para Oannes, e que o Cordeiro foi consagrado
para Cristo, e pela mesma razão: era o signo do equinócio
de primavera, no período da história em que Ele cruzou o grande
círculo do horizonte, sendo "crucificado no espaço".
Estes mitos Solares, sempre recorrentes através das idades, com um
nome diferente para o seu Herói em cada nova aparição,
não pode passar ignorado pelo estudante, embora ele possa natural
e corretamente ser ignorado pelo devoto, e quando eles são usados
como uma arma para mutilar ou destruir a majestática figura do Cristo,
devem ser encarados, não se negando os fatos, mas entendendo o significado
profundo das histórias, as verdades espirituais que as lendas expressam
debaixo de um véu.
Por que estas lendas se misturaram com a história de Jesus, e se
cristalizaram ao Seu redor, em Seu aspecto como personagem histórico?
Elas são em verdade as histórias não de um indivíduo
em particular chamado Jesus, mas do Cristo universal, de um homem que simbolizou
um ser Divino, e que representou uma verdade fundamental na natureza, um
Homem que cumpriu uma certa função e assumiu um posto especial
em relação à humanidade, permanecendo em uma relação
especial com a humanidade, renovada era após era, à medida
que geração sucedia a geração, à medida
que cada raça dava espaço a outra raça. Por isto Ele
foi, como o foram todos, "o Filho do Homem", um título
peculiar e distintivo, o nome de uma função, e não
o de um indivíduo. O Cristo do Mito Solar era o Cristo dos Mistérios,
e descobrimos o segredo do Cristo mítico no Cristo místico.
CAPÍTULO VI
O Cristo Místico
Agora nos aproximamos daquele lado mais profundo da história do Cristo
que lhe empresta a sua real ascendência sobre os corações
dos homens. Nos aproximamos daquele vida perene que borbulha de uma fonte
invisível, e assim batiza seu representante com seu lucente fluxo,
aquilo que faz com que os corações humanos se agrupem em torno
de Cristo, e sintam que poderiam mais prontamente rejeitar os fatos aparentes
da história do que negar aquilo que eles intuitivamente ser uma verdade
vital, essencial, da vida superior. Chegamos ao portal secreto dos Mistérios,
e erguemos uma ponta do véu que esconde o santuário.
Vimos que, remontando à antigüidade o quanto pudermos, encontramos
sempre reconhecida a existência de um ensinamento oculto, uma doutrina
secreta, dada sob estritas condições para candidatos aprovados
pelos Mestres da Sabedoria. Tais candidatos eram iniciados nos "Mistérios"
- um nome que na antigüidade encobre, como vimos, tudo aquilo que eram
mais espiritual na religião, tudo o que era mais profundo em filosofia,
tudo o que era mais valioso na ciência. Todos os grandes Instrutores
da antigüidade passaram pelos Mistérios e os maiores dentre
aqueles eram os Hierofantes dos Mistérios; todos os que vieram ao
mundo para falar dos mundos invisíveis passou através do portal
da Iniciação e aprendeu o segredo dos Santos Seres de Seus
próprios lábios; todos vieram com a mesma história,
e os mitos solares são todos eles versões desta história,
idênticas em suas características essenciais, variando apenas
em suas cores locais.
Esta história é primariamente a da descida do Logos na matéria,
e o Deus Sol é adequadamente seu símbolo, uma vez que o Sol
é Seu corpo, e Ele é freqüentemente descrito como "Aquele
que reside no Sol". Em um aspecto, o Cristo dos Mistérios é
o Logos descendo à matéria, e o grande Mito Solar é
a versão popular desta verdade sublime. Como nos casos anteriores,
o Divino Instrutor, que trouxe a Sabedoria Antiga e a divulgou novamente
no mundo, foi considerado como uma manifestação especial do
Logos, e o Jesus das Igrejas gradualmente foi revestido com as histórias
que pertenciam àquele grande Ser; assim Ele foi identificado, na
nomenclatura Cristã, com a Segunda Pessoa da Trindade, o Logos ou
Verbo de Deus (Veja-se com relação a isto a abertura do Evangelho
de João, I, 1-5. O nome Logos, atribuído ao Logos manifesto,
modelando a matéria - "todas as coisas foram feitas por Ele"
- é de origem Platônica, e daí é derivada diretamente
dos Mistérios; eras antes de Platão, Vâk, Voz, era o
termo usado entre os Hindus), e os eventos principais recontados no mito
do Deus Sol se tornaram os eventos principais da história de Jesus,
considerado como a Deidade encarnada, o "Cristo mítico".
Assim como no macrocosmos, no cosmos, o Cristo dos Mistérios representa
o Logos, a Segunda Pessoa da Trindade, igualmente no microcosmos, no homem,
Ele representa o segundo aspecto do Espírito Divino no homem - por
isso é chamado "o Cristo" no homem (Vide ante, pp. 106-107).
O segundo aspecto do Cristo dos Mistérios então é a
vida do Iniciado, a vida que lhe penetra na primeira grande Iniciação,
na qual o Cristo nasce no homem, e depois da qual Ele se desenvolve no homem.
Para tornar isto mais inteligível, devemos considerar as condições
impostas ao candidato à Iniciação, e a natureza do
Espírito no homem.
Somente seriam reconhecidos como candidatos aqueles que eram tão
bons quanto os homens consideram ser bondoso, de acordo com a estrita medida
da lei. Puro, santo, sem vileza, limpo do pecado, vivendo sem transgressões
- estas eram algumas das frases empregadas para descrevê-los (Vide
ante, p. 80-83). Também devia ser inteligente, com uma mente bem
constituída e bem treinada (Vide ante, p. 73). A evolução
conseguida no mundo vida após vida, desenvolvendo e dominando os
poderes da mente, as emoções e o senso moral, aprendendo através
das religiões exotéricas, praticando o cumprimento dos deveres,
procurando ajudar e soerguer os outros - tudo isto pertence à vida
usual de um homem em evolução. Quando tudo isto é feito,
o homem se tornou um "homem bom", o Chrêstos dos gregos,
e assim ele deve ser antes que se torne Christos, o Ungido. Tendo completado
a vida exotérica no bem, se torna um candidato à vida esotérica,
e inicia a preparação para a Iniciação, que
consiste no preenchimento de certos requisitos.
Estes requisitos assinalam os atributos que ele deve adquirir, e enquanto
ele está trabalhando para criá-los, algumas vezes se diz que
ele está trilhando a Senda Probacionária, a Senda que conduz
à "Porta Estreita", além da qual está a "Vereda
Estreita", ou a "Senda da Santidade", o "Caminho da
Cruz". Não se espera que ele desenvolva estes atributos com
perfeição, mas deve ter feito algum progresso em todos eles,
antes que Cristo possa nascer nele. Ele deve preparar uma casa pura para
aquela Criança Divina que há de se desenvolver nele.
O primeiro destes atributos - todos são mentais e morais - é
a Discriminação; isto significa que o aspirante deve começar
a separar em sua mente o Eterno do Temporário, o Real do Irreal,
o verdadeiro do Falso, o Celeste do Terreno. "As coisas que são
vistas são temporais", diz o Apóstolo; "mas as coisas
que não são vistas são eternas" (II Coríntios,
IV, 18). Os homens estão constantemente vivendo sob o glamour do
que é visível, e são cegos por ele para o que não
é visto. O aspirante deve aprender a discriminar entre os dois, de
modo que o que é irreal para o mundo possa se tornar real para ele,
e o que é real para o mundo possa se tornar irreal para ele, pois
só assim é possível "caminhar pela fé,
e não pela visão" (Ibid., V, 7). E assim também
um homem deve se tornar um daqueles de quem diz o Apóstolo serem
"todos crescidos, mesmo aqueles que em virtude do uso tiveram seus
sentidos exercitados a distinguir o bem do mal" (Hebreus, V, 14). A
seguir, este senso de irrealidade deve suscitar nele um Desgosto para com
o irreal e efêmero, as meras futilidades da vida, incapazes de satisfazer
a fome, a não ser do suíno (Lucas, XV, 16). Este estágio
é descrito na enfática linguagem de Jesus: "Se alguém
vier a mim, e não odiar seu pai e mãe e esposa e filhos e
irmãos e irmãs, sim, e sua própria vida, não
pode ser meu discípulo" (Ibid., XIV, 26). De fato uma "frase
rude", embora além deste rigor brote um amor mais profundo e
verdadeiro, e esta etapa não pode ser contornada no caminho para
a Porta Estreita. Então o aspirante deve aprender o Controle dos
pensamentos, e isto conduzirá ao Controle das ações,
sendo o pensamento, à visão interna, o mesmo que ação:
"Quem quer que haja olhado para uma mulher com cobiça, já
cometeu adultério com ela em seu coração" (Mateus,
V, 28). Ele deve adquirir Perseverança, pois os que aspiram trilhar
o "Caminho da Cruz" terão que enfrentar longos e amargos
sofrimentos, e devem ser capazes de perseverar", vendo Aquele que é
invisível" (Hebreus, XI, 27). Ele deve acrescentar aos outros
requisitos a Tolerância, se há de se tornar o filho d'Aquele
que "fez Seu sol brilhar para o mau e para o bom, e enviou a chuva
sobre o justo e sobre o injusto" (Mateus, V, 45), o discípulo
d'Aquele que ordenou a Seus discípulos não proibir que um
homem usasse Seu nome se não seguisse com eles (Lucas, IX, 49, 60).
Mais ainda, ele deve adquirir a Fé para a qual nada é impossível
(Mateus, XVII, 20), e o Equilíbrio que é descrito pelo Apóstolo
(II Coríntios, VI, 8-10). Enfim, ele deve buscar somente "as
coisas do alto" (Colossenses, III, 1) e desejar alcançar a visão
e união com Deus (Mateus, V, 8; João, XVII, 21). Quando um
homem desenvolveu estas qualidades em seu caráter ele é considerado
apto para a Iniciação, e os Guardiães dos Mistérios
lhe abrirão a Porta Estreita. Assim, e só assim, ele se torna
um candidato preparado.
Porém, o Espírito no homem é o dom do Deus Supremo,
e contém em si os três aspectos da vida divina - Inteligência,
Amor, Vontade - sendo a Imagem de Deus. À medida que evolui, desenvolve
primeiro o aspecto da Inteligência, desenvolve o intelecto, e esta
evolução é realizada na vida comum no mundo. Tendo
feito isto em um grau elevado, acompanhado de desenvolvimento moral, leva
o homem em evolução à condição de candidato.
O segundo aspecto do Espírito é o do Amor, e a sua evolução
é a evolução do Cristo. Nos verdadeiros Mistérios
esta evolução é levada a cabo - a vida do discípulo
é o Drama do Mistério, e as grandes Iniciações
assinalam seus estágios. Os Mistérios celebrados no plano
físico costumavam ser representados dramaticamente, e as cerimônias
em muitos aspectos seguiam "o padrão" sempre presente "no
Monte", pois eram as sombras, numa época decaída, das
grandiosas Realidades espirituais no mundo espiritual.
O Cristo Místico, então, é dúplice - o Logos,
a Segunda Pessoa da Trindade, descendo na matéria, e o Amor, ou segundo
aspecto do Espírito Divino em desenvolvimento no homem. UM representa
os processos cósmicos acontecidos no passado e é a raiz do
Mito Solar; o outro representa um processo ocorrido no indivíduo,
o estágio conclusivo de sua evolução humana, e acrescentava
muitos detalhes ao Mito. Ambos contribuíram para a história
do Evangelho, e juntos formam a Imagem do "Cristo Místico".
Consideremos primeiro o Cristo cósmico, a Deidade envolta na matéria,
a encarnação do Logos, o revestimento de Deus "na carne".
Quando a matéria que vai formar nosso sistema solar é separada
do infinito oceano de matéria que preenche o espaço, a Terceira
Pessoa da Trindade - o Espírito Santo - derrama Sua vida nesta matéria
para vivificá-la, para que logo possa assumir uma forma. Então
ela é reunida, e lhe é dada uma forma pela vida do Logos,
a Segunda Pessoa da Trindade, que Se sacrifica assumindo as limitações
da matéria, se tornando o "Homem celeste", em cujo Corpo
existem todas as formas, de cujo corpo todas as formas fazem parte. Esta
era a história cósmica, apresentada dramaticamente nos Mistérios
- os verdadeiros Mistérios que ocorriam no espaço, no plano
físico eram representados por meios mágicos ou de outro modo,
e em parte por atores.
Estes processos são muito nitidamente apresentados na Bíblia,
quando o "Espírito de Deus se movia sobre a face das águas"
na treva que "estava sobre a face do abismo" (Gênesis, I,
2-3), o grande abismo da matéria não tinha forma, era vazio,
incipiente. A forma foi dada pelo Logos, o Verbo, de quem é escrito
que "Todas as coisas foram feitas por Ele; e sem Ele nada do que existe
foi feito" (João, I, 3). C.W.Leadbeater colocou bem: "O
resultado desta primeira grande efusão (o 'movimento' do Espírito)
é estimular aquela maravilhosa e gloriosa vitalidade que existe em
toda a matéria (embora possa aos nossos olhos físicos parecer
inerte), de modo que os átomos dos vários planos desenvolvem,
quando eletrizados por ela, todos os tipos de atrações e repulsões
previamente latentes, e entram em combinações de todos os
tipos" (The Christian Creed, p. 29. Este é um livro valiosíssimo
e extremamente fascinante, sobre o significado místico dos credos).
Somente quando esta obra do Espírito foi feita é que o Logos,
o Cristo Místico, pode assumir a roupagem de matéria, entrando
verdadeiramente no ventre da Virgem, o ventre da Matéria ainda virgem,
improdutiva. Esta matéria havia sido vivificada pelo Espírito
Santo, que, iluminando [overshadowing, no original - NT] a Virgem, derramou
nela Sua vida, preparando-a assim para receber a vida do Segundo Logos,
que tomou esta matéria como veículo para Suas energias. Isto
foi a encarnação do Cristo, o revestir-se de carne - "Tu
não rejeitaste o ventre da Virgem".
Nas traduções latinas e em outras línguas do texto
original grego do Credo de Nicéia, a frase que descreve esta etapa
da descida alterou as preposições e deste modo mudou o seu
sentido. No original consta "e encarnou do Espírito Santo e
a Virgem Maria", enquanto que a tradução reza: "e
encarnou pelo Espírito Santo da Virgem Maria" (The Christian
Creed, p. 42). O Cristo "não toma forma da matéria 'Virgem'
apenas, mas de matéria que já está imbuída e
pulsante da vida do Terceiro Logos (um nome do Espírito Santo), de
modo que ambos vida e matéria O rodeiam como uma vestimenta"
(Ibid., p. 43).
Esta é a descida do Logos na matéria, descrita como o nascimento
de Cristo a partir de uma Virgem, e isto, no Mito Solar, se torna o nascimento
do Deus Sol quando o signo da Virgem se eleva.
Então sucedem os primeiros trabalhos do Logos na matéria,
adequadamente tipificados no mito pela infância [do Herói -
NT]. Diante da fragilidade da infância os Seus próprios poderes
se curvam, atuando apenas levemente nas tenras formas que animam. A matéria
aprisiona, parece como que quisera matar seu Rei infante, cuja glória
é velada pelas limitações que Ele aceitou. Lentamente
Ele a modela para altos fins, e chega à maturidade, e então
Ele se estende sobre a cruz de matéria para que possa derramar a
partir desta cruz todos os poderes de Sua vida doada. Este é o Logos
de quem Platão disse estar como que figurado numa cruz sobre o universo;
este é o Homem Celeste, pairando no espaço, com os braços
estendidos a abençoar; este é o Cristo crucificado, cuja morte
na cruz da matéria enche toda a matéria com Sua vida. Ele
parece morto e é enterrado longe da vista de todos, mas se ergue
novamente vestido da mesma matéria na qual pareceu morrer, e leva
Seu corpo de matéria agora radiante para o céu, onde recebe
o derramar da vida do Pai, e se torna o veículo da vida imortal do
homem. Pois é a vida do Logos que forma a túnica da Alma no
homem, e Ele a doa para que os homens possam viver através das eras
e crescer até a medida de Sua própria estatura. Em verdade
estamos revestidos d'Ele, primeiro materialmente e depois espiritualmente.
Ele Se sacrifica para levar muitos filhos para a glória, e Ele está
sempre conosco, e estará até a consumação dos
tempos.
A crucificação de Cristo, então, é parte do
grande sacrifício cósmico, a representação alegórica
disto nos Mistérios físicos, e o símbolo sagrado do
homem crucificado no espaço, se materializaram numa morte real pela
crucificação, e numa cruz sustentando a forma de um homem
morto; então esta história, mas a história de um homem,
foi associada ao Instrutor Divino, Jesus, e se tornou a história
de Sua morte física, enquanto que o nascimento de uma Virgem, os
perigos que o rodeavam na infância, a ressurreição e
a ascensão, se tornaram incidentes de Sua vida humana. Os Mistérios
desapareceram, mas suas grandiosas e épicas representações
da obra cósmica do Logos rodearam e dignificaram a amada figura do
Mestre da Judéia, e o Cristo cósmico dos Mistérios,
mais os contornos da história de Jesus, se tornaram assim a Imagem
central da Igreja Cristã.
Mas mesmo isso não é tudo, p último toque de fascínio
é acrescentado à história de Cristo pelo fato de que
existe um outro Cristo dos Mistérios, próximo e caro ao coração
humano - o Cristo do Espírito Humano, o Cristo que existe em todos
nós, nasce e vive, é crucificado, sobe dos mortos e ascende
aos céus, em todo sofredor e triunfante "Filho do Homem".
A história de vida de todo Iniciado na verdade, nos Mistérios
celestes, é contada em seus contornos principais na biografia Evangélica.
Por esta razão, São Paulo fala, como vimos, do nascimento
do Cristo no discípulo, e de Sua evolução e depois
a chegada à plena estatura nele. Todo homem é um Cristo potencial,
e o desdobramento da vida Crística em um homem segue o perfil da
história Evangélica em seus incidentes principais, que já
vimos serem universais, e não particulares.
Há cinco grandes Iniciações na vida de um Cristo, cada
uma marcando uma etapa no desdobramento da Vida do Amor. Eles são
dadas aqui, em sua forma ancestral, e a última assinala o triunfo
final do Homem que evoluiu até a Divindade, que transcendeu a humanidade,
e se tornou um Salvador do mundo.
Tracemos esta história de vida, sempre renovada na experiência
espiritual, e vejamos o Iniciado vivendo a vida do Cristo.
Na primeira grande Iniciação o Cristo nasce no discípulo;
é então que ele percebe, pela primeira vez, a efusão
do Amor divino em si mesmo, e experimenta aquela maravilhosa mudança
que o faz sentir ser uno com tudo o que vive. Este é o "Segundo
Nascimento", e neste nascimento os seres celestiais se rejubilam, pois
ele nasce "no reino dos céus", como um dos "pequenos",
como "uma criancinha" - estes nomes sempre são dados aos
novos Iniciados. Este é o significado das palavras de Jesus, que
um homem se torne uma criancinha para entra no Reino (Mateus, XVIII, 3).
É dito significativamente em algum dos primeiros escritores Cristãos
que Jesus nasceu "numa gruta" - o "estábulo"
da narrativa Evangélica; a "Gruta da Iniciação"
é uma antiga frase bem conhecida, e o Iniciado sempre nasce ali;
sobre aquela gruta" onde jaz a criança", brilha a "Estrela
da Iniciação", a Estrela sempre refulge no Oriente quando
um Cristo Infante nasce. Toda criança assim é rodeada de perigos
e ameaças, estranhos perigos que não ameaçam outros
bebês, pois ele é ungido com o carisma do segundo nascimento
e os Poderes das Trevas do mundo invisível sempre procuram impedir.
A despeito de todas as provações, contudo, ele cresce até
a maturidade, pois uma vez nascido, o Cristo jamais pode morrer, uma vez
iniciado seu desenvolvimento, o Cristo jamais cai em sua evolução;
sua formosa vida se expande e cresce, sempre crescendo em sabedoria e em
natureza espiritual, até que chega ao tempo da segunda grande Iniciação,
o Batismo do cristo pela Água do Espírito, que lhes dão
os poderes necessários para a Maestria, para aquele que deve ir e
trabalhar no mundo como "o Filho bem-amado".
Então desce sobre ele com largueza o Espírito divino, e a
glória do Pai invisível derrama sua pura radiância nele;
mas desta cena da unção ele é levado pelo Espírito
para os ermos e mais uma vez é exposto ao ordálio de poderosas
tentações. Pois agora os poderes do Espírito estão
se desdobrando nele, e os Tenebrosos tentam desviá-lo de seu caminho
através destes mesmos poderes, dizendo-lhe que os use para seu próprio
socorro em vez de fiar-se em seu Pai com paciente confiança. Em seguida
sucedem transições súbitas que testam sua força
e fé, o sussurro do Tentador encarnado segue a voz do Pai, e as areias
escaldantes do deserto queimam os pés anteriormente lavados nas frescas
águas do rio santo. Vencedor destas tentações, ele
passa para o mundo dos homens para usar em seu auxílio os poderes
que ele não usaria para suas próprias necessidades, e aquele
que não transformaria uma pedra em pão para aplacar sua própria
fome alimenta, com poucos pães, "cinco mil homens, além
de mulheres e crianças".
Nesta vida de serviço constante chega um outro período de
glória, quando ele ascende "em uma alta montanha afastada"
- a sagrada Montanha da Iniciação. Lá ele é
transfigurado e encontra alguns de seus grandes Predecessores, os Poderosos
de antigamente que andaram onde ele está andando. Ele passa então
para a terceira grande Iniciação, e então a sombra
de sua Paixão, que se aproxima, se abate sobre ele, e ele intimorato
dirige-se para Jerusalém - repelindo as vozes tentadoras de seus
discípulos - Jerusalém, onde o espera o batismo do Espírito
Santo e do Fogo. Após o Nascimento, o ataque de Herodes; depois do
Batismo, a tentação no deserto; depois da Transfiguração,
a preparação da última etapa do Caminho da Cruz. Assim,
o triunfo é sempre seguido pelo ordálio, até que a
meta seja atingida.
A vida do amor ainda cresce, sempre mais plena e mais perfeita, resplandecendo
o Filho do Homem cada vez mais claramente como Filho de Deus, até
que se aproxima o tempo da batalha final, e a quarta grande Iniciação
o conduz em triunfo para dentro de Jerusalém, à vista do Getsêmani
e do Calvário. Agora ele é o Cristo pronto para ser imolado,
pronto para o sacrifício na cruz. Agora ele deve enfrentar a mais
dura agonia no Jardim, onde até mesmo os seus escolhidos dormem enquanto
ele se debate em sua angústia mortal, e por um momento ele ora para
que a taça possa se afastar de seus lábios; mas a vontade
poderosa triunfa e ele estende sua mão para tomar e beber, e em sua
solidão chega-lhe um anjo e o conforta, como costumam fazer os anjos
quando vêem um Filho do Homem curvando debaixo do peso da agonia.
A bebida da amarga taça da traição, da deserção,
da negação, o encontra à medida que ele avança,
e sozinho entre seus inimigos escarnecendo ele se adianta para sua última
e terrível provação. Abatido pela dor física,
perfurado pelos cruéis espinhos da suspeita, despojado de seus belos
trajes de pureza diante dos olhos do mundo, entregue nas mãos dos
inimigos, aparentemente abandonado por deus e pelos homens, ele suporta
pacientemente tudo o que lhe sucede, ansiando por ajuda em seu último
transe. Deixado sozinho para sofrer, crucificado, para morrer para a vida
da forma, para desistir de toda a vida que pertence ao mundo inferior, rodeado
de inimigos triunfantes que lhe zombam, o derradeiro horror da grande escuridão
o envolve, e na escuridão ele enfrenta todas as forças do
mal; sua visão interna é fechada, ele sente-se sozinho, completamente
sozinho, até que o grande coração, mergulhando no desespero,
grita para o Pai que parece tê-lo abandonado, e a alma humana enfrenta,
na mais absoluta solidão, a arrasadora agonia da derrota aparente.
Porém, reunindo toda a força do "espírito invencível",
a vida inferior é entregue, sua morte é abraçada voluntariamente,
o corpo de desejos é abandonado, e o Iniciado "desce ao Inferno",
para que nenhuma região do universo que ele deve ajudar permaneça
desconhecida por ele, para que ninguém seja considerado abjeto demais
para receber seu amor todo-abrangente. E então, emergindo das trevas,
ele vê a luz mais uma vez, sente-se de novo o Filho, inseparável
do Pai que é ele próprio, e passa para a vida que não
conhece término, radiante na consciência da morte enfrentada
e vencida, forte para ajudar ao máximo cada filho do homem, capaz
de derramar sua vida em cada alma em luta. Entre seus discípulos
ele permanece por perto para ensinar, desvelando-lhes os Mistérios
dos mundos espirituais, preparando-os para trilhar a vereda que ele trilhou,
até que, terminada a vida terrena, ele ascenda ao Pai, e, na quinta
grande Iniciação, se torne Mestre triunfante, um elo entre
Deus e o homem.
Esta era a história vivida nos verdadeiros Mistérios de antigamente
e de agora, e dramaticamente retratada em símbolos nos Mistérios
do plano físico, metade velados, metade descobertos. Este é
o Cristo dos Mistérios em Seu aspecto dual, Logos e homem, cósmico
e individual. Haverá qualquer surpresa que esta história,
vagamente pressentida mesmo quando desconhecida pelo místico, aninhe-se
no coração e sirva como inspiração para todo
nobre viver? O Cristo do coração humano, em sua maior parte,
é Jesus, visto como o místico Cristo humano, lutando, sofrendo,
morrendo, finalmente triunfando, o Homem em quem a humanidade é vista
crucificada e ressurrecta, cuja vitória é a vitória
prometida a cada um que, como Ele, é fiel através da morte
e além dela - o Cristo que jamais pode ser esquecido enquanto nascer
de novo e de novo na humanidade, enquanto o mundo precisar de Salvadores,
e os Salvadores derem a Si mesmos pelos homens.
CAPÍTULO VII
A Expiação dos Pecados
Agora passaremos a estudar certos aspectos da Vida Crística que aparecem
entre as doutrinas do Cristianismo. Nos ensinamentos exotéricos eles
aparecem associados apenas à Pessoa do Cristo; nos esotéricos
eles são vistos como de fato pertencendo a Ele, uma vez que em sua
forma primária e em seu significado mais pleno e mais profundo, formam
parte das atividades do Logos, mas apenas secundariamente refletidos no
Cristo, e portanto em cada Alma-Cristo que trilha o caminho da Cruz. Estudados
desta forma serão vistos sendo profundamente verdadeiros, enquanto
que em sua forma exotérica eles muitas vezes confundem a inteligência
e tumultuam as emoções.
Entre eles salienta-se a doutrina da Expiação dos Pecados;
não apenas ela tem sido um ponto de intenso ataque daqueles de fora
do círculo do Cristianismo, mas tem atormentado muitas consciências
sensíveis dentro daquele círculo. Alguns dos pensadores mais
profundamente Cristãos da última metade do século XIX
foram torturados com dúvidas a respeito dos ensinamentos das igrejas
sobre este assunto, e tentaram vê-lo e apresentá-lo de um modo
que o suavizasse ou o explicasse diferentemente das noções
mais cruas baseadas numa leitura não inteligente de alguns poucos
textos profundamente místicos. Em parte alguma, talvez, mais do que
em conexão com estes deveria ser mantida em mente a advertência
de São Pedro: "Nosso amado irmão Paulo também,
de acordo com a sabedoria que lhe foi dada, vos escreveu - bem como em todas
as suas epístolas - falando nelas sobre estas coisas, nas quais existem
algumas coisas difíceis de entender, e que são desvirtuadas
por aqueles que não têm cultura ou equilíbrio, assim
como o fazem às outras escrituras, para sua própria perdição"
(II Pedro, III, 15-16). Pois os textos que falam da identidade do Cristo
com Seus irmãos homens têm sido desvirtuados numa substituição
legalizada d'Ele mesmo no lugar dos outros, e assim têm sido usados
como uma saída para se escapar dos resultados do pecado, em vez de
como uma inspiração à justiça.
O ensinamento geral na Igreja Primitiva sobre a doutrina da Expiação
foi que Cristo, como Representante da Humanidade, enfrentou e venceu Satanás,
o representante dos Poderes Tenebrosos que têm a humanidade sob seu
jugo, resgatou deles o escravo, e o libertou. Lentamente, á medida
em que os escritores Cristãos perderam contato com as verdades espirituais,
e projetaram sua própria intolerância e acrimônia no
Pai puro e amante dos ensinamentos de Cristo, eles O representaram como
estando encolerizado contra o homem, e Cristo foi feito para salvar o homem
da ira de Deus, em vez de salvá-lo da escravidão ao mal. Então
se imiscuíram expressões legalizadas, materializando ainda
mais a idéia espiritual, e o "esquema da redenção"
foi delineado de modo forense. O selo foi aposto sobre o "esquema da
redenção" por Anselmo, em seu grande livro Cur Deus Homo,
e a doutrina que havia crescido lentamente na teologia da Cristandade daí
por diante passou a levar o sinete da Igreja. Tanto Católicos Romanos
como Protestantes, na época da Reforma, acreditaram no caráter
vicarial e substitutivo da expiação empreendida por Cristo.
Entre eles não há querela sobre este ponto. Prefiro deixar
os vates Cristãos falar por si mesmos sobre o caráter da expiação.
"Lutero ensina que 'Cristo, real e efetivamente, sofre por toda a humanidade
a ira de Deus, a maldição e a morte'. Flavel diz que 'para
a ira, para a ira de um Deus infinito sem mescla, para os próprios
tormentos do inferno, Cristo foi enviado, e pela mão de seu próprio
Pai'. A homilia Anglicana prega que 'o pecado fez Deus sair dos céus
para fazer a Si mesmo sentir os horrores e dores da morte', e que o homem,
sendo um agitador do inferno e um sócio do demônio, 'foi salvo
pela morte de seu filho bem-amado'; a 'fúria de sua ira', 'sua ira
furiosa', somente poderia ser 'pacificada' por Jesus, 'tão agradável
que lhe foi o sacrifício e a oblação da morte de seu
filho'. Edwards, sendo lógico, viu que havia uma grosseira injustiça
no pecado ser punido duas vezes, e as penas do inferno, o preço do
pecado, sendo infligido duas vezes, primeiro em Jesus, o substituto da humanidade,
e depois nos perdidos, uma porção da humanidade; assim ele,
em comum com a maioria dos Calvinistas, sente-se compelido a restringir
a expiação aos eleitos, e declarou que Cristo levou os pecados,
não do mundo, mas dos eleitos; ele 'sofre não pelo mundo,
mas por aqueles que tu me deste'. Mas Edwards adere firmemente à
crença na substituição, e rejeita a expiação
universal pelas mesmas razões pelas quais 'acreditar que Cristo morreu
por todos é a maneira mais segura de provar que ele não morreu
por ninguém, do modo como os Cristãos têm entendido
isto'. Ele declara que 'Deus impôs sua cólera devida, e Cristo
padeceu as dores dos tormentos do inferno' pelo pecado. Owens considera
os sofrimentos de Cristo como 'uma compensação plena e valiosa,
junto à justiça de Deus, por todos os pecados' dos eleitos,
e diz que ele suportou 'as mesmas punições que... eles mesmos
deveriam suportar' " (A. Besant, Essay on The Atonement).
Para mostra que estas concepções eram ainda ensinadas autorizadamente
nas igrejas, escrevi ainda: "Stroud faz Cristo beber 'a taça
da ira de Deus'. Jenkins diz que 'Ele sofreu como um excluído, réprobo
e esquecido de Deus'. Dwight considera que ele suportou 'o ódio e
o desprezo' de Deus. O Bispo Jeune nos diz que 'depois que o homem fez o
pior, o pior ficou para que Cristo suportasse. Ele caiu nas mãos
de seu pai'. O Arcebispo Thomas prega que 'as nuvens da ira de Deus se ajuntaram
sobre toda a raça humana: mas descarregaram-se apenas sobre Jesus'.
Ele 'se tornou uma maldição para nós e um vaso da ira'.
Liddon ecoa o mesmo sentimento: 'Os apóstolos ensinam que a humanidade
é escrava, e que Cristo na cruz está pagando por sua salvação.
Cristo crucificado é voluntariamente entregue e amaldiçoado';
ele fala mesmo da 'quantidade precisa de ignomínia e dor necessária
para a redenção', e diz que a 'divina vítima' pagou
mais do que era absolutamente necessário' " (Ibid.).
Estas são as concepções contra as quais o erudito e
profundamente religioso Dr. MacLeod Campbell escreveu seu bem conhecido
livro On the Atonement, um volume contendo muitos pensamentos verdadeiros
e belos; F.D.Maurice e muitos outros homens Cristãos também
têm tentado tirar de sobre o Cristianismo o peso de uma doutrina tão
destrutiva para todas as idéias sobre as relações entre
Deus e o homem.
Não obstante, quando olhamos para trás para os efeitos produzidos
por esta doutrina, vemos que a fé nela, mesmo em sua forma legal
- e para nós cruamente exotérica - está ligada a alguns
dos mais altos desenvolvimentos da conduta Cristã, e que alguns dos
mais nobres exemplos da maturidade Cristã tiraram dela sua força,
sua inspiração e seu conforto. Seria injusto não reconhecer
este fato. E sempre que analisamos um fato que nos parece espantoso e incongruente,
fazemos bem em meditar sobre este fato, e tentar entendê-lo. Pois
se esta doutrina não contivesse nada além do que é
visto pelos seus oponentes dentro e fora das igrejas, se em seu verdadeiro
sentido fosse tão repelente à consciência e ao intelecto
como o imaginam muitos pensadores Cristãos, então possivelmente
não teria exercido um fascínio tão poderoso sobre as
mentes e corações dos homens, nem poderia ter sido a base
de muitas auto-entregas heróicas, ou de tocantes e patéticos
exemplos de auto-sacrifício no serviço do homem. Deve haver
algo mais nela do que jaz na sua superfície, algum cerne de vida
oculto que tem alimentado aqueles que dela retiraram sua inspiração.
Ao estudarmos esta doutrina como um dos Mistérios Menores, devemos
ver a vida oculta que estes nobres seres absorveram inconscientemente, estas
almas que estavam tão sintonizadas com aquela vida que a forma sob
a qual ela se velou não as repeliu.
Quando passamos a estudá-la como um dos Mistérios Menores,
devemos sentir que para seu entendimento é necessário algum
desenvolvimento espiritual, alguma abertura da visão interior. Compreendê-la
requer que seu espírito deva estar parcialmente desenvolvido na vida,
e somente aqueles que conhecem de modo prático algo do significado
da auto-entrega serão capazes de captar um lampejo do que está
implicado no ensinamento esotérico desta doutrina, como uma manifestação
típica da Lei do Sacrifício. Só podemos entendê-la
aplicada ao Cristo quando a vemos como uma manifestação especial
da Lei universal, um reflexo aqui embaixo do Modelo no alto, mostrando-nos
em uma vida humana concreta o que significa sacrifício.
A Lei do Sacrifício estrutura nosso sistema e todos os sistemas,
e sobre ela são construídos todos os universos. Ela está
na raiz da evolução, e isto por si a torna inteligível.
Na doutrina da Expiação ele toma uma forma concreta em associação
com homens que atingiram certo estágio no desenvolvimento espiritual,
o estágio que os capacita perceberem sua unidade com a humanidade,
e se tornar, no sentido mais profundamente verdadeiro, Salvadores dos homens.
Todas as grandes religiões do mundo declararam que o universo começa
por um ato de sacrifício e incorporaram a idéia do sacrifício
em seus ritos mais solenes. No Hinduísmo é dito que o alvorecer
da manifestação deu-se por um sacrifício (Brhadâaranyakopanishat,
I, I, 1), a humanidade emana [da Deidade] com sacrifício (Bhagavad-Gita,
III, 10) e é a Deidade que sacrifica-Se a Si mesma (Brhadâaranyakopanishat,
I, II, 7); o objetivo do sacrifício é a manifestação;
Ele não pode tornar-Se manifesto a menos que um ato de sacrifício
seja executado, e desde que nada pode se manifestar antes que Ele se manifeste
(Mundakopanishat, II, II, 10), o ato de sacrifício é chamado
de "a aurora" da criação.
Na religião de Zoroastro foi ensinado que na Existência ilimitável,
incognoscível, inominável, o sacrifício foi executado
e apareceu assim a Deidade manifesta; Ahura-Mazda nasceu de um ato de sacrifício
(Hang, Essays on the Parsis, pp. 12-14).
Na religião Cristã a mesma idéia é indicada
na frase: "o Cordeiro morto desde a fundação do mundo"
(Apocalipse, XIII, 8), morto na origem das coisas. Estas palavras só
podem se referir à importante verdade de que não pode haver
nenhuma fundação de um mundo antes que a Deidade tenha feito
um ato de sacrifício. Este ato é explicado como Ela limitando-Se
a fim de tornar-Se manifesta. "A Lei do Sacrifício poderia talvez
ser chamada com mais verdade de A Lei do Amor e da Vida, pois em todo o
universo, desde o mais alto até o mais baixo, ela é a causa
da manifestação e da vida" (W. Williamson, The Great
Law, p. 406).
"Mas se estudarmos este mundo físico, como sendo o material
mais à mão, vemos que toda a vida nele, todo o crescimento,
todo o progresso, seja das unidades ou dos agregados, depende de um contínuo
sacrifício e da resistência à dor. O Mineral á
sacrificado ao vegetal, o vegetal ao animal, ambos ao homem, os homens aos
homens, e todas as formas superiores se desfazem, e reforçam novamente,
com seus constituintes, o reino mais inferior. È uma contínua
seqüência de sacrifícios desde o mais baixo até
o mais alto, e o próprio sinal do progresso é o sacrifício
passar de involuntário e imposto a voluntário e auto-escolhido,
e aqueles que são reconhecidos com os maiores pelo intelecto humano
e os mais amados pelo coração humano são os sofredores
supremos, aquelas almas heróicas que padeceram, perseveraram, e morreram
para que a raça pudesse aproveitar de suas penas. Se o mundo é
obra do Logos, e a lei do progresso mundial no todo e nas partes é
o sacrifício, então a Lei do Sacrifício deve apontar
para algo na própria natureza do Logos, deve ter sua raiz na própria
Natureza Divina. UM pensamento um pouco mais à frente nos mostrará
que se há de existir um mundo, enfim um universo, isto só
pode acontecer porque a Existência Única condicionou-Se e assim
tornou possível a manifestação, e que o próprio
Logos é o Deus autolimitado; limitado para tornar-Se manifesto; manifesto
para levar um universo à existência; tal autolimitação
e manifestação só podem ser um supremo ato de sacrifício,
a não admira que em todo o mundo isto deva mostrar sua marca de nascença,
e que a Lei do Sacrifício deva ser a lei da existência, a lei
das vidas derivadas disto.
"Além disso, já que é um ato de sacrifício
a fim de que os indivíduos possam vir à existência para
compartilhar da felicidade Divina, é verdadeiramente um ato vicarial
- um ato feito em favor de outros; daí o fato já notado de
que o progresso é marcado pelo sacrifício se tornando voluntário
e auto-escolhido, e percebemos que a humanidade atinge sua perfeição
no homem que se doa pelos homens, e pelo seu próprio sofrimento adquire
algo altamente proveitoso para a raça.
"Aqui, nas mais altas regiões, está a verdade mais recôndita
do sacrifício vicarial, e por mais que possa ser degradado e distorcido,
esta verdade espiritual interna é indestrutível, eterna, e
a fonte de onde flui a energia espiritual que, de muitas formas e maneiras,
redime o mundo do mal e o torna a casa de Deus" (A. Besant, Nineteenth
Century, junho de 1895, The Atonement).
Quando o Logos sai do "seio do Pai" naquele "Dia" em
que se diz que Ele é "engendrado" (Hebreus, I, 5), a aurora
do Dia da Criação, da Manifestação, quando através
d'Ele Deus "fez os mundos" (Hebreus, I, 2), Ele por Sua própria
vontade limita a Si mesmo, fazendo como que uma esfera encapsulando a Vida
Divina, surgindo como um radiante orbe de Deidade, a Divina Substância,
Espírito dentro e limitação, ou Matéria, por
fora. Este é o véu de matéria que torna possível
o nascimento do Logos, Maria, ou Mãe do Mundo, necessário
para a manifestação do Eterno no tempo, para que a Deidade
possa manifestar-Se para a construção dos mundos.
Esta circunscrição, esta autolimitação, é
o ato de sacrifício, uma ação voluntária empreendida
por amor, para que outras vidas possam nascer de Si. Esta manifestação
tem sido considerada como uma morte, pois, em comparação com
a vida inimaginável de Deus em Si mesmo, tal circunscrição
na matéria pode verdadeiramente ser chamada de morte. Ela tem sido
considerada, como vimos, como uma crucificação na matéria,
e assim tem sido representada, sendo a verdadeira origem do símbolo
da cruz, seja em sua forma grega, onde se representa a vivificação
da matéria pelo Espírito Santo, seja em sua forma latina,
onde se representa o Homem Celeste, o Cristo superno" (C.W.Leadbeater,
The Christian Creed, pp. 54-56).
"Seguindo o simbolismo da cruz latina, ou crucifixo, para dentro da
noite dos séculos passados, os investigadores esperavam que a figura
desaparecesse, deixando apenas, supunham eles, o emblema da cruz mais antigo.
Como se comprovou, o inverso é o que foi verificado, e eles se admiraram
de descobrir que a certa altura a cruz desapareceu, deixando apenas a figura
com os braços erguidos. Já não havia nenhum pensamento
de dor ou tristeza associado a tal figura, embora ainda falasse de sacrifício;
mas antes aparecia como símbolo da mais pura alegria que o mundo
pode conceber - a alegria de dar livremente - pois ele tipifica o Homem
Divino pairando no espaço com os braços erguidos em bênção,
espalhando seus dons para toda a humanidade, derramando livremente de Si
mesmo em todas as direções, descendo para dentro daquele 'denso
mar de matéria, para ser limitado, apertado e confinado lá,
a fim de que através desta descida nós possamos vir a ser"
(C.W.Leadbeater, The Christian Creed, pp. 56-57).
Este sacrifício é perpétuo, pois em todas as formas
neste universo de infinita diversidade esta vida está embutida, e
é seu próprio coração, o "Coração
do Silêncio" do ritual Egípcio, o "Deus Oculto".
Este sacrifício é o segredo da evolução. A Vida
Divina, encasulada dentro de uma forma, sempre pressiona para fora, de modo
que a forma possa se expandir, mas pressiona gentilmente, evitando que a
forma possa romper antes que tenha alcançado seu limite máximo
de expansão. Com paciência e tato e discrição
infinitos, o Ser Divino mantém a pressão constante que expande,
sem aplicar uma força que poderia destruir. Em todas as formas, no
mineral, no vegetal, no animal, no homem, esta energia expansiva do Logos
age sem cessar. Esta é a força evolucionária, a vida
que se alça dentro das formas, a energia expansiva que a ciência
vislumbra mas não sabe de onde vem. O botânico fala de uma
energia dentro da planta, que a faz crescer sempre para cima; ele não
sabe como, não sabe por que, mas ele lhe dá um nome - vis
a fronte - porque ele a encontra lá, ou antes encontra os seus resultados.
Do mesmo modo que na vida vegetal, igualmente nas outras formas, fazendo-as
mais e mais expressivas da vida que está dentro delas. Quando o limite
de cada forma é atingido e ela não pode crescer mais, de modo
que nada mais possa ser ganho através dela pela alma no interior
- aquele germe de Si mesmo que o Logos está cultivando - então
Ele retira Sua energia, e a forma se desintegra - o que chamamos de morte
e decomposição. Mas a alma está com Ele, e Ele modela
para ela uma outra forma, e a morte da forma é o nascimento da alma
numa vida mais plena. Se olharmos com o lho do Espírito em vez de
com os olhos da carne, não deveríamos chorar sobre uma forma,
que é um cadáver devolvendo os materiais de que foi feito,
mas deveríamos nos alegrar pela vida estar passando para uma forma
mais nobre, para neste processo imutável expandir os poderes ainda
latentes em si.
Através deste sacrifício perpétuo do Logos é
que toda a vida existe; é a vida pela qual o universo está
sempre em devir. Esta vida é Única, mas se encarna em miríades
de formas, sempre levando-as juntas e vencendo sua resistência. Assim
há uma Unificação [no original At-one-ment, jogo de
palavras impossível de traduzir, associando Atonement, 'expiação
ou sacrifício', e At-one-ment, 'tornar-um-só' - NT], uma força
unificante, pela qual as vidas separadas gradualmente se tornam conscientes
de sua unidade, trabalhando para desenvolver em cada uma a autoconsciência,
que finalmente deverá conhecer a si mesma una com todas as outras,
e, em sua raiz, Uma só e divina.
Este é o sacrifício primário e perene, e será
visto que constitui um derramamento de Vida dirigido pelo Amor, um derramamento
voluntário e jucundo do Eu para a criação de outros
Eus. Esta é "a alegria de meu Senhor" (Mateus, XXV, 21,
23, 31-45) no qual entra o servo fiel, seguido de modo significativo pela
declaração de que Ele estava faminto, sedento, nu, doente,
um estrangeiro numa prisão, tanto nos filhos dos homens auxiliados
como nos desamparados. Para o Espírito livre, dar-Se é uma
alegria, e Ele sente Sua vida de modo mais penetrante na medida em que mais
Se doa. E quando mais dá, mais cresce, pois a lei do crescimento
é que ele aumente quando se expande, e não quando se retira
- cresce no dar, e não no tirar. O sacrifício, então,
é motivo de alegria o Logos doar-Se para criar um mundo, e, vendo
o trabalho de Sua alma, fica satisfeito. (Isaías, LIII, 11).
Mas a palavra sacrifício passou a ser associada com sofrimento, e
em todos os ritos religiosos de sacrifício existe algum sofrimento,
mesmo que seja apenas um perda trivial para aquele que sacrifica. É
conveniente entendermos como ocorreu esta mudança, de modo que quando
a palavra "sacrifício" é usada, a conotação
instintiva á de dor.
A explicação é encontrada quando deixamos a Vida manifesta
e observamos as formas em que ela está corporificada, e consideramos
o sacrifício do ponto de vista das formas. Enquanto que a vida da
Vida é dar, a vida ou persistência da forma é tomar,
pois a forma se desagasta à medida em que é usada, diminui
à medida em que persiste. Se a forma deve continuar, ela deve retirar
material novo de fora de si mesma a fim de reparar suas perdas, senão
se gasta e se desfaz. A forma deve coletar, manter, construir em si mesma
o que recolheu, doutro modo não pode persistir; e a lei do crescimento
da forma é tomar e assimilar daquilo que o universo maior oferece.
Quando a consciência se identifica com a forma, considerando a forma
como seu eu, o sacrifício assume um aspecto doloroso; dar, entregar,
perder o que foi adquirido, é sentido como minar a persistência
da forma, e assim a Lei do Sacrifício se torna uma lei de dor em
vez de uma lei de júbilo.
O homem tem de aprender pela constante dissolução das formas,
e a dor envolvida no descarte serve para que ele não se identifique
com as formas efêmeras e mutáveis, mas sim com a vida em crescimento
perene, e esta lição lhe é ensinada não apenas
pela natureza externa, mas pelas lições deliberadas dos Instrutores
que lhe deram as religiões.
Podemos detectar nas religiões do mundo quatro estágios de
instrução na Lei do Sacrifício. Primeiro, o homem é
ensinado a sacrificar parte de suas posses materiais a fim de conseguir
prosperidade material, e são feitos sacrifícios em caridade
para com os homens e em oferendas a Deidades, como podemos ler nas escrituras
dos Hindus, dos Zoroastrianos, dos Hebreus, e de fato no mundo todo. O homem
abria mão de algo valorizado a fim de assegurar a prosperidade futura
para si mesmo, sua família, sua comunidade, sua nação.
Ele sacrificava no presente para ganhar no futuro. Em segundo lugar, veio
uma lição um pouco mais difícil de aprender; em vez
de prosperidade física e bens materiais, o fruto a ser ganho pelo
sacrifício seria a felicidade celeste. O Céu deveria ser ganho,
a felicidade deveria ser desfrutada no outro lado da morte - esta era a
recompensa pelos sacrifícios feitos durante a vida vivida na Terra.
Era dado um considerável passo adiante quando um homem aprendia a
desistir das coisas pelas quais seu corpo ansiava em prol de um bem distante
que ele não podia ver nem demonstrar. Ele aprendia a entregar o visível
em troca do invisível, e ao fazer isto subia na escala do ser, pois
tão grande é o fascínio do visível e do tangível
que um homem ser capaz de desistir disto por amor a um mundo invisível
no qual acredita significa ele ter adquirido muita força e que deu
um grande passo em direção à percepção
daquele mundo invisível. Repetidamente suportou-se o martírio,
enfrentou-se o vilipêndio, o homem aprendeu a permanecer só,
suportando tudo o que sua raça pudesse despejar-lhe em cima em termos
de sofrimento, miséria e vergonha, olhando o que está além
da tumba. Na verdade, ainda existe um desejo de glória celeste, mas
não é coisa pouca ser capaz de ficar sozinho sobre a Terra
fiando-se só na companhia espiritual, firmando-se na vida interior
enquanto tudo na exterior é tortura.
A terceira lição vem quando um homem, vendo-se parte de uma
vida maior, deseja sacrificar-se pelo bem do todo, e assim se torna forte
o bastante para reconhecer que o sacrifício é correto, que
uma parte, um fragmento, uma unidade no total da vida, deve se subordinar
ao todo, subordinar o fragmento à totalidade. Então ele aprendeu
a fazer o bem, sem ser afetado pelos resultados disto em sua própria
pessoa, aprendeu a cumprir o dever, sem desejar o resultado para si, aprendeu
a perseverar porque a perseverança estava correta não porque
seria coroada, aprendeu a dar porque os dons eram devidos à humanidade
e não porque seriam compensados pelo Senhor. A alma heróica
assim treinada estava pronta então para a quarta lição:
a de que o sacrifício de tudo o que constitui o fragmento separado
deve ser oferecido porque o Espírito não está na verdade
separado, mas é parte da Vida divina, e não conhece diferença,
não sente separação, o homem se doa como parte da Vida
Universal, e na expressão desta Vida ele compartilha da alegria de
seu Senhor.
É nos três primeiros estágios que encontramos o aspecto
sofrido do sacrifício. O primeiro importa apenas pequenos sofrimentos;
no segundo a vida física e tudo o que a Terra tem a oferecer deve
ser sacrificado; o terceiro é o grande período de teste, de
provação, de crescimento e evolução da alma
humana. Pois neste estágio o dever pode exigir tudo aquilo em que
a vida parece consistir, e o homem, ainda identificado em sentimento com
a forma, embora se conheça teoricamente transcendente, descobre que
é exigido dele tudo o que ele sente ser vida, e pergunta: "Se
eu entregar tudo, o que restará?" Parece que a própria
consciência haveria de cessar com esta entrega, pois deve abrir mão
de tudo o que percebe, e não vê nada para agarrar-se no outro
lado. Uma convicção sobrepujante, uma voz imperiosa, insta-o
para que entregue sua própria vida. Se ele recua, deve continuar
na vida de sensação, na vida de intelecto, na vida do mundo,
mas á medida que desfruta das alegrias a que não ousou renunciar,
encontra uma constante insatisfação, uma fome constante, uma
constante mágoa e falta de prazer no mundo, e ele percebe a verdade
do ditado de Cristo, de que "aquele que deseja manter sua vida, a perderá"
(Mateus, XVI, 25), e que a vida que ele amava e queria preservar, enfim,
está perdida. Mas se ele arrisca tudo obedecendo a voz que lhe fala,
se ele desiste de sua vida, ao perdê-la, encontra-se na vida eterna
(João, XII, 25), e descobre que a vida que ele entregou só
era uma morte em vida, que tudo o que ele entregou foi só a ilusão,
e que ele encontrou agora a realidade. Nesta escolha o metal de que é
feita a alma é testado, e somente o ouro puro sai da fornalha ardente,
ali onde a vida foi entregue, mas onde a vida foi ganha. E então
se segue a feliz descoberta de que a vida que foi ganha assim foi ganha
para todos, não para o eu separado, descobre que o abandono do eu
separado significou a realização do Eu no homem, e a renúncia
ao limite que só ele parecia tornar a vida possível significou
derramar-se em miríades de formas, numa vividez e plenitude sequer
sonhada, "o poder de uma vida infinita" (Hebreus, VII, 16).
Este é um esboço da Lei do Sacrifício, baseado no sacrifício
primordial do Logos, o Sacrifício de que todos os outros sacrifícios
são reflexos.
Vimos como o homem Jesus, o discípulo Hebreu, abandonou Seu corpo
em alegre entrega para que uma Vida superior pudesse descer e se encarnar
no forma que Ele sacrificou voluntariamente, e como por este ato de sacrifício
Ele se tornou um Cristo de plena estatura, para ser o Guardião do
Cristianismo, e derramar Sua vida na grande religião fundada pelo
poderoso Ser com quem o sacrifício o identificou. Vimos a Alma-Crística
passando através das grandes iniciações - nascida como
uma criancinha, descendo ao rio das tristezas do mundo, com as águas
com as quais ele deve ser batizado para seu ministério ativo, transfigurado
no Monte, conduzido à cena de seu último combate, e triunfando
sobre a morte. Agora temos que ver em que sentido ele é um expiador,
como na vida-Crística a Lei do Sacrifício encontra uma expressão
perfeita.
O início do que pode ser chamado o ministério do Cristo que
chegou à maturidade está naquela intensa e permanente simpatia
com as tristezas do mundo, o que é tipificado pela descida ao rio.
Deste tempo em diante a vida pode ser resumida na frase "Ele foi fazendo
o bem", pois aqueles que sacrificam sua vida separada para serem canais
da Vida divina não podem ter interesse neste mundo exceto o de ajudar
os outros. Ele aprende a se identificar com a consciência de todos
em seu redor, aprende a sentir como eles sentem, a pensar como eles pensam,
apreciar o que eles apreciam, a sofrer como eles sofrem, e assim ele leva
para sua vida desperta diária aquele mesmo senso de unidade com os
outros que ele experimenta nos domínios superiores do ser. Ele deve
desenvolver uma simpatia que vibre em perfeita harmonia com o múltiple
acorde da vida humana, para que possa ligar em si as vidas humanas e divinas,
e se tornar um mediador entre o Céu e a Terra.
Agora o poder está manifesto nele, pois o Espírito descansa
sobre ele, e ele começa a se evidenciar aos olhos dos homens como
um dos que são capazes de ajudar seus irmãos mais jovens a
trilharem o caminho da vida. À medida em que se juntam ao seu redor,
eles sentem o poder que emana dele, a Vida divina no legítimo Filho
do Altíssimo. As almas que estão famintas lhe acorrem e ele
as alimenta com o pão da vida; os doentes pelo pecado se aproximam,
e ele os cura com a palavra viva que sana a doença e restabelece
a inteireza da alma; os cegos pela ignorância se ajuntam perto dele,
e ele abre seus olhos com a luz da sabedoria. È a marca mais característica
em seu ministério que os mais inferiores e os mais pobres, os mais
desesperados e os mais degradados, não sintam nenhuma barreira de
separação quando se aproximam dele, sintam, à medida
em que se aglomeram à sua volta, as suas boas-vindas, e não
sua repulsa, pois ele irradia um amor que entende e que por isso jamais
deseja repelir. Por mais baixo que a alma possa estar, nunca sente a Alma-Crística
como estando acima de si, mas antes como estando ao seu lado, caminhando
com pés humanos no chão que elas mesmas estão caminhando;
porém, como cheio de um estranho poder soerguidor que as pões
de pé novamente e as enche também de um novo impulso e fresca
inspiração.
Assim ele vive e trabalha, um verdadeiro Salvador dos homens, até
que chegue o tempo em que ele deve aprender um outra lição,
perdendo por um período aquela consciência daquela Vida divina
da qual a sua se tornou cada vez mais a expressão. E esta lição
é que o verdadeiro centro da Vida divina reside no interior e não
no exterior. O Eu tem seu centro dentro de cada alma humana - verdadeiramente
Ele é "o centro em toda a parte", pois Cristo está
dentro de tudo, e Deus está em Cristo - e nenhuma vida corporificada,
nada "fora do Eterno" (Light in the Path, § 8) "pode
ajudá-lo em sua mais extrema necessidade. Ele tem de aprender que
a verdadeira unidade do Pai e do Filho deve ser encontrada dentro e não
fora, e esta lição só pode ser aprendida no mais extremo
isolamento, quando ele se sente esquecido pelo Deus fora de si mesmo. À
medida que esta prova se aproxima, ele clama pelos que lhe estão
mais perto para que vigiem com ele nesta hora de escuridão; e então,
pela ruptura de todas as simpatias humana, pelo fraquejar de todos os amores
humanos, ele se encontra arremessado de volta à vida do Espírito
divino, e pede a seu Pai, sentindo-se em união consciente com Ele,
que faça a taça passar. Tendo ficado totalmente só,
exceto por aquele Auxiliador divino, ele é digno de enfrentar o seu
último ordálio, onde o Deus externo a si se desvanece, e só
resta o Deus interior. "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?",
ecoa o amargo apelo do amor desorientado e do temor. A última solidão
se abate sobre ele, e ele se sente esquecido e solitário. Porém
jamais o Pai esteve mais perto do Filho do que no momento em que a Alma-Crística
se sente abandonado, pois quando ele toca a maior profundeza da aflição
a hora do seu triunfo começa a despontar. Pois agora ele aprende
que ele mesmo deve se tornar o Deus a quem ele chama, e ao sentir a última
dor da separação ele finalmente encontra a unidade eterna,
ele sente que a fonte da vida está dentro de si mesmo, e se torna
eterno.
Ninguém pode se tornar um Salvador pleno dos homens nem simpatizar
perfeitamente com todos os sofrimentos humanos a menos que tenha enfrentado
e vencido a dor e o medo e a morte sozinho, salvo pela ajuda que tem do
Deus interior. É fácil sofrer quando existe uma consciência
ininterrupta entre o mais elevado e mais baixo; antes, não há
sofrimento enquanto esta consciência permanece intacta, pois a luz
do superior torna impossível a treva inferior, e a dor não
é dor quando suportada diante do sorriso de Deus. Existe um sofrimento
que os homens têm de enfrentar, quando a treva está na consciência
humana e nem um brilho de luz a atravessa; ele deve conhecer a dor do desespero
sentido pela alma humana quando há apenas sombras de todos os lados,
quando a consciência vacilante não consegue encontrar uma só
mão para apertar. Todo Filho do Homem desce a esta escuridão,
antes que se erga triunfante; esta é a mais amarga experiência
pela qual todo Cristo passa, antes que seja "capaz de levar a salvação
a termo para todos eles" (Hebreus, VII, 25) que procuram o Divino através
dele.
Um tal ser se tornou verdadeiramente divino, um Salvador de homens, e ele
assume o trabalho do mundo para o qual tudo aquilo foi uma preparação.
Nele devem penetrar todas as forças que trabalham contra o homem,
a fim de que elas possam ser transformadas em forças que ajudam.
Assim ele se torna um dos centros da Paz do mundo, que transmutam as forças
de combate que de outra forma poderiam aniquilar o homem. Pois os Cristos
do mundo são estes centros de Paz para onde afluem todas as forças
conflitantes, para serem transformadas lá dentro e então derramadas
de volta como forças que trabalham para a harmonia. Parte dos sofrimentos
do Cristo que ainda não está perfeito reside nesta harmonização
das forças discordes do mundo. Embora um Filho, ele ainda aprende
pelo sofrimento e assim é "tornado perfeito" (Hebreus,
V, 8-9). A humanidade estaria ainda mais cheia de combates e tomada de conflitos
não fosse pelos Cristos-discípulos vivendo em seu meio, e
harmonizando muitas das forças conflitantes em paz.
Quando se diz que o Cristo sofre "pelos homens", que Sua força
substitui sua fraqueza, Sua pureza substitui seus pecados, Sua sabedoria
substitui sua ignorância, se diz uma verdade, pois o Cristo se torna
uno com os homens para que eles compartilhem com Ele, e Ele com eles. Não
há nenhuma substituição deles por Ele, mas o que acontece
é Ele levar as suas vidas para a Sua, e derramar a Sua vida na deles.
Pois, tendo se alçado até os planos da unidade, Ele é
capaz de compartilhar tudo o que adquiriu, de dar tudo o que ganhou. Ficando
acima do plano de separatividade e olhando para baixo, para as almas ainda
imersas na separatividade. Ele pode alcançar a todas, embora elas
não possam alcançar umas às outras. A água pode
correr de cima para muitas pipas, estando elas abertas para o reservatório
enquanto permanecem fechadas umas para as outras, e assim Ele pode enviar
Sua vida para cada alma. Só é preciso uma condição
para que um Cristo possa compartilhar Sua força com um irmão
mais jovem: que na vida individual a consciência humana se abra para
o divino, se mostre receptiva para com a vida ofertada, e tome o dom livremente
derramado. Pois Deus é tão reverente para com aquele Espírito
que é Ele mesmo no homem que Ele não derramará um fluxo
de força e vida a menos que aquela alma o deseje receber. Deve haver
a abertura embaixo, assim como um eflúvio de cima, a receptividade
da natureza inferior, assim como a prontidão do superior para dar.
Este é o elo entre Cristo e o homem, isto é o que as igrejas
chamam de o "derramamento da graça divina", isto é
o que se quer dizer com a "fé" necessária para tornar
a graça eficaz. Como Giordano Bruno uma vez colocou - a alma humana
tem janelas, e pode deixar estas janelas fechadas. O sol lá fora
está brilhando, a luz é imutável; deixe as janelas
serem abertas e a luz do sol há de entrar. A luz de Deus está
batendo nas janelas de cada alma humana, e quando as janelas são
descerradas, a alma se torna iluminada. Não há mudança
em Deus, mas há uma mudança no homem, e a vontade humana não
pode ser forçada, senão a Vida divina nele teria sua devida
evolução bloqueada.
Assim, em cada Cristo que surge a humanidade é elevada a um passo
mais alto, e por Sua sabedoria a ignorância do mundo é diminuída.
Cada homem se torna menos fraco por causa da Sua força, que se derrama
sobre a humanidade e penetra na alma individual. Desta doutrina, vista estreitamente,
e assim mal interpretada, nasceu a idéia da Expiação
vicária como uma transação legal entre Deus e o homem,
na qual Jesus assumiu o lugar do pecador. Não foi entendido que Aquele
que atingira tal altitude se tornara verdadeiramente uno com todos os Seus
irmãos; a identidade de natureza foi mal tomada como uma substituição
pessoal, e assim a verdade espiritual foi perdida na rudimentaridade de
uma troca judicial.
"Então ele passa a conhecer o seu lugar no mundo, a sua função
na natureza - e ser um Salvador e fazer expiação pelos pecados
do povo. Ele está no Coração mais interno do mundo,
no Santo dos Santos, como Sumo Sacerdote da Humanidade. Ele é uno
com todos os seus irmãos, não através de uma substituição
vicária, mas através da unidade de uma vida comum. Alguém
é pecador? Ele é pecador nele, para que sua pureza possa purgá-lo.
Há alguém triste? Nele ele é o homem das tristezas;
todo coração partido parte o seu, em cada coração
lancinado o seu também é lancinado. Alguém rejubila?
Nele ele também rejubila. Alguém deseja? Nele ele sente a
carência, para que possa saciá-la com sua total satisfação.
Ele tem tudo, e porque é dele, é de todos. Ele é perfeito,
então todos são perfeitos com ele. Ele é forte; quem
então pode ser fraco, já que ele está em todos? Ele
subiu até seu alto lugar para que pudesse dar a todos abaixo de si,
e ele vive a fim de que todos possam partilhar de sua vida. Ele ergue todo
o mundo consigo quando se ergue, o caminho fica mais fácil para todos
os homens porque ele o trilhou.
"Todo filho do homem pode se tornar um Filho de Deus assim, um Salvador
do mundo. Em cada Filho destes "Deus está manifesto na carne"
(I Timóteo, III, 16), a expiação que auxilia toda a
humanidade, o poder vivo que renova todas as coisas. Só uma coisa
é necessária para trazer este poder à atividade em
qualquer alma individual: a alma deve abrir a porta e deixá-Lo entrar.
Mesmo Ele, em tudo presente, não pode forçar Seu caminho contra
a vontade de Seu irmão, a vontade humana deverá poder manter-se
tanto contra Deus como contra o homem, e pela lei da evolução
ela deve associar-se voluntariamente com a ação divina, e
não ser quebrada numa submissão compulsória. Que a
vontade abra a porta e a vida inundará a alma. Enquanto a porta estiver
fechada a vida só gentilmente emitirá através dela
sua indescritível fragrância, para que a doçura de tal
fragrância possa conquistar, pois a barreira não pode ser vencida
pela força.
"Isto é, em parte, ser um Cristo; mas como a pena mortal poderá
espelhar o imortal, ou as palavras mortais falar do que está além
do poder de dizer? A língua não pode falar, a mente não
iluminada não pode entender aquele mistério do Filho que se
tornou uno com o Pai, carregando em Seu seio os filhos dos homens"
(Annie Besant, Theosophical Review, dezembro de 1898, pp. 344-346).
Aqueles que vão se preparar para se elevar a uma tal vida no futuro
devem começar mesmo já a trilhar na vida inferior a senda
da Sombra da Cruz. Nem deveriam duvidar de seu poder de subir, pois duvidar
disto seria duvidar do Deus em seu interior. "Tende fé em vós
mesmos", é uma das lições que vem da visão
superior do homem, pois aquela fé é na realidade fé
no Deus interior. Existe um modo pelo qual a sombra da vida Crística
possa recair sobre a vida comum dos homens, e é fazendo todo ato
como sacrifício, não pelo que irá resultar para o que
o executa, mas pelo que trará para os outros, e, na vida diária
comum de pequenos deveres, ações pequenas, interesses estreitos,
através da mudança dos motivos, e assim mudando tudo. Nada
na vida externa precisa necessariamente ser alterado, em qualquer vida pode
ser ofertado um sacrifício, Deus pode ser servido em qualquer ambiente.
Desenvolver a espiritualidade é assinalado não pelo que o
homem faz, mas pelo modo que o faz; a oportunidade de crescimento reside
não nas circunstâncias, mas na atitude do homem para com elas.
"E em verdade este símbolo da cruz pode ser para nós
uma pedra de toque para distinguir o bem do mal em muitas das dificuldades
da vida. 'Só aquelas ações através das quais
brilhe a luz da cruz são dignas da vida do discípulo', diz
um verso em um livro de preceitos ocultos, e isto é interpretado
como que tudo o que o aspirante faz deveria ser dinamizado pelo fervor do
amor auto-sacrificante. O mesmo pensamento aparece em um verso mais adiante:
'Quando alguém entra na senda, coloca seu coração sobre
a cruz; quando a cruz e o coração se tornarem um só,
então ele atingiu a meta'. Assim, talvez, possamos medir nosso progresso
observando se o que domina em nossas vidas é o egoísmo ou
o auto-sacrifício" (C.W.Leadbeater, The Christian Creed, pp.
61-62).
Toda vida que começa a se modelar deste modo está preparando
a gruta onde o Cristo Infante deverá nascer, e a vida se tornará
uma constante unificação [at-one-ment, no original; novamente
se reproduz o jogo de palavras citado antes entre atonement e at-one-ment
- NT], trazendo o divino mais e mais para dentro do humano. Toda vida semelhante
de desenvolverá na vida de um "Filho bem-amado" e terá
em si a glória do Cristo. Todos os homens podem trabalhar nesta direção
fazendo de cada ato e de cada poder um sacrifício, até que
o ouro seja separado da escória, e só reste o minério
puro.
CAPÍTULO VIII
Ressurreição e Ascensão
As doutrinas da Ressurreição e da Ascensão de Cristo
também formam parte dos Mistérios Menores, sendo partes integrais
do "Mito Solar" e da história de vida do Cristo no homem.
A respeito do próprio Cristo elas têm sua base histórica
nos fatos de Ele ter continuado a ensinar Seus apóstolos depois de
Sua morte física, em Suas aparições nos Grandes Mistérios
como Hierofante depois que Sua instrução direta cessou, até
que Jesus assumiu Seu lugar. Nas lendas míticas a ressurreição
do herói e sua glorificação invariavelmente formam
a conclusão de suas história de morte, e nos Mistérios,
o corpo do candidato sempre era lançado em um transe semelhante à
morte, durante o qual ele, como uma alma liberta, viajava pelo mundo invisível,
retornando e revivendo o corpo depois de três dias. E na história
de vida de um indivíduo que está se tornando um Cristo, veremos,
à medida que estudarmos, que os dramas da Ressurreição
e da Ascensão se repetem.
Mas antes que possamos seguir esta história inteligentemente, devemos
dominar o básico a respeito da constituição humana,
e entender os corpos natural e espiritual do homem. "Existe um corpo
natural, e existe um corpo espiritual" (I Coríntios, XV, 44).
Ainda existem pessoas incultas que consideram o homem como uma mera dualidade,
feito de "alma" e "corpo". Estas pessoas usam as palavras
"alma" e "espírito" como sinônimos, e falam
indiferentemente "alma e corpo" ou "espírito e corpo",
querendo dizer que o homem é composto de dois constituintes, um dos
quais perece na morte, enquanto que o outro sobrevive. Para os simples e
ignorantes esta divisão tosca é suficiente, mas ela não
vai nos capacitar a entender os mistérios da Ressurreição
e da Ascensão.
Todo Cristão que fez mesmo um estudo superficial da constituição
humana reconhece nela três constituintes - Espírito, Alma e
Corpo. Esta divisão é boa, embora necessite de subdivisões
adicionais para o estudo mais aprofundado, e foi usada por São Paulo
em sua oração para que "vossos espíritos e almas
e corpos sejam preservados irreprováveis" (I Tessalonicenses,
V, 23). Esta divisão tríplice é aceita na Teologia
Cristã.
O Espírito é na realidade uma Trindade, o reflexo e imagem
da Trindade Suprema, e isto estudaremos no capítulo seguinte, "A
Trindade". O homem real, o imortal, é o Espírito, a Trindade
no homem. Ela é vida e consciência, e a ela pertence o corpo
espiritual, cada aspecto da Trindade tendo seu próprio Corpo. A Alma
é dual, e compreende a mente e a natureza emocional, com seus invólucros
apropriados. E o corpo é o instrumento material do espírito
e da Alma. De um ponto de vista Cristão sobre o homem ele seria um
ser dodécuplo, com seis modificações perfazendo o homem
espiritual, e seis outras o homem natural; de acordo com outro ponto de
vista, ele seria divisível em quatorze partes, sete modificações
da consciência e sete tipos de forma correspondentes. Esta concepção
é praticamente idêntica àquela estudada nos Mistérios,
e usualmente é chamada de sétupla, porque existem realmente
sete divisões, cada uma sendo dupla, com um aspecto vida e um aspecto
forma.
Estas divisões e subdivisões deixam o de mente simples um
pouco confusos e perplexos, e é por isso que Orígenes e Clemente,
como vimos antes, enfatizaram tanto a necessidade de inteligência
de parte de todos os que quisessem se tornar Gnósticos. Enfim, aqueles
que as considerarem problemáticas podem deixá-las de lado,
sem tirá-las dos estudantes dedicados, que as consideram não
só iluminadoras, mas absolutamente necessárias para qualquer
entendimento dos Mistérios da Vida e do Homem.
A palavra Corpo significa um veículo de consciência, ou um
instrumento de consciência, aquilo onde a consciência é
levada como num carro, ou aquilo que a consciência usa para entrar
em contato com o mundo externo, como um mecânico usa uma ferramenta.
Ou, podemos compará-lo a um vaso onde está contida a consciência,
assim como uma jarra contém líquido. Ele é uma forma
usada por uma vida, e não sabemos nada da consciência salvo
quando ligada a estas formas. A forma pode ser de materiais mais refinados
ou sutis, pode ser tão diáfana que só nos damos conta
da vida em seu interior; mas a forma ainda está lá, e é
composta de Matéria. Pode ser tão densa que oculta a vida
interna, e só ficamos conscientes da forma; ainda assim a vida está
lá, e é composta do oposto da Matéria - o Espírito.
O estudante deve estudar e repassar este fato fundamental - a dualidade
de toda existência manifesta, a inseparável coexistência
de Espírito e Matéria tanto em um grão de pó
como no Logos, o Deus manifesto. A idéia deve se tornar parte dele,
doutra forma ele deve abandonar os estudos dos Mistérios Menores.
O Cristo, como Deus e Homem, só demonstra em escala cósmica
o mesmo fato dual que é repetido em toda parte na natureza. Tudo
no universo é formado em cima desta dualidade original.
O homem tem um "corpo natural", e ele é constituído
de quatro porções diferentes e separadas, e é sujeito
à morte. Duas delas são compostas de matéria física,
e jamais se separam completamente entre si até a morte, embora uma
separação parcial possa ser causada pela anestesia ou por
doença. Estas duas devem ser classificadas juntas como sendo o Corpo
Físico. Neste o homem desempenha suas atividades conscientes enquanto
está acordado; falando tecnicamente, ele é o veículo
da consciência no mundo físico.
A terceira porção é o seu Corpo de Desejos, chamado
assim porque a natureza sentimental e passional do homem encontra nele seu
veículo especial. Durante o sono o homem deixa o corpo físico,
e desenvolve suas atividades conscientes neste outro, que atua no mundo
invisível mais próximo da nossa Terra visível. Ele
é portanto seu veículo de consciência no mais baixo
dos mundos suprafísicos, que também é o primeiro mundo
para o qual o homem passa ao morrer.
A quarta porção é o Corpo Mental, assim chamado porque
a natureza intelectual do homem, até onde lida com o concreto, atua
nele. Ele é o veículo da consciência no segundo dos
mundos suprafísicos, que também é o segundo, ou mundo
celeste inferior, ao qual o homem passa depois da morte, quando liberto
do mundo mencionado no parágrafo anterior.
Esta quatro porções de sua forma, constituídas do corpo
físico dual, do corpo de desejos e do corpo mental, formam o corpo
natural de que fala São Paulo.
Esta análise científica caiu fora do ensino Cristão
usual, o qual é vago e confuso neste ponto. Não que as igrejas
jamais o tenham possuído; ao contrário, este conhecimento
da constituição do homem formava parte dos ensinamentos dos
Mistérios Menores; a divisão simples em Espírito, Alma
e Corpo era exotérica, a primeira e mais rudimentar divisão
dada como fundamento. A subdivisão a respeito do "Corpo"
era feita no curso da instrução posterior, como preliminar
ao treinamento pelo qual o Instrutor habilitava o discípulo a separar
um veículo de outro, e usar cada um como veículo de consciência
em seu domínio apropriado.
Esta concepção deveria ser bem compreendida. Se um homem deseja
viajar na Terra sólida, ele usa como seu veículo um carro
ou trem. Se ele quer viajar sobre os líquidos mares, toma um navio.
Se quer viajar no ar, ele muda seu veículo e usa um avião.
Ele é o mesmo homem em todas as ocasiões, mas está
usando três veículos diferentes, de acordo com o tipo de matéria
em que deseje viajar. A analogia é primária e inadequada,
mas não é enganosa. Quando um homem está ocupado no
mundo físico, seu veículo é o corpo físico,
e sua consciência atua em e através deste corpo. Quando ele
passa para o mundo além do físico, durante o sono ou na morte,
seu veículo é o corpo de desejos, e ele deve aprender a usá-lo
conscientemente, assim como ele usa o físico conscientemente. Ele
já o usa inconscientemente todos os dias de sua vida quando está
sentindo e desejando, assim como em cada noite de sua vida. Quando ele vai
para o mundo celeste depois da morte, seu veículo é o corpo
mental, e este ele também está usando diariamente quando pensa,
e não haveria nenhum pensamento no cérebro se eles não
existissem no corpo mental.
O homem tem além disso um "corpo espiritual". Este é
feito de três porções separáveis, cada uma pertencendo
a, e separado de, cada uma das três Pessoas na Trindade do espírito
humano. São Paulo fala de ter sido "levado até o terceiro
céu", e de lá ter ouvido "palavras impronunciáveis
que não é lícito a um homem pronunciar" (II Coríntios,
XII, 2-4). Estas diferentes regiões dos mundos invisíveis
supernos são conhecidas pelos Iniciados, e eles sabem muito bem que
aqueles que passam além do primeiro céu precisam do corpo
verdadeiramente espiritual como veículo, e que de acordo com o seu
desenvolvimento poderão entrar em um céu ou noutro.
A mais baixa destas três divisões é usualmente chamada
de Corpo Causal, por uma razão de que só será totalmente
assimilada por aqueles que estudaram o ensinamento sobre a Reencarnação
- ensinada na Igreja Primitiva - e por aqueles que entenderem que a evolução
humana precisa de muitas vidas sucessivas sobre a Terra, antes que a alma
germinal do selvagem se torne a alma aperfeiçoada do Cristo, e então,
se torne "perfeito como seu Pai no céu é perfeito"
(Mateus, V, 48). É um corpo que perdura de vida para vida, e no qual
está armazenada toda a memória do passado. Dele procedem as
causas que constróem os corpos inferiores. Ele é o receptáculo
da experiência humana, a casa do tesouro na qual é guardado
tudo o que reunimos em nossas vidas, é a séde da Consciência,
o possuidor da Vontade.
A segunda das três divisões do corpo espiritual é mencionada
por São Paulo nas significativas palavras: "Temos uma morada
feita por Deus, uma casa que não foi feita pelas mãos, eterna,
nos céus" (II Coríntios, V, 1). Este é o Corpo
de Bem-aventurança, o corpo glorificado do Cristo, o "Corpo
da Ressurreição". Não é um corpo "feito
pelas mãos", mas é obra da consciência nos veículos
inferiores; não é formado pela experiência, nem construído
por materiais reunidos pelo homem em sua longa peregrinação.
É um corpo que pertence à vida Crística, a vida da
Iniciação, ao desabrochar divino no homem; é construído
por Deus, pela atividade do Espírito, e cresce durante todo o ciclo
de vida ou vidas do Iniciado, atingindo sua perfeição só
na "Ressurreição".
A terceira divisão do corpo espiritual é a fina película
de matéria sutil que distingue o Espírito individual como
um Ser, embora permita a interpenetração de todos por todos,
e seja assim a expressão da unidade fundamental. No dia em que o
próprio Filho for "sujeito Àquele que sujeitou todas
as coisas, para que Deus possa ser tudo em todos" (I Coríntios,
XV, 28), este corpo será transcendido, mas para nós ele permanece
como a mais alta divisão do corpo espiritual, no qual ascendemos
até o Pai, e nos unificamos a Ele.
O Cristianismo sempre reconheceu a existência de três mundos,
pelos quais passa o homem: primeiro, o mundo físico; segundo, um
estado indeterminado ao qual passa por ocasião da morte; terceiro,
o mundo celeste. Todos os Cristãos educados acreditam nestes três
mundos; só o inculto imagina que um homem passe de seu leito de morte
diretamente para o estado final de beatitude. Mas existe algumas diferenças
de opinião a respeito da natureza do mundo intermediário.
Os Católicos Romanos o chamam de Purgatório, e crêem
que toda alma passe a ele, exceto a do Santo, o homem que atingiu a perfeição,
ou a do homem que morra em "pecado mortal". A grande massa da
humanidade passa para uma região purificadora, onde o homem permanece
por um período variável de acordo com os pecados que cometeu,
só saindo dele para o mundo celeste quando se tornou puro. As várias
comunidades que são chamadas de Protestantes variam em seus ensinamentos
a respeito de detalhes, e principalmente repudiam a idéia de purificação
post-mortem, mas em linhas gerais eles concordam que haja um estado intermédio,
algumas vezes chamado de "Paraíso", ou de "período
de espera". O mundo celeste é quase universalmente considerado,
no Cristianismo, um estado final, sem alguma idéia muito definida
ou genérica sobre sua natureza, ou sobre a condição
progressiva ou estacionária daqueles que o alcançam. No Cristianismo
primitivo este céu era considerado, como o é realmente, uma
etapa no progresso da alma, sendo ensinadas muito geralmente a preexistência
da alma e a reencarnação. O resultado era (considerar-se)
que o estado celeste fosse uma condição temporária,
embora geralmente muito prolongada, durando "uma era" - como falado
no grego do Novo Testamento, terminando a era com a volta do homem para
o próximo estágio de sua vida e progresso contínuos
- e não durando "eternamente", como se fala na má
tradução da versão inglesa autorizada [e mesmo das
portuguesas - NT] (esta má tradução foi algo natural,
uma vez que foi realizada no século XVII, e toda idéia da
preexistência da alma e de sua evolução há muito
tempo havia desaparecido da Cristandade, exceto nos ensinamentos de poucas
seitas consideradas como heréticas e perseguidas pela Igreja Católica
Romana).
A fim de completar o esboço necessário para a compreensão
da Ressurreição e da Ascensão, devemos agora averiguar
como estes vários corpos se desenvolvem na evolução
superior.
O corpo físico está em um estado de constante fluxo, suas
partículas infinitesimais estão sendo continuamente renovadas,
de modo que ele está sempre em construção; e como ele
se compõe daquilo que comemos, dos líquidos que bebemos, do
ar que respiramos e de partículas de nosso ambiente físico,
seja de coisas ou pessoas, podemos progressivamente purificá-lo escolhendo
bem seus componentes, e assim tornando-o um veículo sempre mais puro
através do qual agiremos, receptivo a vibrações mais
sutis, responsivo a desejos mais puros, a pensamentos mais nobres e elevados.
Por esta razão todos os que aspiravam chegar aos Mistérios
eram submetidos a regras de dieta, abluções, etc, e se desejava
que fossem muito cuidadosos sobre as pessoas com que se associavam e os
lugares aonde iam.
O corpo de desejos também muda de modo semelhante, mas os seus materiais
são expelidos e atraídos pelo movimento dos desejos, dos sentimentos,
paixões e emoções. Se estes forem grosseiros, os materiais
acrescentados ao corpo de desejos serão também grosseiros,
enquanto que se forem purificados, o corpo de desejos se tornará
sutil e muito sensível às influências superiores. À
medida em que um homem domine sua natureza inferior e se torne altruísta
em seus desejos, sentimentos e emoções, à medida em
que tornar seu amor pelos que o cercam menos egoísta e exigente,
ele estará purificando seu veículo superior de consciência;
o resultado é que quando fora do corpo durante o sono ele tem experiências
mais elevadas, puras e instrutivas, e quando abandona seu corpo físico
pela morte ele passa rapidamente pelo estado intermédio, e o corpo
de desejos se desintegra com grande rapidez, e não o atrasa em sua
jornada para diante.
O corpo mental está similarmente sendo construído neste caso
pelos pensamentos, ele será o veículo da consciência
no mundo celeste, mas está sendo construído agora pelas aspirações,
pela imaginação, razão, julgamento, faculdades artísticas,
pelo uso de todos os poderes mentais. Do modo como o homem o tiver feito
deverá usá-lo, e a duração e riqueza de seu
estado celeste depende do tipo de corpo mental que construiu em sua vida
terrena.
Quando um homem entra na evolução superior, este corpo inicia
uma atividade independente deste lado da morte, e ele gradualmente se torna
consciente de sua vida celeste, mesmo em meio ao tumulto da existência
humana. Então ele se torna "o Filho do homem que está
no céu" (João, III, 13) que pode falar com a autoridade
do conhecimento das coisas celestes. Quando um homem começa a viver
a vida do Filho, tendo passado pela Senda de Santidade, ele vive no Céu
enquanto ainda permanece na Terra, passando a possuir e usar conscientemente
este corpo celestial. E porquanto o Céu não esteja longe de
nós, mas nos rodeia de todos os lados, e só estamos afastados
dele por nossa incapacidade de sentir suas vibrações e não
por sua ausência; porquanto estas vibrações estejam
atuando em nós todos os momentos de nossas vidas, tudo o que é
necessário para estar no Céu é se tornar consciente
das suas vibrações. Nós nos tornamos conscientes delas
com a vitalização, organização e evolução
deste corpo celestial, o qual, sendo construído de materiais celestiais,
só responde às vibrações de matéria do
mundo celeste. Por isso o "Filho do homem" está sempre
no Céu. Mas sabemos que "Filho do homem" é um termo
aplicado ao Iniciado, e não ao Cristo ressurrecto e glorificado,
mas ao Filho que ainda está "sendo tornado perfeito" (Hebreus,
V, 9).
Durante os estágios da evolução que conduzem para e
incluem a Senda Probacionária, a primeira divisão do corpo
espiritual - o Corpo Causal - se desenvolve rapidamente, e capacita o homem,
após a morte, ascender ao segundo Céu. depois do Segundo Nascimento,
o nascimento do Cristo no homem, começa a construção
do Corpo de Bem-aventurança "nos Céus". Este á
o corpo do Cristo, desenvolvendo-se durante os dias de Seu serviço
na Terra, e, à medida em que se desenvolve. A consciência do
"Filho de Deus" se torna mais e mais acentuada, e a união
vindoura com o Pai ilumina o Espírito que desabrocha.
Nos Mistérios Cristãos - assim como nos antigos Egípcios,
Caldeus e outros - havia um simbolismo exterior que expressava os estágios
pelos quais o homem estava passando. Ele era levada para a Câmara
da Iniciação, e era estendido no chão com seus braços
abertos, algumas vezes sobre uma cruz de madeira, algumas vezes apenas sobre
o chão de pedra, numa postura de crucificado. Então ele era
tocado com o tirso no coração - a "lança"
da crucificação - e, deixando o corpo, passava para os mundos
além, caindo o corpo em um profundo transe, a morte do crucificado.
O corpo era colocado em um sarcófago de pedra e deixado lá,
guardado cuidadosamente. Enquanto isso o próprio homem estava pela
primeira vez explorando as regiões obscuras chamadas de "o coração
da Terra", e depois ia até a montanha celeste, onde era colocado
em seu Corpo de Bem-aventurança aperfeiçoado, agora plenamente
organizado como veículo de consciência. Neste corpo ele voltava
ao corpo de carne, para reanimá-lo. A cruz que sustentava aquele
corpo, ou o corpo rígido e em transe, se não fora usada uma
cruz, era tirado do sarcófago e colocado em uma rampa com a face
para o leste, pronto para o nascimento do sol no terceiro dia. No momento
em que os raios do sol tocavam sua face, o Cristo, o Iniciado perfeito ou
Mestre, entrava novamente no corpo de carne, glorificando-o com o corpo
de beatitude que estava usando, mudando o corpo de carne através
de seu contato com o corpo de beatitude, dando-lhe novas propriedades, novos
poderes, novas capacidades, transmutando-o à Sua própria semelhança.
Esta era a Ressurreição do Cristo, e depois disto o próprio
corpo de carne era modificado, e assumia uma outra natureza.
Este é o motivo de o sol ter sido sempre tomado como símbolo
do Cristo ressurrecto, e o porquê de, nos hinos pascais, haver constante
referência ao nascer do Sol da Justiça. O mesmo é escrito
sobre o Cristo triunfante: "Eu sou aquele que vivia e morreu; mas vêde,
eu vivo para sempre, amém; e tenho as chaves do inferno e da morte"
(Apocalipse, I, 18). Todos os poderes dos mundos inferiores foram dominados
pelo Filho, que triunfou gloriosamente; a morte já não tem
poder sobre Ele, "Ele tem a vida e a morte em Sua mão poderosa"
(H.P.Blavatsky, The Voice of the Silence, p. 90, 5ª ed.). Ele é
o Cristo ressuscitado, o Cristo triunfante.
A Ascensão do Cristo era o Mistério da terceira porção
do corpo espiritual, a investidura de uma Túnica de Glória,
preparatória para a união do Filho com o Pai, quando o Espírito
adentrava novamente a glória que tinha "antes que o mundo existisse"
(Apocalipse, XVII, 5). Então o Espírito trino se tornava uno,
sabia-se eterno, e encontrava o Deus oculto. Isto é o que é
desenhado da doutrina da Ascensão, até onde interessa ao indivíduo.
A Ascensão para a Humanidade será quando toda a raça
tiver atingido a condição Crística, o estado de Filho,
e quando o Filho se tornar uno com o Pai, e Deus for tudo em todos. Esta
é a meta, prefigurada no triunfo do Iniciado, mas atingida somente
quando a raça humana estiver perfeita, e quando "a grande órfã
Humanidade" já não for mais órfã, mas reconhecer-se
conscientemente como Filha de Deus.
Estudando assim as doutrinas da Expiação, da Ressurreição
e da Ascensão, chegamos às verdades desveladas correlatas
existentes nos Mistérios Menores, e começamos a entender a
plena verdade do ensino apostólico de que Cristo não foi uma
personalidade única, mas "as primícias dentre os que
dormem" (I Coríntios, XV, 20), e que todo homem há de
se tornar um Cristo. Tampouco o Cristo era considerado um Salvador externo,
por cuja reputada justiça os homens se veriam livres da ira divina.
Era corrente na Igreja o ensino glorioso e inspirador de que Ele era apenas
os primeiros frutos da humanidade, o modelo que todo homem deveria reproduzir
em si mesmo, a vida que todos deveria partilhar. Os Iniciados sempre forma
considerados como alguns destes primeiros frutos, a promessa de uma raça
tornada perfeita. Para os primeiros Cristãos, Cristo era o símbolo
vivente de sua própria divindade, o fruto glorioso da semente que
traziam em seu próprio coração. O ensinamento Cristão
nos Mistérios Menores era não o de sermos salvos por um Cristo
externo, mas sermos glorificados em um Cristo interior. A etapa do discipulado
devia dar lugar à da Filiação. A vida do Filho devia
ser vivida entre os homens até que fosse encerrada pela Ressurreição,
e o Cristo glorificado se tornasse um dos Salvadores Perfeitos do mundo.
Um Evangelho bem maior do que o dos dias de hoje! Colocado ao lado do grandioso
ideal do cristianismo esotérico, o ensinamento exotérico das
igrejas parece realmente estreito e pobre.
CAPÍTULO IX
A Trindade
Todo estudo frutífero sobre a Existência Divina deve iniciar
da afirmação de que ela é Única. Todos os sábios
assim a proclamaram; todas as religiões assim a afirmaram; todas
as filosofias assim a estabelecem - "Uma, sem outra" (Chhândogyopanishat,
VI, II, 17). "Ouve, oh Israel!" gritou Moisés, "O
Senhor nosso Deus é Um só" (Deuteronômio, VI, 4).
"Para nós só existe um Deus" (I Coríntios,
VIII, 6), declara São Paulo. "Não existe outro Deus além
de Deus", afirma o fundador do Islã, e faz desta frase o símbolo
de sua fé. Uma única Existência ilimitada, conhecida
em sua completude apenas por Si mesma [deste ponto em diante a autora faz
uso da designação It para Deus, o pronome pessoal neutro do
inglês, que não tem correspondente em português, onde
só temos Ele ou Ela. Por isso continuamos a usar Ele ou Ela, conforme
a frase se construa empregando o masculino Deus ou o feminino Divindade
ou Deidade - NT]. Ela é a Treva Eterna, de onde nasce a Luz.
Mas como Deus Manifesto, o Uno aparece como Trino. Uma Trindade de Seres
Divinos, Unos como Deus, Três como Poderes manifestos. Isto também
sempre foi declarado, e esta verdade é tão vital em sua relação
com o homem e sua evolução que ele sempre forma uma parte
essencial nos Mistérios Menores.
Entre os Hebreus, em conseqüência de suas tendências antropomorfizantes,
a doutrina foi mantida em segredo, mas os Rabbis estudavam e adoravam o
Ancião dos Dias, de quem veio a Sabedoria, de quem veio o Entendimento
- Kether, Chokmah, Binah, estes três formavam a Suprema Trindade,
o raio do Uno fora do tempo. O Livro da Sabedoria de Salomão se refere
a este ensinamento, fazendo da Sabedoria um Ser. "De acordo com Maurice,
'O primeiro Sephira, denominado Kether, a Coroa, Kadmon, a Pura Luz, e En
Soph, o Infinito, é o Pai onipotente do universo [um erro: En ou
Ain Soph não faz parte da Trindade, mas é a Existência
Una, manifesta nos Três; tampouco Kadmon, ou Adam Kadmon, é
um dos Sephira, mas sim sua totalidade]... O segundo é Chokmah, a
quem já provamos suficientemente, tanto com os escritos sacros como
com os Rabínicos, ser a Sabedoria criativa. O terceiro é Binah,
ou Inteligência celeste, de onde os Egípcios têm seu
Cneph, e Platão seu Nous Demiurgos. Ele é o Espírito
Santo que... penetra, anima e governa este Universo ilimitado" (Citado
em Williamson, The Great Law, pp. 201-202).
A continuidade desta doutrina no ensinamento Cristão é indicada
pelo Deão Milman em sua History of Christianity. Ele diz: "Este
Ser (a Palavra, o Verbo ou a Sabedoria) era mais ou menos enfaticamente
personalizado, de acordo com as noções mais populares ou mais
filosóficas, mais materiais ou mais abstratas prevalecentes na época
ou povo em questão. Este era a doutrina desde o Ganges, ou mesmo
as margens do Rio Amarelo, até o Ilissus; foi o princípio
fundamental da religião e filosofia Indianas; foi a base do Zoroastrianismo;
era puro Platonismo; foi o Judaísmo Platônico da Escola de
Alexandria. Muitas passagens excelentes podem ser retiradas de Filóstrato
sobre a impossibilidade de o Ser auto-existente antes de todos possa ser
conhecido pelos sentidos humanos; e mesmo na Palestina, sem dúvida,
João Batista e o próprio Nosso Senhor não propagaram
nenhuma doutrina nova, mas antes o sentimento comum dos mais iluminados,
quando declararam 'que nenhum homem jamais viu a Deus'. Em conformidade
com este princípio, os Judeus, na interpretação das
antigas Escrituras, em vez de uma comunicação direta e sensível
com a grande Deidade única, interpuseram um ou mais seres intermediários
como canais de comunicação. De acordo com uma tradição
acreditada, citada por Santo Estêvão, a lei era dada 'através
dos anjos'; de acordo com outra, este ofício era delegado a um único
anjo, algumas vezes chamado de Anjo da Lei (Gálatas, III, 19); em
outras, de Metatron. Mas o representante mais comum de Deus ante os sentidos
e mente humanos era Memra, ou a Palavra Divina; e é notável
que o mesmo vocativo seja encontrado nos sistemas Indiano, Persa, Platônico
e Alexandrino. Este termo já havia sido aplicado ao Messias pelos
Targumistas, os primeiros comentadores Judeus das Escrituras; nem é
preciso observar o modo como foi santificado pela sua introdução
no esquema Cristão" (H.H.Milman, The History os Christianity,
1867, pp. 10-12).
Como disse o erudito Deão, a idéia da Palavra era universal,
e formava parte da idéia de uma Trindade. Entre os Hindus, os filósofos
falam do Brahma manifesto como Sat-Chit-Ananda - Existência-Inteligência
e Beatitude. Popularmente, Deus é uma Trindade: Shiva, o Início
e o Fim; Vishnu, o Preservador; e Brahmâ, o Criador do Universo. A
fé Zoroastriana apresenta uma Trindade semelhante: Ahuramazdao, o
Grande Ser, o Primeiro; depois os "gêmeos", a Segunda Pessoa
dual - pois a Segunda Pessoa numa Trindade sempre é dual, degradada
em nossos dias em uma oposição entre Deus e Diabo - e a Sabedoria
Universal, Armaiti. No Budismo do Norte encontramos Amitabhâ, a Luz
ilimitada; Avalokiteshvara, a fonte das encarnações, e a Mente
Universal, Mandjusri. No Budismo do Sul a idéia de Deus se desvaneceu,
mas com significativa tenacidade a triplicidade reaparece como aquilo onde
os Budistas procuram seu refúgio - o Buddha, o Dharma (a Doutrina)
e o Sangha (a Ordem). Mas mesmo o Buda ás vezes é adorado
como uma Trindade; em uma pedra em Buddha Gaya está inscrita uma
saudação a Ele como sendo uma encarnação do
Um Eterno, e é dito: "Om! Tu és Brahma, Vishnu e Mahesha
(Shiva)... Eu Te adoro, Tu que és celebrado com milhares de nomes
e sob várias formas, como Buda, o Deus da Misericórdia"
(Asiatic Researches, I, 285).
Em religiões extintas é encontrada a mesma idéia de
uma Trindade. No Egito ela dominava todo o culto religioso. "Temos
uma inscrição hieroglífica no Museu Britânico
tão antiga como o reino de Senechus do século VIII aC, mostrando
que a doutrina da Trindade na Unidade já formava parte de sua religião"
(S.Sharpe, Egyptian Mythology and Egyptian Christology, p. 14). Ela é
verdadeira mesmo para uma data mais antiga. Rá, Osíris e Hórus
formavam uma Trindade largamente cultuada; Osíris, Ísis e
Hórus eram adorados em Abydos; outros nomes foram dados em cidades
diferentes, e o triângulo é freqüentemente usado como
símbolo do Deus Triuno. A idéia que subjaz a estas Trindades,
seja o nome que tiverem, é demonstrada em uma passagem citada de
Marutho, na qual um oráculo, censurando o orgulho de Alexandre o
Grande, fala: "Primeiro Deus, depois a Palavra, e com Eles o Espírito"
(Williamson, The Great Law, p. 196).
Na Caldéia, Anu, Ea e Bel eram a Trindade Suprema, sendo Anu a Origem
de tudo, Ea a sabedoria, e Bel o Espírito criativo. Sobre a China,
Williamson assinala: "Na antiga China os imperadores costumavam sacrificar
cada terceiro ano 'Àquele que é um em três'. Existe
um ditado chinês que diz: 'Pois é uma pessoa mas tem três
formas'... No elevado sistema conhecido na China como Taoísmo, também
figura uma Trindade: "A Razão Eterna produziu o Um, o Um produziu
o Dois, o Dois produziu o Três, e o Três produziu todas as coisas',
o que, como Le Compte se adianta para dizer, parece mostrar que eles tinham
alguma conhecimento da 'Trindade' " (loc. cit., pp. 208-209).
Na doutrina Cristã sobre a Trindade encontramos uma completa concordância
com outros credos sobre as funções das três Pessoas
Divinas, derivando o termo Pessoa de Persona, máscara, aquilo que
encobre algo, a máscara da Existência Única, Sua Auto-revelação
sob uma forma. O Pai é a Origem e Fim de tudo; o Filho é dual
em Sua natureza, e é o Verbo, ou Sabedoria; o Espírito Santo
é a inteligência criativa, aquele que velando sobre o caos
de matéria primordial a organiza em materiais dos quais as formas
podem ser construídas.
É esta identidade de funções sob tão variados
nomes que demonstra que aqui temos não uma mera semelhança
externa, mas a expressão de uma verdade interna. Existe alguma coisa
da qual esta triplicidade é uma manifestação, alguma
coisa que pode ser detectada na natureza e na evolução, e
a qual, sendo reconhecida, torna inteligível o crescimento do homem,
os estágios de sua vida em evolução. Além disso,
descobrimos que na linguagem universal do simbolismo as Pessoas são
distinguidas por certos emblemas, e podem ser reconhecidas por eles sob
diversas formas e nomes.
Mas existe um outro ponto que deve ser lembrado antes que deixemos as declarações
exotéricas sobre a Trindade - que em conexão com todas estas
Trindades há uma quarta manifestação fundamental, o
Poder de Deus, e isto tem sempre uma forma feminina. No Hinduísmo
cada Pessoa na Trindade tem Seu Poder manifesto, o Um e os seis aspectos
constituindo o Sete sagrado. Em muitas das Trindades aparece uma forma feminina,
sempre então ligada à Segunda Pessoa, e então temos
o sagrado Quaternário.
Vejamos agora a verdade interna.
O Um se torna manifesto como o Primeiro Ser, o Senhor Auto-existente, a
Raiz de tudo, o Pai Supremo; a palavra Vontade, ou Poder, parece melhor
expressar esta Auto-revelação primária, pois antes
que haja uma Vontade de manifestar não pode haver manifestação
alguma, e antes que esta Vontade se manifeste o impulso carece de desdobramento
posterior. Pode-se dizer do universo que está enraizado na Vontade
divina. Então segue-se o segundo aspecto do Um - a Sabedoria; o Poder
é guiado pela Sabedoria, e daí é que está escrito
que "sem Ela nada do que existe poderia existir" (João,
I, 3). A Sabedoria é dual em sua natureza, como logo veremos. Quando
os aspectos de Vontade e Sabedoria são desvelados, deve seguir-se
um terceiro aspecto para torná-los efetivos - a Inteligência
Criativa, a mente divina em Ação. Um profeta Judeu escreve:
"Ele fez a Terra por Seu poder, Ele estabeleceu o mundo por Sua Sabedoria,
e estendeu os Céus por Seu Entendimento" (Jeremias, II, 15),
sendo bem clara a referência às três funções.
Estes Três são inseparáveis, indivisíveis, três
aspectos do Uno. Suas funções podem ser analisadas em separado,
a bem da clareza, mas não podem ser desvinculadas entre si. Cada
uma é necessária às outras, e cada uma está
presente nas outras. No Primeiro Ser, a Vontade, Poder, é vista como
predominante, como característica, mas a Sabedoria e Ação
Criativa também estão presentes; no Segundo Ser, a Sabedoria
é vista predominar, mas o Poder e a Ação Criativa não
obstante lhe são inerentes; no Terceiro Ser, a Ação
criativa é vista como predominante, mas o Poder e a Sabedoria também
serão vistos. E embora estas palavras Primeiro, Segundo e Terceiro
sejam usadas porque os Seres se manifestam no Tempo, a fim de Se autodesdobrarem,
mesmo assim na Eternidade elas são vistas como interdependentes e
co-iguais, "Nenhuma é maior ou menor que Outra" (Credo
de Atanásio).
Esta Trindade é o Eu divino, o Espírito divino, o deus manifesto,
Ele que "era, é e será" (Apocalipse, IV, 8), e Ela
é a raiz da triplicidade fundamental na vida, na consciência.
Mas vimos que há uma Quarta Pessoa, ou em algumas religiões
uma segunda Trindade, feminina, a Mãe. É Aquela que torna
a manifestação possível, Aquela que eternamente no
Uno é a raiz da limitação e da divisão, e que,
quando manifesta, é chamada de Matéria. Ela é o Não-Eu
divino, a Matéria divina, a natureza manifesta. Considerada no Uno,
Ela é o Quarto, que torna possível a atividade dos Três,
como Campo para Suas atuações por virtude de Sua infinita
divisibilidade, ao mesmo tempo a "Donzela do Senhor" (Lucas, I,
38) e Sua Mãe, dando de Sua substância para formar Seu Corpo,
o universo, quando infusa de Seu poder (Ibid., 35). Considerada cuidadosamente
Ela também é vista como uma triplicidade, existindo em três
aspectos separados, sem os quais Ela não poderia existir. São
eles: Estabilidade (inércia ou resistência), Movimento, e Ritmo;
estas são chamadas as qualidades fundamentais da matéria.
Só elas tornam efetivo o Espírito, e portanto têm sido
consideradas como um reflexo dos Poderes da Trindade. A Estabilidade ou
Inércia provê uma base, um fulcro para a alavanca; o Movimento
então se torna manifesto, mas só poderia produzir caos; então
é imposto o Ritmo, e eis a Matéria em vibração,
capaz de ser modelada e conformada. Quando as três qualidades estão
em equilíbrio existe a Una, a Matéria Virgem, improdutiva.
Quando o Poder do Altíssimo Se Lhe infunde, e o alento do Espírito
paira sobre Ela, as qualidades são postas fora do equilíbrio
e Ela se torna a divina Mãe dos mundos.
A primeira interação é entre Ela e a Terceira Pessoa
da Trindade; por Sua ação Ela se torna capaz de dar nascimento
à forma. Então se desvela a Segunda Pessoa, que Se reveste
dos materiais assim disponíveis, e se torna o Mediador, unindo em
Sua própria Pessoa o Espírito e a Matéria, o Arquétipo
de todas as formas. Só através d'Ele a Primeira Pessoa se
desvela, como o Pai de todos os Espíritos.
Agora é possível ver o porquê da Segunda Pessoa da Trindade
ser sempre dual; Ela é o Uno que Se reveste na Matéria, onde
as duas metades da Deidade aparecem juntas, mas não como unidade.
Daí que Ela também é Sabedoria, pois a Sabedoria do
lado do Espírito é a Razão Pura que se conhece como
Um Eu e conhece todas as coisas neste Eu, e do lado da Matéria é
o Amor, agregando a infinita diversidade de formas, e fazendo de cada forma
uma unidade e não um mero amontoado de partículas - o princípio
da atração que mantém os mundos e tudo neles em uma
ordem e equilíbrio perfeitos. Esta é a Sabedoria dita como
"poderosa e gentilmente ordenando todas as coisas" (Sabedoria,
VIII, 1), que sustenta e preserva o universo.
Nos símbolos mundiais, encontrados em todas as religiões,
o Ponto - aquilo que só possui posição - tem sido tomado
como um símbolo da Primeira pessoa da Trindade. Sobre este símbolo
São Clemente de Alexandria assinala que se abstrairmos as propriedades
de um corpo, depois sua profundidade, depois sua largura, depois sua altura,
"o ponto que restar é uma unidade, por assim dizer, tendo só
posição, e se dele abstrairmos sua posição,
termos uma concepção de unidade" (Clement of Alexandria,
Stromata, livro V, cap. II - A.-N.C.Libr., vol. IV). O Ponto como que se
irradia da Escuridão infinita como um Ponto de Luz, o centro de um
futuro universo, uma Unidade, onde tudo existe não-separado; a matéria
da qual será formado o universo, o campo de Sua obra, é marcado
pela vibração para cá e para lá do Ponto em
todas as direções, formando uma vasta esfera, limitada pela
Sua Vontade, Seu Poder. Esta é a criação "da Terra
pelo Seu Poder", mencionada por Jeremias (Vide ante, p.226). Assim
o símbolo pleno é o Ponto dentro de uma esfera, representado
usualmente como um Ponto dentro de um círculo. A Segunda Pessoa é
representada por uma Linha, o diâmetro deste círculo, uma única
vibração completa do Ponto, e esta Linha está igualmente
em todas as direções dentro da esfera; esta Linha dividindo
o círculo em duas metades significa ainda Sua dualidade; aquilo que
n'Ele é Espírito e Matéria - uma unidade na Primeira
Pessoa - aqui se torna visivelmente um par, embora em estado de união.
A Terceira Pessoa é representada por uma Cruz formada por dois diâmetros
dentro do círculo em ângulo reto entre si. Esta é a
Cruz Grega (vide ante, pp. 177-178).
Quando a Trindade é representada como uma Unidade é usado
o Triângulo, seja inscrito em um círculo, seja livre. O universo
é simbolizado por dois triângulos entrelaçados, a Trindade
do Espírito com seu triângulo apontando para cima, a Trindade
da Matéria com sua ponta virada para baixo, e se se empregam cores,
o primeiro é branco, amarelo, dourado ou da cor da chama, e o segundo
é negro, ou em algum tom escuro.
O processo cósmico agora pode ser acompanhado prontamente. O Um se
tornou Dois, e o Dois, Três, e a Trindade se desvela. A Matéria
do universo é selecionada e espera a ação do Espírito.
Isto se dá "no início" do Gênesis, quando
"Deus criou o Céu e a Terra" (Gênesis, I, 1), uma
declaração elucidada mais adiante pelas frases repetidas de
que Ele "lançou as fundações da Terra" (Jó,
XXXVIII, 4; Zacarias, XI, 1; etc). Temos aqui a delimitação
do material, mas ainda um mero caos, "sem forma e vazio" (Gênesis,
I, 2).
Nisto inicia a ação da Inteligência Criativa, o Espírito
Santo, que "se movia sobre a face das águas" (Gênesis,
I, 2), o vasto oceano da matéria. Assim esta foi Sua primeira atividade,
embora ocorresse através da Terceira Pessoa - um ponto de grande
importância.
Nos Mistérios esta atividade era demonstrada em seus detalhes como
a preparação da matéria do universo, a formação
dos átomos, a reunião deles em agregados, e o agrupamento
destes em elementos, e estes ainda em compostos gasosos, líquidos
e sólidos. Esta atividade inclui não só o tipo de matéria
chamada física, mas também os estados sutis de matéria
nos mundos invisíveis. Depois, como "Espírito do Entendimento",
Ele concebeu as formas em que a matéria preparada haveria de ser
moldada, não construindo as formas, mas, pela ação
da Inteligência Criativa, produzindo as idéias delas, seus
protótipos celestes, como são muitas vezes chamadas. Esta
é a atividade descrita quando se diz que Ele "estendeu os Céus
através de Seu Entendimento" (vide ante, p. 226).
A atividade da Segunda Pessoa segue à da Terceira. Por virtude de
Sua sabedoria, Ele "estabeleceu o mundo" (Ibid.), construindo
todos os globos e todas as coisas sobre eles, "todas as coisas foram
feitas por Ele" (João, I, 3). Ele é a Vida organizadora
dos mundos, e todos os seres têm sua raiz n'Ele (Bhagavad-Gita, IX,
4). A vida do Filho assim manifesta na matéria preparada pelo Espírito
Santo - novamente o grande "Mito" da encarnação
- é a vida que constrói, preserva e mantém todas as
formas, pois Ele é o Amor, o poder de atração, que
dá coesão às formas, possibilitando-lhes crescer sem
desorganizar-se, é o Preservador, o Sustentador, o Salvador. Este
é o motivo de tudo dever estar sujeito ao Filho (I Coríntios,
XV, 27-28), tudo deve se reunir n'Ele, e o motivo de nenhum homem vir ao
Pai senão através d'Ele (João, XIV, 6).
Pois o trabalho da Primeira Pessoa segue o da Segunda, assim como o da Segunda
segue o da Terceira. Ele é chamado de "Pai dos Espíritos"
(Hebreus, XII, 9), de "Deus dos Espíritos de toda carne"
(Números, XVI, 22), e d'Ele é o dom do Espírito divino,
do verdadeiro Eu no homem. O Espírito humano é a Vida derramada
do Pai num vaso preparado pelo Filho, a partir de materiais vivificados
pelo Espírito. E este Espírito no homem, provindo do Pai -
de onde veio o Filho e o Espírito Santo - é uma Unidade como
Ele mesmo, com os três aspectos em Um, e o homem é verdadeiramente
assim feito "à nossa imagem e semelhança" (Gênesis,
I, 26), e é capaz de se tornar "perfeito como vosso Pai no céu
é prefeito" (Mateus, V, 48).
Este é o processo cósmico, e na evolução humana
ele é reprisado: "assim em cima como embaixo".
A Trindade do espírito no homem, sendo à semelhança
divina, deve mostrar as características divinas, e assim encontramos
nela o Poder, o qual, seja em sua forma superior de Vontade ou em sua forma
inferior de Desejo, dá o impulso a esta evolução. Encontramos
também nela a Sabedoria, a Razão Pura que tem o Amor como
sua expressão no mundo das formas, e enfim a Inteligência,
ou Mente, a energia formadora ativa. E no homem também vemos que
a manifestação delas em sua evolução é
da terceira para a segunda, e da segunda para a primeira. A massa da humanidade
esta desenvolvendo a mente, evoluindo a inteligência, e podemos ver
sua ação separativa em toda parte, como que isolando os átomos
humanos e desenvolvendo cada um diversamente, de modo que eles possam ser
materiais adequados para a formação de uma Humanidade divina.
A raça só chegou até este ponto, e ainda estamos trabalhando
nele.
Quando estudamos uma pequena minoria de nossa raça, vemos que o segundo
aspecto do Espírito divino no homem está aparecendo, e falamos
dele na Cristandade como sendo o Cristo no homem. Sua evolução
está, como já vimos, além da primeira das Grandes Iniciações,
e Sabedoria e Amor são as marcas do Iniciado, fulgindo mais e mais
à medida em que ele desenvolve este aspecto do Espírito. Aqui
também é verdade que "nenhum homem vem ao Pai senão
através de Mim", pois somente quando a vida do Filho está
chegando à completude ele pode orar: "Agora, oh Pai, glorifica-me
Tu com Teu próprio Eu, com a glória que eu tinha conTigo antes
que o mundo existisse" (João, XVII, 5). Então o Filho
ascende para o Pai e se torna uno com Ele na glória divina; Ele manifesta
a auto-existência, a existência inerente em sua natureza divina,
desabrochada de sua semente, pois "assim como o Pai tem vida em Si
mesmo, também deu ao Filho ter vida em Si mesmo" (Ibid., V,
26). Ele se torna um Centro de autoconsciência vivente dentro da Vida
de Deus, um centro capaz de existir como tal, já não limitado
pelas estreitezas de sua vida anterior, expandindo-se até a consciência
divina, embora ainda mantendo a identidade de sua vida intacta, um Centro
vivo e ígneo dentro da Chama divina.
Nesta evolução agora jaz a possibilidade de encarnações
divinas no futuro, assim como sua evolução no passado tornou
possíveis encarnações divinas neste nosso próprio
mundo. Estes Centros viventes não perdem Sua identidade, nem a memória
de Seu passado, nem nada do que tenham experimentado na longa escalada para
cima; e um tal Ser Autoconsciente pode vir do Seio do Pai e revelar-Se para
o auxílio do mundo. Ele manteve em Si mesmo a união do Espírito
e da Matéria, a dualidade da Segunda Pessoa - todas as encarnações
divinas em todas as religiões são portanto relacionadas à
Segunda Pessoa da Trindade - e deste modo pode rapidamente revestir-Se (de
matéria) para manifestação física, e tornar-Se
novamente Homem. Ele manteve esta natureza de Mediador, e assim ele é
um elo entre as Trindades Celeste e Terrestre; Ele tem sido sempre chamado
de "Deus conosco" (Mateus, I, 22).
Um tal Ser, o fruto glorioso de um universo passado, pode vira o mundo presente
com toda a perfeição de Sua Sabedoria e Amor Divinos, com
toda a memória de Seu passado, capaz em virtude desta memória
de ser o perfeito Auxiliar de todos os Seres vivos, conhecendo cada estágio
porque Ele o viveu, capaz de ajudar em todos os locais porque já
experimentou tudo. "Quem sofreu Ele mesmo a tentação,
é capaz de socorrer os que são tentados" (Hebreus, II,
18).
É na humanidade por trás d'Ele que reside esta possibilidade
da encarnação divina; Ele desce, tendo antes subido, a fim
de ajudar os outros a subir a escadaria. E à medida em que entendemos
estas verdades, e algo do significado da Trindade, acima e abaixo, o que
antes era só um dogma tosco e obscuro se torna uma verdade viva e
vivificante. Só através da existência da Trindade no
homem é que se torna inteligível a evolução
humana, e vemos agora como o homem evolui a vida do intelecto e depois a
vida do Cristo. O misticismo está baseado neste fato e em nossa esperança
certa de havemos de conhecer Deus. Os Sábios ensinaram assim, e à
medida que trilhamos a senda que eles indicam, podemos verificar que seu
testemunho é verdadeiro.
CAPÍTULO X
A Oração
(Boa parte deste capítulo já foi publicado pela autora em
um trabalho anterior, Some Problems of Life).
O que é algumas vezes chamado de "o espírito moderno"
é excessivamente antagônico à oração,
falhando em ver qualquer nexo causal entre a petição e a ocorrência
de um evento, ao contrário do espírito religioso, fortemente
ligado a ela, e que encontra sua própria vida na oração.
Mas mesmo o homem religioso às vezes se sente desconfortável
a respeito do mecanismo da oração; estaria ele ensinando ao
Todo-sábio, estaria solicitando benefícios do Todo-bondade,
estaria ele alterando a Vontade d'Aquele "em quem não há
variação, nem sombra de desvio"? (Tiago, I, 17). Embora
ele encontre em sua própria experiência e na de outros a "resposta
às preces" - uma seqüência definida de pedido e atendimento.
Muitas pessoas não se referem a experiências subjetivas, mas
a fatos concretos do chamado mundo objetivo. Um homem reza por dinheiro,
e no correio lhe vem a quantia requerida; uma mulher reza por comida, e
alguma comida lhe é entregue na porta. Em conexão a atos de
caridade, existe uma pletora de evidências de ajuda conseguida em
casos de necessidades urgentes quando solicitada em preces, e da pronta
e generosa resposta. Por outro lado, também há uma abundância
de evidência de preces deixadas sem atendimento; de famintos definhando
de fome até a morte, de crianças roubadas dos braços
de suas mães pelas doenças, a despeito dos mais passionais
apelos a Deus.
E não é tudo. Há muitos fatos nesta experiência
que são estranhos e confusos. Uma prece que talvez seja trivial encontra
uma resposta, enquanto que outra a respeito de um assunto importante falha;
um pequeno problema é aliviado, enquanto que uma oração
proferida para salvar um ser apaixonadamente amado não tem resposta.
Parece quase impossível para o estudante comum descobrir a lei de
acordo com a qual uma oração é ou não eficaz.
A primeira coisa necessária ao buscarmos entender esta lei é
analisar a própria oração, pois a palavra empregada
para abranger várias atividades da consciência, e as orações
não podem ser abordadas como se formassem um todo simples. Existem
preces que são pedidos para vantagens definidamente mundanas, para
o suprimento de necessidades físicas - orações por
comida, roupa, dinheiro, emprego, sucesso nos negócios, recuperação
de doenças, etc. Estas podem ser agrupadas como Classe A. Depois
temos as preces por ajuda em dificuldades morais ou intelectuais e para
o crescimento espiritual - para a superação de tentações,
para fortalecimento, para discernimento, por iluminação. estas
podem ser agrupadas como Classe B. Enfim, há as preces que não
pedem nada, que consistem em meditação e adoração
da perfeição divina, na intensa aspiração de
união com deus - o êxtase do místico, a meditação
do sábio, o rapto alado do santo. Esta é a verdadeira "comunhão
entre o Divino e o humano", quando o homem derrama-se em amor e veneração
por AQUILO que é inerentemente atraente, que compele o amor do coração.
Estas chamaremos de Classe C.
Nos mundos invisíveis existem muitos tipos de inteligências
que entram em relacionamento com o homem, uma verdadeira escada de Jacó,
por onde os Anjos sobem e descem, e acima de todos fica o próprio
Senhor (Gênesis, XXVIII, 12-13). Algumas destas Inteligências
são grandes Poderes espirituais, outras são seres excessivamente
limitados, inferiores ao homem em consciência. Este lado oculto da
natureza - sobre o qual logo falaremos no Capítulo XII - é
um fato reconhecido por todas as religiões. O mundo está todo
cheio de coisas vivas, invisíveis aos olhos de carne. Os mundos invisíveis
interpenetram o visível, e multidões de seres inteligentes
se amontoam à nossa volta de todos os lados. Alguns deles são
acessíveis a solicitações humanas, e outras são
submissíveis à vontade humana. O Cristianismo reconhece a
existência das classes superiores de Inteligências sob o nome
genérico de Anjos, e ensina que eles são espíritos
ministrantes, "enviados para ministra" (Hebreus, I 14), mas qual
é seu ministério, qual a natureza de seu trabalho, qual sua
relação com os seres humanos, tudo isto fazia parte das instruções
dadas nos Mistérios Menores, assim como a verdadeira comunicação
com eles era efetuada nos Maiores, mas nos dias modernos estas verdades
caíram na obscuridade, exceto o pouco que é ensinado nas comunhões
Grega e Romana. Pois para a Protestante o "Ministério dos Anjos"
é pouco mais que uma frase. Além disso, o próprio homem
é um constante criador de seres invisíveis, pois as vibrações
de seus pensamentos e desejos cria formas de matéria sutil cuja única
vida é o pensamento ou desejo que as anima; assim ele cria um exército
de servos invisíveis, que se movem nos mundos invisíveis procurando
atender à sua vontade. Ainda, naqueles mundos existem auxiliares
humanos, que enquanto seus corpos físicos estão dormindo trabalham
em seus corpos sutis, cujo ouvido atento pode ouvir um grito por socorro.
E coroando tudo há a onipresente e onisciente Vida do próprio
Deus, potente e responsiva em todos os pontos de Seu reino, Ele, sem cujo
conhecimento nem um pardal cai ao solo (Mateus, X, 29), nem uma criatura
muda freme de alegria ou dor, nem uma criança ri ou soluça
- esta Vida e Amor todo-penetrante, todo-abrangente, todo-sustentadora,
na qual vivemos e nos movemos (Atos, XVII, 28). Assim como nada que pode
dar prazer ou dor pode afetar o corpo humano sem que nervos sensórios
levem a mensagem de seu impacto até os centros cerebrais, e assim
como lá daqueles centros vibra uma resposta que acolhe ou repele,
do mesmo modo, toda vibração no universo, que é Seu
corpo, toca a consciência de Deus, e provoca uma ação
responsiva. Células nervosas, feixes nervosos e fibras musculares
podem ser os agentes da sensação e do movimento, mas é
o homem que sente e age; igualmente miríades de inteligências
podem ser os agentes, mas é Deus que as conhece e responde. Nada
pode ser pequeno o bastante para não afetar aquela delicada consciência
onipresente, e nada pode ser vasto o bastante para transcendê-la.
Somos tão limitados que a própria idéia de uma consciência
todo-abrangente assim nos dá vertigem e confunde; talvez uma mosca
pudesse ficar igualmente perplexa se tentasse avaliar a consciência
de Pitágoras. O Professor Huxley, em uma passagem notável,
imaginou a possibilidade da existência de seres ascendendo tão
alto em inteligência, a consciência sempre em expansão,
e atingindo um estágio tão acima do humano como o humano está
acima do besouro (T.H.Huxley, Essays on Some Controverted Questions, p.
36). Isto não é um vôo de imaginação científica,
mas a descrição de um fato. Existe um Ser cuja consciência
está presente em cada ponto de Seu universo, e portanto pode ser
afetado de todos os pontos. Esta consciência não é apenas
vasta em seu campo, mas é ainda inconcebivelmente aguda, não
diminuída em sua capacidade de responder por que se estende em uma
vasta área em todas as direções, mas sendo mais responsiva
do que uma consciência mais limitada, mais perfeita em entendimento
do que uma mais restrita. Longe de ser o caso de que quanto mais exaltado
Ser mais difícil seria alcançar Sua consciência, mas
o exato inverso é a verdade. Quanto mais exaltado o Ser, mais facilmente
Sua consciência é afetada.
Mas esta Vida todo-penetrante está em toda parte usando como canais
todas as vidas corporificadas a que deu origem, e qualquer uma delas pode
ser usada como um agente daquela Vontade onisciente. A fim de que esta Vontade
possa se expressar no mundo externo, deve ser encontrado um meio de expressão,
e estes seres, em proporção à sua receptividade, oferecem
os canais necessários, e se tornam os obreiros intermediários
entre um ponto e outro do cosmos. Eles agem como os nervos motores de Seu
corpo, e executam a ação requerida.
Analisemos as classes em que dividimos as orações, e vejamos
os métodos pelos quais elas podem ser atendidas.
Quando um homem faz uma prece da Classe A existem vários meios pelos
quais sua prece pode ser atendida. Um tal homem é simples em sua
natureza, com uma concepção de Deus natural, o que é
inevitável em seu grau de evolução; ele considera Deus
como provedor de suas próprias necessidades, em contato íntimo
e imediato com suas necessidades diárias, e ele se volta para Ele
por seu pão diário tão naturalmente como uma criança
se voltaria para seu pai ou mãe. Um exemplo típico é
o caso de George Müller, de Bristol, antes de ser conhecido pelo mundo
como filantropo, quando estava começando seu trabalho caritativo,
e estava sem amigos e sem dinheiro. Ele orava por comida para as crianças
que não tinham recursos exceto sua bondade, e sempre vinha dinheiro
suficiente para as necessidades imediatas. O que acontecia? Sua prece era
um desejo forte e enérgico, e aquele desejo criava uma forma, da
qual ele era a vida e a energia dirigente. esta criatura viva a vibrante
só possuía uma idéia, a idéia que a animava
- é preciso ajuda, é preciso comida - e ela vasculha o mundo
invisível, procurando. Um homem caridoso deseja dar ajuda aos necessitados,
está à procura de uma oportunidade de dar. Assim como o ímã
atrai o ferro, igualmente assim uma pessoa funciona para uma forma de desejo
como aquela, e a forma é atraída para ela. Ela desperta no
cérebro da pessoa uma vibração idêntica à
sua - George Müller, seu orfanato, suas necessidades - e ela vê
o canal para seu impulso caridoso, assina um cheque, e o envia. Muito naturalmente,
George Müller diria que Deus inspirou ao coração daquele
indivíduo dar a ajuda necessária. No sentido mais profundo
das palavras, assim é, uma vez que não existe vida ou energia
em Seu universo que não provenha de Deus; mas o agente intermediário,
de acordo com as leis divinas, é a forma de desejo criada pela oração.
O resultado poderia ser obtido igualmente bem através de um deliberado
exercício da vontade, sem qualquer oração, por uma
pessoa que entende o mecanismo envolvido e o modo de colocá-lo em
operação. Um homem destes pensaria claramente no que necessita,
atrairia para si o tipo de matéria sutil mais adequada ao seu propósito,
para revestir o pensamento, e por um deliberado exercício da vontade
a enviaria ou para uma pessoa definida para apresentar sua vontade, ou para
vasculhar as redondezas e ser atraída por uma pessoa caritativamente
disposta. Aqui não existe prece, mas um exercício consciente
da vontade e do conhecimento.
No caso da maioria das pessoas, contudo, ignorante das forças dos
mundos invisíveis e desabituadas a exercitar suas vontades, e sem
a concentração da mente e o ardente desejo que são
necessários para uma ação bem-sucedida, são
muito mais facilmente atraídas pela oração do que por
um deliberado esforço mental para aplicar sua própria força.
Elas duvidariam de seu poder, mesmo se entendessem a teoria, e a dúvida
é fatal ao exercício da vontade. Que a pessoa não entenda
o mecanismo que aciona não afeta em nada o resultado. Uma criança
que estende sua mão e pega um objeto não precisa entender
nada do trabalho dos músculos, nem das alterações elétricas
e químicas desencadeadas nos músculos e nervos pelo movimento,
nem precisa calcular elaboradamente a distância do objeto medindo
o ângulo feito pelos eixos ópticos; ela quer pegar a coisa
que deseja, e o aparato do seu corpo obedece sua vontade embora ela sequer
saiba de sua existência. Assim se passa com o homem que reza, desconhecedor
da força criativa de seu pensamento, da criatura viva que enviou
para cumprir sua ordem. Ele age inconscientemente como a criança,
e como a criança obtém o que quer. Em ambos os casos Deus
é igualmente o Agente primordial, vindo d'Ele todo o poder; em ambos
os casos o verdadeiro trabalho é feito pelo aparato provido por Suas
leis.
Mas este não é o único modo pelo qual uma prece desta
classe é respondida. Alguém temporariamente fora do corpo
físico e trabalhando nos mundos invisíveis, ou um Anjo que
passa, podem ouvir o grito por socorro, e podem então colocar no
cérebro de alguma pessoa caridosa o pensamento de enviar a ajuda
requerida. "pensei em Fulano esta manhã", dirá uma
pessoa assim. "Arrisco dizer que um cheque lhe seria útil".
Muitas preces são atendidas desta forma, e o elo entre a necessidade
e o ser que a atende é alguma inteligência invisível.
Isto é parte do ministério dos Anjos inferiores, e assim eles
suprirão necessidades pessoais, e igualmente levarão ajuda
a empreendimentos caridosos.
A falha na prece desta classe é devida a uma outra causa oculta.
Todos os homens contraíram débitos que devem ser pagos; seus
pensamentos errôneos, seus desejos impróprios e ações
erradas construíram obstáculos em seu caminho, e ás
vezes até mesmo o tolhem como se estivesse dentro dos muros de uma
prisão. Um débito de mal é pago com sofrimento, um
homem deve suportar as conseqüências dos erros que fez. Um homem
condenado a morrer de fome pelas suas próprias más ações
no passado pode bradar suas preces contra este destino em vão. A
forma de desejo que ele criou irá procriar mas não vai encontrar,
ela será bloqueada e desfeita pela corrente do mal passado. Aqui,
como em tudo, estamos vivendo em um reino de lei, e forças podem
ser modificadas ou inteiramente frustradas pela atuação de
outras forças com que entram em contato. Duas forças exatamente
similares poderiam ser aplicadas para duas bolas exatamente iguais; em um
dos casos, uma força poderia ser aplicada na bola, e ela poderia
alcançar a marca desejada; no outro, uma segunda força poderia
atingir a bola e deixá-la completamente fora de curso. Do mesmo modo
com duas preces similares; uma pode ir até seu objetivo desimpedida
e produzir seu efeito; a outra poderia ser desviada pelas forças
muito mais poderosas de um erro passado. Uma prece é atendida, a
outra, não; mas em ambos os casos o resultado segue a lei.
Consideremos as orações da Classe B, por ajuda em dificuldades
morais e intelectuais têm um resultado duplo; atuam diretamente para
atrair a ajuda, e reincidem na pessoa que ora. Elas atraem a atenção
dos Anjos, ou dos discípulos trabalhando fora do corpo, que estão
sempre procurando ajudar a mente desolada, lançando na consciência
cerebral conselho, encorajamento, iluminação, dando assim
uma resposta à prece do modo mais direto. "E Ele ajoelhou-Se
e rezou... e apareceu um Anjo do céu, confortando-O" (Lucas,
XXII, 42-43). São sugeridas idéias que clareiam uma dificuldade
intelectual, ou lançam luz sobre algum obscuro problema moral, ou
é derramado o mais doce conforto sobre o coração sofrido,
suavizando suas perturbações e acalmando suas ansiedades.
E na verdade, se mesmo nenhum Anjo estiver passando, aquele grito, o grito
do sofredor alcançaria o "Coração Oculto do Céu",
e um mensageiro seria enviado para levar conforto, algum Anjo, sempre pronto
a voar célere ao sentir o impulso, trazendo a vontade divina de ajudar.
Há também o que é chamado às vezes de resposta
subjetiva a tais orações, a reação da prece
sobre quem a profere. Sua oração coloca seu coração
e mente em atitude receptiva, e isso pacifica sua natureza inferior, e assim
permite à força e poder iluminador do superior fluir desimpedida.
As correntes de energia que normalmente fluem para baixo, ou para fora,
do Homem Interno, são, como regra, dirigidas para o mundo externo,
e são usadas nos assuntos comuns da vida pela consciência cerebral,
para o desempenho de suas atividades diárias. Mas quando esta consciência
cerebral afasta-se do mundo externo, e fechando suas portas externas, dirige
seu olhar para dentro, quando deliberadamente fecha-se para o externo e
abre-se para o interno, então se torna um vaso capaz de receber e
guardar, em vez de ser apenas um canal entre os mundos interior e exterior.
No silêncio obtido pela cessação dos ruídos das
atividades externas, a "voz ainda fraca" do Espírito pode
se fazer ouvir. e a atenção concentrada da mente expectante
lhe permite captar o suave sussurro do seu Eu Interno.
A ajuda vem ainda mais nítida de fora e de dentro quando a prece
é por iluminação espiritual, por crescimento espiritual.
Não apenas todos os auxiliares, angélicos e humanos, avidamente
procuram estimular o progresso espiritual, colhendo cada oportunidade oferecida
pela alma aspirante, mas o anelo por tal crescimento libera energia de um
tipo elevado, e o anelo espiritual suscita uma resposta do reino espiritual.
Mais uma vez a lei de vibração simpática se impõe,
e a nota de elevada aspiração é respondida por uma
nota de seu próprio tipo, pela liberação de energia
de seu próprio tipo, por uma vibração sincrônica
consigo mesma. A Vida divina está sempre pressionando de cima contra
os limites que a tolhem, e quando a força ascendente encontra aqueles
limites a partir de baixo, a parede de separação é
derrubada, e a Vida divina enche a Alma. Quando um homem sente o influxo
de vida espiritual, ele grita: "Minha prece foi atendida, e Deus mandou
Seu Espírito ao meu coração". Assim é em
verdade, embora ele raramente entenda que aquele Espírito está
sempre procurando entrar, mas aquele que O procura não O recebe (João,
I, 11). "Ouvi, eu estou à porta e bato: se algum homem ouve
minha voz e abre a porta, eu entro" (Apocalipse, III, 20).
O princípio geral a respeito de todas as preces desta classe é
que a resposta virá, da vida mais vasta de dentro e de fora, na exata
proporção da submissão da personalidade e da intensidade
da aspiração ascendente. Nós separamos a nós
mesmos. Se acabássemos com a separação e nos fizéssemos
unos com o maior, teríamos aquela luz e vida e força fluindo
dentro de nós. Quando a vontade separada é desviada de seus
próprios objetivos e se dispõe a servir os propósitos
divinos, então a força do Divino se derrama. À medida
em que um homem luta contra a corrente, ele faz pequeno progresso; mas quando
nada a favor, é levado com toda a força da correnteza. Em
todo departamento da Natureza as energias divinas estão atuando,
e tudo que um homem faz ele o faz por meio das energias que estão
atuando na linha ao longo da qual ele deseja agir; suas maiores conquistas
são realizadas não por suas próprias energias, mas
pela habilidade com que ele seleciona e combina as forças que o auxiliam,
e neutraliza as que se opõe a ele com aquelas que lhe são
favoráveis. Forças que nos carregariam como folhas no vento
se tornam nossos mais eficazes servidores quando trabalhamos com elas. Então
admira que na prece, assim como em tudo mais, as energias divinas se associem
com o homem que, pela oração, procura trabalhar como parte
do Divino?
A forma mais elevada de prece da Classe B imerge quase imperceptivelmente
na Classe C, onde a prece perde seu caráter peticional e se torna
ou uma meditação sobre, ou uma adoração a Deus.
Meditação é a constante fixação tranqüila
da mente em Deus, por onde a mente inferior é aquietada e logo deixada
vacante, para que o Espírito, escapando dela, erga-se em contemplação
da Perfeição divina, e reflita em si mesmo a imagem divina.
"A meditação é a prece silenciosa ou não
pronunciada, ou como Platão expressou: 'a ardente sintonização
da Alma em direção ao Divino; não para pedir qualquer
bem em particular (como no sentido comum da prece), mas pelo bem em si,
pelo Bem Supremo Universal' " (H.P.Blavatsky, Key to Theosophy, p.
10)
Esta é a oração que, pela liberação do
Espírito, é o meio de união entre homem e Deus. Pela
atuação das leis do pensamento um homem se torna o que ele
pensa, e quando ele medita nas perfeições divinas ele gradualmente
reproduz em si mesmo aquilo onde sua mente se fixa. Uma tal mente, moldada
sobre o superior e não sobre o inferior, não pode prender
o Espírito, e o Espírito livre, ascendendo á sua fonte,
abandona a prece na união e deixa a separatividade para trás.
O culto também, o rapto de adoração de onde está
ausente todo o pedido, e que procura derramar-se em puro amor pelo Perfeito,
embora fracamente percebido, é um meio - o mais fácil - de
unir-se a Deus. Aqui a consciência, limitada pelo cérebro,
contempla em êxtase mudo a imagem que cria d'Aquele que se sabe estar
além da imaginação, e muitas vezes, raptado na intensidade
de seu amor além dos limites do intelecto, o homem como um Espírito
liberto voa para o alto até os reinos onde estes limites são
transcendidos, e sente e sabe muito mais do que em seu retorno ele poderá
contar em palavras ou cingir numa forma.
Assim o Místico contempla a Visão Beatífica; assim
o Sábio descansa na calam da Sabedoria que está além
do conhecimento; assim o Santo alcança a pureza onde Deus é
visto. Tal prece irradia o adorador, e da montanha de tão elevada
comunhão desce até os planos da Terra, com a própria
carne brilhando com a glória superna, translucente à chama
que arde no interior. Feliz daqueles que conhecem a realidade que nenhuma
palavra pode expressar àqueles que não a conhecem. Aqueles
cujos olhos viram "o Rei em Sua formosura" (Isaías, XXXIII,
17) lembrarão, e vão entender.
Quando a prece é entendida assim, sua perene necessidade para todos
os que acreditam na religião ficará patente, e vemos por quê
esta prática tem sido tão advogada por todos os que estudam
a vida superior. Pois a oração do estudante dos Mistérios
Menores deveria ser dos tipo reunidos na Classe B, e ele deveria tentar
se elevar até à pura meditação e adoração
da última classe, evitando todos os tipos inferiores. É útil
para ele neste ponto o ensinamento de Jâmblico, pois ele diz que a
oração "produz uma sagrada e indissolúvel união
com os Deuses", e então passa a dar alguns detalhes interessantes
sobre a prece, como considerada pelo Ocultista praticante. "Pois é
em si uma coisa digna de ser conhecida, e torna mais perfeita a ciência
a respeito dos Deuses. Digo, portanto, que a primeira espécie de
oração é Coletiva; ela também é a que
guia o contato com e o conhecimento da divindade. A segunda espécie
é o vínculo da Comunhão consensual, desencadeando,
antes que a energia da fala, os dons concedidos pelos Deuses, e aperfeiçoando
o todo de nossas operações antes do que nossas concepções
intelectuais. E a terceira e mais perfeita espécie de oração
é o selo da União inefável com as divindades, em quem
ela estabelece todo o poder e autoridade da prece, e faz com que a alma
repouse nos Deuses, como num porto infalível. Mas destes três
tipos, onde todas as proporções divinas estão incluídas,
a adoração suplicante não só concede a amizade
dos deuses, mas supernamente oferece-nos três frutos, como se fossem
os Pomos de ouro das Hespérides. O primeiro pertence à iluminação;
o segundo à uma comunhão de operações, mas através
da energia do terceiro recebemos um plenitude de fogo divino... Nenhuma
operação, contudo, em assuntos sagrados pode ser bem-sucedida
sem a intervenção da prece. Enfim, o contínuo exercício
da prece nutre o vigor de nosso intelecto, e torna o receptáculo
da alma muito mais capaz para as comunicações dos Deuses.
Do mesmo modo é a chave divina que abre ao homem a intimidade com
os Deuses; acostuma-nos aos esplêndidos rios de luz superna; em breve
espaço de tempo aperfeiçoa nossos mais recônditos recessos,
e os dispõe para o abraço e contato inefáveis dos Deuses;
e não desiste antes que nos leve ao topo de tudo. Gradual e silenciosamente
direciona para cima os modos de nossa alma, desviando-a de tudo o que é
alheio à natureza divina, e reveste-nos das perfeições
dos Deuses. Além disso, produz uma indissolúvel comunhão
e amizade com a divindade, alimenta uma amor divino, e inflama a parte divina
da alma. O que quer que haja de oposto e contrário na natureza da
alma, ele o expia e purifica; expele o que quer que seja inclinado à
geração e não retém nada das escórias
da mortalidade em seu espírito esplêndido e etéreo;
aperfeiçoa uma esperança e fé positivas a respeito
da recepção da luz divina e, em uma palavra, torna aqueles
por quem é empregada os familiares da casa dos Deuses" (On the
Mysteries, seç., V, cap. 26).
Deste estudo e prática surge um resultado inevitável, à
medida em que um homem comece a entender e à medida que um panorama
maior da vida se desdobre diante dele. Ele vê que pelo conhecimento
sua força é muito aumentada, que há forças ao
seu redor que ele pode entender e controlar, e que o seu poder está
na proporção de seu conhecimento. Então ele aprende
que a Divindade está escondida em si mesmo, e que nada que é
passageiro pode satisfazer o Deus interior; que somente a união com
o Uno, o Perfeito, pode aplacar seus desejos, e então gradualmente
nasce dentro dele a vontade de alinhar-se com o Divino; ele cessa de procurar
com veemência as circunstâncias passageiras, e de lançar
causas novas na corrente de efeitos. Ele se reconhece como um agente antes
do que como um ator, um canal antes do que uma fonte, um servo antes do
que um mestre, e procura descobrir o propósito divino e trabalhar
em harmonia com ele.
Quando um homem atingiu este ponto, ele se elevou acima de toda prece, exceto
daquela que é meditação e adoração; ele
já não tem nada pelo que pedir, neste ou em qualquer outro
mundo; ele permanece em uma serenidade constante, procurando apenas servir
a Deus. Este é o estado da Filiação, onde a vontade
do Filho é una à vontade do Pai, onde é feita uma calma
entrega, "Eis, eu venho para cumprir Tua vontade. Agrada-me fazê-lo;
sim, Tua lei está em meu coração" (Salmo XI, 7-8).
Então toda prece é vista como sendo desnecessária;
todo o pedido é sentido como impertinência; nada pode ser desejado
pois ainda não estará nos propósitos daquela Vontade,
e tudo será trazido à manifestação ativa à
medida em que os agentes daquela Vontade se aperfeiçoarem no trabalho.
CAPÍTULO XI
O Perdão dos Pecados
"Eu creio... no perdão dos pecados". "Eu reconheço
um batismo para a remissão dos pecados". As palavras saem facilmente
da boca dos adorantes em toda igreja Cristã em todo o mundo, quando
repetem os familiares credos dos Apóstolos e o Niceno. Entre os ditos
de Jesus recortem amiúde as palavras: "Teus pecados te são
perdoados", e é digno de nota que esta frase constantemente
acompanhe o exercício de Seus poderes curadores, e a libertação
de moléstias físicas e morais é assinalada como simultânea.
de fato, em uma ocasião Ele indicou a cura de um paralítico
como sinal de que Ele tinha direito de declarar a um homem que seus pecados
haviam sido perdoados (Lucas, V, 18-26). Assim também foi dito a
respeito de uma mulher: "Seus pecados, que são muitos, são
perdoados, pois ela amou muito" (Lucas, VII, 47). No famoso tratado
Gnóstico Pistis Sophia, o próprio propósito dos Mistérios
é dito ser a remissão dos pecados. "Eles deve ter sido
pecadores, devem ter caído em todos os pecados e iniqüidades
do mundo, dos quais tenho vos falado, não obstante, se se converterem
e se arrependerem, e tiverem feito a renúncia que eu acabei de descrever,
dai-os aos mistérios do reino da luz; não mais os oculteis
deles. Foi por causa do pecado que eu trouxe estes mistérios ao mundo,
para a remissão de todos os pecados que eles tiverem cometido desde
o início. Por isso eu vos disse antes: 'Eu não vim para chamar
os justos'. Mas por isso eu trouxe os mistérios, para que os pecados
de todos os homens sejam remidos, e eles sejam levados para o reino da luz.
Pois estes mistérios são a dádiva do primeiro mistério
da destruição dos pecados e iniqüidades de todos os pecadores'
" (G.R.S.Mead, loc. cit., livro II, §§ 260-261).
Nestes Mistérios a remissão dos pecados se dá pelo
batismo, como no reconhecimento do Credo Niceno. Jesus diz: "Ouvi novamente,
para que eu possa falar-vos a palavra da verdade, de que tipo é o
mistério do batismo que resgata dos pecados... Quando um homem recebeu
os mistérios do batismo, aqueles mistérios se tornam um fogo
poderoso, excessivamente impetuoso, sábio, que queima todos os pecados;
eles entram na alma ocultamente e devoram todos os pecados que a falsificação
espiritual implantou nela". E depois de descrever mais o processo de
purificação, Jesus acrescenta: "Este é o modo
pelo qual os mistérios do batismo resgatam do pecado e de toda a
iniqüidade" (G.R.S.Mead, loc. cit., livro II, §§ 299-300).
De uma forma ou outra o "perdão dos pecados" aparece na
maioria, senão em todas as religiões; e onde quer que haja
este consenso de opiniões, podemos seguramente concluir, de acordo
com os princípios já apresentados, que por trás existe
algum fato da natureza. Acima de tudo, há uma resposta na natureza
humana a esta idéia de que os pecados são perdoados; percebemos
que uma pessoa sofre com a consciência de um mal cometido, e quando
se limpam de seu passado e se livram das agitações do remorso,
prosseguem com o coração alegre e os olhos resplandecentes,
embora antes estivessem anuviados pelas trevas. Eles sentem como se um peso
tivesse sido tirado de cima deles, um casaca removido. A sensação
do pecado "desapareceu, e com ela o tormento da dor". Eles conhecem
a primavera da alma, a palavra do poder que renova todas as coisas. Uma
canção de agradecimento ressoa como efusão natural
do coração, chega o tempo do canto dos pássaros, sentem
"a alegria entre os Anjos". Esta experiência comum confunde
uma pessoa quando passa por ela, ou a observa em outrem, e ela começa
a se perguntar o que de fato ocorreu, o que produziu a mudança na
consciência, cujos efeitos são tão manifestos.
Os pensadores modernos, que assimilaram integralmente a idéia das
leis imutáveis por trás de todos os fenômenos, e que
estudaram a atuação destas leis, são imediatamente
inclinados a rejeitar toda e qualquer teoria de perdão dos pecados
como sendo inconsistente com esta verdade fundamental, assim como o cientista,
imbuído da idéia da inviolabilidade da lei, repele todo pensamento
que é inconsistente com ela. E ambos estão certos em se basear
na infalível ação da lei, pois a lei é apenas
uma expressão da Natureza divina, na qual não existe variabilidade,
nem sombra de desvio. Qualquer concepção sobre o perdão
dos pecados que possamos adotar não deve contrapor-se com esta idéia
fundamental, tão necessária para a ética como para
a ciência física. "A base ficaria fora do todo" se
não pudéssemos nos fiar seguramente nos eternos braços
da Boa Lei.
Prosseguindo em nossas investigações, somos confrontados com
o fato de que os próprios Instrutores que são os que mais
insistem na invariável ação da lei são também
os que proclamam enfaticamente o perdão dos pecados. Certa vez Jesus
disse: "De toda palavra vã que o homem pronunciar, deverá
prestar contas no dia do juízo" (Mateus, XII, 36), e em outra:
"Filho, ânimo, teus pecados te são perdoados" (Ibid.,
IX, 2). Também no Bhagavad-Gita lemos constantemente das obrigações
da ação, que "o mundo é obrigado pela ação"
(loc. cit., III, 9) e que um homem "recuperou as características
de seu corpo antigo" (Ibid., VI, 43) e ainda é dito que "mesmo
se o maior pecador me adorar, com coração indiviso, também
ele deve ser contado entre os justos" (Ibid., IX, 30). Pareceria então
que o que quer que se tencione significar nas Escrituras do mundo com a
frase "o perdão dos pecados", isto não foi imaginado,
por Aqueles que conhecem melhor a lei, para contradizer a seqüência
inviolável de causa e efeito.
Se examinarmos mesmo a idéia mais crua do perdão dos pecados
existente em nossos dias, descobrimos que o seu crente não quer dizer
com ela que vá escapar das conseqüências dos pecados neste
mundo; o bêbado, cujos pecados são perdoados no arrependimento,
ainda é visto sofrer com os nervos abalados, digestão desequilibrada
e com a falta de confiança demonstrada pelos outros em relação
a ele. As declarações feitas a respeito do perdão,
quando examinadas, são averiguadas se referir em última análise
às relações entre o pecador arrependido e Deus, e às
penalidades post-mortem associadas ao pecado não perdoado, dentro
do credo do indivíduo, e não para escapar das conseqüências
mundanas do pecado. A perda da fé na reencarnação e
de uma visão sadia sobre a continuidade da vida, seja passada neste
ou nos dois próximos mundo (vide cap. VIII) trouxe consigo várias
incongruências e declarações indefensáveis, entre
elas a blasfema e terrível idéia da tortura eterna da alma
humana por pecados cometidos durante o breve período de uma vida
passada na Terra. A fim de fugir deste pesadelo, os teólogos postularam
um perdão que salvaria o pecador de seu terrível encarceramento
no inferno eterno. Jamais se imaginou que ele livrasse a pessoa das conseqüências
naturais dos maus atos neste mundo - exceto nas comunidades Protestantes
modernas - nem foi estabelecido para libertá-la de prolongados sofrimentos
purgatoriais, o resultado direto do pecado, depois da morte do corpo físico.
A lei mantinha seu curso, tanto neste mundo como no purgatório, e
em cada mundo a tristeza seguia as rodas do pecado, assim como as rodas
seguem seu eixo. Era apenas a tortura eterna - que existia somente na imaginação
turva do crente - que era anulada pelo perdão dos pecados, e podemos
ir longe o bastante para sugerir que o dogmático, tendo postulado
um inferno eterno como o resultado monstruoso de erros passageiros, sentiu-se
compelido a providenciar uma via de escape para um destino incrível
e injusto, e portanto postulou um perdão incrível e injusto.
Esquemas elaborados pela especulação humana, sem levar em
conta os fatos da vida, são propensos a abandonar o especulador em
pântanos mentais, de onde ele só pode se safar se apontar sua
mira para uma direção completamente oposta. Um inferno eterno
supérfluo foi contrabalançado por um perdão supérfluo,
e assim as escalas da justiça foram emparelhadas novamente. Deixando
estas aberrações dos não iluminados, voltemos ao reino
do fato e da razão correta.
Quando um homem cometeu uma ação má ele ligou-se a
uma tristeza, pois a planta que nasce da semente do mal é sempre
a tristeza. Pode ser dito, mesmo com mais precisão, que o pecado
e a tristeza são os dois lados de um mesmo ato, e não dois
eventos separados. Assim como todo objeto tem dois lados, um dos quais fica
oculto atrás, fora da visão, enquanto o outro está
virado para a frente e à vista, igualmente cada ato tem dois lados,
que não podem ser vistos ao mesmo tempo neste mundo físico.
Em outras palavras, o bem e a felicidade, o mal e a tristeza, são
vistos como os dois lados da mesma coisa. Isto é o que se chama karma
- um termo conveniente e agora largamente empregado, originalmente Sânscrito,
expressando esta conexão ou identidade, significando literalmente
"ação" - e o sofrimento é chamado como o
resultado kármico do erro. O resultado, o "outro lado"
pode não se seguir imediatamente, pode mesmo não se desencadear
nesta encarnação atual, mas cedo ou tarde aparecerá
e abraçará o pecador com seus braços de dor. Porém
um resultado no mundo físico, um efeito experimentado através
de nossa consciência física, é a culminação
de uma causa desencadeada no passado; é o fruto colhido; nele uma
força particular se torna manifesta e se exaure. Esta força
esteve atuando fora, sobre a mente, antes que aparecesse no corpo. Sua manifestação
aguda, seu aparecimento no mundo físico é o sinal da completude
de seu curso (Esta é a causa da doçura e paciência amiúde
percebida no doente que é de natureza muito pura. Ele aprendeu a
lição do sofrimento, e não criam mais mau karma com
a impaciência debaixo do resultado do karma ruim passado, o qual então
se exaure). Se em tal momento o pecador, tendo esgotado o karma de seu pecado,
entra em contato com um Sábio que possa ver o passado e o presente,
o visível e o invisível, este Sábio poderá discernir
a terminação do karma em questão, e tendo-se completado
a sentença, pode declarar livre o cativo. Este exemplo parece ter
sido dado na história do homem paralítico já citada,
um caso típico de muitos outros. Uma disfunção física
é a última expressão do mal cometido no passado; a
ação mental e moral se completa, e o sofredor é levado
- por intermédio de algum Anjo, como administrador da lei - à
presença de um Ser capaz de liberar a doença física
pela infusão de uma energia superior. Primeiro, o Iniciado declara
que os pecados do homem foram perdoados, e então justifica esta percepção
com a palavra de autoridade: "Ergue-te, toma teu leito, e vai para
casa". Se nenhum Ser como Jesus estivesse presente ali, a doença
passaria sob o toque restaurador da Natureza, sob uma força aplicada
por inteligências angélicas invisíveis, que levam a
cabo neste mundo as atuações da lei kármica; quando
um grande Ser está atuando, esta força é de um poder
mais impositivo, e as vibrações físicas são
de imediato sintonizadas na harmonia que é saúde. Todo perdão
dos pecados como este podem ser chamados de declaratórios; o karma
é esgotado, e um "conhecedor do karma" declara o fato.
A declaração traz um alívio à mente, semelhante
ao alívio experimentado por um prisioneiro quando é dada a
ordem de sua libertação, sendo esta ordem tão parte
da lei como a sentença original; mas o alívio do homem que
sabe assim da exaustão de um karma ruim é mais agudo, pois
o próprio homem não poderia definir o termo de sua ação.
É notável que estas declarações de perdão
são constantemente acopladas à declaração de
que o sofredor demonstrou "fé", e que sem isto nada poderia
ser feito, isto é, o verdadeiro agente do final do karma é
o próprio pecador. No caso da "mulher que era pecadora",
as duas declarações são conjugadas: "Teus pecados
te são perdoados... Tua fé te salvou; ide em paz" (Lucas,
VII, 48-50). Esta "fé", é o despertar no homem de
sua própria essência divina, procurando o oceano divino de
uma essência semelhante á sua, e quando isso irrompe através
da natureza inferior que o contém - assim como a água irrompe
através dos torrões de terra que a recobrem - o poder assim
liberado atua em toda a natureza, trazendo-a à harmonia consigo mesma.
O homem só se torna cônscio disto quando a crosta kármica
de mal é rompida por sua força, e aquela feliz consciência
de um poder dentro de si mesmo, até então desconhecido, afirmando-se
assim que o mau karma se esgota, é um grande fator na alegria, alívio
e nova força que seguem ao sentimos que os pecados "foram perdoados",
e que seus resultados são coisa ultrapassada.
E isto nos traz ao cerne do assunto - as mudanças que se efetuam
na natureza interna de um homem, não reconhecidas por aquela parte
de sua consciência que atua nos limites de seu cérebro, até
que subitamente se impõe contra estes limites, vinda de aparentemente
lugar nenhum, irrompendo "do nada", derramando-se de uma fonte
desconhecida. Não admira que um homem, atônito com seu influxo
- não sabendo nada dos mistérios de sua própria natureza,
nada do "Deus interno" que é verdadeiramente ele mesmo
- imagina vir de fora o que de fato vem de dentro, e, inconsciente de sua
própria Divindade, imagina apenas Divindades no mundo externo a si
mesmo. E esta concepção errônea é a mais fácil,
porque o toque final, a vibração que destrói a concha
aprisionadora, é freqüentemente a resposta da Divindade dentro
de outro homem, ou dentro de algum ser super-humano, respondendo ao insistente
apelo da Divindade aprisionada em si mesmo; ele às vezes reconhece
a ajuda fraternal, mas não reconhece que ele mesmo, o grito de sua
natureza interna, é que a chamou. Assim como uma explicação
de alguém mais sábio do que nós pode tornar uma dificuldade
intelectual clara em nossa mente, embora seja sempre nossa própria
mente que, assim auxiliada, compreende a solução; assim como
uma palavra encorajadora de alguém mais puro do que nós mesmos
pode estimular-nos a um esforço moral que imaginássemos além
de nosso poder, embora seja sempre nossa própria força que
opere; do mesmo modo um Espírito mais elevado que o nosso, alguém
mais consciente de sua própria Divindade, pode nos ajudar a desdobrar
nossa própria energia divina, embora seja este mesmo desdobramento
o que nos eleva a um plano superior. Somos todos obrigados por laços
de ajuda fraterna para com aqueles acima de nós, e por que deveríamos
nós, que tão amiúde nos encontramos em condições
de ajudar em seu desenvolvimento almas menos avançadas do que nós
mesmos, hesitaremos em admitir que podemos receber ajuda similar d'Aqueles
acima de nós, e que nosso progresso pode ser tornado muito mais rápido
com Sua ajuda?
Porém entre as mudanças que ocorrem na natureza interna de
um homem, desconhecidas de sua consciência inferior, estão
aquelas que tem a ver com o desenvolvimento de sua vontade. O Ego, vislumbrando
seu passado, avaliando seu resultado, sofrendo por seus erros, determina
uma mudança de atitude, uma mudança de atividade. Enquanto
seu veículo inferior está sujeito a seus impulsos anteriores,
jogando-se me linhas de ação que o levam a colisões
frontais com a lei, o Ego determina um curso oposto de conduta. Até
então o Ego havia voltado sua face desejosa para o animal, os prazeres
do mundo inferior o mantiveram acorrentado. Mas agora ele volta sua face
para a verdadeira meta da evolução, e determina-se a trabalhar
por alegrias mais elevadas. Ele vê que todo o mundo está evoluindo,
e que se ele se colocar contra esta poderosa corrente ela o arrojará
de lado, ferindo-o gravemente no processo; ele vê que se ele se colocar
a favor dela, ela o levará em seu seio e o deixará no céu
desejado.
Então ele resolve mudar de vida, e volta decididamente sobre seus
passos, e mira o outro caminho. O Primeiro resultado do esforço de
voltar sua natureza inferior para o curso alterado é muita aflição
e perturbações. Os hábitos formados sob os impactos
de antigas concepções resiste bravamente aos impulsos que
fluem das novas, e se ergue um acerbo conflito. Gradualmente a consciência
que opera no cérebro aceita a decisão feita nos planos superiores
e então "se torna consciente do pecado" pelo próprio
reconhecimento da lei. A sensação de erro se aprofunda, e
o remorso se apodera da mente; são feitos esforços espasmódicos
em direção à melhora, e, frustrados por antigos hábitos,
falham repetidamente, até que o homem, assolado pela dor do passado,
pelo desespero do presente, é jogado em um acabrunhamento desesperançado.
Enfim, o sofrimento sempre crescente extrai do Ego um grito por socorro,
respondido pelas profundezas internas de sua própria natureza, pelo
Deus que está tanto dentro como fora dele, a Vida de sua vida.
Mas esta mudança de atividade significa que ele desvia sua face das
sombras, que ele volta seu rosto para a luz. A luz esteve sempre lá,
mas ele lhe dava as costas; agora ele vê o sol, e sua radiância
encoraja seus olhos, e inunda seu ser de deleite. Seu coração
estava fechado; agora ele se escancara, e o oceano de vida aflui, com maré
cheia, inundando-o de alegria. Onda após onda de vida nova o ergue,
e a felicidade da aurora o rodeia. Ele vê seu passado como passado,
porque sua vontade se firmou a seguir um caminho superior, e ele pouco se
amofina com os sofrimentos que o passado ainda pode lhe impor, uma vez que
ele sabe que doravante não prosseguirá com tão amargo
legado. esta sensação de paz, de alegria, de liberdade, é
o sentimento descrito como o resultado do perdão dos pecados. Os
obstáculos erguidos pela natureza inferior entre o Deus interno e
o Deus externo são derrubados, e aquela natureza mal reconhece que
a mudança é em si mesma e não na Alma superior. Como
uma criança, tendo largado da mão materna orientadora e escondido
seu rosto contra a parede, pode fantasiar a si mesma sozinha e esquecida,
até que, voltando-se com um grito, se encontra entre os braços
protetores da mãe que jamais esteve mais do que um braço longe,
do mesmo modo um homem rejeita com seu voluntarismo os braços escudantes
da divina Mãe dos mundos, só para descobrir, quando volta
seu rosto, que jamais esteve fora de seu escudo protetor, e que onde quer
que possa ir aquele amor guardião ainda está em seu redor.
A chave para esta mudança no homem, que acarreta o "perdão",
é dada no verso do Bhagavad-Gita já citado em parte: "Mesmo
se o maior dos pecadores me adorar, com o coração indiviso,
ele deve ser contado entre os justos, pois decidiu-se corretamente".
Desta resolução correta segue-se o inevitável resultado:
"Logo ele se torna obediente e se encaminha para a paz" (loc.
cit., IX, 31). A essência do pecado está na asserção
da vontade da parte contra a vontade do todo, do humano contra o Divino.
Quando isto é alterado, quando o Ego coloca sua vontade separada
em união com a vontade que trabalha para a evolução,
então, no mundo onde querer é realizar, no mundo onde os efeitos
são vistos tão presentes como as causas, o homem "é
contado entre os justos"; os efeitos nos planos inferiores deve se
seguir inevitavelmente; "logo ele se torna obediente" na ação,
tendo já se tornado obediente na vontade. Aqui nós julgamos
pelas ações, as folhas mortas do passado; lá eles julgam
pelas vontades, as sementes germinantes do futuro. Por isso Cristo sempre
diz para os homens no mundo inferior: "Não julgueis" (Mateus,
VII, 1).
Mesmo depois de a nova direção ser definitivamente seguida,
e se tornado o hábito normal da vida, sobrevêm tempos de falha,
mencionados no Pistis Sophia, quando Jesus é perguntado se um homem
poderia novamente ser admitido nos Mistérios, depois de ter fracassado,
se ele se arrepender. A resposta de Jesus é afirmativa, mas assinala
que chega uma hora em que a readmissão está além do
poder de tudo, exceto do Mistério mais elevado, que sempre perdoa.
"Amen, amen, digo-vos, quem receber os mistérios do primeiro
mistério, e então der as costas e transgredir até doze
vezes, e então se arrepender doze vezes, oferecendo preces nos mistérios
do primeiro mistério, será perdoado. Mas se ele transgredir
mais de doze vezes, se der as costas e transgredir, não mais será
perdoado de modo que possa voltar ao seu mistério, qualquer que seja.
Para ele não há meios de arrependimento a menos que tenha
recebido os mistérios do inefável, que tem compaixão
todas as vezes e perdoa eternamente os pecados (loc. cit., livro II, §
305). Estas recuperações depois de falhas, nas quais "os
pecados são perdoados", ocorrem na vida humana, especialmente
nas fases mais elevadas da evolução. É oferecida uma
oportunidade ao homem que, se aproveitada, lhe abriria novas possibilidades
de crescimento. Se ele falha em aproveitá-la, é deslocado
da posição que havia conseguido e que lhe possibilitara a
oportunidade. Por algum tempo, para ele é bloqueado o progresso;
ele deve dirigir todos os seus esforços redobrados para trilhar novamente
o chão que já trilhou, para reconquistá-lo e garantir
que pise em segurança onde antes escorregou. Só quando ele
consegue isto ele ouvirá a gentil Voz a dizer-lhe que o passado está
esgotado, a fraqueza se transformou em força, e que o portão
está novamente aberto para ele passar. Aqui também o "perdão"
é apenas a declaração, por uma autoridade capacitada,
a respeito do real estado das coisas, a abertura da porta para o competente,
e seu fechamento para o incompetente. Onde ocorreu um fracasso, com seu
conseqüente sofrimento, esta declaração seria sentida
como um "batismo para a remissão dos pecados", readmitindo
o aspirante em um privilégio perdido por seus próprios atos;
isto sem dúvida daria margem a sentimentos de alegria e paz, a um
alívio do peso da tristeza, a um sentimento de que as cadeias do
passado enfim se soltaram dos pés.
Uma verdade permanece, que jamais deveria ser esquecida: que estamos vivendo
em meio a um oceano de luz, amor, felicidade, que nos rodeia todo o tempo,
a Vida de Deus. Assim como o sol enche a Terra com sua radiância,
igualmente aquela Luz ilumina tudo, só que aquele Sol jamais se põe
em nenhuma parte dela. Nós bloqueamos aquela luz de nossa consciência
por nosso egoísmo, nossa falta de sentimentos, nossa impureza, nossa
intolerância, mas ela brilha sobre nós sempre imutável,
banhando-nos de todos os lados, pressionando contra nossas paredes autoconstruídas
com persistência gentil e poderosa. Quando a alma derruba estas paredes
isolantes, a luz entra, e a alma encontra-se inundada de luz solar, respirando
o bendito ar do Céu. "Pois o Filho do homem está no Céu",
embora não o saibamos, e sua brisa refresca suas sobrancelhas se
ele as descobrir ao seu sopro. Deus sempre respeita a individualidade humana,
e não entrará em sua consciência antes que esta consciência
se abra em boas-vindas; "Ouvi, eu estou à porta e bato"
(Apocalipse, III, 20) é a atitude de toda Inteligência espiritual
com relação à alma humana em desenvolvimento; esta
espera de a porta se abrir não está baseada em falta de simpatia,
mas em uma profunda sabedoria.
O homem não deve ser compelido; ele deve ser livre. Ele não
é um escravo, mas um Deus em formação, e o crescimento
não pode ser forçado, mas deve ser desejado a partir de dentro.
Somente quando a vontade concorda, como ensina Giordano Bruno, Deus irá
influenciar o homem, embora Ele esteja "presente em toda parte, e pronto
para vir em auxílio de quem quer que se volte para Ele através
de um ato de inteligência, e que se ofereça sem reservas com
o amor da vontade" (Giordano Bruno, The heroic enthusiasts, vol. I,
p. 133; trad. por L. Williamson). "A potência divina que existe
em tudo não oferece nem recusa, exceto através da assimilação
ou rejeição de alguém" (Ibid., vol II, pp. 27-28).
"Mas entra rapidamente, como a luz solar, e se faz presente para quem
quer que se volte para ela e se abra... as janelas são abertas, e
o sol entra num instante, e neste caso ocorre de modo semelhante" (Ibid.,
pp. 102-103).
A sensação do "perdão", assim, é o
sentimento que enche o coração de alegria quando a vontade
é sintonizada na harmonia com o Divino, quando, tendo a alma aberto
suas janelas, o brilho solar do amor e luz e felicidade penetra, quando
a parte sente sua unidade com o todo, e a Vida Única vibra em cada
veia. Esta é a nobre verdade que dá vitalidade até
mesmo à mais crua concepção do "perdão
dos pecados", que a torna muitas vezes, a despeito de sua incompletude
intelectual, uma inspiração para uma vida pura espiritual.
E esta é a verdade, como apresentada nos Mistérios Menores.
CAPÍTULO XII
Os Sacramentos
Em todas as religiões existem certos cerimoniais, ou ritos, que são
considerados de importância vital pelos crentes na religião,
e que são acreditados como conferidores de certos benefícios
àqueles que tomam parte neles. A palavra Sacramento, ou algum termo
equivalente, tem sido aplicada a estes cerimoniais, e eles têm sempre
o mesmo caráter. Tem sido feito pouca exposição de
sua natureza e significado, mas este é outro dos assuntos explicados
antigamente nos Mistérios Menores.
A característica peculiar de um Sacramento reside em duas de suas
propriedades. Primeiro, há a cerimônia exotérica, que
é uma alegoria figurada, uma representação de algo
através de ações e materiais - não uma alegoria
verbal, um ensinamento dado em palavras veiculando uma verdade, mas uma
representação encenada, sendo determinadas coisas materiais
usadas de um modo específico. O objetivo, na escolha destes materiais,
e buscado nas cerimônias que são acompanhadas de sua manipulação,
é representar, como numa pintura, alguma verdade que se deseja imprimir
nas mentes das pessoas presentes. Esta é a primeira e mais óbvia
propriedade de um Sacramento, diferenciando-o de outras formas de culto
e meditação. Ele apela para aqueles que, sem estas imagens,
falhariam em captar uma verdade sutil, e lhes mostra de uma forma vívida
e plástica a verdade que de outro modo lhes escaparia. Todo Sacramento,
quando é estudado, deveria ser tomado sob o ponto de vista de que
é uma alegoria figurada; depois, as coisas essenciais a ser estudadas
serão: os objetos materiais que entram na alegoria, o método
pelo qual são empregados, e o significado que o todo é planejado
para veicular.
A segunda propriedade característica de um Sacramento pertence aos
fatos dos mundos invisíveis, e é estudada pela ciência
oculta. A pessoa que oficia no Sacramento deveria possuir este conhecimento,
pois um pouco, embora não todo, do poder operativo do Sacramento
depende do conhecimento do oficiante. Um Sacramento liga o mundo material
com as regiões sutis e invisíveis às quais este mundo
está relacionado; é um elo entre o visível e o invisível.
E não só é um elo entre este mundo e outros mundos,
mas também é um método pelo qual as energias do mundo
invisível são transmutadas em ação no físico,
e um método real de mudar energias de um tipo em energias de outro
tipo, como literalmente na célula galvânica as energias químicas
são transformadas em elétricas. A essência de todas
as energias é uma e a mesma, seja nos mundos visível ou invisível;
mas as energias diferem de acordo com os graus de matéria através
dos quais se manifestam. Um Sacramento serve como um tipo de encruzilhada
na qual tem lugar a alquimia espiritual. Uma energia colocada nesta encruzilhada
e sujeita a certas manipulações segue adiante diferente em
expressão. Assim uma energia de um tipo sutil, pertencendo a uma
das regiões superiores do universo, pode ser trazida a uma relação
direta com as pessoas vivendo no mundo físico, e pode ser posta a
afetá-las no mundo físico, assim como em sua própria
região; o Sacramento forma a última ponte do invisível
ao visível, e possibilita às energias serem diretamente aplicadas
naqueles que preenchem os requisitos necessários e tomam parte no
Sacramento.
Os Sacramentos da Igreja Cristã perderam muito de sua dignidade e
do reconhecimento de seu poder oculto entre aqueles que se separaram da
Igreja Católica Romana na época da "Reforma". A
separação prévia entre Ocidente e Oriente, deixando
de um lado a Igreja Ortodoxa Grega e de outro a Igreja Romana, de modo algum
afetou a fé nos Sacramentos. Eles permaneceram nas duas grandes comunidades
como elos reconhecidos entre o visível e o invisível, e santificam
a vida do fiel do berço até a tumba. Os Sete Sacramentos do
Cristianismo cobrem toda a vida, desde as boas-vindas do Batismo até
o adeus da Extrema-Unção. Eles foram estabelecidos por Ocultistas,
por homens que conheciam os mundos invisíveis; e os materiais usados,
as palavras ditas, os sinais feitos, foram todos deliberadamente escolhidos
e arranjados com o intuito de produzir certos resultados.
No tempo da Reforma, as Igrejas separatistas que se livraram do jugo de
Roma não foram guiadas por Ocultistas, mas por homens comuns do mundo,
alguns bons e outros maus, mas todos profundamente ignorantes dos fatos
dos mundos invisíveis, e conscientes apenas da casca externa do Cristianismo,
seus dogmas literais e culto exotérico. A conseqüência
disto foi que os Sacramentos perderam seu lugar supremo no culto Cristão,
e na maioria das comunidades Protestantes foram reduzidos a dois, o Batismo
e a Eucaristia.
A natureza sacramental dos outros não foi negada explicitamente nas
mais importantes das Igrejas dissidentes, mas os dois foram separados dos
cinco como sendo universalmente obrigatórios, nos quais todo membro
deveria tomar parte a fim de ser reconhecido como um membro pleno.
A definição geral de Sacramento é dada muito precisamente,
a não ser por algumas palavras supérfluas, "ordenadas
pelo próprio Cristo", no Catecismo da Igreja da Inglaterra,
e mesmo estas palavras poderiam ser mantidas se se desse o sentido místico
à palavra "Cristo". Lá se diz que um Sacramento
é "Um sinal externo e visível de uma graça interna
e invisível dada a nós, ordenada pele próprio Cristo,
como um meio pelo qual a recebemos e como uma súplica para que a
mesma nos seja confirmada daí em diante"
Nesta definição temos registradas as duas características
de um Sacramento como apresentamos antes. O "sinal externo e visível"
é a alegoria figurada, e a frase "um meio pelo qual recebemos
a graça interna e espiritual" cobre a segunda propriedade. Esta
última frase deveria ser cuidadosamente notada por aqueles membros
das Igrejas Protestantes que consideram os Sacramentos como meras fórmulas
e cerimônias externas. Pois ela afirma nitidamente que o Sacramento
é realmente um meio por onde a graça é veiculada, implicando
assim que sem ele a graça não se transmite do mesmo modo do
mundo espiritual ao físico. É o reconhecimento nítido
de um Sacramento em seu segundo aspecto, o de um meio por onde os poderes
espirituais são trazidos à atividade na Terra.
A fim de entendermos um sacramento, é necessário que reconheçamos
definitivamente a evidência de um lado oculto ou invisível
na Natureza; isto é falado a respeito do lado vida da Natureza, o
lado consciência, mais precisamente a mente na Natureza. Por trás
de toda ação sacramental existe a crença de que o mundo
invisível exerce uma poderosa influência sobre o visível,
e para entendermos um Sacramento devemos entender algo sobre as Inteligências
invisíveis que administram a Natureza. Vimos, ao estudarmos a doutrina
da Trindade, que o Espírito se manifesta como o Eu trino, e que o
campo para Sua manifestação é a Matéria, o lado
forma da Natureza, freqüentemente considerado, e com razão,
como a própria Natureza. Temos de estudar estes dois aspectos, o
lado da vida e o lado da forma, a fim de entendermos um Sacramento.
Estendendo-se entre a Trindade e a humanidade existem muitos graus e hierarquias
de seres invisíveis; os mais elevados são os Sete Espíritos
de Deus, os Sete Fogos, ou Chamas, que ficam diante do trono de Deus (Apocalipse,
IV, 5). Cada um deles está à testa de uma vasta hoste de Inteligências,
que compartilham de Sua natureza e agem debaixo de Suas ordens; estas Inteligências
também são graduadas, e existem os Tronos, as Potestades,
os Principados, as Dominações, os Arcanjos e Anjos, de quem
se encontra menção nos escritos dos Padres Cristãos,
que eram, versados nos Mistérios. Assim, existem sete grandes hostes
destes Seres, e eles representam em sua inteligência a Mente Divina
na Natureza. Eles são encontrados em todas as regiões, e animam
as energias da Natureza. Do ponto de vista do ocultismo não existe
nenhuma força ou matéria mortas. Tanto força como matéria
são vivas e ativas, e uma energia ou grupo de energias é o
véu de uma Inteligência, de uma Consciência, que tem
aquela energia como sua expressão externa, e a matéria na
qual a energia se move fornece uma forma que a Inteligência guia ou
anima. A menos que um homem possa olhar a Natureza desta forma todo ensinamento
esotérico lhe será como um livro fechado. Sem estas Vidas
angélicas, estas incontáveis Inteligências invisíveis,
estas Consciências que animam a força e a matéria (A
frase "força e matéria" é usada como na ciência.
Mas força é uma das propriedades da matéria, aquela
chamada de Movimento. Vide ante, p. 228), a qual é a Natureza, a
própria Natureza permaneceria não só ininteligível,
mas também fora de relação tanto com a Vida divina
que se move dentro e em torno dela, como com as vidas humanas que estão
se desenvolvendo em seu meio. Estes inumeráveis Anjos unem os mundos;
eles mesmos estão evoluindo enquanto ajudam na evolução
de seres inferiores a si mesmos, e é lançada uma nova luz
sobre a evolução quando vemos que os homens formam graus nestas
hierarquias de seres inteligentes. Estes Anjos são os "Filhos
de Deus" de uma geração anterior à nossa, e que
"gritaram de alegria" (Jó, XXXVIII, 7) quando foram lançadas
as fundações da Terra em meio ao coro das Estrelas da Manhã.
Outros seres estão abaixo de nós na evolução
- animais, plantas, minerais e vidas elementais - assim como os Anjos estão
acima de nós; e à medida que estudamos, desponta sobre nós
uma concepção de uma vasta Roda da Vida, de incontáveis
existências, inter-relacionadas e necessárias umas para as
outras, tendo o homem, como uma inteligência viva, seu próprio
lugar nesta Roda. A Roda está sempre girando pela Vontade divina,
e as Inteligências vivas que a constituem aprendem a cooperar com
aquela Vontade, e se na ação daquelas Inteligências
houvesse qualquer interrupção ou falha devido à negligência
ou oposição, então a Roda emperra, rodando lentamente,
e a carruagem da evolução dos mundos anda só pesadamente
em seu caminho.
Estas inumeráveis vidas, acima e abaixo do homem, entram em contato
com a consciência humana de maneiras muito definidas, entre elas os
sons e as cores. Cada som tem uma forma no mundo invisível, e a combinação
de sons cria formas complicadas (Para informação sobre as
formas criadas por notas musicais consulte-se qualquer livro de ciência
a respeito de Som, e também o livro ilustrado de Watts-Hughes, Voice
Figures). Na matéria sutil daqueles mundos todos os sons são
acompanhados de cores, de modo que eles dão origem a formas multifacetadas,
em muitos casos extremamente belas. As vibrações dispostas
no mundo invisível quando é tocada uma nota estabelecem vibrações
nos mundos invisíveis, cada uma com seu caráter específico,
e capaz de produzir determinados efeitos. Na comunicação com
inteligências subumanas associadas ao mundo invisível inferior
e ao físico, e controlando-as e dirigindo-as, os sons podem ser usados
para produzir os resultados desejados, assim como uma linguagem feita de
sons definidos é usada aqui. E na comunicação com Inteligências
superiores são úteis certos sons, a fim de criar uma atmosfera
harmoniosa, adequada para as suas atividades, e que tornam nossos próprios
corpos sutis receptivos às suas influências.
Este efeito sobre os corpos sutis é uma parte importantíssima
do uso oculto dos sons. Estes corpos, assim como o físico, estão
em contínuo movimento vibratório, cujas vibrações
se alteram ao menor pensamento ou desejo. Estas vibrações
irregulares mutantes oferecem um obstáculo à qualquer nova
vibração vinda de fora, e, a fim de tornar os corpos suscetíveis
às influências superiores, são usados sons que reduzem
as vibrações irregulares para um ritmo regular, semelhante
em sua natureza ao ritmo da Inteligência que se deseje contatar. O
objetivo de toda frase repetida freqüentemente é produzir isto,
assim como um músico toca a mesma nota muitas vezes até que
todos os instrumentos estejam afinados. Os corpos sutis devem ser afinados
na nota do Ser procurado, se Sua influência há de encontra
um caminho livre através da natureza do adorador, e isto sempre foi
feito pelo uso de sons. Daí que a música sempre formou uma
parte integral do culto, e certas cadências definidas forma preservadas
com cuidado, transmitidas de idade em idade.
Em todas as religiões existem sons de um caráter peculiar,
chamados de "Palavras de Poder", consistindo de frases em uma
língua particular cantada de uma forma especial; cada religião
possui um estoque de tais frases, seqüências especiais de sons,
agora chamadas muito genericamente de "mantras", que é
o nome que se lhes dá no Oriente, onde a ciência dos mantras
tem sido muito estudada e elaborada. Não é necessário
que um mantra - uma seqüência de sons arranjada de um modo particular
para produzir um resultado definido - deva estar em qualquer linguagem em
especial. Qualquer língua pode ser usada para este propósito,
embora algumas sejam mais adequadas que outras, desde que a pessoa que cria
os mantras possua o conhecimento oculto necessário. Há centenas
de mantras na língua Sânscrita, feitos por Ocultistas do passado,
que estavam familiarizados com as leis dos mundos invisíveis. Estes
mantras foram transmitidos de geração em geração,
palavras definidas em uma seqüência definida cantadas em um modo
definido. O efeito do canto é criar vibrações, e com
isso formas, nos mundos físico e superfísico, e de acordo
com o conhecimento e pureza do cantor o seu canto será capaz de afetar
um ou outro mundo. Se seu conhecimento for vasto e profundo, se sua vontade
for forte e seu coração for puro, quase não há
limite para os poderes que ele poderá exercer ao usar um destes antigos
mantras.
Como se disse, não é necessário que se use uma língua
em especial. Eles podem ser em Sânscrito, ou em qualquer uma das línguas
do mundo, nas quais homens de conhecimento os compuseram.
Esta é a razão pela qual, na Igreja Católica Romana,
a língua latina é sempre usada em atos de culto importantes.
Aqui ela não é usada como uma língua morta, uma língua
"incompreendida pelo povo", mas como uma força viva nos
mundos invisíveis. Não é usada para esconder conhecimento
do povo, mas a fim de que certas vibrações possam ser estabelecidas
nos mundos invisíveis que não podem sê-lo nas línguas
comuns da Europa, a menos que um grande Ocultista compusesse nelas as seqüências
de som necessárias. Traduzir um mantra é mudá-lo de
uma "Palavra de Poder" para uma frase comum; o som sendo mudado,
outras formas são criadas.
Algumas combinações de palavras latinas, com a música
associada a elas no culto Cristão, provoca os mais notáveis
efeitos nos mundos suprafísicos, e qualquer um que seja sensível
ficará consciente de efeitos peculiares causados pelo canto de algumas
das frases mais sagradas, especialmente na Missa. Efeitos vibratórios
podem ser sentidos por qualquer um que se sente quieto e receptivo à
medida que algumas destas frases são pronunciadas pelo sacerdote
ou pelos coralistas. E ao mesmo tempo são provocados efeitos nos
mundos superiores afetando diretamente os corpos sutis dos adoradores do
modo acima descrito, e também chamando Inteligências naqueles
mundos com um significado tão definido como as palavras endereçadas
de uma pessoa para outra no plano físico, seja sob forma de prece,
seja, em alguns casos, como um comando. Os sons, provocando fulgurantes
formas ativas, voam através dos mundos, afetando a consciência
das Inteligências que neles residem, e levando algumas delas a desempenhar
os serviços definidos requeridos por aqueles que estão tomando
parte no ofício da igreja.
Tais mantras formam uma parte essencial de todo Sacramento.
A outra parte essencial do Sacramento, em sua forma externa e visível,
são certos gestos. Eles são chamados Sinais, Signos ou Selos
- as três palavras significando o mesmo em um Sacramento. Cada sinal
tem seu próprio significado especial, e marca a direção
imposta sobre as forças invisíveis com as quais o oficiante
está trabalhando, seja partindo de si mesmo, seja veiculadas através
dele. Em qualquer caso, os sinais são necessários para produzir
os resultados desejados, e constituem uma porção essencial
no rito sacramental. Um tal sinal é chamado de "Sinal de Poder",
assim como o mantra é uma "Palavra de Poder".
É interessante ler nas obras ocultas do passado referências
a estes fatos, tão verdadeiras agora como antes. No Livro dos Mortos
Egípcio é descrita a jornada post-mortem da Alma, e lemos
como ela é parada e questionada em várias etapas desta viagem.
Ela é parada e questionada pelos Guardiães do portão
de cada mundo sucessivo, e a Alma não pode passar através
do Portão de seguir seu caminho a menos que saiba duas coisas: deve
dizer uma palavra, a Palavra de Poder; deve fazer um sinal, o Sinal de Poder.
Quando aquela Palavra é dita e aquele Sinal é feito, caem
os ferrolhos do Portão, e os Guardiães se afastam para deixar
a Alma passar. Um relato semelhante é dado no grande Evangelho Místico
Pistis Sophia, mencionado antes (v. ante, pp. 118, 119 e 260). Aqui a passagem
através dos mundos não é a de uma Alma liberta do corpo
pela morte, mas a de uma que voluntariamente o deixou no curso da Iniciação.
Existem grandes Poderes, os Poderes da Natureza, que bloqueiam seu caminho,
e até que o Iniciado diga a Palavra e faça o Sinal, eles não
deixarão que passe através dos portões de seus domínios.
Este duplo conhecimento, então, era necessário - falar a Palavra
de Poder, fazer o Sinal de Poder. Sem isso o progresso era bloqueado, e
sem isso um Sacramento não é Sacramento.
Além disso, em todos os Sacramentos é, ou deveria ser, usado
algum material físico (No Sacramento da Penitência as cinzas
agora são omitidas, exceto em ocasiões especiais, mas não
obstante elas formam parte do rito). Ele é sempre um símbolo
daquilo que vai ser ganho com o Sacramento, a ponta para a natureza da "graça
interior e espiritual" recebida através dele. Ele é também
o meio material de veiculação da graça, não
simbolicamente, mas de fato, e uma mudança sutil neste material o
adapta para elevados fins.
Mas um objeto físico consiste de partículas sólidas,
líquidas e gasosas, nas quais um químico o poderia separar
para análise, e além do éter, que interpenetra o material
mais grosseiro. Neste éter atuam energias magnéticas. Está,
além disso, conectado a contrapartes de matéria sutil, nas
quais atuam energias mais sutis que a magnética, mas semelhantes
a ela em sua natureza e ainda mais poderosas.
Quando um objeto é magnetizado é efetuada uma mudança
em sua porção etérica, os movimentos de onda são
alterados e organizados, e obrigados a acompanhar os movimentos de onda
do éter do magnetizador; ele assim passa a compartilhar de sua natureza,
e as partículas mais densas do objeto, influenciadas pelo éter,
lentamente mudam seus padrões de vibração. Se o magnetizador
tem o poder de afetar também as contrapartes sutis ele as faz vibrar
também em consonância à sua própria vibração.
Este é o segredo das curas magnéticas; as vibrações
irregulares da pessoa doente são postas em concordância com
as vibrações saudáveis do operador, tão definidamente
como um objeto irregularmente oscilante pode ser posto a oscilar com regularidade
com golpes regulares e repetidos. Um médico magnetizará a
água e assim curará seu paciente. Ele magnetizará uma
roupa, e a roupa, colocada no lugar da dor, curará. Ele usará
um ímã poderoso, ou uma corrente galvânica, e restaurará
a energia de um nervo. Em todos os casos o éter é posto em
movimento, e com isso as partículas físicas mais densas serão
afetadas.
Um resultado similar ocorre quando os materiais usados em um Sacramento
são submetidos à Palavra de Poder e ao Sinal de Poder. São
causadas mudanças magnéticas no éter da substância
física, e as contrapartes sutis são afetadas de acordo com
o conhecimento, pureza e devoção do celebrante que as os magnetiza
- ou, no termo religioso, os consagra. Além disso, a Palavra e o
Sinal de Poder atraem à celebração os Anjos especialmente
relacionados aos materiais usados e à natureza do ato executado,
e eles concedem sua poderosa ajuda, derramando suas próprias energias
magnéticas nas contrapartes sutis, e mesmo no éter físico,
reforçando assim as energias do celebrante. Ninguém que conheça
os poderes do magnetismo poderá duvidar das possibilidades de mudança
nos objetos materiais como aqui apresentamos. E se um homem de ciência,
que possa não ter fé no invisível, tem o poder de impregnar
água com sua própria energia vital para que ela cure uma moléstia
física, por que o poder de uma natureza similar mas superior deveria
ser negado àqueles de vida santa, de caráter nobre, de conhecimento
do invisível? Aqueles que são capazes de sentir as formas
superiores de magnetismo sabem muito bem que os objetos consagrados variam
muito em seu poder, e que a diferença magnética é devida
à variação no conhecimento, pureza e espiritualidade
do sacerdote que os consagra. Alguns negam todo magnetismo vital, e rejeitariam
igualmente a água benta da religião e a água magnetizada
da ciência médica. Eles são coerentes, mas ignorantes.
Mas os que admitem a utilidade de uma, e riem da outra, demonstram-se não
sábios, mas preconceituosos, não instruídos, mas bitolados,
e provam que sua falta de fé na religião limita sua inteligência,
predispondo-os a rejeitar da mão da religião o que eles aceitam
da mão da ciência. Acrescentaremos um pouco mais a este assunto
dos "objetos sagrados" em geral no capítulo XIV.
Vemos assim que a parte exterior de um sacramente é de enorme importância.
Mudanças reais são feitas nos materiais usados. Eles são
transformados em veículos de energias mais elevadas do que aquelas
que lhes pertencem naturalmente; pessoas que se aproximem deles, que os
toquem, terão seus próprios corpos etéricos e sutis
afetados pelo seu potente magnetismo, e serão postos em condições
muito receptivas para com as influências superiores, sendo sintonizados
em concordância com os exaltados Seres associados á Palavra
e ao Sinal usados na consagração. Seres pertencendo ao mundo
invisível estarão presentes durante o rito sacramental, derramando
suas influências benignas e graciosas; e do mesmo modo todos os que
forem dignos participantes na cerimônia - suficientemente puros e
devotos para serem sintonizados pelas vibrações produzidas
- verão suas emoções purificadas e estimuladas, sua
espiritualidade avivada, e seus corações cheios de paz, por
entrarem em tal contato estreito com as realidades invisíveis.
CAPÍTULO XIII
Os Sacramentos - Continuação
Agora temos que aplicar estes princípios gerais a exemplos concretos,
para vermos como eles explicam e justificam os ritos sacramentais encontrados
em todas as religiões.
Será suficiente se tomarmos três exemplos dentre os Sete Sacramentos
usados na Igreja Católica. Dois são reconhecidos como obrigatórios
por todos os Cristãos, embora certos Protestantes extremistas neguem
seu caráter sacramental, dando-lhes um valor declaratório
e mnemônico apenas, em vez de sacramental; mas mesmo entre eles o
coração da verdadeira devoção ganha algo da
bênção sacramental que a cabeça nega. O terceiro
não é reconhecido nem nominalmente como um Sacramento pelas
Igrejas Protestantes, embora ele apresente os sinais essenciais de um Sacramento,
como apresentado na definição do já citado Catecismo
da Igreja da Inglaterra. O primeiro é o do Batismo; o segundo o da
Eucaristia; o terceiro é o do Matrimônio. A colocação
do Matrimônio fora da dignidade de Sacramento tem degradado muito
seu elevado ideal, e tem levado a muito do afrouxamento de seu laço,
o que os homens esclarecidos deploram.
O Sacramento do Batismo é encontrado em todas as religiões,
não só na entrada na vida terrena, mas mais geralmente como
uma cerimônia de purificação. A cerimônia que
admite o recém-nascido - ou o adulto - numa religião tem um
borrifar de água como parte essencial do rito, e isto era tão
universal nos dias de antanho como o é hoje. O Rev. Dr. Giles assinala:
"A idéia de se usar água como emblema da purificação
espiritual é tão óbvia que não nos surpreendemos
da antigüidade deste rito. O Dr. Hyde, em seu tratado sobre a Religion
of the Ancient Persians, cap. XXXIV, p. 406, conta-nos que ele prevaleceu
entre aquele povo. Eles não usam a circuncisão para as suas
crianças, mas apenas o batismo, ou lavagem para a purificação
da alma. Eles levam a criança ao sacerdote no templo, e colocam-na
defronte ao sol e ao fogo, e quando a cerimônia se encerra eles olham
para a criança como estando mais sagrada do que antes. Lord diz que
eles trazem a água para este propósito na casca do Azevinho;
esta árvore é de fato o Haum dos Magos, do qual falamos antes
em outra ocasião. Algumas vezes também isto é feito
de outra forma, imergindo a criança em uma grande recipiente com
água, como nos conta Tavernier. Depois desta lavagem, ou batismo,
o sacerdote impõe á criança o nome dado pelos pais"
(Christian Records, p. 129). Poucas semanas depois do nascimento de uma
criança Hindu se celebra uma cerimônia, parte da qual consiste
em borrifar a criança com água - tal borrifamento entra em
todo o culto Hindu. Willimason cita autoridades confirmando a prática
do Batismo no Egito, Pérsia, Tibete, Mongólia, México,
peru, Grécia, Roma, Escandinávia e entre os Druidas (The Great
Law, pp. 161-166). Algumas das preces citadas são muito belas: "Eu
rezo para que esta água celestial, azul e azul clara, possa entra
em teu corpo e ali viver. Eu rezo para que ela possa destruir em ti todas
as coisas malignas e adversas que te foram dadas antes do início
do mundo". "Oh criança, recebe a água do Senhor
do mundo, o qual é a nossa vida: ela é para limpar e para
purificar; possam estas gotas remover o pecado que te foi imposto antes
da criação do mundo, uma vez que todos nós estamos
sob o seu jugo".
Tertuliano menciona o mesmo uso geral do Batismo entre as nações
não-Cristãs em uma passagem já citada, e outros Padres
da Igreja também se referem a isto.
Na maioria das comunidades religiosas uma forma menor do Batismo acompanha
todas as cerimônias, sendo usada água como símbolo de
purificação, sendo a idéia de que nenhum homem deveria
entrar no culto antes que purificasse seu coração e consciência,
sendo que a lavagem externa simbolizava a lustração interior.
Nas Igrejas Grega e Romana é colocado um pequeno receptáculo
para água benta perto de cada porta, e todo fiel que entra toca nela,
fazendo com ela em si mesmo o sinal da cruz antes de seguir em direção
ao altar. Sobre isto Robert Taylor assinala: "As fontes batismais em
nossas igrejas Protestantes, e não precisamos dizer mais especificamente
as pequenas cisternas na entrada de nossas capelas Católicas, não
são imitações, mas uma continuação jamais
interrompida da mesma acqua minaria, ou amula, que o erudito Montfaucon,
em sua Antiquities, demonstra terem sido vasos de água santificada,
que eram colocados pelos pagãos na entrada de seus templos para borrifarem
a si mesmos ao entrarem naqueles edifícios sagrados" (Diegesis,
p. 219).
Seja no Batismo da recepção inicial na Igreja, ou nestas lustrações
menores, o agente material empregado é a água, o grande fluido
limpador na Natureza, e portanto o melhor símbolo para a purificação.
Sobre esta água é pronunciado um mantra, no ritual inglês
representado pela oração "Santifica esta água
para a mística limpeza do pecado", concluindo com a fórmula
"Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amen". Esta
é a Palavra de Poder, e ela é acompanhada pelo Sinal de Poder,
o Sinal da Cruz executado sobre a superfície da água.
A Palavra e o Sinal dão à água, como se explicou antes,
uma propriedade que antes ela não possuía, e corretamente
é chamada de "água benta". Os poderes das trevas
não se aproximam dela; borrifada sobre o corpo dá uma sensação
de paz, e transmite nova vida espiritual. Quando uma criança é
batizada, a energia espiritual dada pela água pela Palavra e pelo
Sinal fortalecem a vida espiritual na criança, e então a Palavra
de Poder é dita novamente, desta vez sobre a criança, e o
Sinal é traçado sobre sua testa, e nos seus corpos sutis são
sentidas as vibrações, e os apelos para que seja guardada
a vida assim santificada ecoam nos mundos invisíveis; pois este Sinal
é ao mesmo tempo purificador e protetor - purificador pela vida que
é derramada através dele, protetor pelas vibrações
que suscita nos corpos sutis. Estas vibrações formam um muro
protetor contra os ataques de influências hostis nos mundos invisíveis,
e toda a vez que a Palavra é pronunciada e feito o Sinal, a energia
é renovada, as vibrações são reforçadas,
ambas sendo reconhecidas como potentes nos mundos invisíveis, e trazendo
auxílio para o operador.
Na Igreja primitiva, o Batismo era precedido de uma preparação
muito cuidadosa, sendo aqueles admitidos á Igreja principalmente
conversos de outros credos. Um converso passava por três estágios
definidos de instrução, ficando em cada estágio até
que tivesse dominado seus ensinamentos, e então era admitido na Igreja
pelo Batismo. Sé depois que lhe era ensinado o Credo, que não
se encontrava por escrito, nem mesmo era repetido na presença dos
não-crentes; Isto seria então como um sinal de reconhecimento,
e como uma prova da posição do homem que era capaz de recitá-lo,
mostrando que ele era um membro batizado da Igreja. O quão verdadeiramente
naqueles dias se acreditava na graça veiculada pelo Batismo é
demonstrado pelo costume que se propagou do Batismo no leito de morte. Acreditando
na realidade do Batismo, homens e mulheres, que não queriam abandonar
seus prazeres ou manter suas vidas livres de mancha, protelavam o rito do
Batismo até que a mão da Morte estava sobre eles, de modo
que poderiam se beneficiar da graça sacramental e passar pelo portão
da Morte puros e limpos, cheios de energia espiritual. Contra este abuso
lutaram alguns Padres da Igreja, e com eficácia. Existe uma original
história contada por um deles, acho que por Santo Atanásio,
que era um homem de uma verve cáustica, não avesso ao uso
do humor para fazer seus ouvintes entenderem a ocasional tolice ou perversidade
de seu comportamento. Ele contou à sua congregação
que ele havia tido uma visão, e que havia ido até a porta
do céu, onde estava São Pedro como Porteiro. Ele não
deu nem um sorriso de boas-vindas ao visitante, mas demonstrou declarado
aborrecimento. "Atanásio", disse ele, "por que está
sempre me enviando estas sacolas vazias, cuidadosamente seladas, com nada
por dentro?" Este é um dos penetrantes ditados que encontramos
na antigüidade Cristã, quando estas coisas eram reais para os
homens Cristãos, e não meras formalidades, como hoje em dia
tão amiúde se tornaram.
O costume do Batismo infantil gradualmente cresceu na Igreja, e daí
a instrução que antigamente precedia o Batismo passou a ser
a preparação da Confirmação, quando a mente
e a inteligência despertas se erguem e confirmam as promessas batismais.
A recepção do infante na Igreja é vista como sendo
efetuada corretamente quando a vida do homem é reconhecida como ocorrendo
nos três mundos, e quando o Espírito e a Alma que vieram habitar
o corpo recém-nascido são sabidos não estarem mais
em um estado de inconsciência e desinteligência, mas sim conscientes,
inteligentes e potentes nos mundos invisíveis. É correto e
justo que o "Homem Oculto no coração (I Pedro, III, 4)
deva ser bem acolhido ao novo estágio de sua peregrinação,
e que as mais auxiliadoras influências devam ser levadas a atuar no
veículo que ele há de habitar, e que ele tem de moldar para
seu serviço. Se os olhos dos homens estivessem abertos, como estavam
os do antigo servo de Eliseu, eles ainda veriam os cavalos e as carruagens
de fogo reunidas na montanha onde estava o profeta do Senhor (II Reis, VI,
17).
Passamos ao segundo dos Sacramentos selecionados para estudo, o do Sacrifício
da Eucaristia, um símbolo do Sacrifício eterno já explanado,
o sacrifício diário da Igreja Católica por todo o mundo
espelhando o Sacrifício eterno pelo qual os mundos são feitos,
e pelo qual são eternamente mantidos. deve ser oferecido diariamente,
assim como o seu arquétipo existe perpetuamente, e naquele ato os
homens tomam parte na operação da Lei do Sacrifício,
identificam-se com ele, reconhecem sua natureza obrigatória e unificante,
e se associam voluntariamente nele em sua atuação nos mundos;
nesta identificação, é necessário compartilhar
da parte material do Sacramento, a fim de a identificação
ser completa, mas muitos dos benefícios também podem ser compartilhados,
e a influência que se espalha para os mundos pode ser aumentada, se
os adorantes devotos se associarem ao ato mentalmente, embora não
fisicamente.
Esta grande função do culto Cristão perde sua força
e significado quando é considerada nada mais que uma mera comemoração
de um sacrifício passado, como uma alegoria figurada sem uma verdade
profunda que o anime, como uma partilha do pão e do vinho sem uma
participação no Sacrifício eterno. Vê-la assim
é torná-la uma mera concha, uma imagem morte em vez de uma
realidade viva. "A taça de bênção que bendizemos,
não é a comunhão do sangue de Cristo?", pergunta
o Apóstolo. "O pão que dividimos, não é
a comunhão do corpo de Cristo?" (I Coríntios, X, 16).
E ele prossegue para assinalar que todos os que comem de um sacrifício
se tornam partícipes de uma natureza comum, e são reunidos
num só corpo, que está unido a e participa da natureza do
Ser que está presente no sacrifício. Aqui está envolvido
um fato do mundo invisível, e ele fala com a autoridade do conhecimento.
Seres invisíveis derramam sua essência nos materiais usados
em qualquer rito sacramental, e aqueles que compartilham destes materiais
- que são assimilados pelo corpo e passam a fazer parte de seus constituintes
- são por isso unidos àqueles cuja essência está
neles, e todos compartilham de uma mesma natureza. Isto é verdade
até mesmo quando tomamos comida normal da mão de outrem -
parte de sua natureza, de seu magnetismo vital, se mistura aos nossos; quão
mais verdadeiro então quando a comida foi solene e intencionalmente
impregnada com magnetismo superior, que afetará os corpos sutis assim
como o físico. Se entendermos o significado e uso da Eucaristia devemos
compreender estes fatos dos mundos invisíveis, e deveremos ver nela
um elo entre o terreno e o celeste, bem como um ato de adoração
universal, uma co-operação, uma associação,
com a Lei do Sacrifício, senão ela perde grande parte de sus
significância.
O emprego do pão e do vinho como materiais para este Sacramento -
como ouso da água no sacramento do Batismo - é de uso muito
antigo e geral. Os persas ofereciam pão e vinho para Mitra, e oferendas
similares eram feitas no Tibete e na Tartária. Jeremias fala dos
bolos e bebidas oferecidos à Rainha dos Céus pelos judeus
no Egito, quando tomavam parte no culto Egípcio (Jeremias, XLIV).
No Gênesis lemos que Melquisedec, o Rei-Iniciado, usou pão
e vinho na bênção de Abraão (Gênesis, XIV,
18-19). Nos vários Mistérios gregos eram usados o pão
e o vinho, e Williamson menciona seu uso também entre os mexicanos,
os peruanos e os Druidas (The Great Law, pp. 177, 181, 185).
O pão permanece como o símbolo geral para a comida que constrói
o corpo, e o vinho como símbolo do sangue, considerado como o fluido
vital, "pois a vida da carne está no sangue" (Levítico,
XVII, 11). Daí que membros de uma mesma família são
ditos ser do mesmo sangue, e ser do sangue de alguém é ser
seu parente. Daí também as antigas cerimônias do "pacto
de sangue"; quando um estrangeiro era feito parte de uma família
ou de uma tribo, algumas gotas de sangue de um membro eram infundidas em
suas veias, ou ele as bebia - usualmente misturadas na água - e daí
em diante ele era considerado como um membro nato da família ou tribo,
como sendo do seu sangue. De modo similar, na Eucaristia os adoradores participam
do pão, simbolizando o corpo, a natureza, de Cristo, e do vinho,
simbolizando o sangue, a vida do Cristo, e se tornando parte da Sua família,
unos com Ele.
A Palavra de Poder é a fórmula "Este é o Meu Corpo",
"Este é o Meu Sangue". Isto é o que produz a mudança
que logo analisaremos, e transforma os materiais em veículos para
energias espirituais. O Sinal de Poder é a mão estendida sobre
o pão e o vinho, e o Sinal da Cruz deveria ser feito sobre eles,
embora isto não o seja sempre entre os Protestantes. Esta é
são as partes externas essenciais do Sacramento da Eucaristia.
É importante entendermos a mudança que tem lugar neste Sacramento,
pois ela á mais do que a magnetização previamente explicada,
embora ela também ocorra. Temos aqui um exemplo particular de uma
lei geral.
Pelo ocultista, uma coisa física é considerada como a expressão
última, física, de uma verdade invisível. Tudo é
uma expressão física de um pensamento. Um objeto não
passa de uma idéia externalizada e densificada. Todos os objetos
no mundo são idéias Divinas expressas na matéria física.
Sendo assim, a realidade do objeto não está em sua forma exterior,
mas em sua vida interna, na idéia que o modelou numa expressão
de si mesma. Nos mundos superiores, sendo a matéria ali muito sutil
e plástica, ela conforma-se rapidamente à idéia, e
muda de forma quando o pensamento muda. À medida que a matéria
se torna mais densa, mais pesada, ela muda mais lentamente, até que
no mundo físico as mudanças estão em seu ponto mais
lento, em conseqüência da resistência da matéria
de que o mundo físico é composto. Mas demos tempo suficiente
e mesmo esta matéria pesada muda sob a pressão da idéia
animante, como pode ser visto pela gravação no rosto das expressões
dos pensamentos e emoções habituais.
Esta é a verdade que subjaz àquilo que é chamado de
doutrina da Transubstanciação, tão extraordinariamente
mal-entendida pelos Protestantes comuns. Mas este é o destino das
verdades ocultas quando são apresentadas ao ignorante. A "substância"
que é alterada é a idéia que faz uma coisa ser o que
é; "pão" não é meramente farinha e
água; a idéia que governa a mistura, a manipulação
da farinha e da água, esta é a "substância"
que o faz ser "pão", e a farinha e água são
o que se chama tecnicamente de "acidentes", os arranjos de matéria
que são forma à idéia. Com uma idéia, ou substância,
diferente, a farinha e a água tomariam uma forma diferente, como
o fazem quando são assimiladas pelo corpo. Assim também os
químicos descobriram que o mesmo tipo e o mesmo número de
átomos químicos pode ser arranjado em diferentes maneiras
e se tornar assim coisas inteiramente distintas em suas propriedades, embora
os materiais não tenham sido mudados; estes "compostos isométricos"
estão entre as descobertas mais interessantes da química moderna;
o arranjo de átomos similares sob idéias diferentes produz
corpos diferentes.
O que, então, é esta mudança de substância nos
materiais usados na Eucaristia? A idéia que faz o objeto foi mudada;
em seu estado normal o pão e o vinho são alimentos, expressivos
das idéias divinas de objetos nutritivos, objetos adequados á
construção dos corpos. A Idéia nova é a da natureza
e vida de Cristo, adequada para a construção da natureza e
vida espirituais do homem. esta é a mudança de substância;
o objeto permanece inalterado em seus "acidentes", seu material
físico, mas a matéria sutil associada a ele mudou sob a pressão
da idéia alterada, e por esta mudança novas propriedades são
lhe comunicadas. Elas afetam os corpos sutis dos participantes, e os sintonizam
na natureza e vida do Cristo. Da "dignidade" do participante depende
a extensão em que ele poderá ser sintonizado.
O participante indigno, sujeito ao mesmo processo, afetado adversamente
por ele, pois sua natureza, resistindo à pressão, é
forçada e rendida por forças a que não é capaz
de responder, assim como um objeto pode ser despedaçado por vibrações
que é incapaz de reproduzir.
O participante digno, então, se torna uno com o Sacrifício,
com o Cristo, e assim se torna sintonizado e uno com a Vida divina, a qual
é o Pai de Cristo. Pois que o ato do Sacrifício no lado da
forma é a entrega da vida que separa dos outros para se tornar parte
de uma Vida comum, é o oferecimento de um canal separado como um
canal da Vida única, de modo que naquela entrega o sacrificador se
torna uno com deus. É a entrega do próprio inferior para se
tornar parte do superior, é a entrega do corpo como um instrumento
da vontade separada para se tornar um instrumento da Vontade divina, é
a apresentação dos "corpos (dos homens) como um sacrifício
vivo, santo, aceitável por Deus" (I Romanos, XII, 1). Deste
modo tem sido ensinado verdadeiramente na Igreja que aqueles que corretamente
tomam parte na Eucaristia desfrutam de uma participação na
vida Crística derramada para os homens. A transmutação
do inferior no superior é o objetivo deste Sacramento, assim como
de todos. A mudança da força inferior por sua união
com a superior é o que é buscado por aqueles que nela participam;
e aqueles que conhecem a verdade interna, e compreendem o fato da vida superior,
podem, em qualquer religião, através de seus sacramentos,
entrar em contato mais pleno e completo com a Vida divina que sustém
os mundos, se eles levam ao rito a atitude receptiva, o ato de fé,
o coração aberto, que são necessários para a
possibilidade do Sacramento ser realizado.
O sacramento do Matrimônio apresenta as marcas de um Sacramento tão
clara e definidamente como o Batismo e a Eucaristia. Tanto os sinais externos
como a graça interna estão presentes aqui. O material é
o Anel - o círculo que é símbolo do eterno. A Palavra
de Poder é a antiga fórmula "Em nome do Pia, do Filho
e do Espírito Santo". O Sinal de Poder é a união
das mãos, simbolizando a união das vidas. Isto constitui os
elementos exteriores do Sacramento.
A graça interior é a união de mente com mente, de coração
com coração, que torna possível a união do espírito,
sem a qual o Matrimônio não é Matrimônio, mas
uma temporária conjunção de corpos. O dar e o receber
do anel, a pronunciação da fórmula, a união
das mãos, formam uma alegoria figurada; se a graça interna
não for recebida, se os participantes não se abrirem a ela
com o desejo de união de todas suas naturezas, para eles o Sacramento
perde suas propriedades beneficentes, e se torna uma mera formalidade.
Mas o Matrimônio tem um significado ainda mais profundo; as religiões
a uma só voz o têm proclamado ser a imagem na Terra da união
entre o terreno e o celeste, a união entre Deus e o homem. E mesmo
aqui seu significado não se esgotou, pois ele é a imagem da
relação entre o Espírito e a Matéria, entre
a Trindade e o Universo. Tão profundo e abrangente é o significado
da união de um homem e uma mulher no Matrimônio.
Daí que o homem representa o Espírito, a Trindade da Vida,
e a mulher representa a Matéria, a Trindade do material formativo.
Um dá vida, a outra a recebe e nutre. Eles são complementares
entre si, duas metades inseparáveis de um todo, não existindo
separados. Como Espírito implica em Matéria e Matéria
em espírito, assim o esposo implica a esposa e a esposa o esposo.
Como a Existência abstrata se manifesta em dois aspectos, como a dualidade
de Espírito e Matéria, nenhum independente do outro, mas cada
um vindo à manifestação com o outro, também
a humanidade se manifesta em dois aspectos - esposo e esposa, nenhum deles
capaz de existir separado, e aparecem juntos. Eles não são
dois, mas um, uma unidade dual. Deus e o Universo são espelhados
no Matrimônio; igualmente unidos são esposo e esposa.
Foi dito acima que o Matrimônio é também uma imagem
da união entre Deus e o homem, entre o Espírito universal
e os Espíritos individualizados. Este simbolismo é usado em
todas as grandes Escrituras do mundo - Hindu, Hebraica, Cristã. E
tem sido estendido ao tomarmos o espírito individualizado como uma
Nação ou uma Igreja, uma coleção de Espíritos
reunidos em uma unidade. Assim Isaías declarou a Israel: "Teu
Mestre é teu esposo; O Senhor dos Exércitos é Seu nome...
Assim como o noivo se regozija com a noiva, assim teu Deus se regozija contigo"
(Isaías, LXII, 5). Também São Paulo escreveu que o
mistério do Matrimônio representava Cristo e a Igreja. (Efésios,
V, 23-28).
Se pensarmos Espírito e Matéria como latentes, não-manifestos,
então não vemos nenhuma produção; manifestos
juntos, há evolução. Do mesmo modo, quando as metades
da humanidade não se manifestam como marido e mulher, não
ocorre a produção de nova vida. Mais ainda, eles deveriam
estar unidos para que possa haver um crescimento na vida de cada um, uma
evolução mais ágil, um progresso mais rápido,
pela metade que cada um pode dar ao outro, cada um suprindo o que falta
no outro. Os dois devem ser fundidos num só, desenvolvendo as possibilidades
espirituais do homem. E eles também figuram o Homem perfeito, em
cuja natureza Espírito e Matéria estão completamente
desenvolvidas e equilibradas, o Homem divino que une em Sua própria
pessoa marido e mulher, os elementos masculino e feminino na natureza, como
"Deus e Homem são um só Cristo" (Credo de Atanásio).
Aqueles que estudarem assim o Sacramento do Matrimônio entenderão
o porquê de as religiões terem sempre considerado o Matrimônio
como indissolúvel, e têm pensado que é melhor que alguns
poucos pares mal-combinados devam sofrer por alguns anos do que o ideal
do verdadeiro Matrimônio ser rebaixado permanentemente para todos.
Uma nação deve escolher se irá adotar como seu um ideal
espiritual ou um laço terreno no Matrimônio, a busca de uma
unidade espiritual, ou considerá-lo uma mera união física.
Um é a idéia religiosa do Matrimônio como um Sacramento;
o outro é um contrato comum e rescindível. O estudante dos
Mistérios Menores deve sempre ver nele um rito Sacramental.
CAPÍTULO XIV
Revelação
Todas as religiões conhecidas por nós são custódias
de Livros Sagrados, e apelam a estes livros para a decisão sobre
questões controversas. Eles sempre contêm os ensinamentos dados
pelo Fundador da religião, ou por instrutores posteriores considerados
possuidores de conhecimento supra-humano. Mesmo quando uma religião
dá origem a muitas seitas dissidentes, cada seita adotará
o Cânon Sagrado, e colocará sobre as suas palavras a interpretação
que melhor se adequar à sus doutrina peculiar. Por mais longe que
possam estar separados na fé o Católico Romano e o Protestante
extremistas, ambos apelam à mesma Bíblia. Por mais distantes
que possam estar o Vedantino filosófico e o mais iletrado Vallabhacharya,
ambos consideram os mesmos Vedas como supremos. Por mais ferrenhamente opostos
entre si que possam ser os Shias e os Sunnis, ambos consideram sagrado o
mesmo Corão. Controvérsias e querelas podem surgir em torno
do significado dos textos, mas o Livro em si, em todos os casos, é
visto com a mais profunda reverência. E assim deve ser; pois todos
livros deste tipo contêm fragmentos da Revelação, selecionados
por Um dos Grandes Seres a quem foi confiado; um tal fragmento é
corporificado no que aqui embaixo chamamos de uma Revelação,
ou uma Escritura, e parte do mundo se rejubila nele como num tesouro de
enorme valor. O fragmento é escolhido de acordo com as necessidades
do tempo, a capacidade das pessoas a quem é dado, o tipo de raça
que se almeja instruir. Ele é dado geralmente de uma forma peculiar,
na qual a história externa, ou lenda, ou canção, ou
salmo, ou profecia, aparece para o leitor superficial ou ignorante como
tudo o que há; mas neles são escondidos profundos significados,
algumas vezes em números, outras em palavras construídas em
um plano oculto - uma cifra, de fato - às vezes em símbolos,
reconhecíveis pelo instruído, às vezes como alegorias
escritas como se fossem história, e de muitos outros modos. Estes
Livros, na verdade, têm algo do caráter sacramental em seu
redor, uma forma externa e uma verdade interna. Só quem pode explicar
estes significados ocultos são os que foram treinados pelos que já
são versados neles; daí o ditado de São Pedro de que
"nenhuma profecia da Escritura é de interpretação
exclusiva" (II Pedro, I, 20). As elaboradas explicações
dos textos da Bíblia, que abundam em volumes de literatura Patrística,
parecem fantasiosas e forçadas para a mente moderna comum. O jogo
com números, com letras, as interpretações aparentemente
fantásticas de parágrafos que, ao lermos, constituem declarações
comuns históricas de um caráter singelo, exasperam o leitor
moderno, que demanda que estes fatos sejam apresentados clara e coerentemente,
e acima de tudo, exige sentir um chão sólido debaixo de seus
pés. Ele absolutamente declina de seguir o vago místico aonde
o que lhe parece ser um pântano incerto, em uma perseguição
selvagem de fogos-fátuos tremeluzentes, que aparecem e desaparecem
de acordo com caprichos confusos e irracionais. Porém estes homens
que escreveram estes textos eram homens de intelecto brilhante e de juízo
tranqüilo, os mestres-construtores da Igreja. E para aqueles que os
lerem corretamente eles serão cheios de sugestões e indicações,
e apontam muitas veredas obscuras que podem conduzir à meta do conhecimento,
e que de outro modo seria perdido.
Vimos sempre que Orígenes, um dos homens mais sãos que já
houve, e versado em conhecimento oculto, ensina que as Escrituras são
tríplices, consistindo de um Corpo, de uma Alma e de um espírito.
Ele diz que o Corpo das Escrituras é feito das palavras externas
das histórias e lendas, e não hesita em dizer que elas não
são literalmente verdadeiras, mas que são apenas narrativas
para a instrução do ignorante. Ele vai ainda mais longe e
assinala que são feitas declarações nestes livros que
obviamente são falsas, a fim de que a evidentes contradições
que existem na superfície possam estimular as pessoas a indagar o
real significado destas relações impossíveis. Ele diz
que enquanto os homens são ignorantes o Corpo lhes basta; ele transmite
conhecimento, dá instrução, e eles não percebem
as contradições e impossibilidades envolvidas nas declarações
literais, e portanto isso não os perturba. À medida que a
mente cresce e o intelecto se desenvolve, estas contradições
e impossibilidades chamam a atenção, e confundem o estudante;
então ele é estimulado a procura por um significado mais profundo,
e começa a encontrar a Alma das Escrituras. Esta Alma é a
recompensa do estudante inteligente, e ele escapa das peias da letra que
mata (II Coríntios, III, 6). O Espírito das Escrituras só
pode ser visto pelo homem espiritualmente iluminado; só aqueles em
quem o Espírito está evoluído podem entender o significado
espiritual: "As coisas de Deus não conhecidas por ninguém
exceto pelo Espírito de Deus... coisas de que também falamos,
não nas palavras que a sabedoria humana ensina, mas as ensinadas
pelo Espírito Santo" (I Coríntios, II, 11-13).
A razão para este método de Revelação não
precisa ser buscada longe; é o único meio de fazer um conhecimento
ser acessível a mentes em diferentes estágios de evolução,
e assim treinam não apenas aqueles a quem é imediatamente
dada, mas também aqueles que, mais tarde, terão progredido
além daqueles a quem a Revelação foi primeiramente
feita. O homem é progressivo; o significado exterior dado há
muito tempo para homens subdesenvolvidos há de ser necessariamente
limitado, e a menos que algo mais profundo e mais pleno do que este significado
externo esteja embutido nelas, o valor das Escrituras pereceria depois de
passados poucos milênios. Enquanto que por este método de significados
superpostos lhes é dado um valor perene, e homens evoluídos
podem encontrar nelas tesouros ocultos, até o dia em que, possuindo
o todo, já não precisem da parte.
Assim, as Bíblias do mundo são fragmentos - fragmentos da
Revelação, e portanto são descritas corretamente como
Revelação.
O significado mais profundo da palavra descreve a massa de ensinamentos
confiada aos homens pela grande Fraternidade de Instrutores espirituais;
estes ensinamentos são corporificados em livros, escritos em símbolos,
e neles é dado um relato das leis cósmicas, dos princípios
onde o cosmos é fundado, dos métodos pelos quais evolui, de
todos os seres que o compõem, de seu passado, seu presente, seu futuro;
isto é a Revelação. Este é o tesouro inestimável
que os Guardiães da humanidade possuem, e do qual selecionam, de
tempos em tempos, fragmentos para formar as Bíblias do mundo.
Em terceiro lugar, a Revelação mais alta, plena e melhor é
a Auto-revelação da Deidade no cosmos, o desvelamento de atributo
após atributo, poder após poder, beleza após beleza,
em todas as formas que em sua totalidade compõem o universo. Ela
mostra Seu esplendor no sol, Sua infinitude nos campos estrelados do espaço,
Sua força nas montanhas, Sua pureza nos picos nevados e no ar translúcido,
Sua energia nas vagas do oceano, Sua beleza na queda de uma cachoeira dentro
de um lago claro e suave, na floresta fria e sombria, na planície
iluminada pelo sol, Seu destemor no herói, Sua paciência no
santo, Sua ternura no amor materno, Seu cuidado protetor no pai e no rei,
Sua sabedoria no filósofo, Seu conhecimento no cientista, Seu poder
de cura no médico, Sua justiça no juiz, Sua riqueza no comerciante,
Seu poder instrutor no sacerdote, Sua indústria no artesão.
Ela sussurra para nós na brisa, sorri para nós no brilho do
sol, censura-nos na doença, nos estimula, ora com o sucesso e ora
com o fracasso. Em toda parte e em tudo Ela nos dá vislumbres de
Si mesma para nos fazer amá-La, e Se esconde para que possamos aprender
a ficar sós. Reconhecer a Deidade em toda parte é a verdadeira
Sabedoria; amá-La em toda parte é o verdadeiro Desejo; servi-La
em toda parte é a verdadeira Ação. Esta Auto-revelação
de Deus é a mais alta Revelação; todas as outras são
subsidiárias e parciais.
O homem inspirado é um a quem veio algo desta Revelação
pela ação direta do Espírito universal sobre o Espírito
individual que é Sua prole, a qual sentiu a iluminadora influência
do Espírito sobre o Espírito. Nenhum homem conhece a verdade,
de modo que não pode perdê-la, nenhum homem conhece a verdade,
de modo que não pode duvidar dela, antes que a Revelação
tenha lhe vindo como se estivesse sozinho sobre a Terra, até que
o Divino fora tenha falado ao Divino dentro, no templo do coração
humano, e o homem assim conheça por si mesmo e não através
de outrem.
Em um grau menor o homem é inspirado quando alguém maior que
ele estimula dentro dele poderes que normalmente estão inativos,
usando temporariamente seu corpo como veículo. Um tal homem iluminado,
no momento de sua inspiração, pode falar de coisas que estão
além de seu conhecimento, e proferir verdades até então
insuspeitas. Verdades às vezes são desveladas assim através
de um canal humano para o auxílio do mundo, e algum Ser maior que
o que fala envia Sua vida para o veículo humano, e saem verdades
dos lábios humanos; ou um grande instrutor fala com grandeza ainda
maior do que o usual, tendo o Anjo do Senhor tocado seus lábios com
fogo (Isaías, VI, 6-7). Estes são os Profetas da raça,
que em certos períodos falaram com convicção irresistível,
com percepção clara, com uma compreensão completa das
necessidades espirituais do homem. Então as palavras vivem com vida
imortal, e o que fala é em verdade um mensageiro de Deus. O homem
que teve conhecimento desta forma jamais pode perder por completo a memória
do conhecimento, e ele leva em seu coração uma certeza que
jamais pode desaparecer inteiramente. A luz pode se desvanecer e as trevas
cobri-lo; o fulgor do céu pode se apagar e as nuvens podem cercá-lo;
ameaças, dúvidas, desafios podem assaltá-lo, mas dentro
de si mesmo, seu coração aninha o Segredo da Paz - ele sabe,
ou sabe que soube.
Esta lembrança da verdadeira inspiração, da realidade
da vida oculta, foi posta em belas e verdadeiras palavras por Frederick
Myers, em se afamado poema São Paulo. O apóstolo fala de sua
própria experiência, e tenta dar expressão articulada
ao que ele recorda; ele é retratado como incapaz de reproduzir inteiramente
seu conhecimento, embora ele conheça e sua certeza não vacile:
"Então, mesmo eu, sedento de Sua inspiração
eu, que falei com Ele, de novo esqueço;
Sim, muitos dias suspirando e com desejo,
Ofereço a Deus paciência e sofrimento.
Então, pelo quase lamento de minha confissão,
Então por meio da angústia e da paixão de minha prece,
De repente sobressalta-me a surpresa de Sua posse,
Agita-me e me toca, e eis o Senhor.
Ah, se uma pena pudesse escrever em seu cálamo
Mene e Mene em meio às chamas,
Pensem se alguma memória poderia depois
Retratar completamente o que sucedeu ao par?
Ah, se algum estranho trovão inteligível
Cantasse à Terra o segredo de uma estrela
Mal compreenderíamos, pelo terror e pela maravilha,
Fragmentos da história que ecoaram tão longe!
Mal reúno as palavras de Sua revelação,
Mal O ouço, e menos entendo.
Só o poder que em mim ecoa
Vive em meus lábios, e move minha mão
Quem haja sentido o Espírito do Altíssimo
Não pode confundí-Lo, nem duvidar, nem negar;
Sim, numa só voz, oh mundo,
embora o negues,
Fica do Seu lado, pois ali estou.
Antes que o mundo duvide de poder recuperá-la
Derrama-se na chuva e murmura do pó;
Antes que ele, em quem a grande concepção
Incita sua alma a apressar-se para Deus.
Não, embora ali pudesses te afastar de sua glória,
Cego, atormentado, enlouquecido e solitário,
Mesmo sobre a cruz ele afirmaria sua história,
Sim, e até no Inferno sussurraria, 'eu conheci' ".
Aqueles que de alguma forma perceberam que Deus está à sua
volta, neles, e em tudo, serão capazes de entender como um lugar
ou um objeto pode se tornar "sagrado" por uma leve objetivação
desta Presença perene e universal, de modo que se tornam capazes
de sentí-Lo aqueles que normalmente não sentem a Sua onipresença.
Isto é feito geralmente por algum homem altamente avançado,
em quem a Divindade interior está largamente desenvolvida, e cujos
corpos sutis portanto são responsivos às vibrações
mais sutis da consciência. Através de ou a partir de um tal
homem, energias espirituais podem ser derramadas, e elas se unirão
ao seu magnetismo vital puro. Ele então pode derramá-los sobre
qualquer objeto, e seus corpos de éter e de matéria mais sutil
serão sintonizados nas suas vibrações, como se explicou
antes, e com isso a Divindade interior pode se manifestar com mais facilidade.
Estes objetos se tornam "magnetizados", e, se isso for feito de
maneira poderosa, o próprio objeto se tornará um centro magnético,
capaz por sua vez de magnetizar os que se aproximarem dele. Assim um corpo
eletrificado por um maquinismo elétrico afetará outros corpos
por perto de onde estiver colocado.
Um objeto tornado "sagrado" desta forma é um acessório
muito útil para a prece e a meditação. Os corpos sutis
daquele que adora são afinados nas suas elevadas vibrações,
e a pessoa se aquieta, acalma e pacifica sem esforço de sua parte.
Ela é posta em uma condição na qual a prece e a meditação
ficam fáceis e proveitosas em vez de difíceis e estéreis,
e um exercício árduo se torna deleitoso. Se o objeto for uma
representação de alguma Pessoa sagrada - um Crucifixo, uma
Madonna, um Anjo, um Santo - há um ganho adicional. O Ser representado,
se seu magnetismo tiver sido introduzido na imagem pela Palavra e Sinal
de Poder apropriados, pode reforçar aquele magnetismo com leve dispêndio
de energia espiritual, e pode assim influenciar o devoto, ou mesmo mostrar-se
através da imagem, o que de outra forma poderia não ser possível.
Pois no mundo espiritual é observada a economia de forças,
e preferivelmente será gasta uma pequena quantidade de energia onde
uma grande quantidade seria evitada.
Podemos fazer uma aplicação das mesmas leis ocultas para explicar
o uso de todos os objetos consagrados - relíquias, amuletos, etc.
Todos são objetos magnetizados, mais ou menos poderosos, ou inúteis,
de acordo com o conhecimento, pureza e espiritualidade da pessoa que os
magnetiza.
Lugares também podem ser tornado sagrados, por algum santo viver
neles, cujo magnetismo puro irradiante deles sintoniza toda a atmosfera
em vibrações pacificadoras. Às vezes homens santos,
ou Seres dos mundos superiores, magnetizam diretamente certo local, como
no caso mencionado no Quarto Evangelho, onde um Anjo veio em certa estação
e tocou a água, dando-lhe qualidades curativas (João, V, 4).
Em tais lugares até mesmo homens decididamente mundanos sentirão
a influência bendita, e temporariamente serão suavizados e
inclinados a coisas superiores. A Vida divina em cada homem está
sempre tentando subjugar a forma e moldá-la numa expressão
de si mesma e é fácil ver como esta Vida será auxiliada
se a forma for posta em uma vibração simpática à
de um Ser mais altamente evoluído, sendo os seus esforços
ajudados por um poder maior. O reconhecimento externo deste efeito é
uma sensação de tranqüilidade, calma e paz; a mente abandona
seu burburinho incessante, e o coração sua ansiedade. Qualquer
um que se observe descobrirá que certos locais são mais calmantes
e inclinam à meditação, ao pensamento religioso e ao
culto do que outros. Em uma sala, num edifício, onde tem havido grande
quantidade de pensamentos mundanos, de conversa frívola, da mera
azáfama da vida terrena comum, é muito mais difícil
sossegar a mente e concentra o pensamento do que em um lugar onde o pensamento
religioso foi exercitado ano após ano, século após
século; lá as mentes se acalmam e devagarinho se tranqüilizam,
e o que exigiria sérios esforços no primeiro lugar é
feito sem dificuldade no segundo.
Esta é a razão para os lugares de peregrinação,
dos retiros isolados temporários; o homem se volta para dentro para
buscar a Deus em si mesmo, e á auxiliado pela atmosfera criada pela
mente de outros, que antes dele buscaram o mesmo no mesmo local. Pois em
um lugar destes não há somente a magnetização
produzida por um único santo, ou pela visitação de
algum grande Ser do mundo invisível; cada pessoa que visita o local
com o coração cheio de reverência e devoção,
e está sintonizada nestas vibrações, reforça
aquelas vibrações com a sua própria vida, e deixa o
local melhor do que ele era quando entrou. A energia magnética se
dispersa lentamente, e um objeto sagrado ou local se torna gradualmente
desmagnetizado se for posto de lado ou abandonado. Ele se torna mais magnetizado
quando é usado ou freqüentado. Mas a presença do zombeteiro
ignorante prejudica estes objetos e locais, estabelecendo vibrações
antagônicas que enfraquecem aquelas lá existentes. Assim como
uma onda de som pode ser bloqueada por uma outra que a anula, com o resultado
de silêncio, da mesma forma as vibrações de zombaria
enfraquecem ou extinguem as vibrações daqueles que são
reverentes a amorosos. O efeito produzido, é claro, irá variar
com a força relativa das vibrações, mas o maldoso não
pode deixar de sofrer conseqüências, pois as leis da vibração
são as mesmas nos mundos superiores e no físico, e vibrações
de pensamentos são a expressão de energias reais.
A razão e o efeito de se consagrar igrejas, capelas, cemitérios,
agora ficará aparente. O ato de consagração não
é meramente a destinação pública de um local
para um propósito especial; é a magnetização
do local para o benefício de todos os que o freqüentam. Pois
os mundos visíveis e invisíveis são inter-relacionados,
entremesclados, e os invisíveis podem servir melhor o visível
através de onde as energias invisíveis podem ser veiculadas.