Doutrina
de Vida Para a Nova Jerusalém
Emanuel Swedenborg
Cap. I Toda religião
pertence à vida, e a vida da religião é fazer o bem
1. Todo homem que tem religião sabe e reconhece que aquele que vive bem
é salvo, e que aquele que vive mal é condenado. Com efeito, ele
sabe e reconhece que aquele que vive bem pensa bem, não somente a respeito
de Deus, mas também a respeito do próximo, porém não
aquele que vive mal. A vida do homem é seu amor, e o que o homem ama,
não somente ele o faz com prazer, como também nisso pensa com
prazer. Se, portanto se diz que a vida da religião é fazer o bem,
é porque fazer o bem faz um com pensar no bem; se essas duas coisas não
fazem um no homem, não pertencem à sua vida. Mas essas proposições
serão demonstradas no que se segue.
2. Que a religião pertença à vida, e que a vida da religião
seja fazer o bem, todo homem que lê a Palavra o vê e, quando a lê,
o reconhece. Na Palavra estão estas passagens: "Qualquer que violar
um destes mais pequenos preceitos, e assim ensinar os homens, será chamado
o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumpre e ensina
será chamado grande no reino dos céus".
"Eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas
e fariseus, não entrareis no reino dos céus." (Mat. 5: 19,
20). "Toda árvore que não dá bom fruto é cortada
e lançada no fogo; por isso, pelos seus frutos os conhecereis."
(Mat. 7:19, 20).
"Nem todo o que Me diz: Senhor! Senhor! entrará no reino dos céus,
mas aquele que faz a vontade de Meu Pai, que está nos céus."
(Mat. 7:21).
"Muitos Me dirão naquele dia: Senhor! Senhor! não profetizamos
por Teu Nome e em Teu Nome não fizemos muitas virtudes? Mas então
lhes confessarei: Nunca vos conheci! apartai-vos de Mim, vós que obrais
iniqüidade." (Mat. 7:22, 23).
"Todo aquele... que ouve as Minhas palavras, e as pratica, compará-lo-ei
ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha. Mas aquele que ouve
as Minhas palavras, e não as pratica, será comparado ao homem
insensato, que edificou a sua casa sobre a areia." (Mat. 7:24, 26).
"Jesus disse: O semeador saiu a semear... uma semente caiu sobre o caminho
duro... outra, em pedregais; ... outra, entre espinhos; e outra, em boa terra.
O que foi semeado em boa terra, esse é o que ouve e atende a Palavra,
e esse, daí, dá fruto, e produz, um, cem, outro sessenta, e outro
trinta. Quando Jesus disse estas palavras, clamou, dizendo: Quem tem ouvidos
para ouvir, ouça!." (Mat. 13:3,9, 23).
"Virá... o Filho do homem na glória de Seu Pai... e então
dará a cada um segundo seus feitos." (Mat. 16: 27).
"O reino de Deus vos será tirado e será dado a uma nação
que produz seus frutos." (Mat. 21:43).
"Quando... vier o Filho do homem em Sua glória... então Se
assentará no trono de glória. E dirá às ovelhas
à direita: Vinde, benditos... e possuí por herança o reino
preparado para vós desde a fundação do mundo; porque tive
fome, e destes-Me de comer; tive sede, e destes-Me de beber; fui estrangeiro,
e hospedastes-Me; estive nu, e vestistes-Me; estive doente, e visitastes-Me;
na prisão estive, e viestes a Mim. Então os justos... responderão:
Quando Te vimos assim?... Mas, respondendo, o Rei,... dirá: Amém
vos digo que, quando o fizestes a um dos mais pequenos de Meus irmãos,
a Mim o fizestes. E o Rei dirá coisas semelhantes aos bodes, que estiverem
à esquerda; e como estes não fizeram tais coisas, dirá:
Apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus
anjos." (Mat. 25: 31 a 46).
"Dai... frutos dignos de penitência. Já, já... está
posto o machado à raiz das árvores; toda árvore que não
dá bom fruto é cortada e lançada no fogo." (Luc. 3:8,9).
"Jesus disse: Porque... Me chamais Senhor! Senhor ! e não fazeis
o que digo? Todo aquele que vem a Mim. e ouve as minhas palavras, e as pratica...
é semelhante a um homem que edifica uma casa, e pôs os alicerces
sobre a rocha;... mas o que ouve e não pratica é semelhante a
um homem que edificou uma casa sobre o humo, sem alicerces." (Luc. 6:46
a 49).
"Jesus disse: Minha mãe e Meus irmãos são aqueles
que ouvem a Palavra de Deus e a praticam." (Luc. 8:21).
"Então começareis a estar [de fora] e bater à porta,
dizendo: Senhor, ... abre-nos; mas, respondendo, vos dirá: Não
sei donde vós sois;... Apartai-vos de Mim, vós todos, obreiros
de iniqüidade." (Luc. 13: 25 a 27.
"Este... é o juízo: Que a Luz veio ao mundo, mas os homens
estimaram mais as trevas do que a luz, porque as obras deles eram más.
Todo aquele que pratica o mal odeia a luz, para que suas obras não sejam
argüidas; mas o que pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas
obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus." (João
3:19-21).
"E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição
(da vida; porém os que fizeram o mal, para a ressurreição)
do juízo." (João 5:29).
"...Sabemos que Deus não ouve a pecadores; mas, se alguém
honra a Deus, e faz a Sua vontade, a esse ouve." (João 9:31).
"Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes." (João
13:17).
"Aquele que tem os... preceitos e os pratica, esse é o que Me ama;...
e Eu o amarei, e Me manifestarei a ele; e irei para ele, e nele farei morada.
Quem não Me ama, não guarda as Minhas palavras." (João
14:15 a 24).
"Jesus disse: Eu sou a videira... e Meu Pai é o lavrador; todo ramo
em Mim que não dá fruto, a tira; porém toda ramo que dá
fruto, a limpará, para que dê mais fruto." (João 15:1,2).
"Nisto é glorificado Meu Pai, que deis muito fruto, e vos torneis
Meus discípulos." (João 15:8).
"Vós sereis Meus amigos se fizerdes o que vos mando. ... Eu vos
escolhi... para que deis fruto e o vosso fruto permaneça." (João
15: 14, 16).
O Senhor disse a João: "Escreve ao anjo da Igreja de Éfeso:
Conheço as tuas obras;... tenho contra ti que deixaste a tua primeira
caridade; ... faze penitência, e pratica as primeiras obras; senão...
retirarei o teu candelabro do seu lugar." (Apoc. 2: 1, 2, 4, 5).
"Ao anjo da Igreja de Smirna escreve: ... Conheço as tuas obras."
(Apoc. 2:8(,9)).
"Ao anjo da Igreja em Pérgamo escreve: Conheço as tuas obras;
faze penitência." (Apoc. 2:12, 16).
"Ao anjo da Igreja em Tiatira escreve: Conheço as tuas obras; e
caridade; ... e as tuas obras, as últimas mais numerosas do que as primeiras."
(Apoc. 2:18, 19).
"Ao anjo da Igreja em Sardes escreve: Conheço as tuas obras, que
tens nome de que vives, mas estás morto;... não achei as tuas
obras perfeitas diante de Deus; faze penitência." (Apoc. 3:1, 2,
3).
"Ao anjo da Igreja que está em Filadélfia escreve:... Conheço
as tuas obras." (Apoc. 3:7, 8).
"Ao anjo da Igreja de Laodicéia escreve: ... Conheço as tuas
obras, faze penitência." (Apoc. 3:14, 15, 19).
"Ouvi uma voz do céu dizendo: Escreve: bem-aventurados os mortos
que desde agora morrem no Senhor! ...Diz o Espírito, para que descansem
dos seus trabalhos; as suas obras seguem com eles." (Apoc. 14:13).
"Um livro foi aberto, que é o da vida; e os mortos foram julgados
conforme as coisas que estavam escritas no livro, todos segundo as suas obras."
(Apoc. 20:12).
"Eis que presto venho, e a Minha recompensa comigo, para dar a cada um
segundo a sua obra." (Apoc. 22:12,13).
Semelhantemente, no Antigo Testamento: "Retribui-lhes conforme as obras
deles, e conforme os feitos das mãos deles." (Jer. 25:14).
JEHOVAH, "cujos olhos estão abertos sobre todos os caminhos dos
homens, para dar a cada um segundo os seus caminhos, e segundo os frutos de
suas obras." (Jer. 32:19).
"Visitarei segundo os seus caminhos, e as suas obras lhes recompensarei."
(Oséias, 4:9).
"JEHOVAH... conforme os nossos caminhos, conforme as nossas obras nos tratou."
(Zac. 1:6).
Em muitas passagens se prescreve executar os estatutos, os mandamentos e as
leis, assim: "Observareis os Meus estatutos e os Meus juízos, os
quais, se o homem fizer, por eles viverá." (Levít. 18:5).
"Observareis todos os Meus estatutos e todos os Meus juízos, para
os fazer." (Levít. 19:37; 20:8; 22:31).
"Bênçãos, se praticarem os preceitos, e maldições,
se os não praticarem." (Levít. 26:4-46).
Foi mandado aos filhos de Israel que fizessem para si uma franja nas bordas
dos seus vestidos, para que se recordassem de todos os preceitos de JEHOVAH,
para que os praticassem (Núm. 15:38,39).
E em mil outras passagens. Que sejam as obras que fazem o homem da Igreja, e
que segundo elas ele é salvo, o Senhor o ensina também nas parábolas,
algumas das quais envolvem que aqueles que fazem os bens são aceitos,
e que os que fazem os males são rejeitados. Como na parábola dos
lavradores da vinha (Mat. 21:33-44); da figueira que não deu fruto (Luc.
13:6-9); dos talentos e das minas com que se devia negociar (Mat. 25:19-31);
do samaritano que ligou as chagas do homem ferido pelos ladrões (Luc.
10:30-37); do rico e Lázaro (Luc. 16:19-31); das dez virgens (Mat. 25:1-12).
3. Que todo homem que tem religião saiba e reconheça que aquele
que vive bem é salvo, e que aquele que vive mal é condenado, é
pela conjunção do céu com o homem, o qual, pela Palavra,
conhece que há um Deus, que há um céu e um inferno, e que
há uma vida depois da morte; daí vem essa percepção
geral. Eis por que, na doutrina da fé atanasiana sobre a Trindade, doutrina
universalmente recebida no mundo cristão, esta proposição,
que se acha no fim, foi também universalmente reconhecida, a saber: "Jesus
Cristo, que sofreu para a nossa salvação, subiu ao céu,
e está assentado à direita do Pai onipotente, donde deve vir para
julgar os vivos e os mortos; e então, os que fizeram os bens entrarão
na vida eterna, e os que fizeram os males, no fogo eterno."
4. Nas igrejas cristãs há muitos que ensinam, porém, que
a fé, só, salva, e não algum bem da vida ou boa obra. Acrescentam
também que o mal da vida, ou a má obra não condena os justificados
pela fé, só, porque estão em Deus e na graça. Mas
é de admirar que, embora ensinem tais coisas, reconheçam, todavia
B o que resulta de uma percepção geral vinda do céu, B
que são salvos aqueles que vivem bem, e são condenados aqueles
que vivem mal. Que, contudo, eles o reconheçam, é evidente pela
exortação que é lida nos templos, tanto na Inglaterra como
na Alemanha, na Suécia e na Dinamarca, perante o povo que participa da
Santa Ceia. Que nesses reinos estejam aqueles que ensinam a fé só,
é notório. A exortação, que é lida na Inglaterra
diante do povo que participa do sacramento da Ceia, é esta:
5. "O modo e meios ser recebido como participante merecedor daquela Mesa
Santa, é, primeiro, examinar suas vidas e conversações
pela regra das ordens de Deus, e em que vos de em todo caso se perceberão
para ou ter ofendido por vá, palavra ou ação, lá
lamentar seu próprio propensão para o pecado, e se confessar a
Deus Todo-poderoso, com propósito cheio de emenda de vida; e se vos perceberão
suas ofensas para ser como não só está contra Deus, mas
também contra seus vizinhos, então vos se reconciliarão
até eles, enquanto estando pronto para fazer restituição
e satisfação de acordo com o extremo de seus poderes, para todos
os danos e injustiças feitas por você para qualquer outro, e estando
igualmente pronto para perdoar outros que o ofenderam, como vos teriam perdão
de suas ofensas à mão de Deus, para caso contrário à
recepção deles da Sagrada comunhão nada mais mas aumenta
sua danação. Então se qualquer de você é um
blasfemador de Deus, um estorvador ou caluniador da Palavra dele, um adúltero,
ou está em malícia ou inveja, ou em qualquer outro crime doloroso,
o se arrependa de seus pecados, ou então não venha àquela
Mesa Santa; para que não depois da tomada daquele Sacramento Santo o
Diabo entra em você, como ele entrou em Judas, e o enche cheio de todas
as iniqüidades, e o traz a destruição ambos corpo e alma."
6. Estas palavras, em português, são assim: "Este é
o caminho e este é o meio para quem quer participar dignamente da Santa
Ceia: Primeiro, que examine as ações e os relacionamentos de sua
vida segundo a norma dos preceitos de Deus; e quaisquer que sejam aquelas nas
quais descobre que transgrediu por vontade, por palavra ou por ação,
deplore sua natureza viciosa, e se confesse diante de Deus onipotente, com o
pleno propósito de emendar a vida. E se descobre que suas ofensas são
não somente contra Deus, mas também contra o próximo, então,
que se reconcilie e esteja pronto a fazer-lhe restituição e dar-lhe
satisfação, segundo todas as suas forças, pelas injustiças
e males que lhe tiver feito; e que esteja igualmente pronto a perdoar aos outros
as suas ofensas, assim como deseja que as próprias ofensas sejam remidas
por Deus, de outro modo, o recebimento da Santa Comunhão não fará
mais que agravar a condenação. Por conseqüência, se
alguém dentre vós é blasfemador de Deus, maldizente ou
escarnecedor de Sua Palavra, ou adúltero, ou estiver em malícia
ou malevolência, ou em algum outro crime enorme, que faça penitência
dos seus pecados, senão, que não se aproxime da Santa Ceia. De
outro modo, depois de tê-la recebido, o diabo entrará em ti como
entrou em Judas, e te encherá de toda iniqüidade, destruindo-te
tanto o corpo como a alma".
7. Foi-me dado interrogar, no mundo espiritual, a alguns presbíteros
da Inglaterra que tinham confessado e pregado a fé, só, se, quando
liam nos templos essa exortação, na qual a fé não
é sequer nomeada, se tinham acreditado que era assim, que, se fizessem
más obras e não fizessem penitência delas, o diabo entraria
neles como em Judas, e lhes destruiria tanto o corpo como a alma. Disseram que,
no estado em que se achavam quando liam essa exortação, sabiam
e pensavam somente que essas coisas constituíam a própria religião;
porém, que não pensavam da mesma maneira quando preparavam ou
poliam os sermões ou pregações; que então pensavam
na fé como o único meio de salvação e, no bem da
vida, como um acessório moral para o bem público. Mas, todavia,
foram convencidos de que também tinham estado nessa percepção
geral, que aquele que vive bem é salvo, e aquele que vive mal é
condenado, e que tinham essa percepção quando não estavam
em seu próprio.
8. Que toda religião pertença à vida, é porque cada
um, depois da morte, é a sua vida. Com efeito, a vida fica tal qual tinha
sido no mundo e não é mudada. Uma vida má não pode
ser convertida em boa, nem uma boa em má, porque são opostas,
e a conversão em seu oposto é a extinção. Por conseqüência,
como são opostas, a vida no bem é chamada vida e a vida no mal
é chamada morte. Daí vem que a religião pertença
à vida, e a vida seja fazer o bem. Que o homem, depois da morte, seja
tal qual foi sua vida no mundo, vê-se no tratado d'O Céu e o Inferno
(ns. 470 a 484).
Cap. II Ninguém
pode, por si mesmo, fazer o bem que é realmente o bem
9. Que, até hoje, mal existe alguém que saiba se o bem que faz
vem de si mesmo ou de Deus, é porque a Igreja separou a fé da
caridade, e o bem pertence à caridade. O homem dá aos pobres,
socorre os indigentes, doa aos templos e hospitais, serve à igreja, à
pátria e ao seu concidadão; freqüenta assiduamente o templo,
ouvindo e orando com devoção; lê a Palavra e os livros de
piedade, e pensa na salvação, porém não sabe se
faz essas coisas por si mesmo ou segundo Deus. Pode fazê-las segundo Deus,
e pode fazê-las por si; se as faz segundo Deus, são bens; se as
faz por si mesmo não são bens. Além disso, há bens
semelhantes que ele faz por si que, na realidade, são males, como são
os bens hipócritas, que são enganos e fraudes.
10. Os bens segundo Deus e por si podem ser comparados ao ouro. O ouro, que
desde o seu íntimo é ouro, e é chamado ouro acrisolado,
é o bom ouro; o ouro ligado à prata é também ouro,
mas é bom segundo sua liga; e o ouro ligado ao cobre é menos bom.
Porém o ouro feito pela arte e que imita o ouro pela cor, não
é bom, porquanto não há nele a substância do ouro.
Há também a douradura, como a prata dourada, o cobre, o ferro,
o estanho, o chumbo dourados; depois, a madeira dourada e a pedra dourada, materiais
que, superficialmente, podem até parecer ouro, mas, como não são
ouro, são estimados ou segundo a arte, ou segundo o preço da coisa
dourada, ou segundo o preço do ouro que se pode tirar da douradura. Em
bondade, essas coisas diferem do ouro mesmo, como o vestuário difere
do homem. Pode-se mesmo cobrir de ouro madeira podre, escórias e até
esterco; é esse ouro que pode ser comparado ao bem farisaico.
11. O homem, pela ciência, conhece se o ouro é bom em sua substância,
se tem liga, se é falsificado, e se está apenas em douradura:
mas, pela ciência, não conhece se o bem que faz é um bem
em si; sabe somente isto, que o bem que vem de Deus é bem, e o bem que
vem do homem não é bem. Por isso, como é importante para
a salvação saber se o bem que se faz vem de Deus ou se não
vem de Deus, isto deve revelado. Mas, antes que isto seja revelado, será
dito alguma coisa sobre os bens.
12. Há um bem civil, um bem moral e um bem espiritual. O bem civil é
aquele que o homem faz pela lei civil; por esse bem e segundo esse bem, o homem
é cidadão no mundo natural. O bem moral é aquele que o
homem faz pela lei racional; por esse bem e segundo esse bem ele é homem.
O bem espiritual é aquele que o homem faz pela lei espiritual; por esse
bem e segundo esse bem o homem é cidadão no mundo espiritual.
Esses Bens se seguem nesta ordem: o bem espiritual é o supremo, o bem
moral é o médio, e o bem civil é o ultimo.
13. O homem que tem o bem espiritual é homem moral e também homem
civil; mas o homem que não tem o bem espiritual aparece como se fosse
homem moral e civil, contudo não é. Que o homem que tem o bem
espiritual seja homem moral e civil, é por que o bem espiritual tem em
si a essência do bem, e dele procedem o bem moral e o civil; a essência
do bem não pode vir senão d'Aquele que é o Bem mesmo. Aplica
o pensamento ao assunto, estende-o e inquire de onde o bem é bem, e verás
que é de sua essência, do Bem mesmo, assim, de Deus. Por conseguinte,
o bem que não procede de Deus, mas que vem do homem, não é
o bem.
14. Pelas coisas que foram ditas na Doutrina sobre a Escritura Santa (ns. 27,
28, 38), pode-se ver que o supremo, o médio e o último fazem um,
como o fim, a causa e o efeito; e, como fazem um, o fim mesmo é chamado
fim primeiro; a causa, fim médio, e o efeito, fim último. Daí
será evidente que no homem que tem o bem espiritual, o moral nele é
o espiritual médio, e o civil é o espiritual último. Daí
vem, pois, a razão de ser dito que o homem que tem o bem espiritual é
homem moral e homem civil, e que o homem que não tem o bem espiritual
não é nem homem moral nem civil, mas somente aparece como se o
fora; assim aparece a si mesmo e também aos outros.
15. Que o homem que não é espiritual possa, todavia, pensar racionalmente
e, daí, falar como o homem espiritual, é porque o entendimento
do homem pode ser elevado à luz do céu, que é a verdade,
e ver por essa luz; mas a vontade do homem não pode ser da mesma maneira
elevada ao calor do céu, que é o amor, e por ele agir. Daí
vem que a verdade e o amor não fazem um no homem, a menos que seja espiritual.
Daí vem, também, que o homem pode falar; é mesmo o que
faz a diferença entre o homem e o animal. Pelo fato de o entendimento
poder ser elevado ao céu, quando à vontade ainda não o
foi, resulta que o homem pode ser reformado e tornar-se espiritual; porem só
é reformado e se torna espiritual quando a vontade é também
elevada. Dessa faculdade do entendimento, mais do que da faculdade da vontade,
resulta que o homem, qualquer que seja, mesmo o mau, pode, como o homem espiritual,
pensar racionalmente e daí falar. Mas se todavia ele não é
racional, é porque o entendimento não conduz a vontade, mas à
vontade o entendimento. O entendimento somente ensina e mostra o caminho, assim
como foi dito na Doutrina sobre a Escritura Santa (n. 115); e enquanto a vontade
não está, junto com o entendimento, no céu, o homem não
é espiritual, nem por conseguinte racional. Porque, quando está
entregue à sua vontade ou ao seu amor, rejeita de seu entendimento as
coisas racionais sobre Deus, o céu e sobre a vida eterna, e em seu lugar
admite coisas que concordem com o amor de sua vontade, e as chama racionais.
Mas essas coisas devem ser vistas nos tratados Sobre a Sabedoria Angélica.
16. Nos capítulos seguintes, aqueles que fazem o bem por si mesmos são
chamados homens naturais, porque neles o moral e o civil são naturais
quanto à essência; mas aqueles que fazem o bem pelo Senhor serão
chamados homens espirituais, porque neles o moral e o civil são espirituais
quanto à essência.
17. Que ninguém possa, por si mesmo, fazer algum bem que seja o bem,
o Senhor o ensina em João:
"Um homem não pode receber coisa alguma, se lhe não for dada
do céu." (3:27); e no mesmo:
"Quem permanece em Mim, e Eu nele, esse dá muito fruto, porque sem
Mim nada podeis fazer." (15:5);
"Quem permanece em Mim, e Eu nele, esse dá muito fruto" quer
dizer que todo bem vem do Senhor; o "fruto" é o bem";
"sem Mim nada podeis fazer" quer dizer que ninguém pode fazer
o bem por si mesmo. Aqueles que crêem no Senhor e fazem o bem por Ele
são chamados "Filhos da luz", (João, 12:36. Luc. 16:8);
"Filhos das núpcias." (Marcos 2:19); "Filhos da ressurreição."
(Luc. 20:36); "Filhos de Deus." (Luc. 20:36; João, 1:12); "Nascidos
de Deus." (João 1:13); que verão a Deus (Mateus 5:8); que
o Senhor fará morada neles (João 14:23); que eles têm a
fé em Deus (Marcos 11:22); que suas obras são feitas em Deus (João
3:21). Estas coisas estão, em suma, nestas palavras:
"A todos quantos O receberam" Jesus "deu-lhes o poder de serem
feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu Nome, os quais não
nasceram dos sangues, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão,
mas de Deus." (João, 1:12, 13);
"crer no Nome do filho de Deus" é crer na Palavra e viver segundo
ela; a "vontade da carne" é o próprio da vontade do
homem, que em si é o mal; a "vontade do varão" é
o próprio do seu entendimento, que em si é o falso proveniente
do mal; os "nascidos desses [da vontade da carne e da vontade do homem]"
são aqueles que querem e fazem, pensam e falam, segundo o próprio;
os "nascidos de Deus" são aqueles que fazem isso segundo o
Senhor. Em suma, o que vem do homem não é o bem, mas o que vem
do Senhor é o bem.
Cap. III Quanto mais o homem foge dos males como pecados, mais pratica os bens,
não por si, mas pelo Senhor
18. Quem não sabe e não pode saber que os males impedem o Senhor
de entrar no homem? Com efeito, o mal é o inferno e o Senhor é
o céu, e o inferno e o céu são opostos; assim, quanto mais
o homem está em um, tanto menos pode estar no outro, porque um age contra
o outro e o destrói.
19. Enquanto o homem está no mundo, está em um meio entre o inferno
e o céu; abaixo está o inferno e acima está o céu,
e então é mantido na liberdade de se voltar ou para o inferno
ou para o céu; se volta para o inferno, desvia-se do céu; mas
se volta para o céu, desvia-se do inferno. Ou, o que é a mesma
coisa: enquanto o homem está no mundo, está em um meio entre o
Senhor e o diabo, e é mantido na liberdade de voltar-se ou para um ou
para o outro; se volta para o diabo, desvia-se do Senhor; mas se volta para
o Senhor desvia-se do diabo. Ou, o que é ainda a mesma coisa: enquanto
o homem está no mundo, está em um meio entre o mal e o bem, e
é mantido na liberdade de voltar-se para um ou para outro; se volta para
a mal, desvia-se do bem; mas se volta para o bem, desvia-se do mal.
20. Foi dito que o homem é mantido na liberdade de se voltar para um
lado ou para outro. Essa liberdade cabe a cada homem, não por si mesmo,
mas pelo Senhor; por isso foi dito que é aí mantido. Sobre o equilíbrio
entre o céu e o inferno, e que o homem esteja nesse equilíbrio
e, por conseqüência, na liberdade, veja-se a obra O Céu e
o Inferno (ns. 589 a 596, e 597 a 603). Que cada homem seja mantido na liberdade
e que esta não é retirada de pessoa alguma, ver-se-á em
seu lugar.
21. Por aí se vê claramente que, quanto mais o homem foge dos males,
mais está com o Senhor e no Senhor; e que, quanto mais está no
Senhor, mais pratica os bens, não por si mesmo, mas pelo Senhor. Daí
vem esta lei geral: Quanto mais alguém foge dos males, mais pratica os
bens.
22. Há, porém, dois requisitos: um, que o homem deve fugir dos
males porque são pecados, isto é, porque são infernais
e diabólicos, assim contra o Senhor e contra as leis Divinas; o outro,
que o homem deve fugir dos males porque são pecados como por si mesmo,
mas que saiba e creia que é pelo Senhor. Mas, sobre esses dois requisitos,
falar-se-á nos artigos seguintes.
23. Daí resultam estas três conseqüências: (i.) Se o
homem quer e pratica os bens antes de fugir dos males como pecados, os bens
não são bens. (ii.) Se o homem pensa e fala com piedade, e não
foge dos males como pecados, a piedade não é piedade." (iii.)
Se o homem tem muito conhecimento e sabe muitas coisas, e não foge dos
males como pecados, não é realmente sábio.
24. (i.) Se o homem quer e pratica os bens antes de fugir dos males como pecados,
os bens não são bens. É porque, antes disso, ele não
está no Senhor, como foi dito acima. Por exemplo, se dá aos pobres,
se presta socorro aos indigentes, se doa aos templos e hospitais, se beneficia
a igreja, a pátria e os concidadãos, se ensina o evangelho e converte,
se pratica a justiça nos julgamentos, a sinceridade nos negócios
e a retidão nas suas obras, e, todavia, não considera os males
como sendo pecados, tais como as fraudes, os adultérios, os ódios,
as blasfêmias e outras coisas semelhantes, então só pode
fazer bens que interiormente são males. Com efeito, ele os faz por si
mesmo, e não segundo o Senhor; assim, é ele mesmo que está
nesses bens e não o Senhor. E os bens nos quais está o homem mesmo
são todos manchados por seus males e se referem a ele mesmo e ao mundo.
Mas esses mesmos feitos que foram enumerados acima são interiormente
bens se o homem foge dos males como pecados, tais como as fraudes, os adultérios,
os ódios, as blasfêmias, e outras coisas semelhantes, porque as
faz segundo o Senhor, e são chamadas "feitas em Deus." (João
3:19- 21).
25. (ii.) Se o homem pensa e fala com piedade, e não foge dos males como
pecados, sua piedade não é piedade porque não está
no Senhor. Por exemplo, se freqüenta os templos, se escuta devotamente
as pregações, se lê a Palavra e os livros de piedade, se
participa do sacramento da Ceia, se cada dia faz orações, se mesmo
pensa muito em Deus e na salvação, e, todavia, não considera
absolutamente os males como pecados (como as fraudes, os adultérios,
os ódios, as blasfêmias e outros males semelhantes), então
só pode pensar e pronunciar coisas piedosas que interiormente não
são piedosas, porque o homem mesmo, com seus males, está nelas.
Ele então o ignora, é verdade, todavia os seus males aí
estão e aí ficam ocultos à sua vista; é como uma
fonte cuja água é impura por sua origem. Os exercícios
da sua piedade são, ou somente práticas de hábito, ou meritórios,
ou hipócritas. Na verdade, sobem para o céu, mas se desviam a
caminho e caem, como fumaça no ar.
26. Foi-me dado ver e ouvir muitos que, depois da morte, enumeravam suas boas
obras e os exercícios de piedade, tais como os que acabam de ser referidos
(ns. 24, 25), e ainda de muitos outros. Vi mesmo entre eles alguns que tinham
lâmpadas, mas não óleo. Indagou se se tinham fugido dos
males como pecados, e descobriu-se que não; por isso lhes foi dito que
eram maus. Mais tarde, também foram vistos a entrarem em cavernas, onde
estavam maus que lhes eram semelhantes.
27. (iii.) Se o homem tem muito conhecimento e sabe muitas coisas, e não
foge dos males como pecados, não é realmente sábio. Isto
vem da mesma razão acima dada, a saber: que ele é sábio
por si mesmo e não pelo Senhor. Ainda que conheça à risca
a doutrina de sua igreja e todas as coisas que a ela se referem; que saiba confirmá-las
pela Palavra e pelos raciocínios; que conheça as doutrinas de
todas as igrejas desde séculos e, ao mesmo tempo, os editos de todos
os concílios; ainda mesmo que saiba as verdades, e mesmo as veja e as
compreenda; que saiba, por exemplo, o que é a fé, o que é
a caridade, o que é a piedade, o que é a penitência e a
remissão dos pecados, o que é a regeneração, o que
é o batismo e a santa Ceia, o que é o Senhor, e o que é
a redenção e a salvação; se, todavia, não
foge dos males como pecados, não sabe realmente tais coisas, porque são
conhecimentos sem vida, uma vez que pertencem somente a seu entendimento e não
ao mesmo tempo à sua vontade. Tais conhecimentos perecem com o tempo,
pela razão de que se falou acima (n. 15). Também, depois da morte,
o homem mesmo os rejeita, porque não concordam com o amor da sua vontade.
Todavia esses conhecimentos são extremamente necessários, porque
ensinam como o homem deve agir; e, se ele os põe em pratica, então
os conhecimentos vivem com ele, porém não antes.
28. Todas essas coisas que até aqui foram ditas, a Palavra ensina em
muitas passagens, entre as quais serão referidas somente as que se seguem.
A Palavra ensina que ninguém pode estar no bem e ao mesmo tempo no mal,
ou, o que é a mesma coisa, que ninguém pode estar, quanto à
alma, no céu e ao mesmo tempo no inferno; ensina-o nestas passagens:
"Ninguém pode servir a dois senhores; pois, ou terá ódio
a um e amará o outro, ou se ligará a um e desprezará o
outro; não podeis servir a Deus e a mamon." (Mateus 6:24).
"Como podeis dizer boas coisas, quando sois maus? (...) a boca fala da.
abundância do coração; o homem bom, do bom tesouro do seu
coração tira boas coisas; e o homem mau do mau tesouro tira coisas
más." (Mateus 12:34, 35).
"A árvore ... boa não dá fruto mau, nem a árvore
má dá fruto bom; toda ... árvore se conhece pelo seu próprio
fruto; pois não se colhem figos dos espinheiros, nem se vindima da sarça
a uva." (Lucas 6:43, 44).
29. A Palavra ensina que ninguém pode fazer o bem por si mesmo, mas pelo
Senhor: "Eu sou a Videira..., e meu Pai é o Vinhateiro; todo ramo
que em Mim não dá fruto, a tira; mas a todo o que dá fruto,
limpa, para que dê mais fruto. Permanecei em Mim, também Eu em
vós; como o ramo de si mesmo não pode dar fruto, se não
permanecer na videira, assim nem vós, se não permanecerdes em
Mim. Eu sou a Videira, vós os ramos; quem permanece em Mim, e Eu nele,
esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer. Se alguém
não permanecer em Mim, será lançado fora, como o ramo,
e se seca; e o colhem, e o lançam no fogo, e será queimado."
(João 15: 1 a 6.
30. A Palavra, nas passagens seguintes, ensina que, enquanto o homem não
tiver sido purificado dos males, seus bens não são bens, sua piedade
não é piedade, e ele não tem sabedoria; e vice-versa.
"Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque vos fazeis
semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora, realmente, parecem formosos,
mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia.
Assim, também vós exteriormente pareceis justos..., mas por dentro
estais cheios de hipocrisia e iniqüidade. Ai de vós... porque limpais
o exterior do copo e do prato, mas os interiores estão cheios de rapina
e intemperança. Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo e do
prato, para que também o exterior fique limpo." (Mat. 23:25-28).
Também por esta passagem, em Isaías:
"Ouvi a palavra de JEHOVAH, príncipes de Sodoma; ouvi a lei do nosso
Deus, povo de Gomorra. Que é para Mim a multidão dos vossos sacrifícios?
... Não continueis mais a trazer minchah de vaidade; o incenso é
para Mim abominação, a lua nova e o sabbath, ... não posso
suportar a iniqüidade;... vossas luas novas e vossas festas solenes Minha
alma odeia... Pelo que, quando estendeis as vossas mãos, escondo de vós
os Meus olhos; ainda que multipliqueis a oração, Eu não
ouço; as vossos mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos,
purificai-vos, removei malícia de vossas obras de diante dos Meus olhos,
cessai de fazer o mal. ... Ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata,
se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos, se tornarão
como a lã." (1:10-18).
Em suma, resulta dessas passagens que, se o homem não foge dos males,
todas as coisas do seu culto não são boas; o mesmo sucede com
todas as suas obras, porque foi dito:
"Não posso suportar a iniqüidade; purificai-vos, removei a
malícia de vossas obras, cessai de fazer o mal."
Em Jeremias:
"Convertei-vos cada um do seu mau caminho, e fazei boas as vossas ações."
(35:15). Que eles não tenham sabedoria, vê-se em Isaías:
"Ai dos que são sábios a seus próprios olhos, e, diante
de suas próprias faces, inteligentes!." (5:21).
No mesmo:
"Perecerá a sabedoria dos sábios ... e a inteligência
dos inteligentes; ai daqueles que sabem profundamente... e fazem nas trevas
as suas obras." (29:14,15).
E, em outra passagem, no mesmo:
"Ai dos que descem ao Egito por auxílio, e se estribam em cavalos,
e confiam em carros, porque são muitos, e nos cavaleiros, porque são
fortes; ... mas não atentam para o Santo de Israel, e a JEHOVAH não
buscam. ... Mas [Ele] Se levantará contra a casa dos malignos, e contra
o auxílio dos que obram iniqüidade; pois o Egito não é
Deus, e o seu cavalo é carne e não espírito." (31:1-3).
Assim é descrita a própria inteligência: o "Egito"
é a ciência, o "cavalo" é o entendimento que dela
provém; o "carro" é a doutrina que daí procede;
o "cavaleiro" é a inteligência que procede daí;
sobre essas coisas se diz:
"Ai daqueles que não atentam para o Santo de Israel, e a JEHOVAH
não buscam!" Sua destruição pelos males é entendida
por "[Ele] Se levantará contra a casa dos malignos, e contra o auxílio
daqueles que obram iniqüidade";
por "o Egito é homem e não Deus, e os seus cavalos carne
e não espírito", é entendido que estas coisas vêm
do próprio do homem, e portanto não têm vida alguma. "Homem"
e "carne" são o próprio do homem, "Deus" e
"espírito" são a vida proveniente do Senhor; os "cavalos
do Egito" são a própria inteligência. Há, na
Palavra, sobre a inteligência que vem de si e sobre a inteligência
que vem do Senhor, muitas outras passagens assim, que são desvendadas
somente pelo sentido espiritual. Que ninguém seja salvo pelos bens vindos
de si, porque não são bens, isso é evidente por estas passagens:
"Nem todo o que Me diz: Senhor! Senhor! entrará no reino dos céus,
mas aquele que faz a vontade de Meu Pai... Muitos me dirão naquele dia:
Senhor, Senhor, não profetizamos pelo Teu nome? e pelo Teu nome não
expulsamos demônios? e em Teu nome não fizemos muitas virtudes?
Mas então lhes confessarei: Nunca vos conheci, apartai-vos de Mim, vós
que obrais iniqüidade". (Mat. 7:21-23).
E em outro lugar:
"Então começareis a estar de fora, e a bater à porta,
dizendo: Senhor..., abre-nos: ... e começareis a dizer: Comemos diante
de Ti, e bebemos, e nas nossas praças ensinaste; mas dirá: Digo
vos, não sei donde vós sois; apartai-vos de Mim, vós todos,
obreiros de iniqüidade." (Luc. 13:25-27).
Com efeito, são semelhantes ao fariseu que, no templo, estando em pé,
orava dizendo que não era, como o restante dos homens, roubador, injusto
e devasso; que jejuava duas vezes na semana, e dava dízimos de tudo que
possuía (Luc. 18:11-14). São também os que são chamados
"servos inúteis." (Luc. 17:10).
31. A verdade é que nenhum homem pode, por si mesmo, fazer o bem que
é realmente o bem. Mas, por causa disso, aviltar todo bem da caridade
que faz o homem que foge dos males como pecados, é uma enormidade, pois
que é diametralmente contra a Palavra, que manda que o homem faça.
É contra os preceitos do amor a Deus e do amor ao próximo, mandamentos
dos quais dependem a lei e os profetas, e é ultrajar e suprimir toda
a religião. Com efeito, qualquer um sabe que a religião consiste
em fazer o bem, e que cada um é julgado segundo seus feitos. Todo o homem
é tal que pode fugir dos males como por si mesmo pelo poder do Senhor,
se o implora; e o que ele depois faz é o bem pelo Senhor.
Cap. IV Quanto
mais alguém foge dos males como pecados, mais ama os veros.
32. Há dois universais que procedem do Senhor: o Divino bem e o Divino
Vero; o Divino bem pertence ao Seu Divino Amor, e o Divino Vero pertence à
Sua Divina Sabedoria; esses dois são um no Senhor, e por conseqüência
procedem d'Ele como um; mas não são recebidos como um pelos anjos
nos céus, nem pelos homens nas terras; há anjos e homens que recebem
mais do Divino vero que do Divino bem, e há os que recebem mais do Divino
bem que do Divino vero. Daí vem que os céus são distinguidos
em dois reinos, dos quais um é chamado reino celeste e o outro reino
espiritual. Os céus que recebem mais do Divino bem constituem o reino
celeste, mas os que recebem mais do Divino vero, constituem o reino espiritual.
Sobre esses dois reinos nos quais os céus foram distinguidos, veja-se
o tratado d'O Céu e o Inferno (ns. 20- 28). Mas os anjos de todos os
céus estão na sabedoria e na inteligência, tanto quanto
o bem neles faz um com o vero. O bem que não faz um com o vero não
é para eles o bem, e, reciprocamente, o vero que não faz um com
o bem não é para eles o vero. Daí se torna evidente que
o bem conjunto ao vero faz o amor e a sabedoria no anjo e no homem; e, como
o anjo é anjo segundo o amor e a sabedoria nele, e o mesmo sucede com
o homem, é evidente que o bem conjunto ao vero faz que o anjo seja anjo
do céu, e que o homem seja homem da Igreja.
33. Visto que o bem e o vero são um no Senhor, e d'Ele procedem como
um, segue-se que o bem ama o vero, o vero ama o bem e querem ser um. É
semelhante com seus opostos, porque o mal ama o falso, o falso o mal e querem
ser um. Na seqüência, a conjunção do bem e do vero
será chamada casamento celeste, e a conjunção do mal e
do falso, casamento infernal.
34. A conseqüência do que precede é que, quanto mais se foge
dos males como pecados, mais se ama os veros, porque mais se está nos
bens, como foi mostrado no artigo que há pouco precedeu. E, vice-versa,
quanto mais não se foge dos males como pecados, mais se deixa de amar
os veros, porque menos se está no bem.
35. O homem que não foge dos males como pecados pode até amar
os veros, mas ama-os não porque são veros, mas porque servem à
sua reputação, da qual tira honra ou proveito; por isso, se para
isso não servem, ele não os ama.
36. O bem pertence á vontade, o vero pertence ao entendimento. Do amor
do bem na vontade procede o amor do vero no entendimento; do amor do vero procede
à percepção do vero; da percepção do vero,
o pensamento do vero; e de tudo isso resulta o reconhecimento do vero, que é
a fé em seu sentido genuíno. Que haja essa progressão do
amor do bem para a fé, será demonstrado no tratado Do Divino Amor
e da Divina Sabedoria [Sabedoria Angélica].
37. Pois que o bem não é realmente o bem, a menos que seja conjunto
ao vero, como foi dito, conseqüentemente o bem não existe antes,
e todavia quer continuamente existir; por isso, a fim de existir, deseja os
veros, adquire-os e deles tira sua nutrição e sua formação.
É por essa razão que, quanto mais alguém está no
bem, mais ama os veros; por conseqüência, quanto mais alguém
foge dos males como pecados, mais ama os veros, porque mais está no bem.
38. Quanto mais alguém está no bens, e pelo bem ama os veros,
mais ama o Senhor, pois que o Senhor é o Bem mesmo e o Vero mesmo. O
Senhor está, pois, no bem e no vero no homem. Se o vero é amado
segundo o bem, então o Senhor é amado, e não de outra maneira.
É o que o Senhor ensina em João:
"Quem tem os Meus preceitos e os cumpre, esse é o que Me ama; ...
mas aquele que não Me ama não guarda as Minhas palavras."
(14:21, 24).
E em outra passagem:
"Se guardardes os Meus mandamentos, permanecereis no Meu amor." (João,
15:10). Os "preceitos", as "palavras" e os "mandamentos"
do Senhor são os veros.
39. Que o bem ame o vero, pode ser ilustrado por comparações com
o sacerdote, o militar, o negociante e o artífice. Com o sacerdote: se
ele está no bem do sacerdócio, que consiste em prover à
salvação das almas, em ensinar o caminho do céu e em dirigir
aqueles que instrui, na medida que está nesse bem, assim, pelo amor e
o desejo deste amor, adquire os veros que ensina e pelos quais dirige. Se, porém,
um sacerdote não está no bem do sacerdócio, mas no prazer
de sua função pelo amor de si e do mundo, prazer que para ele
é o único bem, ele também, segundo o amor e o desejo deste
amor, adquire para si veros em abundância, segundo a inspiração
do seu prazer, que é seu bem. Com o militar: se está no amor da
milícia, e sente o bem na ação de proteger, ou na fama,
então por esse bem e segundo esse bem adquire a ciência da sua
posição e, se é chefe, da inteligência daí;
essas coisas são como veros de que se nutre e se forma o prazer do seu
amor, que é seu bem. Com o negociante: se aplica aos negócios
pelo amor dos negócios, absorve com satisfação todas as
coisas que, como meios, entram nesse amor e o compõem; essas coisas também
são como veros, pois negociar é seu bem. Com o artífice:
se aplica com zelo à sua obra, e a ama como o bem de sua vida, compra
instrumentos, e por meio de coisas que pertencem à sua ciência
se aperfeiçoa; por essas coisas faz sua obra, pois que é o seu
bem. Por estas comparações é evidente que os veros são
meios pelos quais o bem do amor existe e se torna alguma coisa; por conseqüência,
o bem ama os veros a fim de existir. Daí, na Palavra, por "praticar
a verdade" entende-se fazer com que o bem exista. É o que se entende
por "praticar a verdade." (João 3:21); "fazer o que diz
o Senhor." (Luc. 6:47); "cumprir os Seus preceitos." (João
14:24); "praticar as Suas palavras." (Mateus 7:24); "ouvir a
palavra de Deus." (Luc. 8:21); e "cumprir os estatutos e juízos."
(Levít. 18:5). Isso também é "fazer o bem" e
"dar fruto", porque o bem e o fruto é o que existe.
40. Que o bem ame o vero, e queira com ele ser conjungido, também pode
ser ilustrado por uma comparação com a comida e a água,
ou com o pão e o vinho. É preciso que haja um e outro; a comida
ou o pão, só, nada faz no corpo para a nutrição,
mas, sim, com a água ou o vinho, porque um apetece e deseja o outro.
Pela "comida" e pelo "pão", na Palavra, entende-se
também, em seu sentido espiritual, o bem, e pela "água"
e o "vinho" entende-se o vero.
41. Pelo que foi dito, pode-se agora ver que aquele que foge dos males como
pecados ama os veros e os deseja. E quanto mais foge dos males, mais ama e deseja
os veros, porque mais está no bem. Daí vem ao casamento celeste,
que é o casamento do bem e do vero, no qual está o céu
e estará a igreja.
Cap. V Quanto mais
alguém foge dos males como pecados, mais tem a fé e é espiritual
42. A fé e a vida são distintas entre si da mesma maneira que
pensar e fazer; e como pensar pertence ao entendimento e fazer pertence à
vontade, resulta que a fé e a vida são distintas entre si como
o entendimento e a vontade. Quem sabe fazer a distinção destas,
sabe também fazer a distinção daqueles; e quem conhece
a conjunção de umas, conhece também a conjunção
dos outros. Por isso vai-se antecipar alguma coisa sobre o entendimento e a
vontade.
43. Há no homem duas faculdades, das quais uma se chama vontade e a outro
entendimento. São distintas entre si, mas criadas de maneira que sejam
uma; e quando são uma, são chamadas mente; estas faculdades são,
pois, a mente humana, e toda a vida do homem aí está. Da mesma
maneira que no universo todas as coisas que são conformes à Ordem
Divina se referem ao bem e ao vero, assim também no homem todas as coisas
se referem à vontade e ao entendimento, pois o bem no homem pertence
à sua vontade e o vero pertence ao seu entendimento. Com efeito, essas
duas faculdades são os seus receptáculos e sujeitos; a vontade
é o receptáculo e o sujeito de todas as coisas do bem, e o entendimento
é o receptáculo e o sujeito de todas as coisas do vero. Os bens
e os veros, no homem, não se acham em outra parte; assim, o amor e a
fé não se acham em outra parte, pois que o amor pertence ao bem
e o bem ao amor, assim como a fé pertence ao vero e o vero à fé.
Nada interessa mais do que saber como a vontade e o entendimento fazem uma só
mente: fazem uma só mente da mesma maneira que o bem e o vero fazem um,
porque entre a vontade e o entendimento há um casamento semelhante ao
casamento entre o bem e o vero. No artigo precedente se disse alguma coisa sobre
a qualidade desse casamento; será acrescentado isto, que, do mesmo modo
que o bem é o ser mesmo da coisa e o vero é o seu existir, assim
também a vontade no homem é o ser mesmo de sua vida e o entendimento
é o seu existir, pois que o bem, que pertence à vontade, forma-se
no entendimento e se faz ver de determinada maneira.
44. Que o homem possa saber, pensar e compreender muitas coisas e, todavia,
não ser sábio, mostrou-se acima, ns. 27 e 28. E como pertence
à fé saber e pensar, e ainda mais compreender que uma coisa é
de tal ou tal modo, o homem pode assim crer que tem a fé, e todavia não
a ter. O que faz que não a tenha é que ele está no mal
da vida, e o mal da vida e o vero da fé nunca podem agir juntamente.
O mal da vida destrói o vero da fé, porque o mal da vida pertence
à vontade e o vero da fé ao entendimento, e a vontade conduz o
entendimento e faz que aja juntamente consigo; por isso, se no entendimento
há alguma coisa que não concorde com a vontade, quando o homem
está entregue a si mesmo e pensa segundo o seu mal e segundo o amor desse
mal, ou ele repele o vero que está no entendimento, ou o força
a ser um por falsificação. Sucede de outro modo naqueles que estão
no bem da vida; estes, entregues a si mesmos, pensam pelo bem e amam o vero
que está no entendimento, porque está em concordância. Assim,
a conjunção da fé e da vida se faz como a conjunção
do vero e do bem, sendo que essas duas conjunções são como
a conjunção do entendimento e da vontade.
45. Daí agora se segue que, da mesma maneira que o homem foge dos males
como pecados, na mesma proporção tem fé, porque assim está
no bem, como foi mostrado acima. Isso também é confirmado por
seu contrário: aquele que não foge dos males como pecados não
tem fé, porque está no mal e o mal interiormente odeia o vero;
exteriormente pode mesmo agir como amigo, tolerá-lo, até mesmo
estimar que esteja no entendimento; quando porém o exterior é
retirado B o que acontece depois da morte B então ele primeiro rejeita
o vero como seu amigo no mundo, depois nega que seja vero e enfim o tem em aversão.
46. A fé do homem mau é uma fé intelectual, que nada tem
do bem procedente da vontade; assim, é uma fé morta que é
como a respiração pulmonar sem sua alma procedente do coração.
O entendimento também corresponde ao pulmão, e a vontade ao coração.
É também como uma meretriz bela, até adornada de púrpura
e ouro, que interiormente está corrompida de doenças malignas;
a meretriz também corresponde à falsificação do
vero e, por conseqüência, na Palavra, tem tal significação.
É ainda como uma árvore luxuriante de folhas e que não
dá frutos, que o jardineiro arranca; a árvore também significa
o homem, as "folhas" e "flores", seus veros da fé,
e o "fruto" o bem do amor. Mas diferente é a fé num
entendimento onde está o bem procedente da vontade: essa fé é
viva; e é como a respiração pulmonar cuja alma provém
do coração; e é como uma bela esposa, que a castidade torna
amável para o marido, e como uma árvore frutífera.
47. Há várias coisas que parecem pertencer somente à fé,
por exemplo, que há um Deus; que o Senhor, que é esse Deus, é
o Redentor e o Salvador; que há um céu e um inferno; que há
uma vida depois da morte, e várias outras coisas, das quais não
se diz que devem ser feitas, mas que se deve crer nelas. Essas coisas da fé
são mortas também no homem que está no mal, porém
vivas no homem que está no bem. A razão é que o homem que
está no bem não só faz o bem pela vontade, mas também
pensa bem pelo entendimento, não só perante o mundo, mas também
perante si mesmo, quando está só. Ocorre diferentemente com quem
está no mal.
48. Foi dito que essas coisas parecem pertencer somente à fé,
mas o pensamento do entendimento tira seu existir do amor da vontade, que é
o ser do pensamento no entendimento, como foi dito acima, n. 43. Com efeito,
o que alguém quer pelo amor, quer fazê-lo, quer pensar nisso, quer
compreendê-lo e quer falar nisso; ou, o que é a mesma coisa, o
que alguém ama pela vontade, ama fazê-lo, ama pensar nisso, ama
compreendê-lo e ama falar nisso. Acrescente-se a isso que, quando o homem
foge do mal como pecado, então está no Senhor, como foi mostrado
acima, e o Senhor opera todas as coisas. Por isso o Senhor disse àqueles
que Lhe perguntavam o que deviam fazer para praticar as obras de Deus:
"A obra de Deus é esta, que creiais n'Aquele que Ele enviou."
(João 6:28).
"Crer no Senhor" não é somente pensar que Ele é
o Senhor, mas também praticar Suas palavras, conforme Ele o ensina.
49. Que aqueles que estão nos males não tenham a fé, ainda
que pensem tê-la, é o que foi mostrado a tais indivíduos
no mundo espiritual: eles foram conduzidos a uma sociedade celeste, donde o
espiritual da fé dos anjos entrou nos interiores da fé daqueles
que para ali foram conduzidos, pelo que eles perceberam que tinham somente o
natural ou o externo da fé e não seu espiritual ou interno. Por
isso eles mesmos confessaram que nada tinham, absolutamente, da fé, e
se haviam persuadido, no mundo, que pensar que uma coisa é de tal maneira
por uma causa qualquer, é crer ou ter fé. Mas a fé daqueles
que não tinham estado no mal foi percebida diferentemente.
50. Por essas razões, pode-se ver o que é a fé espiritual
e o que é a fé não espiritual; que a fé espiritual
esteja naqueles que não cometem pecados, pois os que não cometem
pecados fazem o bem, não por si mesmos, mas pelo Senhor (vide acima,
ns. 18 a 21); e pela fé eles se tornam espirituais. A fé neles
é a verdade. Isto o Senhor ensina em João:
"Este... é o juízo: Que a Luz veio ao mundo, mas os homens
amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. Todo
aquele que pratica o mal odeia a luz, para que suas obras não venham
para a luz e não sejam argüidas; mas o que pratica a verdade vem
para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas
em Deus." (João 3:19-21).
51. As coisas que até aqui têm sido ditas são confirmadas
por estas passagens na Palavra:
"O homem bom do bom tesouro do seu coração tira o bem, mas
o homem mau do mau tesouro do seu coração tira o mal, porque da
abundância do coração fala a boca." (Lucas 6:46; Mateus
12:35);
pelo "coração", na Palavra, entende-se à vontade
do homem; e como pela vontade o homem pensa e fala, diz-se que "pela abundância
do coração fala a boca".
"Não é o que entra na boca o que torna o homem impuro, mas
o que sai do coração, isso é o que torna o homem impuro."
(Mat. 15:11);
aqui também, pelo "coração" entende-se à
vontade. Jesus disse sobre a mulher que Lhe lavou os pés com ungüento
"Os pecados lhe são remidos, porque muito amou".
E, depois, disse-lhe:
"A tua fé te fez salva." (Luc. 7:46 a 50).
Por aí é evidente que a fé salva quando os pecados são
remidos, isto é, quando não existem mais. Aqueles que não
estão no próprio da sua vontade, nem por conseqüência
no próprio do seu entendimento, isto é, que não estão
no mal e por conseqüência no falso, são chamados "filhos
de Deus" e "nascidos de Deus." E esses são aqueles que
crêem no Senhor, como Ele mesmo ensina em João 1:12, 13, passagem
que se vê explicada acima (vide n. 17, no fim).
52. Daí se segue esta conclusão: que no homem não há
um grão de verdade a mais do que há de bem, assim como nenhum
grão de fé a mais do que há de vida. Há no entendimento
o pensamento de que uma coisa é assim, mas não o reconhecimento
que é a fé, a não ser que haja consentimento na vontade.
Assim, a fé e a vida andam num passo igual. Agora, segundo isso, é
claro que quanto mais alguém foge dos males como pecados, mais tem fé
e é espiritual.
Cap. VI O Decálogo ensina quais são os males que são pecados
53. Qual é o povo, em todo este globo terrestre, que não sabe
que é um mal roubar, cometer adultério, matar e dar falso testemunho?
Se os povos o ignorassem e não procurassem por leis prevenir tais ações,
seria o fim para eles, porque sem essas leis as sociedades, as repúblicas
e os reinos pereceriam. Quem, pois, pode presumir que o povo israelita tenha
sido mais estúpido que todos os outros, a ponto de ignorar que essas
ações fossem males? Pode-se, pois, ficar admirado que tais leis,
universalmente conhecidas em toda a terra, hajam sido promulgadas da montanha
do Sinai com tantos milagres, por JEHOVAH Mesmo. Mas escuta: Essas leis foram
promulgadas no meio de tantos milagres, a fim de que se soubesse que eram leis
não somente civis e morais, mas também espirituais, e que transgredi-las
era não só fazer mal ao concidadão e à sociedade,
mas também pecar contra Deus. Eis porque tais leis, pela promulgação
que delas fez JEHOVAH da montanha do Sinai, tornaram-se leis de religião;
porque é evidente que tudo o que JEHOVAH Deus ordena, Ele o ordena para
que seja coisa de religião, para que seja feita em vista d'Ele Mesmo
e por causa da salvação do homem.
54. Como essas leis foram às primícias da Palavra e, por conseqüência,
as primícias da Igreja que ia ser instaurada pelo Senhor na nação
israelita, e, como eram, em um curto sumario, o complexo de todas as coisas
da religião, pelas quais há conjunção do Senhor
com o homem e do homem com o Senhor, por isso é que elas foram tão
santas que nada houve mais santo.
55. Que elas tenham sido santíssimas, pode-se ver por isto: que JEHOVAH
mesmo, isto é, o Senhor, desceu sobre o Monte Sinai, no fogo e com os
anjos, e daí as promulgou de viva voz; que o povo se preparou durante
três dias para ver e ouvir; que o monte foi cercado para que ninguém
se aproximasse e morresse; que nem os sacerdotes, nem os anciãos se aproximaram,
mas só Moisés; que essas Leis foram gravadas pelo dedo de Deus
sobre duas tábuas de pedra; que a face de Moisés irradiava, quando
pela segunda vez desceu com essas tábuas; que, mais tarde, as tábuas
foram colocadas na arca, a arca depositada no íntimo do tabernáculo;
e sobre ela havia o propiciatório, e sobre este os querubins de ouro;
que isso era o que havia de mais santo na igreja deles, e foi chamado o "santo
dos santos"; que fora do véu, que o envolvia, tinham sido postos
objetos que representavam as coisas santas do céu e da igreja, a saber,
o candelabro de ouro com sete lâmpadas; o altar de ouro, dos perfumes;
a mesa coberta de ouro, sobre a qual ficavam os pães das faces, com as
cortinas de fino linho, púrpura e escarlate, que estavam ao redor. A
santidade de todo este tabernáculo vinha unicamente da Lei, que estava
na arca. Por causa da santidade do tabernáculo, proveniente da Lei na
arca, todo o povo Israelita recebeu o mandamento de se acampar em ordem, em
torno dele, conforme as tribos, e de caminhar em ordem atrás dele; e
também, uma nuvem pousava durante o dia sobre o tabernáculo e
uma coluna de fogo durante a noite. Por causa da santidade dessa Lei, e da presença
do Senhor nela, o Senhor falava com Moisés acima do propiciatório,
entre os querubins, e a arca era chamada "JEHOVAH-ali". Ademais, não
era permitido a Aarão passar além do véu senão com
sacrifícios e perfumes. É porque essa Lei era a Santidade mesma
da Igreja, que a arca foi introduzida por David em Sião; por isso também
foi colocada depois no meio do templo de Jerusalém e formou o seu santuário.
Por causa da presença do Senhor nessa Lei e em tudo ao redor, milagres
foram operados pela arca, na qual estava a Lei; que as águas do Jordão
foram separadas e, enquanto a arca ficou no meio do rio, o povo o passou a pé
seco; que os muros de Jericó caíram quando a arca os rodeou; que
Dagon, o deus dos filisteus, caiu diante dela e, mais tarde, foi achado estendido
na porta do templo, a cabeça separada do corpo; por causa da arca alguns
milhares de bethsemitas foram feridos; além de muitos outros milagres.
Todas essas coisas provinham, somente, da presença do Senhor em Suas
Dez Palavras, que são os preceitos do Decálogo.
56. Se havia tanto poder e tanta santidade nessa Lei, é também
porque ela era o conjunto de todas as coisas de religião; pois que consistia
em duas tábuas, uma das quais contêm todas as coisas que se referem
a Deus e a outra, no conjunto, todas as coisas que se referem ao homem. É
por esta razão que os preceitos dessa Lei são chamados as "dez
palavras"; são chamados assim porque "dez" significa todas
as coisas. Mas como essa Lei é o conjunto de todas as coisas da religião,
ver-se-á no artigo seguinte.
57. Como, por essa lei, há conjunção do Senhor com o homem
e do homem com o Senhor, ela é chamada Aliança e Testemunho; Aliança,
porque conjuga, e Testemunho porque atesta, porquanto "aliança"
significa a conjunção e "testemunho" significa o atestado.
É por isso que havia duas tábuas, uma para o Senhor e a outra
para o homem. A conjunção é feita pelo Senhor, mas somente
quando o homem cumpre o que foi escrito em sua tábua; porque continuamente
o Senhor está presente, opera e quer entrar, mas o homem, segundo seu
livre que lhe vem do Senhor, deve abrir. Com efeito, o Senhor diz:
"Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a Minha voz,
e abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei com ele, e ele comigo."
(Apoc. 3:20).
58. Na outra tábua, que é para o homem, não foi dito que
o homem fará tal ou tal bem, mas foi dito que ele não fará
tal ou tal mal, como: "Não matarás", "não
adulterarás", "não roubarás", "não
dirás falso testemunho", "não cobiçarás."
A razão disso é que o homem não pode por si mesmo fazer
bem algum, mas quando não faz os males, então faz o bem, não
por si mesmo, mas pelo Senhor. Que o homem, segundo o poder do Senhor, se o
implora, possa fugir dos males como por si mesmo, ver-se-á na seqüência.
59. Os fatos acima referidos (n.1 55), sobre a promulgação, a
santidade e o poder dessa Lei, acham-se na Palavra nas seguintes passagens:
Que JEHOVAH desceu sobre o Monte Sinai no fogo e que então o monte foi
coberto de fumaça e tremeu; e que houve trovões, relâmpagos,
uma nuvem espessa e um som de trombeta (Êxodo 19:16, 18; Deut. 4:11, 5:19
a 23).
Que o povo, antes da descida de JEHOVAH, tinha-se preparado e santificado durante
três dias (Êxodo 19:10, 11, 15).
Que o monte foi cercado, para que ninguém, a não ser Moisés,
somente, se aproximasse e o tocasse, e morresse, até mesmo os sacerdotes
(Êxodo 19:12, 13, 20- 23; 24:1, 2).
Que a Lei foi promulgada do alto do Monte Sinai (Êxodo 20:2-14; Deut.
5:6-18).
Que essa Lei foi gravada pelo dedo de Deus sabre duas tábuas de pedra
(Êxodo 31:18, 32:15, 16; Deut. 9:10).
Que a face de Moisés resplandecia, quando trouxe do monte essas tábuas
pela segunda vez (Êxodo 34:29 a 35).
Que as tábuas foram depositadas na arca (Êxodo 25:16; 40:20; Deut.
10:5; I Reis, 8:9).
Que se colocou o propiciatório sobre a arca e querubins de ouro sobre
o propiciatório (Êxodo 15:17 a 21).
Que a arca, com o propiciatório e os querubins, fazia o íntimo
do tabernáculo; e que o candelabro de ouro, o altar de ouro do perfume
e a mesa coberta de ouro, sobre a qual ficavam os pães das faces, faziam
o exterior do tabernáculo; e que as dez cortinas de fino linho, de púrpura
e de escarlate constituíam o seu êxtimo (Êxodo 25:1 até
o fim; 26:1 até o fim; 40:17 a 28).
Que o lugar onde estava a arca foi chamado o "santo dos santos." (Êxodo
26:33).
Que todo o povo de Israel se acampava em ordem, conforme as tribos, em redor
do habitáculo e partia em ordem, atrás dele (Núm. 2:1 até
o fim).
Que, então, sobre o tabernáculo, havia uma nuvem durante o dia
e uma coluna de fogo à noite (Êxodo 40:38; Núm. 9:15, 16
até o fim; 14:14; Deut. 1:33).
Que o Senhor falava com Moisés acima da arca, entre os querubins (Êxodo
25:22; Núm. 6:89).
Que a arca, por causa da Lei nela, era chamada "JEHOVAH-ali"; porque
Moisés dizia, quando a Arca partia: "Levanta-Te, JEHOVAH!"
e quando parava: "Torna-Te, JEHOVAH!." (Núm. 10:35, 36 e outras
passagens; II Samuel 6:2; Salmo 132:7,8).
Que não era permitido a Aarão, por causa da santidade dessa Lei,
penetrar além do véu senão com sacrifícios e perfume
(Levít. 16:2 a 14 e seguintes).
Que a Arca foi introduzida por David em Sião com sacrifícios e
com júbilo (II Sam. 6:1 a 19).
Que então Uzah morreu porque a tinha tocado (Ibid., vers. 6, 7).
Que a Arca foi colocada no meio do templo de Jerusalém, cujo santuário
formava (I Reis 6:19 e seg.; 8:3 a 9).
Que, pela presença e poder do Senhor na Lei que estava na Arca, as águas
do Jordão foram separadas, e enquanto a Arca ficou no meio o povo o passou
em seco (Jos. 3:1 a 17; 4:5 a 20).
Que os muros de Jericó desmoronaram, enquanto a arca os rodeou (Jos.
6:1 a 20).
Que Dagon, o deus dos filisteus, caiu por terra diante da arca e foi, depois,
achado estendido à porta do templo, a cabeça separada do corpo
(I Sam. 5:1 a 4).
Que alguns milhares de bethsemitas foram feridos por causa da arca (I Sam. 6:19).
60. Que as tábuas de pedra, sobre as quais a Lei estava gravada, foram
chamadas "tábuas da aliança", e que a arca, por causa
dessas tábuas, foi chamada "arca da aliança", e a Lei
mesma a "aliança", vê-se em Núm. 10:33; Deut.
4:13, 23; 5:2, 3; 9:9; Jos. 3:11; I Reis, 8:19, 21; Apoc. 11:19, e em muitas
outras passagens. A Lei foi chamada "aliança" porque a aliança
significa a conjunção; por isso o Senhor disse que Ele "será
dado por aliança do povo." (Isa. 42:6; 49:8); e é chamado
"o Anjo da aliança." (Malaq. 3:1); e seu sangue, o "sangue
da aliança." (Mat. 26:27; Zac. 9:11; Êx. 24:4 a 10). É
por isso que a Palavra é chamada a "Antiga Aliança"
e a "Nova Aliança". As alianças também se fazem
em vista do amor, da amizade, da consorciação, por conseguinte,
em vista da conjunção.
61. Os preceitos desta Lei são chamados as "Dez palavras."
(Êx. 34:28; Deut. 4:13; 10:4). Assim são chamados porque "dez"
significa todas as coisas e "palavras" significam os veros. De fato,
havia ali mais de dez palavras. Como "dez" significa todas as coisas,
por isso o tabernáculo tinha dez cortinas (Êx. 26:1). Por isso
o Senhor disse que o homem, quando foi tomar posse de um reino, chamou "dez
servos" e lhes deu "dez minas" para negociar (Luc. 19:13). É
por isso que o Senhor comparou o reino dos céus a "dez virgens."
(Mat. 25:1). Por isso foi dito, na descrição do dragão,
que este tinha "dez chifres" e sobre os chifres "dez diademas"
(Apoc. 12:3), como a besta que subia do mar (Apoc. 13:1), e também como
a outra besta (Apoc. 16:3,7); também a besta em Daniel (7:7, 20, 24).
"Dez" significa a mesma coisa em Levít. 26:26, Zac. 8:23 e
em outros lugares. Daí se originaram os "dízimos", que
significam algo proveniente de todas as coisas.
Cap. VII Que os
homicídios, adultérios, roubos e falsos testemunhos de todo gênero,
como as concupiscência por eles, são os males de que se deve fugir
como pecados.
62. Sabe-se que a Lei do Sinai foi gravada em duas tábuas e que a primeira
tábua contém as coisas que são de Deus e a outra, as que
são do homem. Que a primeira tábua contenha todas as coisas que
são de Deus e a outra todas as que são do homem, isto não
aparece na letra, mas todas essas coisas estão nelas; é por isso
que são também chamadas as "Dez Palavras", pelas quais
são significados todos os veros no complexo (vide acima, N. 61). Mas
como todas as coisas estão ali, não é possível expô-lo
em poucas palavras; todavia, pode-se compreendê-lo segundo o que foi referido
na Doutrina Sobre A Escritura Santa (n. 67). Daí vem que se dizem todo
gênero de homicídios, adultérios, roubos e falsos testemunhos.
63. Estabeleceu-se uma religião que declara que ninguém pode cumprir
a Lei; e a Lei é não matar, não adulterar, não roubar
e não levantar falso testemunho. Estes preceitos da Lei todo homem civil
e moral pode cumprir segundo a vida civil e moral, mas essa religião
nega que ele o possa segundo a vida espiritual. Daí se segue que é
preciso não praticar essas ações somente para evitar as
penas e os danos no mundo, e não para evitar as penas e os danos depois
que se deixou o mundo. Resulta que o homem, em quem uma tal religião
se estabeleceu, pensa que aquelas ações são lícitas
perante Deus, mas ilícitas perante o mundo. Por causa deste pensamento,
proveniente de sua religião, o homem está na concupiscência
de todos esses males e somente deixa de fazê-los por causa do mundo. Eis
porque um tal homem, depois da morte, ainda que não tenha praticado homicídios,
adultérios, roubos, falsos testemunhos, todavia cobiça praticá-los,
e também os pratica, quando o externo que teve no mundo lhe é
retirado. Toda cobiça permanece no homem depois da morte; daí
se segue que tais homens fazem um com o inferno e não podem deixar de
ter a sorte daqueles que estão no inferno. Mas uma outra sorte cabe àqueles
que não querem nem matar, nem cometer adultério, nem roubar, nem
levantar falso testemunho, porque praticar tais atos é agir contra Deus;
esses, depois de alguns combates contra tais males, não os desejam, assim
não cobiçam fazê-los. Dizem em seu coração
que são pecados, em si infernais e diabólicos; esses, depois da
morte, quando o externo que tiveram para o mundo lhes é retirado, fazem
um com o céu; e, porque estão no Senhor, entram também
no céu.
64. É coisa comum a toda religião que o homem deve se examinar,
fazer penitência e desistir dos pecados, porque, se não faz isso,
está em condenação. Que seja comum a toda religião,
vê-se acima (ns. 4-8). É ainda comum, em todo o mundo cristão,
ensinar o Decálogo e, por seu intermédio, iniciar as crianças
na religião cristã, porque ele está na mão de todas
as crianças. Os pais mesmos e os mestres lhes dizem que fazer o que ele
proíbe é pecar contra Deus, e quando assim falam com as crianças
estão disto convencidos. Quem deixará de se admirar que esses
mesmos homens, e também as crianças depois de adultas, pensem
que não estão debaixo dessa Lei e não podem fazer as coisas
por essa Lei determinadas? A única razão que os induz a pensar
assim é que eles amam os males e, por conseqüência, os falsos
que favorecem tais males. São esses, portanto, que não consideram
os preceitos do Decálogo como coisas da religião. Que essas mesmas
pessoas vivam sem religião, ver-se-á na Doutrina da Fé.
65. Em todas as nações da terra que têm uma religião
há preceitos semelhantes aos do Decálogo; e todos aqueles que
vivem conforme esses preceitos pela religião são salvos, mas todos
aqueles que não vivem conforme esses preceitos pela religião são
condenados. Aqueles que vivem conforme esses preceitos pela religião,
sendo instruídos depois de sua morte pelos anjos, recebem os veros e
reconhecem o Senhor. A razão disto é que eles fogem dos males
como pecados e, por conseqüência, estão no bem, e o bem ama
o vero e, segundo o desejo do amor, o recebe, assim como foi mostrado acima,
(ns. 32 a 41). Isto é o que se entende pelas palavras do Senhor aos judeus:
"Será tirado de vós o reino de Deus, e será dado a
uma nação que dê frutos." (Mat. 21:43).
Depois, por estas outras:
"Quando... vier o Senhor da vinha, porá à morte os maus,
e arrendará a sua vinha a outros lavradores, que a seu tempo Lhe dêem
os frutos." (Mat. 21:40, 41).
E ainda por estas:
"Eu vos digo que muitos virão do oriente e do ocidente" "e
do norte e do sul, e assentar-se-ão à mesa no reino de Deus";
"mas os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores."
(Mat. 8:11, 12; Lucas 13:29).
66. Lê-se, em Marcos, que um homem rico veio a Jesus e perguntou- Lhe
o que era preciso fazer para receber a vida eterna em herança. Jesus
lhe disse:
"Conheces os mandamentos: Não cometerás adultério;
não matarás; não roubarás; não levantarás
falso testemunho; não cometerás fraude; honra teu pai e tua mãe.
Ele, respondendo, disse: Todas essas coisas tenho guardado desde a juventude.
Jesus... olhou, e o amou; todavia, disse-lhe: Uma coisa te falta: Vai, vende
tudo quanto tens, e dá-o aos pobres; assim terás um tesouro nos
céus; então, vem, toma a cruz, e segue-Me." (10:17 a 22).
É dito que Jesus o amou; isto é porque ele disse que tinha guardado
os preceitos desde a juventude; mas restavam-lhe três coisas a cumprir,
a saber, não tinha desapegado o seu coração das riquezas,
não tinha combatido contra as cobiças e ainda não tinha
reconhecido o Senhor como Deus. Por isso o Senhor lhe disse que "vendesse
tudo quanto tinha", o que significa desapegar o coração das
riquezas; "trouxesse a cruz", o que significa combater contra as concupiscências;
e "segui- Lo", o que significa reconhecer o Senhor como Deus. Aqui,
como por toda a parte, o Senhor falou por meio das correspondências (vide
a "Doutrina sobre a Escritura Santa", n. 17). Com efeito, fugir dos
males como pecados, ninguém o pode, a não ser reconhecendo o Senhor
e a Ele se dirigindo, e a não ser combatendo contra os males e afastando
assim as concupiscências. Mas, sobre este assunto, achar-se-ão
maiores detalhes no artigo sobre os combates contra os males.
Cap. VIII Quanto mais alguém foge dos homicídios de todo gênero
como pecados, mais tem amor para com o próximo.
67. Pelos homicídios de todo gênero se entendem também as
inimizades, os ódios e as vinganças de todo gênero, que
respiram a morte, porque o homicídio está latente nesses sentimentos
como o fogo na lenha sob a cinza; o fogo infernal não é outra
coisa; é por isso que se diz: "arder de ódio" e "inflamar
por vingança." Esses são os homicídios no sentido
natural. Mas, no sentido espiritual, pelos homicídios se entendem todos
os modos, que são variados e em grande número, de se matar e destruir
as almas dos homens. E, no sentido supremo, por "homicídio"
se entende ter ódio ao Senhor. Esses três gêneros de homicídios
fazem um e são coerentes, porquanto aquele que quer a morte do corpo
de um homem no mundo, quer a morte de sua alma depois da morte, e quer a morte
do Senhor, porque está inflamado de ira contra Ele e quer extinguir Seu
Nome.
68. Esses gêneros de homicídios estão latentes no íntimo
do homem por nascimento, mas ele aprende, desde a infância, a cobri-los
pela civilidade e a moralidade nas quais deve estar com os homens no mundo.
E, enquanto ama a honra ou o lucro, vigia para que isso não se mostre.
Torna-se isso o externo do homem, enquanto aqueles homicídios formam-lhe
o interno. Tal é o homem em si mesmo. Ora, como ele se despe do externo
com o corpo, quando morre, e retém o interno, vê-se claramente
que diabo seria ele, se não fosse reformado.
69. Visto que os gêneros de homicídios acima designados, estão,
como foi dito, latentes no íntimo do homem por nascimento, e, ao mesmo
tempo, os roubos de todo gênero e todo gênero de falsos testemunhos,
com as concupiscências para tais males, dos quais se tratará adiante,
é claro que, se o Senhor não tivesse provido os meios de reforma,
o homem não teria podido deixar de perecer pela eternidade. Os meios
de reforma, aos quais o Senhor tem provido, são estes: ao nascer, o homem
está em mera ignorância, e logo que nasce é mantido em um
estado de inocência externa; pouco depois, num estado de caridade externa,
e, em seguida, num estado da amizade externa. Mas quando entra no pensamento
pelo seu entendimento, é mantido em uma espécie de liberdade de
agir segundo a razão. É esse estado que foi descrito acima, n.
19, e que é necessário repetir aqui, em razão do que será
dito na seqüência, a saber: "Enquanto está no mundo,
o homem está em um meio entre o inferno e o céu; abaixo está
o inferno e acima está o céu, e assim é mantido na liberdade
de se voltar ou para o inferno ou para o céu; se volta para o inferno,
desvia-se do céu; mas se volta para o céu, desvia-se do inferno.
Ou, o que é a mesma coisa: enquanto está no mundo, o homem está
em um meio entre o Senhor e o diabo, e é mantido na liberdade de se voltar
ou para um ou para outro; se volta para o diabo, desvia-se do Senhor; mas se
volta para o Senhor, desvia-se do diabo. Ou, o que é ainda a mesma coisa:
enquanto está no mundo, o homem está em um meio entre o mal e
o bem, e é mantido na liberdade de se voltar ou para um ou para outro;
se volta para o mal, desvia-se do bem; mas se volta para o bem, desvia-se do
mal." Isto foi dito acima, n.1 19. Vide também os ns. 20 a 22, que
ali se seguem.
70. Ora, pois que o mal e o bem são dois opostos, absolutamente como
o inferno e o céu, ou como o diabo e o Senhor, segue-se que, se o homem
foge do mal como pecado, vem ao bem oposto ao mal; o bem oposto ao mal que se
entende pelo homicídio, é o bem do amor para com o próximo.
71. Como esse bem e esse mal são opostos, segue-se que um é afastado
pelo outro. Dois opostos não podem estar juntos, da mesma maneira que
não podem estar juntos o céu e o inferno. Se estivessem juntos,
haveria o morno de que assim se fala no Apocalipse:
"Conheço que nem és frio nem quente; melhor fora frio ou
quente; assim, pois que és morno, e nem és frio nem quente, vomitar-te-ei
da Minha boca." (3:15, 16).
72. Quando o homem não está mais no mal do homicídio, mas
no bem do amor para com o próximo, então tudo o que ele faz é
o bem desse amor, por conseqüência, é uma boa obra. O sacerdote
que está nesse bem faz uma boa obra todas as vezes que ensina e conduz,
porque é pelo amor de salvar as almas. O magistrado que está nesse
bem faz uma boa obra todas as vezes que prepara e julga, porque é pelo
amor de cuidar da pátria, da sociedade e dos concidadãos. Semelhantemente
o negociante: está-se nesse bem, toda operação do seus
negócios é uma boa obra, está no amor para com o próximo,
e o próximo são a pátria, a sociedade, os concidadãos
e também as pessoas de casa, dos quais cuida como de si mesmo. Também
o operário, que está nesse bem quando trabalha fielmente para
os outros como para si próprio, temendo causar dano ao próximo
como a si mesmo. Que os seus feitos sejam boas obras, é porque quanto
mais alguém foge do mal, mais pratica o bem, segundo a lei geral (vide
acima, n. 21); e quem foge do mal como pecado faz o bem não por si, mas
pelo Senhor (ns. 18 a 31). O contrário se dá com aquele que não
considera como pecados os diversos gêneros de homicídios que são
as inimizades, os ódios, as vinganças e muitos outros, quer seja
sacerdote, magistrado, negociante ou operário; tudo o que faz não
é boa obra, porque todas as suas obras participam do mal que está
interiormente nele. Com efeito, seu interno é que as produz; o externo
pode ser bom, mas para os outros, não para ele.
73. O Senhor ensina o bem do amor em muitos lugares na Palavra, e o ensina em
Mateus, pela reconciliação com o próximo:
"Se apresentares a tua oferta sobre o altar, e ali te lembrares de que
teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali a tua oferta diante do
altar, e vai antes te reconciliar com o irmão, e então vem e apresenta
a tua oferta. Faze benevolência com o teu adversário enquanto estás
no caminho com ele, para que o adversário não te entregue ao juiz,
e o juiz te entregue ao servidor, e te encerrem na prisão. Em verdade
te digo que não sairás dali enquanto não pagares o último
ceitil." (5:23 a 26).
"Reconciliar-se com o irmão" é fugir da inimizade, do
ódio e da vingança; que isto seja fugir de tais males como pecados,
é evidente. O Senhor o ensina também em Mateus:
"Tudo o que quereis que os homens vos façam, assim fazei-lho também
vós, porque esta é a Lei e os Profetas." (7:12),
por conseguinte, não é o mal. E em muitas outras passagens. O
Senhor também ensina que "matar" é também se
encolerizar sem motivo contra o irmão ou o próximo, e tê-lo
como inimigo (Mat. 5:21,22).
Cap. IX Quanto mais alguém foge dos adultérios de todo gênero
como pecados, mais ama a castidade.
74. Por "adulterar", no sexto preceito do Decálogo, entende-se,
no sentido natural, não só praticar exortação, mas
também fazer obscenidades, dizer lascívias e pensar indecências.
No sentido espiritual, porém, por "adulterar" entende-se adulterar
os bens da Palavra e falsificar os seus veros. Mas no sentido supremo, por "adulterar"
se entende negar o Divino do Senhor e profanar a Palavra. São esses os
adultérios de todo o gênero. O homem natural pode saber, segundo
a luz racional, que por "adulterar" se entende também fazer
obscenidades, dizer lascívias e pensar indecências; mas não
sabe que, por "adulterar", entende-se também adulterar os bens
da Palavra e falsificar os seus veros; e ainda menos sabe que se entende negar
o Divino do Senhor e profanar a Palavra; por conseqüência, não
sabe tampouco que o adultério é um mal tão grande que pode
ser chamado o diabólico mesmo. Porque aquele que está no adultério
natural está também no adultério espiritual, e vice-versa.
Que tal seja, será demonstrado em uma obra especial sobre "O Casamento".
Estão ao mesmo tempo nos adultérios de todo o gênero aqueles
que, segundo a fé e a vida, não consideram os adultérios
como pecados.
75. Que quanto mais alguém foge do adultério, mais ama o casamento,
ou, o que é o mesmo, quanto mais alguém foge das lascívias
do adultério mais ama a castidade do casamento, é porque a lascívia
do adultério e a castidade do casamento são dois opostos. Por
isso, quanto mais alguém não está em um, mais está
no outro, exatamente como foi dito acima (n.70).
76. Ninguém pode saber o que é a castidade do casamento, a não
ser que fuja da lascívia do adultério como pecado. O homem pode
saber o que é aquilo em que está, mas não pode saber aquilo
em que não está. Se, por descrição ou pelo pensamento,
sabe alguma coisa daquilo em que não está, não o pode saber
senão na sombra, sempre acompanhado de dúvida. A razão
é porque ele não o vê na luz e sem dúvida senão
quando ele próprio ali está. Isto é que é saber,
mas aquilo é saber e não saber. A verdade é que a lascívia
do adultério e a castidade do casamento estão absolutamente entre
si como o inferno e o céu entre si estão, e a lascívia
do adultério produz o inferno no homem, mas a castidade do casamento
produz o céu nele. A castidade do casamento só existe para aquele
que foge da lascívia do adultério como pecado (vide abaixo, n.
111).
77. Segundo isto, pode-se concluir e ver, sem ambigüidade, se um homem
é cristão ou não, e mesmo se está tem alguma religião
ou não. Aquele que, segundo a fé e a vida, não considera
os adultérios como pecados, esse não é cristão e
não tem religião. Aquele, ao contrario, que foge dos adultérios
como pecados, e mais ainda aquele que, por causa disso, os tem em aversão,
e mais ainda aquele que por causa disso os abomina, esse tem religião;
e, se está na igreja cristã, é cristão. Mas, sobre
este assunto, muitas coisas serão ditas na obra sobre O Casamento. Vide
também as coisas que a este respeito foram ditas na obra O Céu
e o Inferno, Ns. 366 a 386.
78. Que por "adulterar" se entenda também fazer obscenidades,
dizer lascívias e pensar indecências, vê-se pelas palavras
do Senhor em Mateus:
"Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não adulterarás. Eu,
porém, vos digo que qualquer que olhar a mulher de outrem para a cobiçar,
já cometeu adultério com ela em seu coração."
(5:27,28).
79. Que, no sentido espiritual, por "adulterar", se entenda adulterar
o bem da Palavra e falsificar-lhe o vero, vê-se por isto:
"Babilônia... do vinho da sua exortação, deu de beber
a todas as nações." (Apoc. 14: 8);
O Anjo disse: "Mostrar-te-ei o julgamento da grande meretriz que está
assentada sobre muitas águas, com a qual os reis da terra cometeram exortação."
(Apoc. 17: 1, 2);
Babilônia "do vinho do furor da sua exortação deu a
beber a todas as nações, e os reis da terra com ela cometeram
exortação." (Apoc. 18:3);
Deus "julgou a grande meretriz, que corrompeu a terra com a sua exortação."
(Apoc. 19:2).
A "exortação" se diz de Babilônia, porque por
"Babilônia" são entendidos aqueles que se arrogam o Divino
poder do Senhor, e que profanam a Palavra, adulterando-a e falsificando. É
também por isso que Babilônia é chamada "a mãe
das exortações e das abominações da terra."
(Apoc. 17: 5). Semelhante coisa significa a "exortação"
nos Profetas. Por exemplo, em Jeremias:
"Nos profetas de Jerusalém vejo uma obstinação horrenda
em adulterar e em caminhar em mentiras." (23:14).
Em Ezequiel:
"Duas mulheres, filhas de uma mesma mãe, cometeram exortação
no Egito; em sua adolescência cometeram exortação... uma
cometeu exortação, sendo minha, e enamorou-se dos seus amásios,
dos Assírios, seus vizinhos; assim cometeu ela as suas exortações
com eles, mas as suas exortações, que trouxe do Egito, não
deixou. A outra corrompeu o seu amor mais do que ela, e as suas exortações
acima das exortações de sua irmã; aumentou as suas exortações,
amou os caldeus; a ela vieram os filhos de Babel para a cama dos amores, e a
contaminaram com as suas exortações." (23: 2 a 17).
Estas expressões se referem às Igrejas Israelita e Judaica, que
são aqui "as filhas de uma mesma mãe"; por "suas
exortações" são entendidas as adulterações
e as falsificações da Palavra. E como, na Palavra, o "Egito"
significa a ciência, a "Assíria" o raciocínio,
a "Caldéia" a profanação do vero e "Babel"
a profanação do bem, daí se dizer que elas "cometeram
exortação com eles". Diz-se a mesma coisa de Jerusalém,
que significa a Igreja quanto à Doutrina, em Ezequiel:
Jerusalém, "confiaste na tua beleza, e cometeste exortação
por causa da tua fama, ao ponto que derramaste as tuas exortações
sobre todo o que passava. Cometeste exortação com os filhos do
Egito, teus vizinhos, grandes de carnes, e multiplicaste a tua exortação;
cometeste exortação com os filhos da Assíria... como eras
insaciável, depois de ter com eles cometido exortação,
... multiplicaste as tuas exortações até na terra do comércio,
a Caldéia... Mulher adúltera! que, em lugar do seu marido, recebe
os estranhos: a todas as meretrizes se dá seu pagamento, mas tu dás
pagamento a todos os teus amantes,... para que venham a ti de todas as partes
para tuas exortações. ...por isso, ó meretriz, ouve a palavra
de JEHOVAH." (16: 15, 26, 28, 29, 32, 33, 35 e seq.).
Que por "Jerusalém" se entenda a igreja, vê-se na Doutrina
no Senhor, ns. 62 e 63. Semelhante coisas são significadas pelas exortações
em Isaías 33:17, 18; 57:3; em Jeremias 3:2, 6, 8 e 9; 5:1, 7; 13:27;
29:23; em Miquéias 1: 7; em Naum 3:3, 4; em Oséias 4: 10, 11;
também no Levítico 20:5; Números 14:33; 15:39, e em outras
passagens. Foi por esse motivo também que o Senhor chamou a nação
judaica de "geração adúltera." (Mat. 12:39; 16:4;
Mc. 8:38).
Cap. X Quanto mais alguém foge dos roubos de todo gênero como pecados,
mais ama a sinceridade.
80. Por "roubar", no sentido natural, se entende não só
roubar e assaltar, mas também fraudar e tomar de outrem seu bem sob um
pretexto qualquer. Mas por "roubar", no sentido espiritual, se entende
privar os outros dos seus veros da fé e dos seus bens da caridade. No
sentido supremo, por "roubar" se entende tomar do Senhor as coisas
que Lhe pertencem, e atribuí-las a si próprio, por conseqüência
arrogares para si justiça e mérito, São esses os roubos
de todo o gênero; também eles formam um, como os adultérios
de todo o gênero e como os homicídios de todo o gênero, dos
quais precedentemente se falou. Se formam um, é porque um está
dentro do outro.
81. O mal do roubo entra no homem mais profundamente do que qualquer outro mal
porque se conjunta com a astúcia e o dolo, e a astúcia e o dolo
se insinuam até na mente espiritual do homem, onde está seu pensamento
com o entendimento. Que no homem haja uma mente espiritual e uma mente natural,
ver-se-á abaixo.
82. Que quanto mais alguém foge do roubo como pecado, mais ama a sinceridade,
é porque o roubo é também uma fraude, e a fraude e a sinceridade
são dois opostos. Por isso, quanto mais alguém não está
na fraude, mais está na sinceridade.
83. Por sinceridade entende-se também a integridade, a justiça,
a fidelidade e a retidão. O homem não pode estar nelas por si
mesmo, a ponto de amá-las segundo elas e por causa delas; mas aquele
que foge das fraudes, das astúcias e dos dolos como pecados, está
nelas, não por si, mas pelo Senhor, como foi mostrado acima (ns. 18 a
31); assim o sacerdote, assim o magistrado, assim o juiz, assim o negociante,
assim o operário, assim cada um em sua função e em sua
obra.
84. É o que ensina a Palavra em muitas passagens, das quais se verão
algumas:
"Aquele que anda em justiça e fala com retidão; que tem aversão
ao ganho da opressão; sacode suas mãos para não receber
presentes, tapa os ouvidos para não ouvir acerca de sangues e fecha os
olhos para não ver o mal; esse habitará nas alturas". (Isaías
33:15).
"JEHOVAH, quem morará na Tua tenda, quem habitará no monte
de Tua santidade? Aquele que anda em integridade e pratica a justiça...
aquele que não difama com a sua língua, nem faz mal ao seu amigo."
(Salmo 15:1,2,3 e seq).
"Os meus olhos estão sobre os fiéis da terra, para que se
assentem comigo. O que anda no caminho do íntegro, esse me servirá;
não se assentará dentro de Minha casa o que age dolosamente; o
que fala mentiras não ficará diante dos Meus olhos. Pela aurora
destruirei todos os ímpios da terra, para desarraigar da cidade... todos
os que obram iniqüidade." (Salmo 101:6-8).
Se alguém não for interiormente sincero, justo, fiel e reto, ele
é insincero, injusto, infiel e não reto; é o que o Senhor
ensina por estas palavras:
"Se vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus,
não entrareis no reino dos céus." (Mat. 5:20);
pela "justiça que excede a dos escribas e fariseus", entende-se
uma justiça interior, na qual se acha o homem que está no Senhor.
Que o homem pode estar no Senhor, é o que o Ele também ensina
em João:
"Eu lhes dei a glória que Me deste, para que sejam um, como nós
somos Um: Eu neles, e Tu em Mim, para que sejam perfeitos em um... e para que
o amor com que Me tens amado esteja neles, e Eu neles." (27:22, 23, 26),
pelo que é evidente que os homens são perfeitos quando o Senhor
está neles. São esses os que são chamados "...puros
de coração, que verão a Deus", e "perfeitos como
o Pai que está nos céus". (Mat. 5: 8, 48).
85. Acima (n. 81) foi dito que o mal do roubo entra no homem mais profundamente
do que qualquer outro mal, porque foi conjunto à astúcia e ao
dolo; e que a astúcia e o dolo se insinuam até na mente espiritual
do homem, na qual está o seu pensamento com o entendimento. Por isso,
agora se dirá alguma coisa sobre a mente do homem. Que a mente do homem
seja seu entendimento e, ao mesmo tempo, sua vontade, viu-se acima (n. 43).
86. Há no homem uma mente natural e uma mente espiritual. A mente natural
está em baixo, e a mente espiritual em cima. A mente natural é
a mente de seu mundo, e a mente espiritual é a de seu céu. A mente
natural pode ser chamada mente animal, e a espiritual mente humana. O homem
é distinguido do animal por isso, que há nele uma mente espiritual
pela qual pode estar no céu enquanto está no mundo. É também
por esta mente que o homem vive depois da morte.
[2] Pelo entendimento, o homem pode estar na mente espiritual e, por conseguinte,
no céu; mas, pela vontade, ele não pode estar na mente espiritual
e, portanto, no céu, se não fugir dos males como pecados. E se
não estiver aí também pela vontade, não está
entretanto no céu, porque a vontade arrasta o entendimento para baixo,
e faz que ele se torne com ela igualmente natural e animal.
[3] O homem pode ser comparado a um jardim: o entendimento, à luz, e
a vontade, ao calor. No tempo do inverno, o jardim está na luz e não
ao mesmo tempo no calor; mas, no tempo do verão, está na luz e
ao mesmo tempo no calor. É por esse motivo que o homem que está
somente na luz do entendimento é como um jardim no tempo do inverno;
mas o que está ao mesmo tempo na luz do entendimento e no calor da vontade
é como um jardim no tempo do verão. Também, o entendimento
é sábio pela luz espiritual, e a vontade ama pelo calor espiritual,
pois que a luz espiritual é a Divina Sabedoria e calor espiritual é
o Divino Amor.
[3] Enquanto não foge dos males como pecados, as concupiscências
dos males obstruem os interiores da mente natural por parte da vontade; elas
formam aí um denso véu e como que uma nuvem escura sob a mente
espiritual, e impedem que esta se abra. Porém, logo que o homem foge
dos males como pecados, então o Senhor influi do céu, e tira o
véu, e dissipa a nuvem, e abre a mente espiritual, e assim introduz o
homem no céu.
[4] Enquanto as concupiscências dos males obstruírem os interiores
da mente natural, como já se disse, o homem está no inferno. Mas
logo que essas concupiscências são dissipadas pelo Senhor, o homem
está no céu. E mais, enquanto as cobiças dos males obstruírem
os interiores da mente natural, o homem é natural; mas logo que essas
cobiças são dissipadas pelo Senhor, o homem é espiritual.
E ainda mais, enquanto as cobiças dos males obstruírem os interiores
da mente natural, o homem é animal; ele difere unicamente do animal pelo
fato de poder pensar e falar, até sobre as coisas que não vê
com os olhos, o que lhe vem da faculdade que possui de elevar seu entendimento
à luz do céu.
[5] Mas logo que essas concupiscências são dissipadas pelo Senhor,
o homem é homem, porque então pensa o vero no entendimento pelo
bem na vontade. Enfim, enquanto as concupiscências dos males obstruírem
os interiores da mente natural, o homem é como um jardim no tempo do
inverno; mas logo que essas concupiscências são dissipadas pelo
Senhor, é como um jardim no tempo do verão.
[6] A conjunção da vontade com o entendimento no homem é
o que se entende, na Palavra, pelo "coração" e a "alma",
e pelo "coração" e o "espírito", como
onde se diz que se deve amar a Deus
"de todo o coração e de toda a alma." (Mat. 22:37),
que Deus dará
"um novo coração e um novo espírito" (Ezeq. 11:19;
36:26, 27);
pelo "coração" se entende à vontade e seu amor;
e pela "alma" e o "espírito", o entendimento e sua
sabedoria.
Cap. XI Quanto mais alguém foge dos falsos testemunhos de todo gênero
como pecados, mais ama a verdade.
87. No sentido natural, por "dar falso testemunho" se entende não
só ser testemunha falsa, mas também mentir e difamar. No sentido
espiritual, por "dar falso testemunho" entende-se dizer e persuadir
que o falso é o vero e que o mal é o bem, e vice-versa. E, no
sentido supremo, por "dar falso testemunho" entende-se blasfemar contra
o Senhor e a Palavra. Tais são os "falsos testemunhos" no tríplice
sentido. Que essas coisas façam um no homem que é testemunha falsa,
que fala mentira e difama, pode-se ver pelo que se mostrou sobre o tríplice
sentido da Palavra na Doutrina da Escritura Santa, (ns. 5, 6, 7 e seguintes
e n. 57).
88. Visto que a mentira e a verdade são dois opostos, segue-se que, quanto
mais alguém foge da mentira como pecado, mais ama a verdade.
89. Quanto mais alguém ama a verdade, mais ele quer conhecê-la
e é afetado de coração quando a encontra. Nenhum outro
vem à sabedoria. E quanto mais ama praticar a verdade, mais sente a amenidade
da luz em que a verdade está. Dá-se com isso como com as outras
coisas de que se falou até aqui, como da sinceridade e da justiça
naquele que foge de todo gênero de roubo, da castidade e da pureza naquele
que foge de todo gênero de adultério, do amor e da caridade naquele
que foge de todo gênero de homicídio, e assim por diante. Mas aquele
que está nos opostos nada sabe dessas coisas, ainda que nelas haja tudo
o que é real.
90. É a Verdade que se entende pela "semente no campo", a cujo
respeito o Senhor disse:
"O semeador saiu a semear... e, quando semeava, alguma caiu no caminho
e foi pisada, e as aves do céu a comeram. E uma outra caiu sobre lugares
pedregosos, mas quando cresceu, secou-se, porquanto não tinha raiz...
Outra caiu no meio de espinhos, e crescendo com ela os espinhos, a sufocaram.
E outra caiu em boa terra, e, tendo nascido, produziu muito fruto." (Lucas
8:5-8; Mat. 13: 3- 8; Marcos, 4:3-8);
aqui, o "Semeador" é o Senhor, e a "semente" é
a Sua Palavra, por conseguinte, a verdade; a "semente no caminho"
é naqueles que não se importam com a verdade; a "semente
nos lugares pedregosos" é naqueles que se ocupam da verdade, mas
não por ela mesma e portanto não interiormente; a "semente
no meio de espinhos" é naqueles que estão nas concupiscências
do mal; mas a "semente em boa terra" é nos que amam as verdades
que estão na Palavra procedente do Senhor, e que, por Ele, as praticam
e produzem assim frutos. Que seja isso o que é entendido, vê-se
pela explicação que o Senhor lhes dá (Mat. 13:19-23, 37;
Mc. 4:14-20; Luc. 8:11-15). Por aí é evidente que a verdade da
Palavra não pode se enraizar nos que não se importam com a verdade,
nem nos que amam a verdade exteriormente e não interiormente, nem nos
que estão nas concupiscências do mal, mas naqueles em quem as concupiscências
do mal foram dissipadas pelo Senhor. Nesses, a semente, isto é, a verdade,
se enraíza em sua mente espiritual; (vide n. 86, no fim).
91. É hoje opinião geral que, para ser salvo, basta crer tal ou
qual coisa que a igreja ensina, e que não é praticar os preceitos
do Decálogo, que são: não matar, não adulterar,
não roubar, não levantar falso testemunho, tanto no sentido estrito
como no sentido lato. Com efeito, diz-se que Deus não considera as obras,
mas a fé, quando a verdade é que quanto mais alguém está
nesses males, mais ele não tem fé (vide ns. 42-52). Consulta a
tua razão, e examina com perspicácia se quem é homicida,
adúltero, ladrão ou falsa testemunha, pode ter fé enquanto
estiver na concupiscência desses males B e também se a concupiscência
desses males pode ser dissipada senão por não querer cometê-los
por serem pecados, isto é, porque são infernais e diabólicos.
Por isso, aquele que pensa que, para ser salvo, basta crer em tal ou qual coisa
que a Igreja ensina, e que se entrega a esses males, não passa de um
estulto, segundo as palavras do Senhor em Mateus (7:26). Uma tal Igreja é
descrita assim em Jeremias:
"Põe-te à porta da casa de JEHOVAH, e proclama ali esta Palavra:
...Assim diz JEHOVAH Zebaoth, o Deus de Israel: Melhorai os vossos caminhos
e as vossas obras ... não vos fieis em palavras de mentira, dizendo:
O templo de JEHOVAH! o templo de JEHOVAH, estes! Porventura é roubando,
matando, e adulterando e jurando com mentiras que vireis depois e vos poreis
diante de Mim, nesta casa que se chama pelo Meu Nome, direis: Fomos resgatados,
enquanto fazes tais abominações? Porventura esta casa se tornou
caverna de ladrões...? Também eis que Eu vi, palavra de JEHOVAH."
(7:2-4,9-11).
Cap. XII Ninguém pode fugir dos males como pecados, até ao ponto
de ter interiormente aversão por eles, a não ser por combates
contra eles.
92. Pela Palavra e pela doutrina tirada da Palavra, qualquer um sabe que o próprio
do homem por nascimento é mal, e que daí é que, por uma
concupiscência inata, ele ama os males e é levado a eles, de modo
que quer vingar-se, quer fraudar, quer difamar e quer adulterar. E, se não
considera que tais coisas são pecados e, por esse motivo, não
resiste a elas, ele as pratica todas as vezes que a ocasião se apresentar
e a sua reputação não sofrer em relação à
honra ou ganho. Acresce que o homem as pratica por prazer, se não houver
religião nele.
93. Como esse próprio do homem constitui a primeira raiz de sua vida,
vê-se qual árvore seria o homem, se essa raiz não fosse
extirpada e uma nova raiz não fosse implantada: seria a árvore
podre que deve ser cortada e lançada no fogo, segundo o que se diz em
Mateus 3:10; 7:19. Essa raiz não é extirpada e uma nova não
é colocada em seu lugar, a não ser se o homem considerar os males
que formam essa raiz como danosos para sua alma, e queira, em razão disso,
desviar-se deles. Mas como eles pertencem a seu próprio e, portanto,
são prazeres, ele não pode desviar-se deles senão como
contra si próprio, com luta e, assim, com combate.
94. Todo homem que crê que há um inferno e um céu, e que
o céu é uma eterna felicidade e o inferno uma eterna infelicidade,
e crê que para o inferno vão os que praticam os males, e para o
céu os que praticam os bens, esse homem combate. E quem combate opera
pelo interior e contra a concupiscência mesma que constitui a raiz do
mal. Porque aquele que combate contra alguma coisa não quer essa tal
coisa, e cobiçar é querer. Daí é evidente que a
raiz do mal não é tirada senão pelo combate.
95. Quanto mais, pois, alguém combate e, assim, afasta o mal, mais o
bem toma o lugar do mal, e mais vê, pelo bem, a face do mal, e então
vê que é infernal e horrendo. E, por ser tal, não só
foge dele, mas também o tem em aversão e finalmente o abomina.
96. O homem que combate contra os males não pode deixar de combatê-los
como por si próprio, porque aquele que não combate como por si
mesmo, não combate, mas é qual um autômato que nada vê
e nada faz; e, de conformidade com o mal, pensa continuamente a favor do mal
e não contra o mal. Mas cumpre bem saber que só o Senhor é
Quem combate no homem contra os males; ao homem somente parece que combate por
si mesmo, e o Senhor quer que isso assim pareça ao homem porque, visto
que, sem essa aparência, não há combate e, por conseguinte,
não há reforma.
97. Esse combate não é grave senão para aqueles que soltaram
todos os freios às concupiscências e a elas se entregaram de propósito,
e também para os que repudiaram com obstinação as coisas
santas da Palavra e da Igreja. Mas para os outros não é grave.
Que eles resistam aos males na intenção, ao menos uma vez por
semana, ou duas vezes por mês, e perceberão uma mudança.
98. A Igreja cristã é chamada de igreja combatente, e ela somente
pode ser chamada combatente contra o diabo, assim contra o que procede do inferno;
o inferno é o diabo. Esse combate é a tentação que
o homem da Igreja sofre.
99. Desses combates contra os males, que são as tentações,
trata-se em muitas passagens da Palavra. São entendidos por estas palavras
do Senhor:
"Eu vo-lo digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não
morrer, ele permanece só; mas se morrer, produz muito fruto." (
João 12:24).
Também por estas:
"Qualquer que quiser vir após Mim, renuncie a si mesmo, e tome a
sua cruz, e siga-Me. Qualquer... que quiser salvar a sua alma, perdê-la-á,
mas quem perder a sua alma por causa de Mim e por causa do Evangelho, esse a
salvará." (Marcos 8:34,35);
pela "cruz" se entende a tentação (como também
em Mateus 10:38, 16:24, Marcos 10:21, Lucas, 14:27); pela "alma" se
entende a vida do próprio do homem (como também em Mateus 10:39,
16:25, Lucas 9:24, e sobretudo em João 12:25), a qual é também
a vida da "carne", que "para nada aproveita." (João
6:63). É dos combates contra os males e das vitórias sobre eles
que o Senhor fala a todas as Igrejas no Apocalipse. À Igreja de Éfeso:
"Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está
no meio do paraíso de Deus." (Apoc. 2:7).
À Igreja em Smirna:
"O que vencer não receberá dano da segunda morte". (Apoc.
2:11).
À Igreja em Pérgamo:
"Ao que vencer dar-lhe-ei a comer do maná escondido, e dar lhe-
hei um seixo branco, e no seixo um novo nome escrito, o qual ninguém
conhece senão aquele que o recebe." (Apoc. 2:17).
À Igreja em Tiatira:
"Ao que vencer e conservar até ao fim as Minhas obras, dar-lheei
poder sobre as nações; e estrela matutina." (Apoc. 2:26,28).
À Igreja em Sardes:
"O que vencer será vestido de vestes brancas, e não riscarei
o seu nome do livro da vida; e confessarei o seu nome diante de Meu Pai e diante
dos Seus anjos." (Apoc. 3:5)
À Igreja em Filadélfia:
"A quem vencer, fá-lo-ei coluna no templo de Meu Deus, e escreverei
sobre ele o Nome de Deus, e o nome da cidade de Deus, a Nova Jerusalém,
que de Deus desce do céu, e o meu novo Nome." (Apoc. 3:12).
À Igreja em Laodicéia:
"Ao que vencer, dar-lhe-ei que se assente comigo em Meu trono." (Apoc.
3:21).
100. Desses combates, que são as tentações, vide o que
se tratou especialmente na Doutrina da Nova Jerusalém, publicada em Londres,
no ano de 1758, ns. 187-201; de onde vêm e quais são, ns. 196,
197; como e quando se efetuam, n. 198; que bem produzem, n. 199; que o Senhor
combate pelo homem, n. 200; dos combates ou tentações do Senhor,
n. 201.
Cap. XIII O homem
deve fugir dos males como pecados e combater contra eles como por si mesmo.
101. É da Ordem Divina que o homem aja pelo livre segundo a razão,
porquanto agir pelo livre segundo a razão é agir por si mesmo.
Mas estas duas faculdades, o livre [ou liberdade] e a razão, não
são próprias do homem: pertencem ao Senhor no homem, e enquanto
ele for homem, não lhe são tiradas, visto que sem elas não
pode ser reformado, porque sem elas não pode fazer penitência,
não pode combater contra os males, nem produzir, por conseguinte, frutos
dignos da penitência. Ora, como o homem tem a liberdade e a razão
pelo Senhor, e por essas o homem age, segue-se que ele age não por si,
mas como por si. Que o homem seja livre pelo Senhor, vide acima (ns. 19, 20),
e na obra d'O Céu e o Inferno, ns. 589-596 e 597-603. E o que é
o livre, vide na Doutrina da Nova Jerusalém publicada em Londres em 1758,
ns. 141 a 149. 102. O Senhor ama o homem e quer habitar nele, e não pode
amá-lo nem habitar nele, exceto se for recebido e reciprocamente amado.
É daí, e não de outra parte, que há a conjunção.
O Senhor, por esta causa, deu ao homem a liberdade e a razão: liberdade
de pensar e de querer como por si mesmo, e a razão segundo a qual o faça.
Não é possível amar alguém nem lhe ser conjunto
se não houver nele o recíproco. E não é possível
entrar em alguém nem permanecer nele se não houver recepção.
Como a recepção e a reciprocidade estão no homem pelo Senhor,
por isso o Senhor disse:
"Permanecei em Mim, e Eu em vós". (João 15:4);
"Quem permanece em Mim, e Eu nele, esse produz muito fruto." (João
15:5);
"Nesse dia conhecereis que vós estais em Mim, e Eu em vós."
(João 14:20).
Que o Senhor esteja nos veros e nos bens que o homem recebe e estão no
homem, Ele o ensina também:
"Se permanecerdes em Mim, e Minhas palavras permanecerem em vós
habitem ... Se guardardes os Meus mandamentos, permanecereis no Meu amor."
(Jo. 15:7,10);
"Aquele que tem os Meus mandamentos e os faz, esse é que me ama,
e Eu o amarei, e nele habitarei." (Jo. 21:23).
Assim, o Senhor habita naquilo que Lhe pertence no homem, e o homem habita nas
coisas que procedem do Senhor, assim, no Senhor.
103. Visto que há no homem, pelo Senhor, esse recíproco e esse
alternativo, e, assim, o mútuo, por isso o Senhor diz que o homem deve
fazer penitência, e ninguém pode fazer penitência senão
como por si mesmo.
Jesus disse: "Se não fizerdes penitência, vós todos
perecereis." (Luc. 13:3, 5);
Jesus disse: "O reino de Deus está próximo, fazei penitência...
crede no Evangelho". (Marcos 1:14, 15);
Jesus disse: "Vim para chamar... os pecadores à penitência."
(Luc. 5:32).
Jesus disse às Igrejas: "Fazei penitência". (Apoc. 2:5,
16, 21, 22; 3:3). Depois também: "Não fizeram penitência
de suas obras." (Apoc. 16:11).
104. Como há no homem, pelo Senhor, esse recíproco e esse alternativo,
e, assim, o mútuo, por isso o Senhor disse que o homem deve cumprir os
preceitos e produzir frutos:
"Por que... Me chamais Senhor, Senhor! e não fazeis o que Eu digo?"
(Lucas 6:46-49);
"Se sabeis estas coisas, felizes sois, se as fizerdes". (João
13:17);
"Meus amigos sois, se fizerdes o que vos mando". (João 15:14);
"Aquele que faz e ensina, será chamado grande no reino dos céus".
(Mat. 5:19).
"Todo aquele... que escuta as Minhas palavras e as pratica, compará-lo-ei
a um homem prudente". (Mat. 7:24);
"Produzi frutos dignos da penitência." (Mat. 3:8);
"Fazei a árvore boa, e seu fruto bom." (Mat. 12:33);
"O reino... será dado a uma nação que produz seus
frutos". (Mat. 21:43);
"Toda árvore que não produz frutos... é cortada e
no fogo lançada". (Mat. 7:19).
E em muitos outros lugares. Pelo que se torna evidente que o homem deve fazer
por si mesmo, mas pelo poder do Senhor, o qual ele deve implorar; e é
isso fazer como por si mesmo.
105. Como há no homem, pelo Senhor, o recíproco e o alternativo,
e, assim, o mútuo, por isso o homem prestará conta de suas obras,
e será retribuído segundo as obras, porque o Senhor disse:
"Virá... o Filho do homem virá... e dará a cada um
segundo os seus feitos." (Mat. 16:27).
"Os que tiverem feito os bens sairão em ressurreição
de vida; e os que tiverem feito os males, em ressurreição de juízo."
(João 5:29);
"As suas obras seguem com eles". (Apoc. 14:13);
"Todos foram julgados segundo as suas obras." (Apoc. 20:13);
"Eis, venho... e a Minha recompensa comigo, para dar a cada um segundo
a sua obra." (Apoc. 22:12).
Se não houvesse o recíproco no homem, não haveria imputação
alguma.
106. Como a recepção e o recíproco estão no homem,
por isso a Igreja ensina que o homem deve se examinar, confessar seus pecados
diante de Deus, desistir deles e viver nova vida. Que toda Igreja no mundo cristão
ensina isso, é o que se viu acima (ns. 3-8).
107. Se não houvesse recepção da parte do homem, e, então,
o pensamento como se procedendo dele, não se poderia dizer coisa alguma
da fé, pois a fé não vem tampouco do homem. De outro modo,
o homem seria como a palha ao vento, e seria como inanimado, com a boca aberta
e as mãos pendidas, esperando o influxo, nada pensando e nada fazendo
quanto às coisas que pertencem à sua salvação. A
verdade é que nada faz a respeito delas, mas, no entanto, reage como
por si mesmo. Mas essas coisas serão referidas sob luz ainda mais clara
nos tratado sobre a Sabedoria Angélica.
Cap. XIV Se alguém
fugir dos males por qualquer outra causa que não seja porque são
pecados, não foge deles, mas somente faz que não apareçam
diante do mundo.
108. Há homens morais que observam os preceitos da segunda tábua
do Decálogo: não fraudam, não blasfemam, não se
vingam, não adulteram; e os que dentre eles confirmam que esses são
males porque são danosos à causa pública e, por conseguinte,
contrários às leis da humanidade, esses exercem a caridade, a
sinceridade, a justiça e a castidade. Mas se praticam esses bens e fogem
desses males somente porque são males, e não ao mesmo tempo porque
são pecados, eles são, contudo, meramente naturais. E nos homens
meramente naturais a raiz do mal permanece implantada, e não é
removida. Por isso, os bens que eles fazem não são bens, porque
os fazem por si próprios.
109. O homem moral natural pode parecer, diante dos homens no mundo, inteiramente
semelhante ao homem moral espiritual, mas não diante dos anjos no céu.
Diante dos anjos, no céu, ele aparece, se está nos bens, como
uma imagem de madeira, e, se está nos veros, como uma imagem de mármore,
nas quais não há vida. É diferente com o homem moral espiritual,
porque o homem moral natural é um moral externo, e o homem moral espiritual
é um moral interno, e o externo sem o interno não vive. Vive,
é certo, mas não a vida que se chama vida.
110. As concupiscências do mal, que constituem os interiores do homem
por nascimento, não são removidas senão pelo Senhor, somente,
pois o Senhor influi pelo espiritual no natural, mas o homem influi por si mesmo
pelo natural no espiritual, e esse influxo é contra a ordem e não
opera nas concupiscências nem as remove, mas as encerra cada vez mais
estreitamente conforme ele se confirma. E como o mal hereditário fica
assim latente e encerrado, esse mal, depois da morte, quando o homem se torna
espírito, rompe a cobertura com que foi velado no mundo, e explode como
pus de uma úlcera curada somente no exterior.
111. Há muitas e variadas causas que fazem que o homem seja moral na
forma externa, mas se não se torna moral também na interna, não
é realmente moral. Por exemplo, se alguém se abstém dos
adultérios e das exortações por temor da lei civil e de
suas penas; pelo temor da perda da reputação e, daí, da
honra; pelo temor das enfermidades provenientes; pelo temor das querelas no
lar com a esposa e, daí, perder a tranqüilidade da vida; pelo temor
da vingança do marido ou dos parentes; por indigência ou por avareza;
por debilidade proveniente ou de doença, ou do abuso ou da velhice, ou
da impotência; se mesmo se abstém por causa de alguma lei natural
ou moral, e não ao mesmo tempo por uma lei espiritual, ele, todavia,
não passa de um adúltero e devasso interior. Com efeito, crê,
não obstante, que esses males não são pecados e, por conseguinte,
não os considera ilícitos em seu espírito, diante de Deus.
E assim, em seu espírito os comete, ainda que não os cometa no
corpo, diante do mundo. Por isso, após a morte, quando se torna espírito,
fala abertamente a favor desses males. Por aí é evidente que um
ímpio pode fugir dos males como coisas danosas, mas só um cristão
pode fugir dos males como pecados.
112. Acontece coisa semelhante com os roubos e com as fraudes de todo gênero;
com os homicídios e as vinganças de todo gêneros; e com
os falsos testemunhos e as mentiras de todo gênero. Ninguém pode
limpar-se deles nem purificar-se por si próprio, porque há inerente
em cada concupiscência uma infinidade de coisas que o homem não
vê senão como uma só e simples coisa, mas o Senhor vê
singularíssimos em toda serie. Em uma palavra, o homem não pode
regenerar-se por si mesmo, isto é, formar em si um novo coração
e um novo espírito: só o Senhor o pode, porque Ele é o
Reformador mesmo e o Regenerador mesmo. Por isso, se o homem quiser tornar-se
novo por sua própria prudência e inteligência, é somente
como aquele que põe uma pintura sobre um rosto disforme, ou que esfrega
linimento sobre uma parte interiormente infectada de putrefação.
113. É por esta razão que o Senhor diz em Mateus:
"Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também
o seu exterior fique limpo." (23:26);
E em Isaías:
"Lavai-vos, purificai-vos, e afastai a malícia de vossas obras de
diante de Meus olhos; cessai de fazer o mal; ... E ainda que os vossos pecados
fossem como o escarlate, como a neve se tornarão brancos; se vermelhos
fossem como a púrpura, como a lã serão." (1:16, 18).
114. Às coisas que foram ditas acima, serão acrescentadas estas:
I. Que a caridade cristã consiste em que cada um aja fielmente em sua
função; porque, assim, se fugir dos males como pecados, pratica
os bens quotidianamente, e ele mesmo é seu uso no corpo comum. Assim,
serve também útil a todos em geral e a cada um em particular.
II. Que todas as outras coisas não são propriamente obras da caridade:
elas são unicamente sinais, ou benefícios, ou deveres da caridade.
Fim.