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Quando
no campo das ciências exatas e naturais, nos defrontamos com os axiomas,
não nos perguntamos porque estes são verdadeiros; estamos convencidos
que encontram a sua resposta em si mesmos.
Tal sensação encontra a sua razão de ser na relação
que existe entre a exatidão daqueles axiomas e a centelha de verdade
que brilha em nossa mente. É como se nos encontrássemos de fronte
a dois raios de uma mesma fonte de luz que mesmo parecendo distantes um do
outro, unem-se pela sua analogia e penetrando-se transmitem o calor e a luz
reciprocamente.
Servir-nos pelo menos da verdade que os axiomas nos ensinam mesmo parcialmente,
pode ser importante para nós, mas a existência desses dois elementos
essenciais que acabamos de conhecer não pode determinar nem a exatidão
do axioma nem a intensidade da centelha de verdade em nossa mente. Ambos apresentam-se
dotados de uma vida natural própria sem perigos de impedimento e os
dois raios poderiam separar-se sem produzir nenhum efeito e não perderiam
a sua essência e o seu caráter constitutivo. Um matemático
poderia encontrar-se imerso no sono; isto certamente não impediria
a verdade geométrica de existir e nem o engenheiro de possui-la ou
servir-se dela no momento oportuno.
Existe porem, uma filosofia que nega tudo isto, porque não distingue
nos seres a essência como algo distinto das suas várias propriedades,
porque detém-se nas simples modificações das coisas e
nega, ou antes, condena abertamente a existência autônoma dos
seres alem das impressões. Queremos simplesmente advertir sobre isto,
sem deter-nos em uma discussão, a todos aqueles que não conhecem
esta filosofia e asseguramos, que encontrarão em si mesmos a defesa
de tais dúvidas. Passemos adiante.
A alma humana, seja por um impulso próprio, seja por uma dádiva,
eleva-se ao sentimento íntimo do ser universal que abraça tudo
e produz cada coisa, ao sentimento daquele ser desconhecido que chamamos Deus.
A alma não mais procura na descoberta de axiomas particulares como
dar-se conta da verdade total da qual se sente conquistada, nem da viva alegria
que a verdade lhe dirige; esta sente que este grande ser ou este grande axioma
existe por si e que é impossível que não exista. Sente
igualmente em si, através do contato divino, a realidade da própria
vida pensante e imortal. Não tem mais necessidade de indagar sobre
Deus nem sobre si mesma; e no afeto santo e profundo que experimenta e diz
para si em um verdadeiro e particular êxtase de segurança:
- Deus e o homem são seres verdadeiros que podem conhecer-se na mesma
luz e amar-se no mesmo amor.
Como pode a alma ter a sensação exata de tais verdades imutáveis?
Em virtude da mesma lei que manifestou à sua mente a certeza dos axiomas
parciais; esta sente a existência inatacável do princípio
superior de seu ser e dela própria através da relação
e das ligações que existem entre estes. Pois sem isto, a convicção
da existência destes dois seres não poderia atingir-nos nem fixar-se
em nós, e se este fogo divino não encontrasse em nós
uma analogia poderosa, nos atravessaria sem deixar nenhum vestígio
e nenhum sentimento de si.
Baseado na mesma lei - que aproveitamos ou não os tesouros de verdade
revelados do contato divino - o fato possui indiscutivelmente uma grande influência
sobre as nossas verdadeiras satisfações, mas não há
nenhuma influência sobre a existência em si dos tesouros, nem
sobre a existência da parte do nosso ser que constitui o seu receptáculo.
Assim, a privação deste sublime sentimento nas almas alteradas,
e todos os pensamentos ilógicos que dai derivam, não podem aniquilar
nem o principio necessário e eterno dos seres nem a analogia divina
que todos nós temos com este. Aquilo que é pode ser confirmado
e valorizado pêlos sinais ou testemunhos exteriores, mas não
pode derivar destes a própria realidade, enquanto esta é anterior,
independente e o existir de fato a traz em si.
Este aspecto de lógica natural, classificando os testemunhos, não
exclui os seus privilégios. Aquilo que é, não pode derivar
a própria realidade dos sinais e dos testemunhos exteriores, pois tal
realidade é anterior a estes. Não é portanto verdade,
que na esfera temporal na qual nós estamos, sem eles e sem a sua ação,
a realidade do fato não poderia manifestar-se fora de si própria;
e nem aqueles sinais e testemunhos exteriores podem considerar-se como indicadores
seguros da fiel expressão do tipo de realidade ou do tipo de idéia
que se delineia nestes, para fazer-se conhecer. Esta lei, mal aprofundada,
deu lugar ao erro dos filósofos induzindo-os a confundir o meio com
o principio, o órgão da manifestação com a fonte
desta manifestação.
Ora, visto que percebemos que não existe uma realidade que procura
preencher a própria medida, devemos presumir que a imensa quantidade
de objetos que nos rodeiam tenham um amplo e importante objetivo, isto é:
promover as realidades, cada uma segundo o próprio gênero e a
própria classe, ou se quiser, testemunhar em favor daquilo que é
e de qualquer sua manifestação. De fato, é útil
para o nosso pensamento conhecer os fatos e as realidades, e para a nossa
alma assenhorar-se onde cresce o patrimônio da existência.
Mesmo havendo pouca familiaridade coma as obras já publicadas sobre
temas do gênero, é necessário reconhecer que o nosso ser
espiritual e o nosso ser físico, possuem algumas faculdades relativas
ao importante escopo do conhecimento. Com efeito, os nossos órgãos
materiais transmitem à nossa animação sensível,
a impressão das formas e das imagens de todos os objetos que a eles
se apresentam, assim como transmitem o sentido das diversas propriedades das
quais tais objetos estão revestidos.
A nossa alma pensante em seguida, tem a tarefa e o poder de analisar todas
aquelas propriedades, de considerar qual seja o escopo da existência
de todos aqueles diversos objetos, quando o fim lhe é desconhecido.
A alma pensante tem o direito de procurar nos objetos, a idéia da qual
estes são a expressão, quais fatos estes atestam, ou quais realidades
manifestam; e todos nós devemos admitir que não estamos real
e completamente satisfeitos, se não quando, o nosso pensamento alegra-se
no conhecer o fim ultimo dos objetos; assim como o nosso ser sensível
alegra-se com as impressões que recebe das diversas propriedades dos
próprios objetos: novo motivo para convencer-nos que todos os objetos
são a expressão de uma idéia. De fato, como poderiam
estes, conduzir nossa inteligência à este escopo luminoso e de
satisfação, se não fossem eles próprios por assim
dizer, descidos do mundo da luz ou do mundo das idéias?
Por outro lado, os hábitos mais comuns entre os homens não nos
iluminam sobre a grande verdade, que todos os objetos que nos circundam são
a expressão de uma idéia? Todas as invenções das
quais se servem os homens hoje em dia para as próprias necessidades,
para os próprios prazeres, para a própria comodidade, não
portam em si o caráter da idéia a qual devem a própria
origem? Um livro não é talvez o sinal do projeto de um homem
que decidiu representar os próprios pensamentos em um único
órgão? Uma carruagem não é o sinal da intenção
de um homem fazer-se transportar rapidamente e sem fadiga? E também
a casa não representa a exigência de obter uma vida cômoda
protegidos das intempéries?
Acreditamos portanto, que a Sabedoria suprema tenha também idéias
e planos nas suas obras, como nós temos nas nossas. Esta, alem disso
é com certeza mais fecunda e mais inteligente do que nós. Portanto
as suas obras, se conhecêssemos o espírito, teriam a sublime
vantagem de dirigir ao nosso pensamento e a nossa alma satisfações
mais vivas do que aquelas que dirigem à nossa vista ostentando-nos
a pompa de sua magnificência exterior e da rica mas regular variedade
de suas formas. Acreditamos ao mesmo tempo, que o objetivo da Sabedoria suprema
seja aquele de aplicar o nosso ser na busca dos próprios planos, multiplicando
sob os nossos olhos, a imensidade de objetos diversos. De fato, se é
verdade que cada realidade procura fazer-se compreender e manifestar-se e
que não pode faze-lo se não com os seus sinais e com o seus
testemunhos, nós facilitaremos e ajudaremos esta manifestação
interrogando cuidadosamente os testemunhos e os sinais, recolhendo com cuidado
ainda maior as suas indicações.
Mas entre todos estes sinais e estes testemunhos, quem mais se não
o homem poderia ser mais digno da nossa atenção, e revelar-nos
as maiores verdades? Quem mais nos ofereceria indícios mais significativos?
Quem mais deixaria correr perante nós os numerosos rios de fogo que
parecem brotar vivamente de seu pensamento e de seu coração
e que nos mostram, por assim dizer, como sentado sobre o trono de todos os
mundos para julgá-los e governá-los sob os olhos do Soberano
invisível, o único ser que o homem encontra acima de si?
Todos os outros sinais que compõem o universo não nos são
oferecidos, dada a fragilidade que os caracteriza e a suas surpreendentes
disparidades, se não como tantos outros reflexos passivos e parciais
de potências espirituais e secundárias da divindade.
O homem, pelo contrário, aparecendo colocado sob o aspecto da própria
divindade, apresenta-se destinado a refleti-la diretamente e de conseqüência
fazê-la conhecer completamente. Portanto devemos procurar mais extensamente
de qual fato, de qual realidade ele é chamado a ser o depositário
e o testemunho perante todos os seres, pois reconhecemos nele a expressão
falante do princípio eterno, e a irrecusável analogia que liga
os seres uns aos outros. De fato, entre todas as criaturas ele representa
o sinal ativo do axioma total, ou a mais ampla manifestação
que o pensamento interior divino tenha emanado.
Se o homem é o único ser enviado como testemunha universal da
universal verdade, recolhamos portanto os seus testemunhos, não o abandonemos
se não depois de havê-lo cuidadosamente interrogado, e confrontado
com si mesmo, com o objetivo de estabelecer os diversos esclarecimentos que
podemos receber de seus diversos testemunhos.
Os
principais testemunhos do homem consistem no fato que, sendo ele evidentemente
um santo e sublime pensamento de Deus, se bem que não seja "O
Pensamento de Deus", a sua essência é necessariamente indestrutível;
por que como poderia um pensamento de Deus perecer?
Em segundo lugar, através da via do pensamento que lhe é própria,
Deus ama profundamente o homem; como Ele poderia não amar-nos, como
poderia não amar o seu pensamento? Nós mesmos nos deleitamos
com os nossos pensamentos!
E ainda (e este é o mais importante testemunho que nos oferece o homem),
se o homem é um pensamento do Deus dos seres, nós podemos espelhar-nos
só em Deus e compreendermos Deus e nós mesmos, só no
seu esplendor, pois uma representação nos é desconhecida
até quando não conseguimos atingir o pensamento da qual esta
é testemunha e manifestação. Alem disso, mantendo-nos
afastados desta luz divina e criadora da qual devemos ser a expressão
em nossas faculdades, como o somos na nossa essência, seremos apenas
testemunhas insignificantes, sem valor e sem caráter.
Verdade preciosa, é a que demonstra porque o homem, ao contrário
aparece como um ser obscuro e é um problema tão complicado aos
olhos da filosofia humana.
Mas ainda se conseguirmos espelhar-nos em nossa sublime fonte, como poderíamos
delinear a dignidade da nossa origem, a entidade dos nossos direitos, e a
santidade de nosso destino?
Homens passados, presentes e futuros, todos e cada um que representais, um
pensamento do Eterno, sabeis quais seriam as vossas esperanças e as
vossas felicidades, se todos os germens divinos que vos constituem estivessem
em atividade e em desenvolvimento? Mas, se alem destes grandes privilégios
a vossa sorte ainda vos procura com desgostos e gemidos e vos impede de exultar,
procureis ao menos, fazendo refletir sobre vós os raios do vosso sol
gerador, encontrar aquilo que o homem foi em uma época, que para vós
transcorreu, mas cujos testemunhos presentes atestam que não vos foi
sempre estranha.
O homem pode não ser mais aquele que foi a um tempo, mas pode sempre
aperceber-se daquilo que deveria ser no futuro. Pode sempre sentir a inferioridade
da própria substância perecível e material, que tem sobre
ele somente o poder passivo de absorver as faculdades na confusão e
na opacidade de que é suscetível, enquanto o ser humano tem
o poder ativo de até criar múltiplas faculdades que não
haveria nunca tido por natureza e sem a vontade do homem.
Aqui justamente apresentamos tal diferença em relação
ao homem empírico; esta é muito importante para não reconhecer
em vós os sinais da antiga dignidade e da supremacia do pensamento.
Tal diferença, quero dizer, poderia conduzir o homem mais ao alto e
demonstrar-lhe que as verdades interiores são muito mais instrutivas
do que as verdades geométricas; de fato estas últimas se fundamentam
somente sobre a superfície, enquanto as outras nascem do centro interior
e permitem entrever a profundidade.
Portanto, disto persuadidos, remontamos à nossa origem. Penetramos,
com a nossa atividade interior, até o estado no qual poderíamos
descobrir se a influência criadora de nossa fonte suprema age no âmbito
de nossa atual existência, e se esta transmitiu em nossa natureza todos
aqueles princípios de ordem, de perfeição e de felicidade,
que nós sentimos dever residir eternamente no Ser soberano do qual
descendemos. Todos estes germens divinos, uma vez formados em nós,
não trariam consigo o dom de uma vida potente e eficaz? A nossa inteligência
não seria por ventura continuamente gerada do sopro destas inumeráveis
e eternas fontes de vida que lhe dariam existência e luz? A nossa capacidade
de amar seria preenchida da viva e doce universalidade de nosso Princípio
originário e não deixaria nenhuma lacuna em nosso afeto sublime
e em nosso impulso de santa gratidão para com ele.
Alguns consideram fazer a nossa origem remontar a duas épocas anteriores
ao estado no qual se encontra o homem hoje; evidentemente, para alegrar-se
com a idéia sábia e consoladora que o mal primitivo não
foi eterno, e para deixar à Deus a glória de haver exercitado
o sublime privilégio que ele possui, de gerar todas as suas criaturas
na plenitude da alegria e de uma felicidade selada por cada penosa função
e por cada luta perigosa. Os que sustentam tal hipótese afirmam que
na primeira de tais épocas, dado que o mal ainda não existia
ou em outros termos, nenhum ser havia ainda se separado do plano divino, as
nossas alegrias não teriam então necessidade de realizar-se
alem de nossa existência. De fato, se estas tivessem realizado-se, isto
teria significado o engrandecimento sem fim do eu no infinito, a única
coisa real para nós. Teríamos assim conseguido exprimir a nossa
felicidade e o nosso amor, em continua ascensão em direção
a nossa Fonte, que nunca haveria cessado de inclinar-se amavelmente em nossa
direção. Não teríamos necessidade de manifestar-nos
diretamente, pois ao nosso redor, tudo estava completo e a Verdade preenchendo
tudo por si, nos olhava como adoradores eternos, sem usar-nos como os seus
símbolos e os seus testemunhos. Todos os seres por fim, teriam a alegria
da visão e da presença da Verdade absoluta, e nada faltaria
para a plenitude de seus afetos e de suas esperanças, tendo a visão
da imensidão e da infinita atividade divina.
Sem dirigirmos o nosso olhar a uma ordem de coisas tão elevadas, contentemo-nos
aqui em contemplar o momento da nossa missão no universo. Nos deteremos
portanto sobre a segunda época de nossa origem, a mais próxima
da nossa atual condição. De fato, estando a primeira época
tão afastada de nós não teríamos nem menos idéia
de sua existência se a segunda não funcionasse como sua intermediária.
Em tal segunda época, que continuaremos a considerar neste caso como
a nossa existência primitiva, recebemos os caracteres dos símbolos
e dos testemunhos da Divindade no Universo, e nos foi dada toda a potência
e todo o esplendor divino conforme o escopo sublime da nossa qualidade espiritual
e a nobilidade dos direitos divinamente concedidos para cumprir tal escopo.
Por qual motivo de fato, fomos afastados do âmbito da imensidade divina,
na qualidade de sinais e de testemunhos, se não para repetir no lugar
onde a suprema Sabedoria nos enviou, aquilo que acontecia no círculo
divino do ser? E como poderia existir uma zona separada e particular, se alguns
seres, turbando o próprio equilíbrio, não tivessem interditado
o acesso ao espaço universal, dado que o princípio da Unidade
procura inundar tudo por sua natureza, e visto que o mal não pode ser
outro se não a concentração parcial de um ser livre e
a sua abstração voluntária do reino da universalidade?
Assim como na ordem eterna da imensidade divina, Deus basta à plenitude
da contemplação de todos os seres, nós, no momento em
que recebemos uma missão individual e uma existência separada
dele, poderíamos representa-lo e ser os seus sinais e testemunhos,
somente mostrando, com a nossa dimensão, a imagem mais tênue
de Deus, para os seres que, concentrados na própria existência,
teriam perdido de vista a presença divina, e estariam encerrados na
atmosfera particular de seu erro.
Neste âmbito devia manifestar-se de nós mesmos, no momento da
nossa origem, todo o plano válido para o andamento da nossa obra. Era
necessário que nós explicássemos os pensamentos vivos
e luminosos, as virtudes vivificantes e as ações eficazes, para
poder ser os representantes do supremo Autor de nosso ser. Quanto mais aprofundarmos
a analogia que reconhecemos entre a alma humana e o seu eterno Principio,
tanto mais sentiremos que, sendo Deus a fonte radical e primitiva de tudo
o que é perfeito, não poderíamos ser derivados dele,
se não dotados daqueles sublimes caracteres que temos apenas delineado,
e do qual nossos fracos pensamentos, quando sãos e regulares, nos representam
ainda hoje algumas imagens.
A divindade de fato, não haveria escolhido o próprio pensamento,
se não tivesse como objetivo refletir-se em nós, com toda a
sua majestade.
Os traços deste selo sagrado, que caracterizam o "animo"
do homem, resistem eternamente a todos os poderes destrutivos. Malgrado a
vastidão do tempo, malgrado a espessura das trevas, todas as vezes
que o homem contempla as suas relações com Deus, encontrará
em si os elementos indissolúveis da sua essência original e os
indícios naturais de seu destino glorioso. Ele sentirá que segundo
este destino glorioso, uma força potente e temível nos foi conferida
para submeter a autoridade divina àqueles que poderiam desconhecê-la.
Se continuássemos unidos ao nosso ser, nada teria nos subtraído
tal potência, se não a houvéssemos liberada por nós
mesmos. Ele sentirá ainda que teríamos domínio sobre
o nosso império, depois de tê-lo subjugado, e estaríamos
ornados de todos os crismas necessários para anunciar em todos os lugares
a nossa legítima soberania. Sentirá alem disso, que estávamos
sobriamente vestidos para tornar ainda mais majestosa a nossa presença
e para que todas as zonas no nosso domínio sujeitas ao esplendor que
nos circundava, pudessem oferecer-nos o testemunho de respeito e submissão,
devido a missão divina confiada a nós pela mão suprema.
Hoje, o único meio para o homem representar-se no seu antigo estado,
é aquele de considerar os frágeis sinais que a sua mente pueril
substituiu sobre a terra: o gladio dos conquistadores, os cetros, as coroas,
a pompa que circunda os soberanos e a respeitosa dedicação de
seus súditos. Poderiam encontrar-se ainda alguns traços desformes
dos nossos títulos originais, mas jamais recuperar-lhes a virtual função.
Mas se é ainda possível para o homem encontrar em si mesmo e
nas imagens passageiras da potência convencional e terrestre, os vestígios
daquilo que ele poderia ter sido, lhe é mais fácil provar a
dolorosa distância daquele destino glorioso; e se ele tem ainda indícios
de seus direitos primitivos, tem também provas bem mais numerosas que
estes indícios não estão mais em seu poder.
É inútil aqui corroborar com outras demonstrações
a degradação da espécie humana; é preciso ser
desorganizado para negar esta degradação que é evidentemente
constatada dos suspiros com os quais o gênero humano preenche continuamente
a terra, e a idéia radical que o Autor dos seres coloque todas as suas
produções nos seus elementos naturais. Então porque nós
estamos tão afastados do nosso? Por que mesmo sendo ativos por natureza
estamos como que submersos e acorrentados pelas coisas passivas? Os homens
tem o direito de buscar onde desejarem as causas desta real e aflitiva desarmonia
exceto no capricho e no rigor do nosso Princípio soberano, cujo amor,
cuja sabedoria e justiça constituem o baluarte perene contra os nossos
murmúrios.
De resto, ocupando-nos aqui somente das conseqüências e não
das causas desta degradação, pretendemos dirigir-nos somente
àqueles que não lhe negam a existência, e que malgrado
as dificuldades que afrontam para explicar o mal e a sua origem, julgam, não
truncando negativamente a questão como faz a filosofia imprudente,
estarem mais satisfeitos com uma verdade difícil e obscura de quanto
estariam com um absurdo evidente.
Para delinear as conseqüências desastrosas da nossa degradação,
é necessário restaurar-se no estado glorioso do qual gozávamos,
como também ao tesouro do qual tivemos em comum a custódia e
a divisão. É necessário reconhecer que compartilharíamos
solidamente a gloria e a recompensa desta magnífica manifestação,
pois compartilharíamos solidamente também os trabalhos da grande
obra de purificação a nós designado por Deus. Mas dado
que não podemos imputar à Sabedoria suprema de haver conspirado
conosco no abuso daqueles sublimes privilégios, somos obrigados a atribuir
todos os erros à potência livre do nosso ser. Sendo frágil
por natureza - (se assim não fosse teriam existido dois Deuses) - tal
potência abandonou-se as miragens da ilusão e precipitou-se no
abismo por própria culpa. Julgo inútil analisar novamente tal
verdade, havendo-a já amplamente ilustrada em meus escritos anteriores.
Os princípios da sã justiça, imortais como a nossa essência
e que igualmente a tal essência, sempre restarão em nós,
se bem que muito freqüentemente não os aplicamos justamente, nos
ensinam em que coisa nos transformamos por nossa culpa, e nos mostram quais
satisfações tal justiça exige de nós.
Começa aqui a aclarar-se o título desta obra e o sentido destas
duas palavras "Ecce Homo".
Se
houvéssemos permanecido fieis ao nosso santo destino, deveríamos
manifestar todos e cada um, segundo o próprio dom, a glória
do Princípio eterno. Mas sem sombra de dúvida, devemos reconhecer
não haver observado a lei suprema, considerando a nossa atual miséria
e simultaneamente o fato que o Autor da justiça não poderia
abandonar-nos injustamente em um estado de sofrimento e de privação.
O abuso dos nossos privilégios nos induziu a uma manifestação
oposta aquela a nós solicitada, disto deriva portanto, que ao invés
de sermos testemunhas de glória e de verdade somos somente testemunhas
de desonra e de falsidade.
Visto que hoje toda a família humana partilha da mesma punição,
como a um tempo partilhou das mesmas recompensas, cada indivíduo deveria
oferecer um sinal particular da humilhação atual como ofereceu
um sinal particular de potência na ordem triunfal, segundo o dom que
lhe competia. Pretendo dizer que cada um deveria oferecer um sinal particular
da pobreza e da privação a qual a justiça suprema nos
submeteu no mundo inferior; a fim que em presença de um sinal tão
diferente daquele que deveríamos manifestar, se possa dizer de nós
com insulto e escárnio: Ecce Homo: Eis O Homem será o nosso
título degradante e nos recobrirá de humilhação
desvelando os frutos amargos que o horror semeou em nós, enquanto deveríamos
brilhar na glória se o nosso nome houvesse conservado o seu autêntico
caráter.
É suficiente dirigir o olhar à condição dos homens
sobre a terra, para julgar a importância de tal justiça.
Quem de nós não pagou de um modo ou de outro o próprio
tributo de humilhação? Onde está a nossa força?
Onde está a nossa potência? Onde está a nossa luz? Exceto
a indigência a desordem e a doença, quais outros testemunhos
apresentam hoje as nossas diversas faculdades? Todas as influências
que exercitamos ao nosso redor, não são talvez somente influências
letais? Existe talvez um só homem sobre a terra que não esteja
em condições de oferecer um ou mais sinais desta pesada reprovação?
Oh! homem Se não estás ainda tão consciente para derramar
lágrimas sobre a tua miséria, pelo menos não te lances
até o ponto de julgá-la um estado de felicidade e de saúde.
Não permitas deixar-te levar pela sedução dos mitos.
Não te comportes como uma criança doente que para de gritar
porque se distraiu com o ruído de um brinquedo que se lhe agita em
frente aos olhos, e se acalma, como se não devesse mais temer o mal,
momentaneamente tranqüilizado pelo fascínio do brinquedo. A tua
mente se deterá por pouco sobre as ilusões que te distraem do
mal; mas este não tardará em fazer-se sentir, e tu, Oh! homem,
assustado pelo perigo que te ameaça, descobrirás com qual justo
fundamento a Sabedoria procura colocar-te em guarda dos teus males exortando-te
a sarar.
Todavia, malgrado o rigor das leis que a justiça nos impõe,
as conseqüências da nossa condenação, se tornariam
muito mais suportáveis uma vez reconhecida a suprema equidade do nosso
Juiz. Se trata de reconhecer a bondade de suas reais intenções
a nosso respeito e de nos resignarmos voluntariamente à inevitável
potência de seus decretos.
Algumas vantagens imediatas derivariam do exemplo mútuo naturalmente
oferecido pêlos indivíduos. O estado enfermo, débil e
tenebroso dos nossos semelhantes, seria para nós um meio visível
de instrução chamando continuamente à nossa mente a degradação
da família humana.
De outra parte nós retribuiríamos aos outros o mesmo favor oferecendo
aos seus olhos um espetáculo análogo. Assim representando uns
aos outros o reflexo do pecado e da humilhação comum, estaremos
todos em condição de reconhecer a iluminada justiça da
sentença que atraímos sobre nós; será este o momento
inicial do nosso processo de regeneração o qual procura avivar-nos
a Sabedoria suprema. Essa é a única estrada que pode levar-nos
ao soberano Princípio do amor do qual recebemos forma, e que nós
mesmos fomos forçados a banir-nos dos domínios que nos havia
confiado.
Oh! valentes homens das letras, servi-vos da vossa eloquência, para
delinear com cores persuasivas e encorajantes o quadro instrutivo da família
humana, o estado no qual os indivíduos representam uns aos outros outras
tantas lições viventes.
A visão da miséria comum, suscitará então nos
indivíduos um horror salutar de si próprios e um interesse apaixonado
pela reabilitação de todos os membros desta grande família.
Mostre-lhes no ato de nutrir-se do pão das lágrimas, enquanto
observam uns ao lado dos outros, o silêncio triste da dor, sem interrompe-lo
se não para fazer perceber o ritmo acossante da expiação,
afim que o homem possa dizer do homem: - Irmão, fundamos sobre uma
falsa humanidade o reino da morte e este nos abraça agora com as suas
trevas. Não escondamos tal homem de mentira, mantendo-o ainda fechado
nas suas desgraças e nas suas baixezas; procuremos fazê-lo emergir
ao aberto afim que o vento vivo penetre-o até a raiz, e o reino da
morte estremecido nos seus fundamentos, possa desabar e perder-se no fundo
dos próprios abismos.
Mas o homem está bem longe de oferecer um espetáculo similar,
nem de prostrar-se de fronte a irrevogável justiça que não
cessa de soar sobre ele; o mesmo princípio de desordem que nos fez
decair da nossa dimensão original, nos persegue, nos acompanha e ainda
anima a nossa degradada existência. Como nos mascarou a fonte mortal
do nosso extravio, assim este dissimula, dia após dia, os frutos e
as conseqüências. O único objetivo de tal princípio
destrutivo, é aquele de prolongar a existência do fundamento
do mal afim que, perpetuando a nossa ilusão, este possa perpetuar o
próprio reino, que infelizmente para nós, fundamenta-se somente
sobre os nossos desenganos e sobre as nossas trevas. Aquela força enganosa
nos persuade de que seguindo as suas insinuações sedutoras não
nos degradamos; e agora que a seguimos, esta procura convencer-nos que não
estamos decaídos e nos induz a persuadir da mesma forma todos aqueles
que nos cercam. Em outras palavras, nos leva a impor o sinal de nossa específica
condenação aos nossos semelhantes, ao invés de confessá-lo
junto com o tipo de privação que nos é imposta. O mesmo
princípio deteriorante teve a habilidade de aumentar a carga que nos
exaure, com as conseqüências da própria degradação,
e com os múltiplos desejos que nos devoram e que nos ocultam o caminho
a seguir para levar-nos em direção a reintegração.
Os homens procuram portanto, aparecer como se fossem efetivamente dotados
dos dons que pertenceriam a nossa verdadeira natureza se todos não
houvéssemos cavado um enorme abismo entre nós e a verdade. Os
mesmos se preocupam em ocultar a falta de virtudes, a carência de talento,
os defeitos físicos e os defeitos que derivam dos privilégios
de algumas formas sociais e políticas. O olho de nossos semelhantes
tornou-se para nós o único objetivo e o único incentivo
para as nossas ações e para os nossos movimentos. A superficialidade
assim nos desvia da evolução, que representava o objetivo da
Sabedoria, quando, banindo-nos da sua presença exilou-nos todos no
mesmo lugar. A contínua ilusão ao invés nos leva sempre
mais à ruína e à completa destruição.
De resto desejaríamos aparecer aos olhos do universo, qual divindade
própria e verdadeira. Não tendo conseguido tal empresa, não
quisemos renunciar a ela completamente, e procuramos ser investidos do nome
sacro, pelo menos na opinião dos nossos semelhantes, e de impressionar-lhes
com a nossa superioridade, onde estejam dominados, e possam iludir-nos com
o doce som da palavra Ecce Deus, ao invés se irritar-nos e cobrir-nos
de vergonha com a degradante definição Ecce Homo.
Em resumo, nos comportamos como aqueles seres lesos em todos os membros, que
aspiram ainda a beleza e a uma vida normal, e procuram mascarar a própria
mal formação com todo tipo de artifícios, sem preocupar-se
com a fragilidade dos meios empregados com tal objetivo.
O sacerdote uma vez privado da verdadeira potência e da verdadeira luz,
é obrigado a transmitir uma fé cega no caráter e no fundamento
assim como o filósofo e o orador suplicam com os sofismas e com a formalidade
da eloquência, a falta dos princípios fundamentais, necessários
a estabelecer o reino da verdade. Sempre por tais razões, os legisladores
exaltam os direitos dos povos e a potência das nações,
mesmo não tendo claro os verdadeiros fundamentos da soberania política.
A final também o hipócrita busca com dissimulações
e astucia, o bom nome que não pode esforçar-se em obter com
as virtudes; sem considerar aqui todos os abusos, todas as baixeza e todas
as injustiças que afligem em toda parte as associações
humanas.
Portanto, nós homens adotando meios desviados e corruptos, substituímos
a salutar confissão do nosso estado humilhante, pelo quadro de uma
glória que é somente fruto de mentira. Enfim a humanidade, ao
invés de buscar entre os próprios componentes consolo recíproco,
no seu estado de prova, não cessa de atrair males contínuos.
De fato, o emprego habitual dos nossos dias é semelhante a um sacrificar-se
recíproco em quanto que percorrendo o caminho traçado pela consciência
da nossa fragilidade poderíamos reciprocamente encaminhar-nos no bem.
Os caminhos não naturais sobre os quais o homem se retarda diariamente
terminam com contínuas quedas e desilusões; em vão os
esforços que ele cumpre para destruir a humilhante sentença
da própria condenação, fazem-na mais vergonhosa para
ele, acrescentando novas perspectivas de decadência a sua degradação
original. Ainda inutilmente, ele sente que os meios dos quais se serve são
apenas sugestões e não tem uma base bastante profunda para podê-lo
conduzir ao verdadeiro objetivo. Todos estes remédios não tendo
em si o princípio da vida, são mais nocivos para o seu espírito
de quanto não o são as substâncias das quais ele recorre
para remediar as carências do físico. Não obstante isto
o homem continua a prosseguir no caminho improvisado pela própria imprudência,
e continua a esperar que lhe venha cancelado o humilhante título: Ecce
Homo.
Independente
dos meios comuns e gerais dos quais se servem quotidianamente o erro e a mentira
para obscurecer o olhar sobre o nosso estado de miséria, e para iludir-nos
com esperanças inúteis, o espirito das trevas descobriu outros
instrumentos muito mais desviantes e funestos.
De fato, os erros dos quais já falamos, recaem mais sobre o aspecto
exterior do homem e sobre suas características visíveis, do
que sobre aquele interior e espiritual. A simples moral então será
suficiente para mantê-lo afastado de tais erros; estes portanto, mesmo
sendo causa de dor, poderiam fazer no máximo mais difícil o
caminho da vida. Pelo contrário, os instrumentos de fraqueza dos quais
estamos para falar, tem o tremendo poder de transtornar o homem a tal ponto
de não permitir-lhe reencontrar a justa via; aqui o sentido da frase
Ecce Homo se revela num trágico pranto.
O nosso estado primitivo permitia aproximar-nos de conhecimentos superiores,
e de alegrar-nos visivelmente com a vida do espírito, revestido de
todo o esplendor da sua luz. Nos conferia também autoridade sobre os
diversos habitantes de todo o mundo, hoje para nós ocultos pelo denso
véu dos elementos.
Depois da nossa queda, a Sabedoria, em um instante providencial, escolheu
um qualquer mortal, mesmo envolto em trevas, para fazê-lo participe
de tão grande privilegio.
Mas as mesmas trevas reanimaram-se em contraste com a presença de uma
tão grande luz, e procuraram tomar-lhe o lugar, repetindo os eventos
dos quais eram testemunhas, ou mesmo atingindo o espírito do homem
com os meios para enganá-lo.
As potências obscuras de fato, podem ler contemporaneamente nos férteis
meandros do seu pensamento, um modo ainda mais válido e capaz de dirigir
contra o eu aquele mesmo pensamento que deveria constituir o seu guia, o seu
apoio, a sua certeza em um destino universal.
As graças superiores enviadas diretamente da Sabedoria à alguns
mortais tinham uma dupla prerrogativa. Ensinavam igualmente a doçura
e a magnificência dos dons oferecidos à nossa alegria, para fazer-nos
compreender o quanto absurdo tem sido a negação na qual tivemos
a imprudência de imergir-nos. Em tal espírito, aqueles homens
privilegiados divulgam as suas instruções ao outros seres.
As obras geradas e corruptas das trevas tem pelo contrário o objetivo
de persuadir o homem, que ele goza ainda de todos o seus direitos e de ocultar-lhe
o real estado de privação espiritual, que é o verdadeiro
sinal característico ao qual está ligada à definição
Ecce Homo. No conhecimento de tal privação está a condição
indispensável da nossa reconciliação com a Sabedoria.
Não basta apenas o homem afastar-se de seu interior, para que os frutos
das trevas o envolvam e se misturem a sua atividade espiritual, assim como
a respiração, se contaminada por um ar malsano, seria sufocante
e infectada por um miasma podre pela corrupção. A Sabedoria
suprema sabe bem qual o estado dos nossos abismos e portanto procura socorrer-nos
o mais possível; freqüentemente porem é obrigada a retirar-se
em si mesma, devido a horrível desfiguração dada às
suas próprias mensagens. Se qualquer mortal tiver sorte suficiente
para provar a aproximação de tal Sabedoria e de poder divisar
pela virtude da sua luz a decadente matéria da qual somos compostos
e a amargura com a qual a própria Sabedoria se aflige, conhecerá,
seja por experiência que por analogia, quais riscos o homem corre do
momento no qual se afasta do seu centro interior para terminar na exterioridade.
Os sábios procuram divulgar os seus ensinamentos, com a máxima
prudência, e tomam precauções para que os tesouros da
verdade não sejam enlameados pela corrupção que opera
nos abismos do mundo. Estes sabem muito bem que a fonte da luz reside no centro
interior e invisível, e que a razão pela qual o mundo procede
assim tão lentamente em direção aos caminhos consagrados
do esplendor, é que este se serve somente do instrumento de comunicação
exterior e superficial, sem procurar fudamentá-lo sobre raízes
vivas, ou sobre a Potência interior, a única chama que pode reavivar
todas as autênticas perspectivas do nosso comunicar. De fato, somente
no interior, reside a Palavra viva e criadora.
Além disso, freqüentemente o mundo esquece que as mais preciosas
verdades que lhe é dado conhecer, segunda suas naturezas, podem vir
expressas somente na dor e com o silêncio, e que a boca física
do homem não é digna de enunciar como o ouvido físico
não é digno de escutar.
Por causa da sua imprudência transformada em hábito, o homem
está eternamente imerso nos abismos da confusão. Abismos destinados
a tornarem-se sempre mais funestos e obscuros e à gerar contínuos
estados de oposição. Colocado assim no centro de potências
múltiplas e terrificantes, que o puxam e arrastam em todos os sentidos,
seria verdadeiramente um prodígio se o homem conseguisse conservar
no coração um sopro do céu e em toda a espiritualidade
uma centelha de luz.
Quais vantagens não oferecemos, com a nossa leviandade, ao Príncipe
das trevas, que procura estabelecer o seu reino na imitação
da verdade? Certamente nós procuramos abandonar-nos o menos possível
a esta fraqueza secreta que nos induz a procurar fora de nós o apoio
que podemos encontrar somente em nós mesmos: tentemos conservar-nos,
restabelecendo a nossa qualidade de Seres naturais, verdadeiros e simples
como crianças ainda susceptíveis para acolher os dons que do
alto nos são concedidos. Mas não obstante as várias missões
espirituais e divina das quais possamos estar investidos, o Príncipe
das trevas nos leva a adentrarmos sempre mais na espacialidade exterior.
Uma vez nesta imersos, ele nos retém com o fascínio e com as
alegrias que lá começamos a experimentar e que nos faz rapidamente
esquecer aquelas da vida interior, as quais são tão calmas e
pacíficas quantas as primeiras são agitadas e turbulentas. Depois
de haver-nos retido na exterioridade física, ele nos induz a habitar
com o veneno da nossa própria contemplação e com o funesto
instrumento do olho dos nossos semelhantes. Estes, estando afastados como
nós do próprio interior, exercitam a sua influência desviante
sobre nossas imprudentes manifestações, arrastando-nos na obscuridade
e na mentira, despertando finalmente em todos nós os instintos opostos
aos chamados da simplicidade, da tranqüilidade e da humildade, inalteráveis
e duráveis, que nos teriam animado se com sábia precaução,
tivéssemos feito agir o nosso interior e não estivéssemos
afastados deste.
Certamente o homem não violaria a liberdade do próprio semelhante,
fazendo-o consciente do quanto a verdadeira obra do homem está longe
de todos os impulsos exteriores. Como já foi dito, o nosso lugar no
mundo exprime o aspecto típico da mesma divindade. Nós repousamos
sobre uma raiz viva que deve operar em nós todas as atividades regulares
para uma harmonia germinativa. Em torno a nós, e também por
nosso intermédio, verificam-se fatos exteriores com respeito ao curso
ordinário da natureza. Mas quer exista uma natureza e um mundo, quer
não exista, a nossa obra deve sempre haver o seu curso. Nós
representamos uma insignificante nulidade, enquanto Deus resume a razão
de tudo: devemos portanto venerar à Deus, e não ancorar-nos
aos fatos impuros ou legítimos quais quer que sejam estes.
Entre os caminhos secretos e perigosos dos quais o Príncipe das trevas
se assenhora para desviar-nos, devemos colocar todas as extraordinárias
manifestações que tem caracterizado os séculos e que
não nos prejudicariam tanto, se não houvéssemos perdido
de vista o verdadeiro caráter do nosso ser, e sobretudo se conhecêssemos
melhor a perspectiva espiritual da nossa história a partir da origem
de todas as coisas.
Desde sempre, a maior parte daqueles caminhos foram abertos de boa fé,
e sem nenhum objetivo perverso, por parte daqueles que os conheciam. Mas não
podendo encontrar, em tais homens favorecidos pela sorte, "a prudência
da serpente" com a "inocência da pomba", estes estimularam
em si o entusiasmo da inexperiência, ao invés do sentimento sublime
e profundo da santa magnificência de Deus.
O Príncipe do mal teve assim a possibilidade de intrometer-se nestes
caminhos, e nestes gerar uma infinidade de diferentes combinações
que tendem a obscurecer a simplicidade ditada pela Luz. Em alguns o Príncipe
das trevas provoca leves sombras, quase imperceptíveis absorvidas pela
abundância de luzes que as contrabalançam; outras são
contagiadas por uma contaminação suficiente para dominar o elemento
puro. Em outras enfim, o Príncipe das trevas estabelece o próprio
domínio para tornar-se o único chefe e o único regulador
das situações.
Alguns escritores inspirados e de boa vontade nos mostraram, na constituição
do universo, uma das vias das quais se serve o Príncipe das trevas
para propagar as suas ilusões. Tais escritores, prestaram às
nações desviadas o maior serviço que se poderia esperar;
deverão meditar atentamente sobre este raio de luz. Raio que revelará
claramente a fonte da abominação e dos erros religiosos, que
por outro lado atraíram, sobre povos famosos, as vinganças da
cólera divina. As nações poderão obter os conhecimentos
mais vastos e mais úteis para os nossos tempos modernos, os quais,
sob tal aspecto, assemelham-se muito mais aqueles antigos de quanto se possa
imaginar. A inteligência do homem tem à disposição
esta chave; podemos portanto limitar-nos a considerar os frutos da obra das
forças tenebrosas, que desviaram tantos mortais; e a percorrer tanto
os diferentes sinais sob os quais tais frutos podem ser reconhecidos quanto
as desilusões reservadas àqueles que destes se nutrem.
Podemos
aprender a discernir a falsidade das manifestações e dos movimentos
exteriores, quando as obras que destes derivam são por assim dizer,
as sombras de si próprios, mudanças superficiais e por conseqüência
não suficientemente vivificantes para religar-nos ao plano da grande
obra de Deus.
Por outro lado o escopo do projeto divino, pelo contrário consiste
em reconduzir-nos ao nosso centro interior onde habita o divino, evitando
dispersar-nos nos centros externos, frágeis, tenebrosos e corruptos
onde Deus não reside. Alem disso conseguimos reconhecer a falsidade
quando as missões dos seres enviados para instruir-nos possuem um caráter
vago e indeterminado. A confusão se verifica quando estes enviados
se encontram subordinados a árbitros incapazes de julga-los. Estes
se tornam altamente partícipes da destruição de suas
próprias obras, pois submetem as suas faculdades iluminantes à
direção de guias estranhos a tais inteligências. Ainda
podemos reconhecer o erro, quando as profecias dos mesmos enviados oferecem,
independentemente deste caráter incerto, o incentivo a afastar-nos
do destino natural do espírito do homem. Como se viu, tal espírito
é o primeiro sinal e o primeiro testemunho da tonalidade divina, e
malgrado, esteja bem longe de atingir aqui sobre a terra o nível dos
privilégios e do esplendor originais, este não pode dar um só
passo seguro, se não pelo vislumbre da débil centelha que lhe
resta.
O espírito do homem, enquanto é o sinal e o testemunho da Divindade,
não satisfaria o próprio objetivo natural, se representasse
somente o sinal e o testemunho do espírito e dos anjos, das potências
da natureza sejam terrestres ou celestes, e das almas dos desencarnados. Se
depois de ser anunciado como o sinal e o testemunho da luz divina, este se
transformasse, por suas imprudentes ações, no sinal e no testemunho
de seres ignorantes, de ações tenebrosas e corruptas, a involução
seria ainda mais grave. É impressionante portanto constatar com qual
profusão e com qual confusão todos estes erros e todas as particularidades
que daí derivam, possam também introduzir-se nas vias de excepcionais
manifestações benéficas. Enfim, pressentimos o erro quando
estas vias extraordinárias não se apoiam em sólidas estruturas.
As próprias Sagradas Escrituras não seriam verdadeiras se não
depusessem em favor do caráter divino como distintivo no homem, do
qual ele freqüentemente reconhece estar revestido por meio do Autor supremo
dos seres. As escrituras alem disso, não seriam aceitáveis se
não elegessem o homem a ser o sinal e o testemunho da Divindade única,
e se não reconduzissem a alma a este único objetivo mostrando
o mal e as trevas que a espera, se a alma transforma-se num sinal e testemunho
de formas divinas diversas. Enfim as escrituras não seriam verdadeiras
se em todos os eventos que relatam, em todas as profecias que contem e em
todas as maravilhas que manifestam deixassem algo à glória humana
dos indivíduos, e não indicassem claramente o objetivo exclusivo
da afirmação universal da única Verdade suprema. Sob
todos estes pontos de vista, as Sagradas Escrituras servem de suporte à
natureza do homem, ao seu destino que lhe foi designado em base a sua origem
e finalmente deve inspirar cada ação do mesmo. As escrituras
apresentam o homem como a criatura chamada à ser a imagem e semelhança
de Deus, à dirigir todas as obras à ele confiadas pela sua potência,
a conquistar a terra e povoá-la, à atribuir aos seres os nomes
que à eles competem e tudo isto, colocando o homem sob o olhar da Divindade,
em uma correspondência direta com esta.
Depois da narração sobre a queda, as Escrituras não cessam
de recordar ao homem qual era o seu lugar primitivo e de prometer-lhe que
se seguir com zelo e coragem as normas e exortações que a suprema
Sabedoria enviar para confortá-lo, o Eterno será o seu Deus
e a humanidade será o povo do Eterno. As escrituras não cessam
de colocar o homem em guarda contra as insídias dos seres habitantes
da triste morada que ele ocupa atualmente; procuram mostrar sob mil formas
e com muita ênfase os meios pelos quais aqueles seres utilizam para
destruir sua felicidade, até quando não conseguirem mais fazê-lo
partícipe da sua suas abominações, e a colocá-lo
a serviço de seus ídolos.
As Escrituras descrevem ainda sob os aspectos mais humilhantes o estado de
miséria no qual o indivíduo se reduz havendo esquecido Deus
e sendo negligente ao defender-se dos próprios inimigos. De resto o
homem é uma criatura verdadeiramente cara ao amor divino; deduzimos
sempre pelo quanto se referem as Escrituras. De fato, o inabalável
Princípio de todas as coisas colocou-se ao lado do homem, como ao lado
do próprio pensamento, para subtraí-lo do destino de morte ao
qual estava exposto, e para pagar em nosso nome, o débito do qual somos
todos responsáveis perante a justiça humana. Portanto, o rio
do amor divino, que é a nossa fonte de vida, não pode parar
de fluir para nos regenerar. Aqui sobre a terra o coração do
homem não se torna árido pelos próprios irmãos,
malgrado as suas injustiças, e estaria sempre pronto à padecer
por eles se pudesse a tal preço restituir-lhes a exultante consciência
da virtude. Assim também o eterno rio da vida não secou na ora
da nossa falta; simplesmente reduziu-se e retirou-se, condenando-nos a comer
com o suor da fronte o pão da vida que deveríamos comer não
sem trabalho mas sem fadiga.
Este rio foi progressivamente alimentado pelas relações posteriores
com o homem promovidas com a evolução dos tempos. Assumiu enfim
a sua antiga extensão, cumprindo para nós a lei de nossa condenação
que nós mesmos nos recusamos a cumprir; transformando novamente a sua
potência na nossa natureza humana; se revestiu das possibilidades terrestres,
de todos os sinais de escárnio e coroado de espinhos, ferido por golpes,
sujo pelas cuspidas, abandonado por todos, sofreu ao ponto que se mostrasse
publicamente com uma cana como cetro e que se dissesse dele aos olhos das
nações da terra: Ecce Homo: eis o estado a que o homem se reduziu,
desde o primeiro pecado e através de todas as sucessivas prevaricações.
Graças a esta humilhante confissão, a Justiça reabriu
para nós todas as portas do amor porque desta forma as conseqüências
do pecado do homem foram manifestadas e denunciadas pelo próprio homem.
Sem este terrível testemunho, a morte do Reparador seria uma atrocidade
injusta e a misericórdia divina um capricho.
As escrituras pretendem portanto indicar especificamente o veículo
do qual se serviu o rio vivificante do amor, para descer como de uma montanha
até o nosso ser. Os testemunhos das Escrituras não servem para
a alma do homem como prova de todos os princípios que a alma pode ler
em si mesma e que são anteriores as próprias escrituras; estas
porém, podem oferecer ao homem um apoio sempre sólido e um alimento
salutar, e como tais entram novamente no rol dos meios que nos são
oferecidos para julgar as manifestações do espírito em
geral.
Sirvamo-nos portanto de todos os princípios que apenas delineamos e
apliquemo-los àquelas manifestações da vida nas quais
o erro se insinua facilmente sobre a verdade, onde paramos na ascensão
e colocamo-nos no caminho do Príncipe das trevas entre maravilhas que
nos surpreendem e tesouros que nos circundam.
Os caminhos e os dons parciais puderam e poderão verificar-se na atmosfera
relativa de todos os tempos, porque em todos os tempos existiram e existirão
seres que mesmo não sendo dedicados ao mal, encontram-se todavia em
um nível muito inferior em relação ao espírito
divino para serem animados por toda a sua força e por toda sua plenitude.
Mas para que estas vias limitadas possam ser trocadas pela iniciativa da viva
luz, devem ter pelo menos o caráter da vida, devem representar pelo
menos em uma menor escala a produção da grande obra. Sem estes
pré-requisitos estes seres possuem somente uma função
figurativa e se limitam ao aspecto superficial das situações
de modo que todos aqueles que se abandonam à estes não penetram
nunca até o centro da obra.
Ora, por algumas razões que não creio sejam necessárias
aqui expô-las a obra parcial assume facilmente no pensamento do homem
o caráter da obra total; a obra do espírito é confundida
é confundida facilmente com aquela da Divindade; a obra das potências
naturais aparece facilmente com obra do espírito; e mais facilmente
ainda a ação das potências cegas e corrompidas é
confundida com a ação das potências naturais.
O Príncipe das trevas se aproveita desta infeliz tendência do
homem para a confusão e a favorece servindo-se dos direitos que lhe
permitimos assumir sobre nós.
Na sua condição relativa o homem deve então combater
dois obstáculos, aquele da própria fraqueza e aquele do Príncipe
das trevas; obstáculos entre os quais nos movemos sobre o plano terrestre.
Pelo contrário o homem admitido na plenitude da obra divina, não
deve realizar o mesmo trabalho nem correr os mesmos perigos que descrevemos.
Portanto geralmente os homens geralmente trocaram por missão divina
as simples missões espirituais; confundirão as missões
espirituais com aquelas naturais, as missões naturais com aquelas tenebrosas
ou sub-naturais.
Cada um procurou propagá-las do modo como erroneamente as compreendeu,
enquanto era necessário concentrá-las na íntima e limitada
atmosfera quando verdadeiras ou afastá-las para sempre se estas não
tinham o caráter da verdade.
Podemos imaginar quantas ofensas os mesmos portadores de cada missão
tenham feito a si mesmos, saindo das próprias esferas e expondo-se
imprudentemente e sem forças suficientes a influências antagônicas
e corruptas de tantas outras esferas que deveriam permanecer desconhecidas
para sempre.
Os frutos que o Príncipe das trevas obteve são incalculáveis
e muitas instituições sobre a terra tem sido endereçadas
por ele, sejam aquelas reverenciadas como sacras, sejam aquelas que em base
a progressivas alterações, conservaram de sua autentica natureza
simples emblemas e se transformaram totalmente em instituições
profanas. Entre estes dois extremos existem numerosos estados intermediários;
mas os germens mais mortais produziram seus frutos nos pontos mais periféricos,
porque quanto mais tais germens decaem mais encontram terreno capaz de fecundar-lhes.
Como conseqüência as instituições profanadas revelam
a sua origem seja prescrevendo regras absurdas de conduta, seja através
de seus meios inerentes, cujos relatos revelaram os espaços puramente
naturais, mas honrados como divinos por quase todos os povos da terra, dados
as trocas espirituais (bons e maus) dos quais tais espaços são
suscetíveis.
Será suficiente aqui, para que o leitor atento faça comparações
necessárias, mencionar os cabelos e as unhas que por uma lei muito
instrutiva, não são sensíveis; a cabeça do homem
na qual a sinuosidade do celebro e do cerebelo tem relação com
o intestino. Citemos ainda os astros, nos quais a mitologia de todos os tempos
colocam inúmeras imagens hipóteses enfáticas para satisfazer
a fantasia humana. Enfim recordemos o Deuteronômio cujo texto o povo
hebraico e com este todos os outros povos podem aprender a precaver-se contra
a idolatria pois encontram as bases das relações, a mágica
analogia dos planos temporais e o conselho para guardar-nos dos Deuses das
outras nações.
Concluindo, solicitando um proceder em direção ao inferior o
Príncipe das trevas nos impede de obedecer a Lei. Ao invés de
fazer-nos aparecer na nossa miséria e com a nossa qualidade humilhante
de Ecce Homo, faz com que nos contentemos com as simples potências espirituais
e com as simples potências elementares e também com as meras
potências figurativas ou talvez simplesmente com as potências
de reprovação e ao final nos iludimos em estar revestidos pelas
verdadeiras potências de Deus para gozarmos de todos os direitos da
nossa origem.
Da facilidade com a qual o Príncipe das trevas generalizou as missões
parciais e as alterou até transformá-las em ilusórias,
são derivadas as falsas missões.
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