Correspondências
de Louis Claude de Saint-Martin
CORRESPONDÊNCIA
INÉDITA DE L.-C. DE SAINT-MARTIN
CHAMADO O FILÓSOFO DESCONHECIDO e
KIRCHBERGER, BARÃO DE LIEBSTORF
Membro do Conselho Nacional da República de Berna
DE 22 DE MAIO DE 1792 A NOVEMBRO DE 1797
OBRA COLIGIDA E PUBLICADA por L. SCHAUER E ALP. CHUQUET
Editores-Proprietários de DES NOMBRES e L'ÉCLAIR SUR L'ASSOCIATION
HUMAINE
SUMÁRIO
Prefácio.........................................................................................................................................................
1
Introdução ao estudo da vida, da Ordem e da Doutrina do FILÓSOFO
DESCONHECIDO....................... 1
O Que é o Martinismo...................................................................................................................................2
CAPÍTULO I - LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN E O MARTINISMO..........................................
3
Quadro Cronológico da Vida e os Escritos de Louis Claude de Saint-Martin..............................................
3
CAPÍTULO II - LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN E SEUS MESTRES..........................................5
CAPÍTULO III - EXISTÊNCIA HISTÓRICA DA ORDEM MARTINISTA..............................................8
CAPÍTULO IV - O ESPÍRITO DA ORDEM MARTINISTA......................................................................9
CAPÍTULO V - A DOUTRINA MARTINISTA - MÉTODO E DIALÉTICA..........................................10
Cartas..........................................................................................................................................................
14
Prefácio
Senhor L. Schauer, homem de letras, Paris: Tenho, Senhor, de agradecer-vos
muito por vos haverdes lembrado em mim
para ler este escrito de Saint-Martin. Sempre nutri por ele grande veneração
e senti-me atraído por seu pensamento, embora
nesses assuntos seja eu um dos mais profanos. Vejo que, graças a
vós a ao Senhor Matter, vou aprender ainda mais sobre
ele. Dignai-vos aceitar, Senhor, a expressão de minha mais distinta
consideração. SAINTE-BEUVE
Paris, 6 de dezembro de 1861.
Senhor L. Schauer, homem de letras, Paris: Senhor: Expresso-vos meu reconhecimento
pela bondade que tiveste em enviarme
vosso interessante volume1 e pela amável carta com que o acompanhstes.
Considero essa publicação como um serviço
importante prestado à história do misticismo francês
e agradeço-vos antecipadamente pela edição completa
das obras de
Saint-Martin que nos prometeis em vosso Prefácio Saint-Martin não
é somente uma bela alma: é uma uma nobre inteligência
e uma das penas2 mais finas que já se consagraram ao se rviço
do espiritualismo, do qual o misticismo é uma das formas
mais elevadas. Experimentei um grande encanto ao reler, em vossa bela edição,
o Écair sobre a Associação Humana.
Recebei por isso, Senhor, meus agradecimentos e felicitações,
com a certeza de meus mais distintos sentimentos. AD.
FRANCK Paris, 17 de janeiro de 1862
1 Des Nombres (Sobre os Números), de L. C. de Saint-Martin. E.Dentu,
livreiro e editor, Palais-Royal.
2 Sentido figurado: pena (ou caneta) do escritor. (N.T.)
LOUIS CLAUDE DE SAINT MARTIN E O MARTINISMO
Introdução ao estudo da vida, da Ordem e da Doutrina do FILÓSOFO
DESCONHECIDO
1
ADVERTÊNCIA
Seguidamente confundem-se sob a denominação de Martinistas,
os discípulos de Martinez de Pasqually e os de Louis
Claude de Saint-Martin. Se bem que as teorias sejam as mesmas, uma diferença
profunda separa as duas escolas. A de
Martinez, restringiu-se ao plano da Maçonaria Superior, enquanto
que a de Saint-Martin estendeu-se aos profanos; a
segunda, ainda, recusou-se às práticas e às cerimônias
às quais a primeira dava uma importância muito acentuada. É
exclusivamente no sentido da doutrina e dos discípulos de Saint-Martin
que, as palavras Martinismo e Martinistas, serão
empregadas no transcorrer das páginas que se seguem. Assim se fala
do Spinozismo de Spinoza, do Bergsonismo de
Bergson. Em particular, a expressão "Ordem Martinista",
que será lida uma ou duas vezes, não implica nenhuma referência
à
Ordem dos Elus-Cohen, fundada por Martinez e que se perpetua até
os nossos dias; ela se aplica ao "Círculo Íntimo"
dos
Amigos de Saint-Martin. Chamará atenção do leitor o
grande número de citações de Saint-Martin apresentadas
nesta obra.
Talvez elas o surpreendam. Entretanto, acreditamos que não nos devemos
desculpar por isso. Nosso único desejo é dar do
Martinismo a idéia menos infiel possível. Pareceu-nos que
os textos se impunham, cada vez que uma paráfrase tentava trair
o pensamento do Filósofo Desconhecido. Algumas vezes, foi-nos necessário
interpretar, deduzir certas conseqüências dos
princípios estabelecidos. Disto não nos desculparemos mais,
tentaremos justificar tal medida. A nossa idéia diretriz, aquela
doutrina viva, responde ao pensamento do filósofo. Mas o trabalho
de desenvolvimento que se nos impõe, terá sido sempre
conduzido no sentido em que Saint- Martin o teria levado? Disto não
podemos nos vangloriar. Para alcançar semelhante
objetivo, teria sido necessário o próprio Ph Desc, ou, pelo
menos algum iniciado adiantado, algum "homem de desejo" mais
evoluído. E é por esta traição involuntária,
cuja multiplicação dos fragmentos de Saint-Martin nos pareceu
limitar a
importância que nós devemos, em definitivo, pedir perdão
ao leitor. No curso do presente trabalho, as obras de Saint-Martin
são citadas da seguinte maneira: "Erreurs" designa os Erros
e a Verdade (Des Erreurs et de la Verité) refere-se à edição
de
Edimbourg 1782, 2 volumes, indicando o tomo e a página. "Le
Tableau Naturel", é citado segundo a reedição
da "Biblioteca
da Ordem Martinista", Paris, Chamuel, 1900. "Le Cimitière
d'Amboise" e as "Stances sur l'origine et la destination de
l'homme", são citadas segundo a reedição da "Petite
collection d'auteurs mystiques", Paris, Chacornar 1913. Para os outros
escritos de Saint-Martin, utilizamos, salvo indicações contrárias,
o texto e a paginação da primeira edição. Enfim,
lembramos
uma vez por todas que, as indicações complementares sobre
as outras de que citamos na Biblioteca de M. Chateaurhin ou
no suplemento bibliográfico, estão no final do presente estudo,
na página 67.
O Que é o Martinismo
"É preciso que um homem esteja oculto, escreveu Dostoiewsky,
para que se possa amá-lo. Desde que mostre o seu rosto, o
amor desaparece". (1) Não é certamente a Louis Claude
de Saint-Martin, o "Filósofo Desconhecido", que estas palavras
podem ser aplicadas. Ignorado, sem dúvida, do grande público,
Saint-Martin nunca enganou aqueles que se inclinaram sobre
a sua tão curiosa personalidade e se aprofundaram na sua doutrina
espiritual. Mestre da vida espiritual, assim se apresenta
aquele que as histórias da Filosofia rejeitam, às vezes, em
notas de rodapé. É porque sua obra se endereça aos
homens de
boa vontade, que em nossos dias como em todos os tempos procuram a verdade
e a salvação, este modesto trabalho foi
projetado. Poder-se-ia, se não tivéssemos temor de ver superestimada
sua importância, intitulá-lo: Iniciação ao Martinismo.
Tal foi, exatamente, a razão destas linhas. E, como nossa intenção
era de apresentar uma introdução ao estudo e à prática
de uma doutrina, tentamos explicar a tarefa que se nos apresenta. Assim
compreenderemos melhor e mais rapidamente, o
que se pode entender por "Martinismo". Tratou-se, em síntese,
de apresentar um esboço do pensamento do Ph... Desc... .
Porém, mais que aos amadores de reconstituições históricas,
ou aos curiosos de debates metafísicos, era preciso dirigir-se
àqueles para os quais o Martinismo é um fermento de vida espiritual,
e, Saint-Martin, um Guia Fraternal, um Mestre e um
Amigo. Fixar para os "homens de desejo e de boa vontade", os próprios
ensinamentos dos quais eles se alimentam ou fazêlos
conhecer aqueles que se saciarão dos mesmos; oferecer um quadro vivo
de uma doutrina viva: tal deve ser e tal foi nossa
constante preocupação ao redigir este trabalho. Não
se encontrará aqui, propriamente falando, a exposição
didática da
filosofia de Saint-Martin. O Teósofo de Amboise pode, certamente,
reivindicar um honrado lugar entre os filósofos. Poderá
ser, sobre este particular, objeto de um trabalho detalhado.(2) Sua obra
suporta a prova de um exame minucioso. Determinar
precisamente as influências que exerceram sobre Saint-Martin, seguindo
os efeitos através de suas diferentes obras.
Reconhecer em determinada página do Tableau Naturel, uma reminiscência
platônica, ou, em tal parágrafo do Ecco Homo, a
lembrança de uma conversação com Madame de Boecklin;
situar enfim, após haver dissecado, o sistema que elaborou no
século XVIII, um pensador denominado Louis Claude de Saint-Martin,
são tantas tarefas úteis, apaixonantes mesmo é
próprias para dar um novo brilho à figura do Mestre. Mas não
queremos reconstituir um esqueleto, nem queremos erguer
uma estátua de pedra. As condições já enunciadas
e nas quais este livro foi elaborado, nos justificarão, sem dúvida,
de ter
abandonado todo aparato de erudição. Somente figurarão
as indicações necessárias para compreender a doutrina
definitiva,
porque existe um aspecto perfeito no pensamento Martinista. Está
além das palavras, aquele que o entrevê; permite
perceber a coerência e o fundamento das aplicações que
deles se tiram. O que se chama Martinismo é, ao mesmo tempo,
uma sociedade de homens continuando os estudos místicos do Mestre
e, um sistema filosófico e metafísico que alguns
denominam uma teologia. Mas é também um método que
permite reconhecer, à luz deste próprio ensinamento, o que
em
todos os domínios é especialmente tradicional e iniciático.
(3) Se é uma especulação abstrata, o martinismo é
logo uma
2
vivência, um estado de espírito, um espírito. É
um conhecimento superficial, uma luz que dá a sua cor aos objetos
que
envolve, e, que, misturando sua nuança aqueles que lhes é
próprio, funde-os sem os confundir, numa doce harmonia.
Pudessem estas páginas, escritas com simpatia e respeito, incitar
aqueles que se uniram numa admiração comum por Saint-
Martin, a partir da leitura, para encontrar o espírito. Talvez o
maior dos filósofos da Unidade perseguisse, sem cessar, um
esforço de síntese. "É um excelente casamento
para fazer, disse este, da nossa primeira escola com o nosso amigo
Böehme. É para isso que eu trabalho".(4) Nesta inspiração
consiste o verdadeiro ensinamento do Teósofo. Aí encontra-se
expressa a grande idéia que norteou toda a sua vida. E não
é mostrarse um fiel discípulo de Saint-Martin o buscar nos
seus
livros a idéia que os ditou? "Os livros que fiz, ele mesmo declarou,
só tiveram por meta convencer os leitores a abandonar
todos os livros sem respeitar os meus". (5) A própria Bíblia,
o livro dos livros, não é suficiente para fundamentar uma
verdade. "Por mais avantajadas que sejam as descobertas que se possa
fazer nos livros hebreus, elas não devem ser
empregadas como provas demonstrativas das verdades que dizem respeito à
natureza dos homens e sua correspondência
com o seu Princípio, porque estas verdades subsistem por si mesmas;
o testemunho dos livros não deve jamais servir senão
como confirmação". (6) Por isso, convidamos todos os
homens, nossos irmãos, a recolher, independentemente das fórmulas
e das demonstrações, a exaltação mística
do Teósofo, e restabelecer o cânon, segundo o qual ele julgava
o homem e o
Universo, e acima de todas as coisas, a reencontrar a espontaneidade do
impulso que o levava a Deus. Tal é o convite que
este pequeno livro pode lançar. O objetivo do autor será plenamente
alcançado, se graças a ele, só uma minoria
compreender o apelo dos Mestres Passados, e reconhecer o verdadeiro Caminho
da Reintegração; a Rota Interior que lhe
traçou o Ph Desc , pela voz grave e amável de Louis Claude
de Saint-Martin.
CAPÍTULO I - LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN E O MARTINISMO
Alguns dados históricos
Uma nova exposição da vida de Saint-Martin, para apresentar
algum interesse, deverá apoiarse em documentos inéditos,
elucidar certas dificuldades históricas que ainda oferece a existência
do Ph Desc. Mas esta delimitação precisa no tempo e
no espaço da personalidade de Saint-Martin, não é,
já se sabe, a finalidade desta obra. Parece inútil apresentar,
sob uma
forma diferente, a bibliografia de Saint-Martin, tal como foi escrita por
vários autores. É deles que nos socorremos e, em
particular, aos estudos de Matter e de Papus, assim como os livros de Moreau,
de Caro e as diversas notas das
enciclopédias e dos jornais. (7) Entretanto, para bem captar a doutrina
Martinista, talvez seja útil possuir os elementos
essenciais de sua formação. Também daremos um sumário
dos homens e dos livros cujo contato influenciou Saint-Martin.
Mas, antes, recapitularemos em um simples quadro, as grandes épocas
da vida do Teósofo de Amboise, as datas essenciais
sobre sua passagem pela terra, a menos que, para qualquer outro, parece
que o destino e o pensamento de um homem de
desejo, como o foi Saint-Martin, devem ter sofrido a influência de
circunstâncias exteriores. Foi sublinhado o curioso contraste
que existe entre as preocupações místicas das quais
testemunhou a correspondência com Kirchberger e os trágicos
episódios, que agitaram, ao mesmo tempo, a França no terror.
Entretanto, está fora de dúvida que a Revolução
Francesa e a
corrente de idéias que a aureolou, ficaram longe de deixar indiferente
o autor de l'Eclair sur l'association humaine. Sua atitude
a respeito da Franco-Maçonaria, explica-se sem dúvida, por
uma evolução pessoal, mas também, pela degenerescência
da
própria Maçonaria. E como compreender o sistema Martinista
sem levar em conta as relações com Martinez e a viagem a
Strasbourg? Cremos, pois, mantermo-nos fiel ao nosso assunto, que é
o estudo do Martinismo, lembrando, sucintamente,
seus fundamentos históricos; por um lado, a pessoa de Saint-Martin,
por outro, a sociedade que se apregoa, criada
diretamente por ele.
Quadro Cronológico da Vida e os Escritos de Louis Claude de Saint-Martin
(Com os principais sincronismos literários, políticos e Martinistas)
Ano Vida de Saint-Martin - Sincronismos Martinistas - Sincronismos Literários
- Sincronismos Políticos
· 1730 Lyon. Nascimento de Willer-moz.
· 1741 Guerra da Sucessão na Áustria.
· 1743 18 de Janeiro. Nascimento de Saint-Martin, em Amboise.
· 1748 Montesquieu: "OEspírito das Leis".
· 1750 Rousseau: "Discurso sobre as Ciências e as Artes".
Palissot: "Os Filósofos".
· 1754 Martinez de Pasqually funda em Montpellier os "Juizes
Escoceses". Viagens na França. Formação e Iniciados.
· 1758 Helvetius: "Do Espírito".
· 1760 Revês em Touluse. Em Foix, Pasqually inicia Grainville
e funda um Templo.
· 1761 M. de Pasqually em Borde-aux afilia-se à Loja "La
Fran-çaise" que ele procura reno-var. Rousseau: Do Contrato
Social".
3
· 1762 Rousseau: "L' Emile".
· 1764 "La Française" se associa a um Capítulo
Cohen "La Française Elu Ecossaise". Voltaire: Dicionário
Filosófico.
· 1765 Carta Patente de Oficial do Regimento de Foix.
· 1766 Suspensão do Capítulo Co-hen. M. de Pasqually
em Paris. Instrui Bacon de la Chevalerie, Lusignan Gra-inville, du
Guers, Willermoz. Iniciação de Willer-moz.
· 1767 21 de Março, Equinócio da Primavera. Constituição
de um Capítulo Cohen e do Tri-bunal Soberano, Bacon de la
Chevalerie, substituto Uni-versal. Abril; M. de Pas-qually em Bordeaux,
após Amboise Blois, Tours, Poi-tiers. Casamento
de Pas-qually. Ocupações de Guers.
· 1768 Agosto, Setembro. Saint-Martin é iniciado Elu Co-hen
por Grainville e Bal-zac. Saint-Martin reencontra Martinez. 13
de Março, Willermoz é ordenado Rose-Croix. Ele encontra Saint-Martin
pela primeira vez. 20 de Junho, nascimento do
filho de Pasqually. Negócios em Guers. Boulanger: l' Antiquité
dé-voilée. Negócios em Guers.
· 1770 D'Holbach: "Sistema da Natureza".
· 1771 Saint-Martin abandona as armas para melhor seguir a espiritualidade.
Saint-Martin, secretário de Pasqually em
Bordeaux. "Tratado da Reintegração dos Seres Criados".
· 1772 Primavera: Saint-Martin obtém "Passes" no
transcurso da Operação do Equinócio. 17 de Abril: é
ordenado Rose-
Croix. Equinócio da Primavera: Willermoz fracassa nova-mente. Sucesso
de Saint-Martin e Deserre. 17 de Abril:
ordenação Rose-Croix de Saint-Martin e Deserre. 5 de Maio:
Pasqually embarca para São Domingos. Termina a
publicação da Enciclopédia.
· 1773 Setembro: Saint-Martin em Lyon, junto com Willermoz.
· 1774 Outubro: viagem a Itália com o médico Jacques
Willermoz.
· 20 de Setembro: morte de Pasqually em São Domingos. Caignet,
Grande So-berano. Morte de Louis XV. Posse de Louis
XVI.
· 1775 "Dos Erros e da Verdade". Abril: Saint Martin em
Paris.
· 1776 9 de junho: Saint-Martin encontrase com o abade Fournié
em Bordeaux. 12 de julho: Saint-Martin par-te para
Toulouse. Voltaire: A Bíblia Explicada. 4 de Agosto: nascimento de
Ballanche.
· 1777 Início: Saint-Martin em Paris.
· 1778 25 de Novembro, Conven-to de Gaules em Lyon. J. de Maistre,
Gran Professo por Willermoz. 30 de Maio: morte de
Voltaire. 3 de Julho: morte de Rousseau. Guerra na América.
· 1779 19 de Dezembro: morte de Gainet de Lesterre. S. de Las Casas,
Gran Soberano.
· 1780 Novembro: Las Casas aconselha a dissolução dos
Cohen e a guarda dos arquivos aos Filaletes.
· 1782 "Quadro Natural das Rela-ções que existem
entre Deus, o Homem e o Uni-verso". 16 de julho: Convento de
Wilhemsbad. Rosseaux: "Confissões".
· 1783 Mémoire à l'Académie de Berlim.
· 1784 Janeiro: Saint-Martin presta juramento à Sociedade
de Mesmer. Recusa-se a participar no Convento dos Filaletes.
20 de Outubro: Cagliostro em Lyon.
· 1785 30 de junho. Partida para Lyon com sua Bíblia He-braica.
24 de Agosto: embastilha-mento de Cagliostro (pro-cesso
de Collier). Primave-ra: Manifestação do "Agente Inconnu"
em Lyon.
· 1786 12 de Janeiro: retorno a Paris com Zimovief.
· 1787 10 de Janeiro: Chegada a Londres com Galitgin. Reencontro
de Law e de Divone. Setembro: partindo para a Itália
com Galitgin, se detém em Lyon.
· 1788 Fevereiro: retorno da Itá-lia, permanece em Lyon. Abril:
em Paris (Amboise, Montbéliard). 6 de Junho: Strasbourg.
Reencontros: Turkheim, Madame de Boeklin e Salzmann lhe revelam Boheme.
Swedenborg: Resumo em Francês de
suas obras.
· 1789 5 de Maio: Estados Gerais em Versalhes.
· 1790 "O Homem de Desejo". 4 de Julho: manda riscar seu
nome dos registros maçônicos desde 1785. Goethe: Fausto -
1ª parte.
· 1791 Julho: deixa Strasbourg por Amboise. Em Paris re-encontra
a duquesa de Bourbon. Volney: Les Ruines. 20/22. Fuga
do Rei Varennes. 1º de Outubro: Legislativo.
· 1792 "Ecce Homo". "O Novo Homem", escrito em
Stras-bourg, 28 de maio: 1ª carta de Liebisdorf a Saint-Martin.
· 1793 Janeiro: morte do pai de Saint-Martin. Abril: chamado à
presença das autoridades revolucionárias de Amboise.
Agosto-Outubro: curta estada junto à duquesa de Bourbon em Petit-
Bourg. Outubro: Amboise. Lê Böehme e Law.
Gleichen: "En-saios Teosóficos". 21 de Setem-bro: Proclamação
da República.
· 1794 Saint-Martin em Paris re-torna a Amboise. Fim do ano: é
chamado à Escola Normal. 20 de Julho: morte de André-
Marie Chenier. 21 de Janeiro: morte de Luis XVI. 2 de Junho: o Terror. 16
de Outubro: morte de Maria Antonieta.
· 1795 27 de Fevereiro: Controvérsia com Garat. Permanece
em Paris, corrige l'-Eclair e escreve as "Reve-lações
Naturais".
16 de Abril: um decreto, proíbe aos nobres de deixar Paris. 27 de
Ju-lho: queda de Robespierre. Fim do Terror.
4
· 1796 Memórias à Academia sobre os "Signes de
la Pen-sée". "Lettre à un ami", ou "Considérations
Philoso-phiques et
religieuses sur la Révolution Française". Maio, em Amboise.
27 de Outubro: O Diretório.
· 1797 Junho: curta estada em Petit- Bourg em Champlâ-treaux.
Julho/Setembro: Amboise. Eclair sur l'association humaine.
Réfletions d'un observateur sur la question proposée par l'Institut,
quelles sont les institutions les plus propes à fonder la
morale d'un peuple. En Sonbreuil en-contro com Gassicourt. Chateubriand:
"Ensaios sobre a Revolução".
· 1798 "O Crocodilo" ou "A Guerra do Bem e do Mal",
escrito sobre o reinado de Louis XV. Condenação do livro:
"Dos Erros
e da Verdade" pela Inquisição da Espanha.
· 1799 "De l'influence des Signes sur la pensée",
primeira-mente no "Crocodilo". Nascimento de Balzac. 9 de Novembro:
Bonaparte substitui os Diretores.
· 1800 "O Espírito das Coisas". Tradução
da "Aurora Na-cente" de Jacob Boehme.
· 1801 O Cemitério d'Amboise. Ballanche: "Du Sentiment".
Constituição do ano VIII. Bonaparte: 1º Cônsul.
· 1802 "O Ministério do Homem Espírito".
Tradução: "Dos Três Princípios da Essência
Divina", de Jacob Boehme.
Chateaubriand: Gênio do Cristianismo.
· 1803 Termina a tradução "Das 40 Questões
sobre a alma" e "Da Tríplice Via do Ho-mem" de Böehme.
Entre-vista com
Chateaubriand no "la Valle aux Loups" (Janeiro). 13 de Outubro:
em Aulnay na Casa de Le-noir- Laroche, morte de Saint-
Martin.
· 1804 18 de Maio: Bonaparte imperador
· 1806 No Grande Convento dos Ritos do Grande Oriente, Bacon de La
Chevalerie representa os Elus Cohens.
· 1807 "Obras Póstumas" - "40 Questões
sobre a Alma", "Da Tríplice Via do Homem".
· 1812 7 de Outubro: morte de Salzmann.
· 1821 Joseph de Maistre: Soirées de Saint-Petersbourg.
· 1824 Lyon, 29 de Maio: morte de Willermoz.
· 1843 "Os Números", Litografia de Chauvin.
· 1862 "Correspondências inéditas com o Barão
de Liebisdorf.
CAPÍTULO II - LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN E SEUS MESTRES
"Se eu não tivesse encontrado Deus, jamais meu espírito
teria podido fixar-se em algo sobre a terra". (Portrait nº 290,
pág.
37)
Se bem que o Martinismo possa definir-se como sendo a doutrina conforme
o espírito e não somente à letra de Saint-Martin,
a personalidade e a obra do Filósofo Desconhecido, permaneceu, entretanto,
como base desse ensinamento. Depois de tê-lo
situado na sua época e em seu país, vejamos que tipo de homem
foi Saint-Martin e como se modelou o seu espírito. Ele
deixou-nos sobre sua vida e sobre suas afeições, páginas
deliciosas e profundas. Melhor que quaisquer comentários, elas
saberão delinear seu rosto bondoso num sorriso enigmático.
O conhecimento "por simpatia" do Teósofo, permitirá,
talvez,
perceber melhor sua profunda elasticidade que é, exatamente, a mesma
do Martinismo. Nas primeiras páginas de seu
Portrait, entre esses esboços tão delicadamente puros de estilo
e de pensamento, o próprio Saint-Martin nos diz que tinha
"pouco de astral", e acrescenta: "A Divindade me recusou
um máximo de astral porque queria ser meu móvel, meu elemento
e meu termo universal"(8). Sua alma sensível e meditativa, seu
próprio corpo do qual recebeu somente um "projeto", (9)
predispunha Saint-Martin a seguir o caminho interior. Ele próprio
nô-lo afirma: "Na minha infância não consegui persuadir-me
de que os homens conhecedores das doçuras da razão e do espírito,
pudessem ocupar-se, por um momento, das coisas da
matéria". (10) Acima de tudo Saint-Martin buscava Deus. Teria
em si, incessantemente, esta sede do Bem, do Belo, do
Verdadeiro que só Deus pode saciar. "Todos os homens podem ser-me
úteis, escreveria um dia, mas nenhum deles poderia
jamais, satisfazer-me: Deus me basta". (11) A estes pendores naturais,
juntaram-se, para os acentuar, a primeira educação e
as primeiras leituras. Uma madrasta, inteligente e piedosa, substitui junto
a Louis Claude, a mãe desaparecida muito cedo.
Seu filho adotivo, que ela concebeu segundo o espírito, dela falou,
nestes termos gratos e ternos: "Eu tenho uma madrasta a
quem devo, talvez, toda a minha felicidade, pois foi ela quem me deu os
primeiros elementos de uma educação doce, atenta
e piedosa que me fez amar Deus e os homens".(12) A influência
desta mulher sobre Saint-Martin, foi considerável. A religião
íntima que lhe ensinou, permaneceu sempre gravada no coração
do Filósofo Desconhecido. O exemplo e as palavras da
primeira mulher que influenciou a vida de Saint-Martin, juntou-se à
escolha das leituras. Foi graças a ela, sem dúvida, que
Saint-Martin pode ler Abbadie. As obras de Jacques Abbadie, "ministro"
protestante de Genebra, iluminaram as longas horas
do Colégio de Pontlevoi. Elas se endereçavam ao homem, não
somente ao intelecto - correspondia assim às aspirações
do
jovem Louis Claude. A arte de conhecer-se a si mesmo, reforçou em
Saint- Martin, o gosto pelo estudo de si próprio, não da
análise, decepcionante e estéril, mas da reflexão fecunda
da marcha do caminho do Coração. Pela feliz inclinação
que
ajudou a despertar em sua alma, Abbadie bem merece ser chamado o "iniciador"
de Saint-Martin. (13) Também Pascal
exerceu uma influência precoce sobre o Filosofo Desconhecido e, veremos
que ele acentuou sua concordância moral e
metafísica. Deste modo, se constitui e frutifica em Saint-Martin,
o tesouro da verdade que permanecerá sempre com ele e
5
cujo valor, jamais deixará de conhecer. "Quando tinha 18 anos,
disse-me, no meio das confissões filosóficas que os livros
me
ofereciam: existe um Deus, eu tenho uma alma, não é necessário
mais nada para ser sábio e, foi sobre essa base que se
ergueu todo o meu edifício". (14) Dir-se-á que o vigário
Saboiano não falará de outro modo. Entretanto, nada seria
mais falso
que ver nesta frase a profissão de fé de um deísta.
"Dou mais valor a um idólatra do que a um deísta, diz
ainda Saint-Martin,
porque este abjura e proscreve toda comunicação entre Deus
e o homem, enquanto o outro, apenas se engana sobre o
órgão e a maneira da comunicação". (15)
Nessa época, conformando-se com a vontade paterna que o destinou
à
magistratura, estudou direito. Foi assim que tomou contato com o meio filosófico
e literário da época. Este contato não se fez
sem lhe deixar alguns traços. Leu os autores da moda que, segundo
Matter (16) foram: Voltaire, Rousseau, Montesquieu,
todos escritores pouco místicos. Entretanto, Saint-Martin tinha a
capacidade de pensar por si mesmo. Sobretudo a
Providência velava sobre ele, por meio da Proteção ele
reivindicava freqüentemente, cuja Presença e cuja Virtude celebrava.
Saint-Martin conheceu o Erro, mas sem aderir a ele. Não cedeu à
sedução da "Encyclopédie" nem ao encanto
irônico do
"Dictionnaire Philosophique". Podia, sem remorso, lembrar-se dos
tempos de sua juventude. Transpõe a corrupção sem
sofrer seus golpes mortais. "Li, vi e escutei os filósofos da
matéria e os doutores que devastam o mundo com suas
instruções; nenhuma gota de seus venenos penetrou-me; nem
mesmo as mordidas de uma só destas serpentes me
prejudicaram". (17) Certamente, Saint-Martin não compartilhava
as idéias de Helvetius e de Condillac; permanecera sempre
adversário irreconciliável deles. Assim, ele apreendeu a conhecer
seus inimigos, os "Filósofos". Sua familiaridade, mesmo
enquanto não foi mais que um livresco, transparecia em seu propósito.
O julgamento que fizeram deles traiu, talvez, uma
certa indulgência e, encerrou, em todo caso, uma justa compreensão
de sua doutrina. "Se fosse possível dar-mos conta dos
primeiros passos que esta filosofia tinha feito..., talvez fosse preciso
agradecer à inteligência humana por ter adquirido as
altas verdades das trevas onde os instituidores as haviam reunido".
(18) Saint-Martin, não condena, de modo algum, à razão;
ao contrário, ele a exalta e o veremos atribuir-lhe a tarefa de conquistar
a verdade. Mas ela deve admitir os seus limites e
reconhecer aquilo que a ultrapassa. Essa preocupação de um
lugar certo para cada coisa, essa distinção de planos, são
constantes em Saint-Martin. Elas iluminarão sua vida e suas opiniões.
Veremos o Teósofo julgar Voltaire. Admitir-lhe o
talento, a virtude intelectual, como também as fraquezas. Talvez
seja mais difícil não se admirar Voltaire do que estimá-lo
ou
amá-lo, porque a sutileza do espírito não pode substituir
o sentido moral. E o cuidado desse senso moral, dominou em Saint-
Martin, uma vez que ele tocou, pelo filósofo, a própria essência
do homem capaz de discernir o bem e o mal. Saint-Martin
concluiu também de Voltaire: "Talvez um homem sensato fizesse
melhor em recusar totalmente seu espírito, se com isso,
fosse obrigado, ao mesmo tempo, a aceitar sua moral". (19) No que diz
respeito a Rousseau, Saint-Martin tinha com ele
muitos pontos em comum, conforme ele os assinala: "Á leitura
das Confissões de Jean-Jacques Rousseau, impressioneime
com a semelhança de meu pensamento com o dele, tanto pelas nossas
maneiras tomadas às mulheres como pelas nossas
tendências, ao mesmo tempo racionais e infantis, na facilidade com
a qual nos julgaram estúpidos no mundo, quando não
tínhamos uma liberdade plena em nosso desenvolvimento". (20)
Algumas divergências separam, portanto, os dois autores,
acentuadas aliás, pelo próprio Saint-Martin. (21). É
bem certo que jamais concordou com Rousseau quanto à inocência
do
homem ao nascer, pois tinha sobre o pecado (original), um sentimento profundo.
Quanto às idéias políticas do Contrato
Social, estas foram equilibradas no espírito do jovem jurista pelo
descobrimento de Montesquieu e, sobretudo, no de
Burlamaqui: Sábio Burlamaqui, exclamará o Teósofo errante
na sua obra Le Cimitère d'Amboise: Sábio Burlamaqui, não
estás longe destes lugares Que tu santificaste na aurora de minha
vida, Com fogo sagrado, saindo de tua profunda lida,
Perturbando todo meu corpo com santos estremecimentos, Da justiça
assentou-se-me todos os fundamentos...(22) Tais eram
as disposições de Saint-Martin quando se deu um encontro que
deveria marcar sua vocação: o encontro com Martinez de
Pasqually, seu "primeiro mestre". Ele não conheceu de imediato
Martinez, mas entrou, primeiramente, na sua irradiação. Esta
se manifestou num grupo de discípulos constituídos em corporação,
da qual, Martinez era o Grande Soberano: "A Ordem dos
Cavaleiros Maçons Elus Cohen do Universo". Depois de "sorrir
por muito tempo de tudo aquilo a que se referia a Ordem",
(23) Saint-Martin foi iniciado no rito Elu Cohen em 1768. Os "três
poderosos Mestres", Grainville e Balzac, também oficiais do
regimento de Foix, procederam à sua recepção no seio
da fraternidade. Durante algum tempo, ele foi um partidário zeloso,
(24) e no seguinte, em Bordeaux, Saint-Martin apresentou-se a Martinez de
Pasqually. O que poderíamos dizer desta
estranha personalidade do "Taumaturgo" do século XVIII?
Um "meteco", judeu espanhol, supõem-se que alterava o francês
nas suas cartas ou no seu Tratado; de caráter irritável e
inconstante, conservava, por seu encanto e suas promessas, os
descendentes de algumas das grandes famílias da França. O
que dizer deste cabalista cujas elucubrações teosóficas
encantavam um grupo de jovens mundanos e cultos? O que poderemos dizer,
enfim, deste profeta, cujo Verbo tem até o
poder de subjugar um negociante Lyonês? Saint-Martin também
foi envolvido pelo encanto emanante de Martinez. Sua
afeição, nascida durante o dia de seu encontro, jamais deveria
terminar. Suas relações com a "Ordem dos Cohen"
refletiam
uma evolução interior que o afastava das operações
teurgicas. Mas Saint-Martin, jamais abandonaria os princípios da
Reintegração dos Seres. No fim de sua vida, Saint-Martin prestou
homenagem à sua "primeira escola": "Martinez de
Pasqually possuía a chave ativa... mas não acreditava que
nos pudesse conduzir a essas altas verdades". (25) Quando
discute a respeito da Virgem com Liebisdorf, faz uma nova alusão
ao Mestre da sua juventude: "Quanto à Sofia e ao rei do
mundo, ele (Dom Martinez) nada nos revelou... Não queremos dizer
com isso que ele nada soubesse do assunto e, estou
convencido que, se dispuséssemos de mais tempo, poderíamos
ter falado sobre isso".(26) Convertido ao Martinesismo,
Saint-Martin integrou-se plenamente. Não somente a doutrina que permanecerá
a sua, ao menos em linhas gerais, mas
ainda, as realizações mágicas e teúrgicas, receberiam
a adesão total do filósofo. Périsse du luc, lembrar-se-á
deste período,
quando escreverá a Willermoz, após a leitura do Homem de Desejo:
"Vi belas coisas, as mais obscuras e místico - poéticas
6
(sic) que o autor, em outros tempos, detestava enormemente".(27) Entretanto,
assim como Voltaire ou Diderot, não tinham
tornado Saint- Martin incrédulo, a experimentação de
Martinez não o fez perder de vista o verdadeiro caminho, que é
o
interior. Enquanto seu companheiro, o abade Fournié, oscilava entre
Swedenborg e Madame Guyon, Saint-Martin soube
manter-se no caminho do meio. De vez que os nomes Swedenborg e Madame Guyon
acabam de nos aparecer, como os
símbolos de dois excessos, releiamos a apreciação que
Saint-Martin nos faz deles: "Nunca vi Madame Guyon", declara ele
em 1792 e após ter estudado suas obras: "Apreciei esta leitura,
como a fraca inspiração feminina em relação
à masculina".
(28) Quanto a Swedenborg, convém afastar para o domínio das
lendas a pretensa formação que ele teria dado a Saint-
Martin. O papel do místico sueco foi de pouca monta na carreira do
Filósofo Desconhecido. Quando era teurgo - "a
verdadeira meta dos teurgistas é menos a ciência da alma do
que a dos espíritos".(29) É preciso não esquecer
que o livro
dos Erros e da Verdade não era, originalmente, destinado ao grande
público, mas, somente à seita dos Martinistas. - V.
Rijnberk, I pág. 163 (em 1775 não se trata do Martinismo de
Saint-Martin). A obra, aliás, foi projetada, amadurecida, discutida
e escrita em Lyon junto a Willermoz. (A. Joly: Un mystique Iyonnais, pág.
58) e, enfim, que expôs, conferida pela brilhante
inteligência de Saint-Martin, a doutrina de Martinez. Portanto, pouca
coisa tem para mudar, e estas mudanças, referem-se a
meros detalhes por ter a expressão perfeita do pensamento de Saint-Martin.
Saint-Martin censurava Swedenborg de ter
"mais do que se chama a ciência das almas do que a dos espíritos".
A frase é cruel para o conquistador dos mundos
angélicos, o confidente dos bons e dos maus gênios. Ela demonstra
que ao menos, Saint-Martin não se deixava impressionar
por toda a eloquência, toda a imaginação e todo o esplendor
Swedenborgiano: ele teria antes, subscrito o julgamento de V.E.
Michelet: "Swedenborg não era um filósofo, mas um engenheiro
de grande mérito".(30) Mesmo nesta ciência da alma, que
iria, mais tarde, revestir-se de grande importância, Saint-Martin
apreciava pouco Swedenborg. "Sobre este aspecto, escreveu
ele, ainda que não seja digno de ser comparado a J. Boehme pelos
verdadeiros conhecimentos, é possível que convenha a
um grande número de pessoas". (31) Isso não é
muito lisonjeiro. O Teósofo de Amboise percorreu, portanto, durante
algum
tempo, o caminho exterior e fecundo.(32) Ele o seguia com êxito e,
em poucos anos, colheu os elogios, pelos quais
Willermoz esperou onze anos. Entretanto, Saint-Martin sentia renascer em
si os impulsos da infância, o desejo de expansão
mística. O cerimonial Cohen lhe pareceu inútil, seus resultados
falazes: "Mestre, disse ele um dia a Martinez, por que são
necessários tantas coisas para orar a Deus?". Esta tendência
tornou-se cada vez mais forte e o entusiasmo. Foi então que
aconteceu a revelação que transformou a sua vida: Saint-Martin
descobriu Jacob Böehme. Ele mesmo nos relatou sua
viagem a Strasbourg e as relações que travou com Rodolphe
de Salzmann. Este lhe confiará mais tarde, "a chave de
Böehme" (33) que ele possuía. Mas foi por intermédio
de Madame Charlotte de Boecklin que conheceu a obra do iluminado
sapateiro alemão, enquanto recebia dela o apoio de uma alma compreensiva.
"Eu tenho no mundo, escreverá em seguida
quando se separar, eu tenho no mundo uma amiga como ninguém possui,
só com ela minha alma podia expandir-se à
vontade e conversar sobre os grandes assuntos que me ocupavam, porque só
ela consegue adaptar-se à medida dos meus
desejos, e ser-me extremamente útil". (34) Podemos perceber
a ajuda preciosa que proporcionou a Saint-Martin, o amor
"puro como o de Deus" de seu caríssimo Böehme. Quanto
a Jacob Böehme, é impossível descrever em frase melhor
do que
esta, a descoberta que ele representa para o Teósofo francês:
"Não são minhas obras que me fazem lamentar sobre a
negligência daqueles que lêem sem compreender, são aquelas
de um homem do qual não sou digno de desatar o cordão do
sapato, meu caríssimo Böehme. É preciso que o homem tenha
se transformado inteiramente em pedra ou demônio para não
tirar proveito deste tesouro enviado ao mundo há 180 anos".
(35) Estas entusiásticas expressões são encontradas
nas obras
de Saint-Martin. Cada página da correspondência com Kirchberger
é um grito de reconhecimento e de louvor à glória de
Jacob Böehme. Não hesitemos neste capítulo onde deixamos
falar Saint-Martin, em rever seu itinerário filosófico, como
ele
mesmo resumiu: "É devido à obra de Abbadie intitulada
l'Art de se connaitre que devo meu afastamento das coisas
mundanas... é a Burlamaqui que devo minha inclinação
pelas bases naturais da razão e da justiça dos homens. É
a Martinez
de Pasqually que devo meu ingresso nas verdades superiores. É a Jacob
Böehme que devo os passos mais importantes que
dei nos caminhos da verdade". (36) Daí em diante, Saint-Martin
encontrou o caminho interior. Entrada pela senda que
entrevia, mas da qual, apenas galgara o limiar. Agora, se dirigia para a
Unidade por meio do Caminho do Espírito e do
Coração. Descobriu o verdadeiro sentido das tradições
Cohen. Conciliando, ao mesmo tempo seus dons congênitos, os
ensinamentos de Martinez e Böehme, tão próximos de seu
pensamento, Saint-Martin constitui o Martinismo. E essa doutrina
filosófica e mística, ele a viveu, não recolhido sobre
si mesmo, mas no meio mundano. "Seduziu a alta sociedade parisiense,
escreveu um historiador moderno, através da doçura de seus
costumes, a austeridade de sua vida e a gravidade de suas
palavras". (37) Permaneceu no mundo e prosseguiu sua grande aventura
espiritual. "O espírito mundano o aborrece, mas ele
ama o mundo e a sociedade". (38) Segundo as maravilhosas palavras de
São Paulo "Ele está no mundo, como se não
estivesse".(39) A divisa que um inspirado ancião lhe atribui,
dirige sua conduta: "Terrena reliquit".(40) Pela sabedoria que
ensina e vive pela própria existência, Saint-Martin tende à
Suprema Unidade e só visa a Reintegração Universal.
A máscara
de sua doçura, de sua graça tímida e de sua benevolência,
não consegue dissimular o Mestre. "O mais elegante dos
teósofos modernos", também é o Filósofo
Desconhecido. (41) Em 1795, um correspondente do professor Körter,
que se
fizera amigo de Saint-Martin, o descreve assim: "Ele possui uma iluminação
e um conhecimento, de tal maneira superior, que
não teriam causado admiração, se não houvessem
sido plantados num coração cheio de humildade e amor".
(42) Não está
aí realizado em seu venerado Mestre, o Filósofo Desconhecido,
todo o ideal do Martinismo?
7
CAPÍTULO III - EXISTÊNCIA HISTÓRICA DA ORDEM MARTINISTA
"As Iniciações individuais de Saint-Martin, são,
verdadeiramente, uma realidade".
1. Van Rijnberk: Martinez de Pasqually, t. II, pág. 33.
"A existência de uma "Ordem Martinista" fundada por
Saint-Martin, é negada por todos os autores sérios".
(43) Tal é a
conclusão das pesquisas filosóficas efetuadas pelo Sr. Van
Rijnberk. Não podemos taxar este autor de parcialidade, pois ele
mesmo se declara "inclinado a admitir" o fato controverso. Mas,
é preciso reconhecer a ausência de todo estudo aprofundado
da questão, devido talvez, à falta de suficiente documentação.
O Sr. Van Rijnberk, preencheu esta lacuna e encerrou a
discussão. Com efeito, num segundo estudo, o Sr. Van Rijnberk, resume-se
assim: "As iniciações individuais de Saint-Martin,
consideradas por muitos como simples lendas, são uma realidade patente".(44)
Enviaremos, para todas as discussões de
documentos, as criticas de testemunhos, etc., os relatórios do Sr.
Van Rijnberk, conduzido segundo o mais sadio método
histórico. Indicaremos textos aos quais ele se refere para provar
a existência de uma ordem Martinista, de uma ordem de
Saint-Martin. 1º) Entre os documentos que poderíamos qualificar
de exteriores, encontramos: 1 - Um texto das Memórias do
Conde de Gleichen, o qual relata que Saint-Martin tinha estabelecido uma
pequena escola em Paris. (45) 2 - Um artigo de
Varnhagem von Ense, datado de 1821, onde se lê: "Ele (Saint-Martin)
decidiu ... fundar uma sociedade (comunhão), cuja
meta seria a espiritualidade mais pura, e pela qual começou a elaborar
à sua maneira, as doutrinas de seu mestre Martinez".
(46) 3 - Uma carta, cujo autor é desconhecido e que foi endereçada
em 20 de dezembro de 1794 ao professor Köster. Nela
se fala de "Saint-Martin e dos membros de seu círculo íntimo".
(47) Trata-se, em termos apropriados, de uma "Sociedade de
Saint-Martin" e de uma filial Strasburgiana desta mesma sociedade.
Anexemos a estes documentos, muitas vezes inexatos
nos detalhes, mas, unânimes em afirmar a existência de uma sociedade
de Saint-Martin, a sucinta nota necrológica do
Journal des Débats. Está assim redigida: "Paris 13 Brumário...
o Sr. de Saint-Martin, fundador na Alemanha de uma seita
religiosa conhecida com o nome de Martinista, acaba de falecer em Aulnay
próximo a Paris, na casa do senador Lenoir
Laroche. Ele adquirira alguma notoriedade por suas exóticas opiniões,
sua dedicação aos devaneios dos iluminados e seu
livro ininteligível "Dos Erros e da Verdade". (48) Notar-se-á
que se menciona uma seita religiosa e não maçônica.
A
Sociedade a qual o redator do Journal des Débats atribui a formação
do Filósofo Desconhecido, não tem, pois, nada em
comum com o pretenso rito maçônico de Saint-Martin. (49) Nenhum
dos documentos indicados acima, sugere, aliás, esta
identificação. Citemos, enfim, a curiosa estória do
Cavaleiro d'Arson. Acha-se narrada na sua obra "Appel à l'humanité".
Preciosa para entender o espírito da Ordem Martinista, fornece, também,
um documento histórico sobre a Sociedade de
Saint-Martin em 1818. Vê-se, com efeito, nesta obra, que naquela época,
os discípulos do Teósofo liam suas obras,
aconselhando à sua leitura e agiam em torno delas como verdadeiros
Superiores Desconhecidos. (50) 2º) Mas o Sr. Von
Rijnberk, recebeu outras informações do Sr. Augustin Chaboseau,
até a época inéditas, sendo publicadas no tomo II de
Martinez de Pasqually. Elas comprovam a existência de uma iniciação
transmitida por Saint-Martin, diferente da iniciação
Cohen. A seguir, reproduzimos o quadro da filiação Martinista
de Saint-Martin, até nossos dias: Deste quadro resulta que a
iniciação dos Martinistas atuais, iniciados pelo Sr. Augustin
Chaboseau, é, incontestável, e aliás, incontestada.
A dos
Martinistas de Papus, à medida que se unam à única
subdivisão de Chaptal-Delaage, e, na medida em que o próprio
Papus
se liga a esta única subdivisão, está obscurecida por
uma dúvida. Chaptal, com efeito, morreu em 1832 e não pôde
iniciar
Delaage, que nascido em 1825, tinha, então, sete anos. O próprio
Papus diz "que um dos alunos diretos (de Saint-Martin), o
Sr. de Chaptal, foi avô de Delaage" (51), mas não indica
com precisão que ele deveria tomar a posição paterna.
(52) De fato,
a regularidade Martinista de Papus é certa, porque ele não
possuía somente a hipotética filiação de Delaage.
Augustin
Chaboseau, assinalou num artigo inédito este ponto na história
do Martinismo contemporâneo. Ele relata que Gérard
Encausse e ele, trocaram suas iniciações, conferindo-se, reciprocamente,
o que cada um deles havia recebido.(53) Pode-se,
pois, dizer que se Papus era validamente detentor da iniciação
da Saint-Martin, ele o devia a Augustin Chaboseau. Certas
tradições e outros fatos, ligam Saint-Martin e a Ordem Martinista
à Companhia dos Filósofos Desconhecidos.(54) Saint-
Martin, estaria unido pelo canal de uma iniciação cerimonial
a Salzmann, a Boehme, a Sethon e a Khunrath. O que se poderá
pensar desta genealogia? Não é nossa tarefa fazer-lhe a crítica;
é trabalho para um historiador. De resto, a questão pouco
nos importa. Se Saint-Martin criticou todas as peças da iniciação
Martinistas, ninguém poderá discutir sobre seu direito e seu
poder. Se a iniciação de Saint-Martin leva em si o influxo
de Martinez ou do Cosmopolita, isto é totalmente supérfluo.
Porque
a originalidade de Saint-Martin é tal, e tal é a força
de sua personalidade que ocultariam e removeriam as relações
anteriores.
Saint-Martin pôde ser visto de uma iniciação já
praticada com os seus discípulos, como denominamos aqueles Superiores
Desconhecidos, sem lhes dar nenhuma prerrogativa administrativa e honorífica,
primitivamente ligadas a este título. Mas a
concepção que Saint-Martin tinha da iniciação
e do Superior Desconhecido, eis o que o Teósofo transmitiu e o que
é
essencial. Qualquer que seja o veículo, a iniciação
Martinista está totalmente penetrada pelo espírito de Saint-Martin.
É
necessário e suficiente que ela se refira, efetivamente a ele. Tais
são os fatos mais seguros no que diz respeito à questão
tão
longamente debatida da Ordem Martinista. Resta depois da prova de sua existência,
pesquisar sua natureza, sua
organização, seu espírito, em uma palavra, as ligações
do Martinismo, como nós o definimos, e da Ordem Martinista, que
pretende ser sua continuadora.
8
CAPÍTULO IV - O ESPÍRITO DA ORDEM MARTINISTA
"Saint-Martin induzido a formar uma espécie de agrupamento,
essencialmente espiritualista, desligado das cerimônias
ritualísticas e das operações mágicas".
J. Bricaud: Notice historique sur le Martinisme. Nova Edição,
1934, pág. 7.
Saint-Martin foi Franco-Maçom, foi Elu-Cohen e aderiu ao Mesmerismo;
prestou-se, de boa mente, aos ritos e aos usos
destas sociedades; conduziu-se como membro irrepreensível de fraternidades
iniciáticas. Mas este comportamento
representa uma época de sua vida. Vimos como o temperamento de Saint-Martin
e toda a sua formação o afastavam do
caminho exterior. Podemos entender, tanto as operações teúrgicas
ou mágicas visando resultados sensíveis, como as
associações maçônicas ou ocultistas, nos seios
das quais elas são praticadas. Quando Saint-Martin solicitou a sua
exclusão
dos registros da Franco-Maçonaria, onde, somente figurava nominalmente,
exprimiu seu desejo e sua convicção de
conservar seus graus Cohen. Mas a idéia que até então
fazia dos Elus-Cohen, parece bem próxima de sua concepção
pessoal da Ordem iniciática. O verdadeiro elo entre os irmãos,
é um elo moral e espiritual. Também vimos Saint-Martin
repudiar a sociedade, desculpar-se de haver fundado uma: "Minha seita
é a Providência; meus prosélitos, sou eu, meu oculto
é a Justiça".(55) Mas, o Teósofo, sabia também
que os seus profundos conhecimentos lhe impunham uma missão. Sabia
auxiliar os homens que o cercavam, proporcionar-lhes conselhos, tentar insuflar-lhes
o Espírito. Por possuir o "alimento
espiritual", os "aspirantes" se lhe aproximavam. Assim o
círculo íntimo de Saint-Martin se constituiu de discípulos
escolhidos
e de amigos fiéis. Somente o valor intelectual e o zelo pela busca
da Verdade, permitiam ingressar nessa sociedade. Nem a
idade, nem a posição social eram levadas em consideração,
as mulheres eram convidadas a participar. "A alma feminina não
sai da mesma fonte que aquela revestida de um corpo masculino? Não
tem ela a mesma tarefa a cumprir, o mesmo espírito a
combater, os mesmos frutos a esperar?" (56) Entretanto, recomendava
Saint-Martin, insisto na opinião de as mulheres
devem ser em pequeno número e, acima de tudo, escrupulosamente examinadas".
(57) Talvez seja necessário procurar aí, a
razão deste aforismo de Portrait: "A mulher me parece ser melhor
que o homem, mas, o homem me parece mais verdadeiro
do que a mulher". (58) Finalmente, colhemos no que diz respeito às
mulheres, uma delicada e graciosa observação de Saint-
Martin. Ela ajudará também, a reconstituir a atmosfera do
Martinismo, segundo a vontade de seu fundador. "As grandes
verdades só se ensinam bem no silêncio, enquanto que toda a
necessidade das mulheres é que se fale, e que elas falem;
então tudo se desorganiza como já o provei várias vezes".
(59) A personalidade do Filósofo Desconhecido, tal como se
manifesta nas suas obras e em seus atos, impede atribuir à sua sociedade
um aspecto rígido, solidamente organizado e
hierarquizado. Ninguém crê mais na autenticidade do rito maçônico,
dito de Saint-Martin. E a única ação importante do
Teósofo, no seio da Maçonaria, foi tentar quebrar a armadura
das Lojas regulares, dispersar seus membros e arrastá-los, na
sua corrida para o Absoluto, para fora, dos quadros e dos agrupamentos.
Admitamos, pois, que os discípulos de Saint-Martin,
formavam antes uma espécie de "clube", do que uma verdadeira
sociedade iniciática. Admitamos que o elo que ligava esses
discípulos ao Mestre e entre si, eram de natureza espiritual. Resta
saber o que se fazia nessa escola e como se trabalhava
nela; o que transmitia o Mestre e como se era admitido na cadeia. Estas
duas últimas frases nos parecem resumir a
finalidade e o princípio da sociedade de Saint- Martin, nela instruía,
mas também conferia uma iniciação, no sentido exato
do
termo. Sobre a maneira de Saint-Martin instruir, possuímos um testemunho
de primeira mão, são as explicações dadas por
Saint-Martin a um discípulo que o interpela. São as inestimáveis
cartas a Kirchberger, barão de Liebisdorf. A primeira carta de
Kirchberger, solicitava alguns esclarecimentos sobre o autor e o fundamento
"Dos Erros e da Verdade". O Filósofo de
Amboise lhe respondeu cortesmente, e assim nasceu uma troca de idéias
que durou quatro anos. Encontramos ao longo das
páginas, um apreciável número de concessões
doutrinárias. A que descobertas convida a belíssima parábola
do jardineiro! E
quais revelações, Saint-Martin não hesita comunicar!
O Filósofo Desconhecido, na sua primeira obra, esboçara
alegoricamente o estado do homem antes da queda. O homem original, nela
se lia, tirava todo o seu poder da posse de uma
lança maravilhosa, composta de quatro metais diferentes. Saint- Martin
não oculta até que ponto é importante descobrir a
verdadeira natureza dessa lança simbólica. E responde, assim,
a Kirchberger, que lhe reclama o segredo: "A lança composta
de quatro metais não é outra coisa do que o grande nome de
Deus, composto de quatro letras".(60) Pode-se exigir algo mais
claro? Compreendemos a fecundidade das relações do Mestre
e dos discípulos, quando uma tal vontade de ensinar, anima
aquele que sabe. A seqüência da revelação feita
a Kirchberger sobre a significação metafísica da lança,
mostrará ainda,
Saint-Martin orientando aqueles que o solicitam. Liebisdorf, com efeito,
tirou desse símbolo, conclusões demasiado
arbitrárias. Comparou, por exemplo, a liga dos quatro metais com
os quatro evangelistas. (61) Saint-Martin taxou tais
conclusões de "convencionais" e, escreveu a Kirchberger
"que os quatro evangelistas são, talvez, cinqüenta".(62)
Assim se
exerce o primeiro ministério do Filósofo Desconhecido entre
os membros de sua Ordem; repara e enriquece sua inteligência.
Ele lhes expõe sua verdadeira doutrina. Acrescentemos, também,
a essas demonstrações, as técnicas místicas,
as chaves
cabalísticas de meditação, de respirações
que Saint-Martin ensinava a seu grupo. O barão de Turkhein, acreditava
que várias
passagens dos "Erros e da Verdade", "eram tiradas literalmente"
das Parthes, obra clássica dos Cabalistas. (63) Não existe
uma parte da Cabala que pode ser intitulada "a yoga do Ocidente"?
Tais eram alguns ensinamentos transmitidos por Saint-
Martin aos membros de sua Sociedade. O que dissemos da concepção
Martinista da "Ordem iniciática", deixa bem entendido
a possibilidade de ser Martinista, sem estar materialmente, socialmente,
ligado a Saint-Martin. Certamente é fácil se mostrar
Martinista, como esses homens superficiais que Mercier descreve no seu "Tableau
de Paris" e que fazem do Filósofo
9
Desconhecido, uma moda. Não há nenhuma necessidade de ligar-se
à "Ordem Martinista". Pode-se ter aderido à doutrina
instaurada pelo Teósofo de Amboise, colocá-la em prática,
esforçar-se em seguir o caminho que ele indica, sem ter recebido
a iniciação por meio de outro iniciado. Ou por outra, extrapolemos
a noção da Ordem Martinista. A religião cristã
julga salvos
todos que se incorporam a ela pelo "batismo do desejo". Será
preciso ver o Martinismo recusar a iniciação do Homem
Espírito a todo "Homem de Desejo"? Reconheçamos,
todavia, que a iniciação ritual é o meio mais comum
e o mais fácil de
ingressar na "Ordem Martinista". Ela proporciona a todo aquele
que a recebe, uma poderosa ajuda. Um auxílio místico, em
primeiro lugar, dos Irmãos passados ou presentes na comunhão
dos quais, nos permite entrar, mais facilmente. Ajuda moral
e também material dos membros contemporâneos. Auxílio
intelectual pelo socorro que solicita no estudo da doutrina, seja por
trabalhos em comum, seja pela voz dos adeptos mais adiantados, seja, principalmente,
pelas tradições dos quais esses
adeptos são o reflexo e que dormem no seio da Ordem, não esperando
senão um Príncipe, cujo amor virá despertá-los.
Mas,
a iniciação possui em si mesma um valor exato. Saint-Martin
instruía os membros de sua sociedade, dessa sociedade que a
história confirmou-nos a sobrevivência através dos séculos.
Mas, o Filósofo Desconhecido lhes dava também, um misterioso
viático, (64) uma chave mais estranha do que as clavículas:
a iniciação. Extraordinário encanto do influxo Divino
que emana
de suas mãos, que faz o sacerdote ou o adepto, que dá o poder
ou a facilidade das ciências. Virtude mágica ao limite
extremo do natural e do sobrenatural. Prodigioso e impalpável auxiliar
que se dá sem dividir-se, que se transmite de homem
a homem; guarda seu efeito próprio e infalível, mas não
desenvolve inteiramente seu poder, senão no espírito pronto
a
conservá-lo. Singular fascinação dessa corrente sutil,
desse fluído vital que anima o membro do corpo místico. Saint-Martin
soube discernir o papel da iniciação e entendeu que seu mecanismo
não ultrapassava "as leis da natureza corporal". "Vós
tendes razão, escrevia a Willermoz, de crer que a nossa sorte depende
de nossas disposições pessoais, tendes ainda razão
de crer que o grau... dá ao iniciado um caráter, nada é
mais verdadeiro que a perfeita harmonia dessas duas coisas e não
deve ter um efeito real que, sem dúvida, aumenta com o tempo, pelas
instruções e pelos cuidados que cada um pode
acrescentar-lhe".(65) Louis Claude de Saint-Martin transmitiu a seus
discípulos o depósito da iniciação, a fim de
que germine
naquele que é digno de recebê-lo e que purifique aquele que
ainda não o é. "Se o poder da iniciação
não opera
sensivelmente pela visão, opera, não obstante, infalivelmente,
como preservativo e prepara a forma daquele que se mantém
puro, para receber instruções salutares quando o espírito
o julga conveniente". (66) Assim, sem aventais e sem fitas, sem
vaidade e sem orgulho, a iniciação que Saint-Martin confere
à sua Ordem, será a primeira etapa da única iniciação,
da
iniciação última, "a santa aliança que
só se pode contrair após uma perfeita purificação".
(67)
CAPÍTULO V - A DOUTRINA MARTINISTA - MÉTODO E DIALÉTICA
"Os princípios naturais são os únicos que se devem,
primeiramente, apresentar à inteligência humana e, as tradições
que se
seguem, por mais sublimes e profundas que sejam, jamais devem ser empregadas,
senão como confirmações, porque a
existência humana surgiu antes dos livros".
Portrait n.º 319 (Obras Póstumas vol. I, pág. 40, 41).
O Martinismo é uma maneira de viver, mas seus princípios de
ação estão subordinados a uma determinada maneira de
pensar. A soberania da inteligência e do senso moral deve ser respeitada.
Nenhum vulgar oportunismo e nenhum utilitarismo
poderiam ser admitidos. As verdades essenciais e exatas que os livros só
podem confirmar, regem nossa existência e nossa
atividade total. Qualquer que seja o plano sobre o qual o homem aja, sua
conduta decorre de suas certezas profundas,
intelectuais, digamos a palavra: filosóficas. É porque sabe
de onde vem e para onde vai que o homem poderá orientar sua
ação política e dar-lhe um sentido. A resposta ao problema
capital do destino humano, contém a solução de todas
as
questões que se apresentam ao homem. Antes de possuir a lógica
desta dedução, antes de expor as conseqüências
morais
ou políticas da doutrina Martinista, perguntemos, inicialmente, qual
é seu fundamento. Quais são, no espírito de Saint-Martin,
as verdades primeiras e como as adquiriremos? "É um espetáculo
bem aflitivo, quando se quer contemplar o homem e vê-lo,
ao mesmo tempo, atormentado pelo desejo de conhecer, não percebendo
as razões de nada e, entretanto, tendo a audácia
de querer dá-las a tudo".(68) Essas primeiras linhas da obra
inicial de Saint-Martin, fornecem o ponto de partida e o plano de
toda a doutrina Martinista. "O homem é a soma de todos os problemas.
Ele próprio é um problema, o enigma dos enigmas. A
questão que ele coloca, a que a sua própria natureza encerra,
nos obriga a solucioná-la. Uma teoria que não visasse, em
primeira instância, o bem do homem, seria totalmente inútil".
(69) E esse bem só pode resultar da resposta à interrogação
humana. A existência dessa interrogação será
a primeira certeza. Com efeito, uma constatação se impõe:
o estado do
homem. Ora, este estado se caracteriza pela angustia, o sentimento de limitação
e de imperfeição. O fato de que o homem
possa ignorar e assombrar-se por isso, é um mistério inicial
que ocasiona, logicamente, a conclusões sobre a origem e o
destino do homem. Mas é somente pelo estudo do homem, pelo aprofundamento
do problema, pela reflexão sobre os termos
do problema que encontraremos a solução do mesmo. Tal é
o método de Saint-Martin. Precisamos explicar "não o
homem
pelas coisas, mas as coisas pelo homem". (70) "Aquele que possuir
o conhecimento de si mesmo terá acesso à ciência do
mundo, dos outros seres. Mas o conhecimento de si, é somente em si
que convém buscar. É no espírito do homem que
devemos encontrar as leis que dirigiram a sua origem".(71) O homem
que é o enigma, é também a chave do enigma. Dir-seá
que temos aí uma tautologia? E que não se poderia provar o
valor do espírito ou a eminente natureza do homem por um
10
método que os pressupõe? Mas não se trata de utilizar
um método para demonstrar a superioridade da faculdade intelectual.
Não se trata mesmo de uma idéia diretriz apropriada para estabelecer
as bases dessa faculdade. Diante de sua situação que
é também, seu enigma, o homem é naturalmente levado
a examinar-se. Ele quer julgar os elementos do enigma. Seu reflexo
normal (se assim podemos afirmar) será olhar para si mesmo, pois
aí reside o problema. Também é uma infelicidade para
o
homem ter necessidade de provas estranhas à sua pessoa "para
conhecer-se e crer em sua própria natureza, porque ela traz
consigo, testemunhos bem mais evidentes que aqueles que podem concentrar
nas observações dos objetos sensíveis e
materiais". (72) É, somente após ter-se reconhecido por
aquilo que ele é, que o homem convencido de sua Divindade e de
sua situação central, decide tomar-se por medida das coisas,
ou, ao menos, por princípio de explicação. Afirmar
que da
verdadeira natureza do homem deve resultar "o conhecimento das leis
da natureza e dos outros seres" (73), não é um
postulado, é uma certeza; a conclusão de uma experiência.
Se o Martinismo nos faz encontrar a explicação do Universo
e a
visão de Deus, é porque ele tem sua fonte na "arte de
conhecer-se a si mesmo". Saint-Martin, mestre do Ocidente,
reencontra-se aqui com a luz da Ásia. O Buda, premido pela urgência
de nosso estado, condenou energicamente as
reflexões sem proveito. Elas nos desviam de nosso verdadeiro interesse.
Com efeito, que loucura seria procurar, em primeiro
lugar, saber se o princípio da vida se identifica com o corpo ou
é algo diferente! Seria como se um homem, tendo sido ferido
por uma flecha envenenada e, cujos amigos ou companheiros, chamassem um
médico para tratá-lo, dissesse: "não quero
que retirem esta flecha antes que eu saiba qual foi o homem que me feriu,
se foi nosso príncipe, cidadão ou escravo", ou,
"qual o seu nome e a família a que pertence", ou, "se
é grande, pequeno ou médio"... Certo é que esse
homem morreria
antes de estar ciente de tudo isso. (74) Nossa situação exige
uma resposta exata. Os outros problemas são acessórios. Mas,
Saint- Martin, não os baniu, por isso, do campo da pesquisa humana.
A investigação filosófica não foi proibida.
Ele considera
absurdo que nosso espírito, sendo havido de conhecimento, não
possa satisfazer tal sede. (75) Simplesmente estabelece
esta curiosidade intelectual. Quando o homem reconheceu o Caminho que o
leva à Verdade, pode entregar-se à meditação
sobre os mistérios de Deus e do Universo. Mas não se podem
combinar os jogos do espírito, ou mesmo os seus processos
abstratos com a prioridade sobre a direção de nossa vida.
Aliás não existe defazagem entre essas duas ordens de pesquisa,
mas apenas, prioridade e dialética entre uma e outra. É digno
de nota que, por conspiração universal, tudo esteja ligado,
e
que a solução do primeiro enigma conduza, também, à
dos outros. Primeiramente é necessário tratar o ferimento
e retirar a
flecha. Mas, corresponde à necessidade imperiosa de nos salvar, descobrirmos
a natureza do ferimento, a qualidade do
dardo e, por assim dizer, sua marca de fábrica. A questão
de sua origem e procedência é esclarecida de imediato, mas
a
cura terá que ser procurada e os remédios terão que
ser receitados em primeiro lugar. O Humanismo de Saint- Martin (76)
não é coisa a priori, mas, procede da experiência mais
exata e imediata que o homem possa realizar: a experiência própria
da consciência de seu estado. Persistamos um pouco sobre o caráter
a priori que acabamos de negar no Martinismo.
Convém não deixar alguma dúvida. É a natureza
íntima de Saint-Martin que aqui está em causa. Pode-se dizer
que sua
filosofia é, a priori, porque explica o inferior pelo superior, o
baixo pelo alto, os fatos por seu princípio. O materialismo seria,
então, a posteriori, porque explica a matéria pela matéria,
explica o que parece transcender à matéria, reduzindo o homem
à
própria matéria. Superando-a, encontraríamos aqui a
fórmula de W. James: "O empirismo é um hábito
de explicar as partes
pelo todo". Todo espiritualismo é, pois, a priori - e o Martinismo
mais do que qualquer outro sistema. O livro "Dos Erros e da
Verdade", procura mostrar a fraqueza e a insuficiência de uma
visão materialista do mundo. Essa oposição não
é, em
nenhuma parte, mais sensível do que na crítica do sensualismo
perseguida por Saint-Martin durante toda sua vida. (77)
Saint-Martin disse a um amigo que o qualificava de espiritualista: "Não
é o suficiente para mim ser espiritualista - e se ele me
conhecesse, longe de restringir-se a isso, ele chamar-me-ia deísta:
porque é o meu verdadeiro nome". (78) O Martinismo é
espiritualista e seu objetivo principal é, portanto, um "a priori
gigantesco", segundo a palavra de Henri Martin. (79) Mas que
essa explicação, a priori, seja dada, a priori: que seja apresentada
como um postulado, que se mostre inverificável e que se
possa julgá-la o fruto de uma imaginação, eis aí,
o contrário da essência da filosofia de Saint-Martin. Porque
essa filosofia
está baseada totalmente numa sentença e numa dialética
que iremos examinar. Por não ser apoiada na matéria ou no
sensível aos sentidos físicos, ela não é menos
exata. Diríamos quase ao contrário. Saint-Martin não
proclamou e não somos
instados a experimentar junto a ele, a acharmos em nós provas mais
convincentes, que não encontraríamos na Natureza
inteira? (80) Essas breves reflexões sobre o método Martinista
não tem a pretensão de determinar a sua essência. Esta,
depreende-se da própria exposição da doutrina de Saint-Martin.
Após fornecer algumas explicações da doutrina,
destacaremos algumas características principais da mesma. Entretanto,
convinha explicar, nitidamente, a base da reflexão
Martinista. "Saint-Martin deseja crer, escreveu Matter, (81) mas com
inteligência, apesar de ser um filósofo místico".
A
teosofia de Saint-Martin não é uma obra de imaginação,
uma teia de afirmativas inverificáveis, nem de devaneios místicos.
Para atingir os píncaros da metafísica e da espiritualidade,
o pensador de Amboise, não se estabelece no plano das
especulações abstratas, inacessível ao vulgar. Ele
nos alcança no nosso nível - no nível do homem. Daí,
nos reconduzirá até
Deus, do qual nos sentimos tão cruelmente afastados. O itinerário
desse percurso, eis o que precisamos, agora, determinar
com exatidão, Poderemos constatar assim, a coerência do sistema
Martinista. Em seguida, examinaremos, sucessivamente,
as diferentes partes, que sem este trabalho preliminar, correriam o risco
de parecer desprovidas de fundamento. Esbocemos,
pois, o esquema de uma dialética Martinista. O homem, inicialmente,
toma consciência de seu estado. Entendemos pelo que
foi dito supra, que o homem se conhece tanto em espírito como em
corpo, ou, mais explicitamente, constata nele e fora dele,
manifestações variadas. Na medida em que estas manifestações
lhe pertencem ou lhe afetem - e como as conheceria sem
ser por elas atingido - na proporção onde estas manifestações
o afetam, de alguma maneira, elas contribuem para constituir
seu estado. "Ora, àqueles que não tivessem sentido a
sua verdadeira natureza, só lhes pediria que se precavessem contra
11
os desprezos. Porque no que eles chamam homem, no que denominamos moral,
no que chamam ciência, enfim, no que se
poderia chamar o caos e campo de batalha de suas diversas doutrinas, eles
encontrariam tantas ações duplas e opostas,
tantas forças que se degladiam e se destroem, tantos agentes, nitidamente
ativos e tantos outros, nitidamente passivos e isto
sem buscar fora de sua própria individualização, talvez,
sem poder dizer, ainda, o que nos compõe, concordariam que,
seguramente, tudo em nós não é semelhante e que não
existimos senão numa perpétua diferença, seja conosco,
seja com
tudo que nos circunda e tudo o que possamos atingir ou considerar. Apenas
seria necessário, em seguida, auxiliar com
alguma ciência essas diferenças, para perceber seu verdadeiro
caráter e para colocar o homem no seu devido lugar". (82)
Saint-Martin convida, pois, o homem a considerar-se e a analisar, com cuidado,
a realidade que houvera atingido. Assim o
homem descobrirá o seu verdadeiro lugar e, perceberá a harmonia
do mundo de acordo com o famoso adágio de Delfus:
"Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses".
A convite de Saint-Martin, procedamos pois, fazendo o
exame que ele preconiza, o exame do homem. O simples exame de sua presente
situação lhe revela que esse estado assim
se resume: a coexistência de elementos aparentemente contraditórios,
ambos, objeto de uma experiência, igualmente exata.
I - O homem descobre em si um princípio superior. Observa seu pensamento,
sua vontade, todos "estes atos de gênio e de
inteligência que o distinguem sempre por características impressionantes
e indícios exclusivos". (83) Por que, pois, o homem
pode afastar-se da lei dos sentidos? (84) "Por que o homem é
dirigido por um maravilhoso senso de moral, infalível em seu
princípio? Não é senão porque é essencialmente
diferente devido ao seu Princípio intelectual (85) e é o único
favorecido aqui
em baixo por essa sublime vantagem... "(86) A consciência de
si dá ao homem uma certeza primordial. "Quando sentimos
uma só vez nossa alma, não podemos ter nenhuma dúvida
sobre suas possibilidades". (87) Mas, o que lhe surge, antes de
tudo, é o sofrimento necessário de sentir-se exilado, é
a nostalgia de uma morada edênica. "O homem, na verdade, na
qualidade de Ser intelectual, leva sempre sobre os Seres corporais, a vantagem
de sentir uma necessidade que lhe é
desconhecida". (88) O Filósofo reuniu então essas múltiplas
provas, esses testemunhos irrecusáveis e o espetáculo de sua
alma inspira a Saint-Martin esta revelação: "Cidadão
imortal das regiões celestes, meus dias são o vapor dos dias
do Eterno".
(89) Não atribuamos, de momento, nenhuma importância metafísica
a este verso do Teósofo. Nele, não temos senão a
afirmação de nossa grandeza, à qual Saint-Martin, vai
opor o espetáculo de nossa miséria. II - Ao mesmo tempo, que,
reconhece a transcendência do seu espírito, o homem percebe
o conjunto dos males e das desgraças dos quais está
cercado. A realidade do sofrimento de nos impõe, com efeito, da maneira
mais trágica. Inútil é pintar o quadro das fraquezas
e das desgraças dos homens. Nenhum, entre eles, os ignora porque
ninguém pode viver sem tomar parte nelas. "Não existe
uma pessoa de boa fé, disse Saint-Martin, que não considere
a vida corporal do homem uma privação e um sofrimento
contínuo". (90) A aproximação entre essa evidência
e essa certeza anteriormente adquirida, se evidência, ao mesmo tempo,
inevitável e surpreendente. "Tanto é verdade que o estudo
do homem faz-nos descobrir, em nós, relações com o
primeiro de
todos os princípios e os vestígios de uma origem gloriosa,
quanto o mesmo estudo deixa-nos perceber uma horrível
degradação". (91) Saint-Martin explicou na sua belíssima
análise da miséria espiritual, como a união destas
duas conclusões
caracteriza o nosso estado. Para explicar uma passagem do Ecce Homo, o Filósofo,
põe em questão a ambivalência do
homem, a dualidade de sua natureza. "A miséria espiritual, diz
ele, é o sentimento vivo da nossa privação Divina aqui
na
terra, operação que se combina: 1º com o desejo sincero
de reencontrar nossa pátria; 2º com os reflexos interiores que
o sol
Divino nos irradia, algumas vezes, a graça de enviar-nos até
o centro de nossa alma; 3º com a dor que experimentamos
quando, após ter sentido alguns desses Divinos reflexos tão
consoladores, recaímos em nossa região tenebrosa, para aí,
continuarmos nossa expiação". (92) Retomando outra formula
de Saint-Martin: "Existem seres que só são inteligentes;
existem outros que só são sensíveis; o homem é
ao mesmo tempo, um e outro, eis aí a palavra do enigma". (93)
A
contradição brota desse aspecto, desse duplo aspecto da existência
humana, como surge entre o desejo de saber e o
fracasso freqüente das tentativas para chegar até aí.
"O homem, um Deus! Verdade; não é uma ilusão?
Como o homem,
esse Deus, esse prodígio espantoso, definharia no opróbrio
e na fraqueza! (94) O problema está apresentado. Os dados
estão expressos. O encontro das duas experiências, sua simultaneidade,
eis o ponto de partida da dialética Martinista. A
tristeza de nosso destino não forneceria material para alguma reflexão
se não houvesse, justamente aí, o espírito para tomar
conhecimento. "O temor, disse Aristóteles, é o começo
da filosofia". Ele entendia que a atenção se dirigia
assim para os
problemas que o vulgo ignora. Mas, o temor é, também, objeto
de meditação. Por sua própria existência o temor
ou a
angústia, se quisermos, assinala uma oposição entre
aquele que se espanta e aquilo do qual ele se espanta. É a mais
irretorquível réplica ao materialismo. Ele impede de considerar
o mundo material como única realidade, autosatisfazendo-se,
existindo só, porque existe sempre o mundo e aquele que o julga.
O mundo não pode ser uma máquina noturna, porque
encontrará o homem para observá-lo girar. Destarte, seu assombro,
que é indiscutível e parece um nó de contradições,
faz
parte da situação do homem. Miséria humana, experiência
de todo momento. Grandeza do homem que se sabe infeliz.
Grandeza e miséria humana se interpenetrando. A primeira permitindo
a segunda e a segunda levando o espírito a se elevar
à instrução da primeira. Que ambivalência de
nosso ser induz a dividir os seres e as coisas em duas classes que a crença
em um princípio mau e poderoso, embora submetido ao Princípio
do Bem, tenha surgido da mesma reflexão. Isto é certo e
confirma a importância desta consideração. Aqui só
examinamos as arestas da doutrina Martinista. Antes de tudo, destinada
a instruir o homem sobre si próprio, poderá, em seguida, ensinar-lhe
a Ciência do Mundo e de Deus. Mas é, primeiramente, o
método do seu próprio estudo. O homem, inicialmente, se interessa
por ele mesmo. Se o auto conhecimento permite abordar
as pesquisas das leis que regem o Universo, se este conhecimento nos eleva
até Deus, não tem menos por objeto a solução
do problema do homem. É deste problema que é necessário,
em primeira instância, ocupar-se, porque ele é, em essência,
o
único. Nunca o homem se aperceberá demasiadamente disso. Admitamos,
pois, como base da doutrina Martinista, esta
12
contradição, esta dualidade da pessoa humana. Será
ai que reside a originalidade de Saint-Martinº Absolutamente não.
Numerosos foram os pensadores que descobriram na condição
humana um tema rico em ensinamentos. Aristóteles após
Platão, sabia bem que a essência do homem, sua alma, era algo
de Divino. De São Paulo a Pascal, a luta das duas leis a da
carne e a da alma, constituíram argumentos clássicos para
a apologia cristã. "Sinto nos meus membros, disse São
Paulo,
uma outra lei que se opõe à lei do Espírito e me aprisiona
na lei do pecado que está nos meus membros".(95) "A grandeza
do homem é grande na medida em que ele se reconhece miserável",
lemos nos Pensamentos. (96) A descoberta pelo
homem de sua queda e a consciência de sua filiação Divina,
para explicar seu atual estado, é exposto em várias etapas
da
história da filosofia. E, aliás Saint-Martin não procura
inovar em toda sua doutrina. Ao contrário, se felicita por reencontrar,
sem cessar, os ensinamentos tradicionais ou as descobertas dos filósofos.
A tradição ocupa lugar muito importante para ele.
E, se de bom grado, citamos Pascal, é que sua doutrina se mescla,
às vezes, ao pensamento Martinista. O próprio Saint-
Martin assinalou estes parentescos intelectuais: "Lede, nos diz num
texto pouco conhecido, os Pensamentos de Pascal... Ele
disse com termos próprios o que vos disse e o que publiquei: saber
que o dogma do pecado original resolve melhor nossas
dificuldades que todos os reacionários filosóficos".(97)
Com efeito, chegamos, tanto com Saint-Martin como com Pascal, a
resolver o enigma que o homem traz consigo. Após ter pintado o homem
e, subtilmente tê-lo analisado, competiu ao Teósofo,
deduzir de acordo com seu método, as conseqüências dos
fatos que acabou de conhecer. Vemos manifestar aqui o seu
esforço de síntese. Saint-Martin vai conciliar os elementos
opostos que formam o homem, mostrar que eles podem ser
resolvidos numa explicação. O método será sempre
o aprofundamento destas contradições que constituem o homem.
III -
"Pelo sentimento de nossa grandeza, concluímos que somos senão
Pensamentos Deus, ao menos, Pensamentos de Deus".
(98) Pelo sentimento doloroso da horrível situação
que é a nossa, podemos formar uma idéia do estado feliz onde
estivéramos anteriormente". "Quem se acha infeliz por não
ser rei, diz Pascal, senão um rei destronado".(99) E Saint-
Martin:
"Se o homem não tem nada é porque tinha tudo". (100)
De uma parte, a certeza de nossa origem sublime, quer que nós
tenhamos a intuição da nossa faculdade essencial ou quer que
a deduzamos da nossa miséria atual; de outra parte, essa
própria miséria. Só a queda pode explicar essa posição,
essa passagem. Só uma doutrina da queda explicará o fato do
homem ter caído. Pois que, tanto o estado primordial de felicidade
é uma certeza que adquirimos e que a miséria na qual nos
debatemos é uma realidade não menos evidente, é preciso
admitir uma transição de um estado para outro. Tal é
a queda.
Sugerimos uma análise mais sutil do sublime estado que tornava o
homem tão grande e tão feliz. Compreendemos como
Saint-Martin, que ele podia nascer do conhecimento íntimo e da presença
contínua do bom Princípio. Conseguiremos a
terceira norma do que se pode chamar dialética Martinista. Podemos
então resumir o desenvolvimento dessa dialética
utilizando as próprias palavras do Teósofo: 1. "O homem
um Deus! Verdade". 1. "Como o homem esse Deus, esse prodígio
espantoso, definharia no opróbrio e na fraqueza". 3. "Por
que esse homem definharia, presentemente, na ignorância, na
fraqueza e na miséria, se não é porque está
separado deste princípio que é a única luz e o único
apoio de todos os
Seres?(101) Tais são os princípios. Tal é o caminho
pelo qual o homem chega à compreensão de seu estado. Pode-se
construir sobre esse esquema a doutrina Martinista completa. Ele é
o fundamento psicológico indispensável da múltiplas
explicações que inspirará o pensamento do Filósofo
Desconhecido. Não está esclarecido daí em diante o
destino do homem?
"Acorrentado sobre a terra como Prometeu", (102) exilado do seu
verdadeiro reino, que meta poderia propor senão a de
reconquistar e de reintegrar-se em sua pátria? E o meio de reencontrar
o paraíso perdido, não o possuímos também?
Sabemos como o homem foi banido. Ora, a mera descrição desse
éden, mostrar-nos-á que está disposto "com tanta
sabedoria que, retornando sobre seus passos, pelos mesmos caminhos, esse
homem deve estar seguro de recuperar o
ponto central, no qual, apenas ele pode gozar de alguma força e de
algum repouso". (103) E a teoria da Reintegração deve,
necessariamente, girar em torno da figura central do Reparador. É
todo o Martinismo, magnificamente coerente e sólido, que
se desenvolve no entendimento, a partir das intuições fundamentais.
Vimos a dialética de Saint-Martin e, descrito sob este
termo, o percurso do homem na direção do conhecimento de sua
origem e de seu destino. É interessante notar que essa
marcha do pensamento, reproduz a própria marcha do ser. Comparemos,
com efeito, a apreensão do homem por si mesmo
com suas conseqüências e a aventura humana que esta apreensão
permite reconstituir. 1º - O Homem goza, inicialmente, da
felicidade edênica. O menor toma consciência de sua imperfeição
atual e da aspiração de seu espírito, em uma palavra,
a
idéia da beatitude original. Ele se recorda disso em primeiro lugar.
2º - Depois medita sobre o sofrimento que é seu quinhão
nesta vida. Descobre o estado após a queda. Assim o Homem no seu
périplo cai do Céu, para vir à Terra. 3º - Enfim,
o
Homem miserável compreende o mistério da passagem, a distância
que separa os dois estados. Assim, o Homem decaído
transporá novamente a distância infinita, refará o trajeto
que conduz à Felicidade e obterá sua Reintegração.
Tese, antítese,
síntese. Felicidade primordial, queda e reintegração.
O menor espiritual possui o traçado de seu destino. Ele reconheceu,
seguramente, através de um procedimento lógico baseado sobre
sua curva ontológica. Cada homem reencontra em seu
espírito a eterna epopéia do Homem. "Tenho por verdadeiro
o que me é dado por verdadeiro no fundo íntimo de minha alma".
(104) Assim, Salzmann define a verdade. Sem dúvida, Saint-Martin
não teria negado essa profissão de fé de um iluminado.
Mas teria ele julgado suficiente para fundar uma doutrina, para presidir
uma iniciação, isto é, a um começo? É
o que se
pretendeu por várias vezes. Alguns quiseram construir o conjunto
do sistema Martinista sobre esse único critério subjetivo.
E
é porque o quadro do qual tentamos traçar as grandes linhas,
parecerá, talvez, muito intelectual, muito intelectualista.
Censurar-nos-ão, talvez, por termos insistido sobre o aspecto racional
do Martinismo. Seria fácil responder que este aspecto
é o único que se pode expor ou discutir e que além
de tudo, a pura mística não se descreve nem se prega, que
a exortação,
pelo próprio fato de ser formulada, sofre o impacto da razão
e, reconhece implicitamente o seu poder. Dir-se-á que Saint-
Martin é um místico. A doutrina Martinista é uma doutrina
mística. Certamente, mas seria trair a memória de Saint-Martin,
13
apresentá-lo como um puro discípulo de Madame Guyon. Balzac
critica violentamente certos escritos místicos: "São
escritos
sem método, sem eloqüência e, sua fraseologia é
tão bizarra que se pode ler mil páginas de Madame Guyon, de
Swedenborg e, sobretudo de Jacob Böehme sem nada depreender daí.
Vós ides saber porque, aos olhos destes crentes,
tudo está demonstrado". (Prefácio do livre Mystique.
Obras completas, Calmann Levy, XXII, 423). Se essas censuras podem,
a rigor, aplicar-se a Jacob Böehme, elas não atingem Saint-Martin.
Os impulsos do Homem de Desejo repousam sobre as
considerações filosóficas Dos Erros e da Verdade, ou
do Tableau Naturel. (105) É preciso nos entendermos sobre a
expressão mística. A palavra mística, como a hindu
yoga, serve para designar duas idéias diferentes: por um lado, união
com
Deus, a vida que os cristãos chamam unitiva, de outra parte, um caminho,
um método, uma técnica (às vezes, muito próxima
do plano físico como na Hatha Yoga) que conduzem a essa união.
De um lado a meta, de outro os meios para atingi-la. (106)
Para retomar a terminologia Martinista, diferenciamos: a Reintegração
e o Caminho Interior que conduz a ela. No esboço do
caminho para Deus, podem figurar aspectos racionais que não terão
mais vez na existência do homem reintegrado. Quanto à
ascese, quanto a essa preparação moral à vida unitiva,
ela ocupa lugar no quadro dos elementos racionais. Ainda melhor,
apoia-se neles. Convém, pois, tratar dos mesmos em primeiro lugar.
Encontraremos em Saint-Martin, a idéia de Deus
sensível ao coração. Mas, esta relação,
apenas constitui mais seguidamente, um ideal ou fruto do amor e seu coroamento.
O
conhecimento de Deus, corolário do conhecimento do homem, pode também
ser adquirido através do caminho intelectual.
"No que se refere às duas portas, o Coração e
o Espírito, creio, escreve o filósofo, que a primeira é
muito mais preferível do
que a outra, sobretudo, quando se tem a felicidade de participar dela. Mas
ela não deve ser, absolutamente exclusiva,
principalmente quando é necessário falar a pessoas que só
possuem a porta do Espírito apenas entreaberta, e é preciso
ser
muito escrupuloso sobre esse ensinamento, até que surja a luz".
(107) O método é, em ambos os casos, de inspiração
idêntica. É no homem que encontramos Deus. Mas enquanto a descoberta
mística se revela estritamente pessoal e às vezes
infrutífera, o procedimento racional reverte-se de um valor universal.
O Tableau Naturel, por exemplo, mostrará que o exame
do espírito, a formação das idéias, em uma palavra,
que a psicologia supõe Deus. (108) Descobrir-se-á, assim,
um novo
elemento a integrar-se na dialética Martinista e que justificará
o empréstimo da senda interior. Por mais inesperada que
pareça essa aproximação, o iluminismo de Saint-Martin
se acha bem caracterizado pelas observações de um Maurice
Blondel. O que é mística? Interroga esta autor, e responde:
"A mística não nos conduz para o que é obscuridade
e
iluminismo, para o que é subliminal ou supraliminal, para um jogo
de perspectiva subjetiva, mas para um modo determinado
positivamente e metodicamente determinável da vida espiritual e da
luz interior, isto quer dizer que ela implica no emprego
prévio e concomitante de disposições intelectuais e
inteligentes, um querer muito consciente e muito pessoal, uma ascese
moral segundo graduações observáveis e reguláveis".
(109) Reprovamos, como Maurice Blondel, esse falso iluminismo. O
próprio Saint-Martin, denunciou-o, vigorosamente em Ecce Homo. E
nós o reprovamos porque ele está em contradição
com o
verdadeiro iluminismo, do qual, o Martinismo representa o tipo acabado.
Uma palavra não deve lançar o descrédito sobre
uma doutrina que ela não designa senão por confusão.
"Em geral, olham-me como um iluminado, dizia Saint-Martin, sem que
o mundo saiba, todavia, o que se deve entender por essa palavra". (110)
J. de Maistre observará, também, nos seus Soirées
de Saint-Petersbourg, (111) até que ponto esse nome foi desviado
de seu verdadeiro significado. "Chamam de iluminados a
delinqüentes que ousaram, hoje, conceber e mesmo organizar na Alemanha
a mais criminosa associação, medonho projeto
de extinguir o Cristianismo e a Monarquia na Europa. (112) Dá-se
esse mesmo nome ao discípulo virtuoso de Saint-Martin,
que não professa somente o Cristianismo, mas que trabalha para elevar-se
às mais sublimes alturas dessa lei Divina". O
iluminismo é, em resumo, o sistema, a maneira de agir do espírito,
que oferece a salvação na iluminação. Mas que
o
iluminismo pressupõe essa iluminação, nada de menos
seguro. Sem dúvida, Deus poderá manifestar-se, precocemente
e
sem preparação. A certeza será manifestada, e mais
do que a certeza de uma doutrina, a meta será alcançada. Mas,
Saint-
Martin possui a mais fiel e a mais exata imagem do homem. Nós o vimos
extrair dessa percepção aguda da essência
humana seus mais fortes argumentos. A busca de Deus, o caminho para a reintegração;
ele admite que nós possuímos a
sua chave para uma revelação imediata. É preciso procurá-la,
pedi-la, solicitá-la. É por meio dessa finalidade, para responder
a essa necessidade racional que erguer-se-á hostil senão a
satisfizermos, que o Martinismo usa uma dialética. Saint-Martin
declara que o maior erro do homem seria desinteressar-se pela verdade, e
também de julgá-la inacessível. "Tu não
me
buscarás se tu já não tiveres me encontrado",
disse Pascal. E Santo Agostinho, demonstrava que à base do pedido
de graça
havia já uma graça que permitia formular a oração.
Mas qualquer que seja a gratuidade da salvação, da Reintegração,
não
permanece menos, no início, um movimento voluntário. O Martinismo
não desconhece a vontade mesmo quando ela procura
identificar-se com a vontade de Deus. Porque é lá que encontra
sua plena expansão. No primeiro passo que conduz ao
Caminho, o Homem deve contribuir com o seu esforço. E como não
age sem razão e sem motivação, cabe à dialética
Martinista, lhe indicar a estrela que o conduzirá até Deus,
seu Princípio. Feliz daquele que verá a iluminação
esclarecer a
conclusão racional com os raios da certeza. Estará próximo
da meta. A dialética terá conduzido à mística,
pois terá revelado
o homem a si mesmo. "Nosso ser, sendo central, deve encontrar no centro
onde estão todos os socorros necessários à sua
existência". (113) Que ele aí se encontre com o segredo
de seu destino e da sua origem, com os meios de realizar um,
retornando à outra. Tal é o grande ensinamento do Martinismo.
Cartas
14
Primeira Carta Berna, Suíça, 22 de maio de 1792
Senhor: Que não vos seja surpresa receber uma carta de um desconhecido:
foram as vossas obras e o vosso mérito pessoal,
ao qual não sou totalmente estranho, que me fizeram tomar da pena.
Enquanto a maior parte dos pensadores se ocupa com
interesses que agitam as nações, emprego minhas horas de lazer
no estudo das verdades que influem mais diretamente na
felicidade dos homens do que as revoluções políticas
e nos assuntos que engrandecem a esfera dos conhecimentos
humanos ao nos indicarem quão pouco, até o presente, já
pudemos aprender, e a importância das coisas que ainda nos
restam saber. Confessarei, senhor, com a sinceridade e a franqueza de um
suíço, que o escritor mais ilustre na minha
opinião e o mais profundo deste século, é o autor de
Des Erreurs et de la Verité3 e que corresponder-me com ele seria
uma
das maiores satisfações de minha vida. Nessa obra, senhor,
encobriste com um véu algumas verdades importantes para não
expô-las à profanação daqueles que têm
um coração pervertido e os olhos fascinados pelos preconceitos
do vulgo ou pelas
sofisticações dos pretensos filósofos. Porém,
ouso crer, e até mesmo com alguma certeza, que o autor de Dos Erros
e da
Verdade não se furtará a alguns esclarecimentos destinados
às pessoas que de boa fé buscam essa verdade e que, a
exemplo do maior modelo, busquem expandir a luz tanto quanto possível.
Cada página desse livro admirável respira um
sentimento de benevolência que me deixa seguro quanto à minha
asserção. Creio haver adivinhado o que entendeis sob a
denominação da causa ativa e inteligente na obra Des Erreurs
e de de la Vérité; creio haver compreendido, da mesma forma,
em que sentido foi tomada a palavra virtudes4 no Quadro Natural5. Sobre
essa terminologia, não me resta mais dúvida
alguma; na minha opinião, a causa ativa é a verdade por excelência
e, se alguém perguntar como Pilatos: Quid est veritas?6,
eu lhe direi que transponha as letras da pergunta para achar a resposta:
Est vir qui adest7. Mas é o conhecimento físico
desta causa ativa e inteligente, conhecimento que não esteja sujeito
a ilusão alguma, que me parece o maior núcleo da obra
Dos Erros, repito, conhecimento que não esteja sujeito a ilusão
alguma, pois o próprio sentido interno pode algumas vezes
estar sujeito a erros; porque nossos sentidos e nossa imaginação
costumam falar tão alto e nosso sentimento pode algumas
vezes estar tão multiplicado, sobretudo no turbilhão dos negócios,
que nem sempre estamos em condições de ouvir a doce
voz da verdade. Entretanto, nada mais importante do que discerni-la com
alguma segurança, pois "se essa causa ativa e
inteligente não pudesse jamais ser conhecida sensivelmente pelo homem,
ele jamais poderia ter certeza de haver encontrado
a melhor rota e de possuir o verdadeiro culto; uma vez que é essa
causa que tudo deve operar e tudo manifestar, é
necessário então que o homem tenha a certeza da qual falamos
e que não seja o homem que a dê; é necessário
que essa
própria causa ofereça claramente, à inteligência
e aos olhos do homem, os testemunhos de sua aprovação; é
necessário, por
fim, se o homem pode ser pelos homens, que ele tenha meios de não
enganar a si próprio e que tenha ao alcance da mão
recursos dos quais possa esperar socorros evidentes." É sobre
esse ponto essencial que os esclarecimentos ser-me-iam
infinitamente preciosos. Como chegar com segurança a esse conhecimento
físico da causa ativa e inteligente? As virtudes do
Quadro Natural são auxílios para esse conhecimento físico?
E como o conhecimento físico das virtudes do mesmo modo se torna
possível? Eis aqui perguntas sobre as quais eu
aceitaria tudo o que julgardes adequado transmitir-me com reconhecimento
e respeito, pois há somente motivos bem
respeitáveis que possam levar-vos a ter esse trabalho. Ouso ainda
rogar-vos que acrescenteis um outro favor: o de me
informar quais são os livros que partem realmente de vossa pena e
quais são aqueles que expõem os vossos sentimentos
sem mescla de opiniões estrangeiras. Podeis ver, senhor, com que
confiança dirijo-me a vós e, aguardando de vossa parte
uma palavra de resposta, à qual serei muito sensível, rogo-vos
receber a homenagem sincera de meus mais distintos
sentimentos. KIRCHBERGER, Barão de Liebistorf, Membro do Conselho
Soberano da República de Berna
3 Dos Erros e da Verdade, obra existente em português.
4 Itálico da tradutora.
5 Tableau naturel des rapports qui existent entre Dieu, l'homme et l'univers.
6 "Que é a verdade?" - Evangelho segundo São João,
18:38. Tradução para o port uguês de JOÃO FERREIRA
DE
ALMEIDA. Sociedade Bíblica do Brasil, 1969. Edição
revista e atualizada no Brasil. Esta tradução será
adotada no presente
trabalho, com exceção dos trechos pertencentes aos livros
deuterocanônicos, para os quais foi usada a Bíblia de Jerusalém.
7 "É o homem que está presente."
Carta 2 Paris, 8 de fevereiro de 1782
Senhor: Não deixarei de vos agradecer, por minha própria conta,
pelos elogios que tivestes a bondade de dirigir-me em
vossa carta de último 22 de maio. Vou esquecer-me de mim mesmo apenas
para render graças ao Autor de toda a
sabedoria, o qual permitiu que vossa bela alma sentisse a necessidade de
aproximar-se dessa fonte de todas as nossa
venturas. Vejo que apreendeste perfeitamente o sentido da causa ativa e
inteligente e o da palavra virtudes, e creio que nela
está o germe radical de todos os conhecimentos. Quanto aos frutos
que dele devem resultar, só podem nascer segundo as
justas leis da vegetação, na qual somos brigados a participar
desde a queda, e esses frutos só podem ser conhecidos à
medida que vão brotando. Parece que sois bastante instruído
para desconhecer que a alma do homem é a terra em que esse
germe é semeado e onde, por conseguinte, todos os frutos devem ser
manifestados. Acompanhai a comparação de São
Paulo, na Primeira Epístola ao Coríntios, capítulo
15, sobre a vegetação espiritual e corporal, e verei com clareza
a verdade
desta palavra do Salvador: "Se alguém não nascer de novo,
pode ver o reino de Deus." Evangelho de João, 3:3. A isso
acrescentai somente que o nascimento de que fala o Salvador pode ser feito
durante a nossa vida, enquanto que São Paulo
15
falava apenas da ressurreição final. Esta é a obra
na qual todos deveríamos trabalhar e, se ele é tão
laboriosa, está também
repleta de consolações pelos socorros que dela recebemos quando
nos determinamos com bastante coragem a empreendêla.
Independentemente do grande jardineiro que semeia em nós, existe
um grande número de outros que regam, que podam
a árvore e que lhe facilitam o crescimento, sempre sob os olhares
da divina sabedoria que pretende ornar seus jardins, como
todos os outros cultivadores, mas que só pode orná-los conosco
porque somos as suas mais belas flores. Compreendo bem
que é sobre a natureza desses jardineiros que recaem vossa pergunta
e vossa incerteza em saber discerni-los; mas não
esqueçamos a o suave caminho das progressões. Comecemos por
tirar proveito dos pequenos movimentos de virtude, de fé,
de preces e de trabalho que nos são dados. Esses nos atrairão
outros que trarão também sua luz consigo, e assim por
diante, até o complemento da medida particular de cada indivíduo,
e veremos que a única razão pela qual os homens sofrem
embaraços e inquietudes é que eles ultrapassam sempre as épocas
de sua vegetação, ao passo que, se se ocupassem com
bastante prudência e resolução da época e do
grau em que se encontram, a marcha lhes pareceria natural e fácil,
e veriam
nascer de si mesmos a resposta ao lado de suas perguntas. Não vos
surprendais, pois, senhor, por eu não possa enviar-vos
esclarecimentos mais positivos sobre um objeto que consiste apenas no exercício
e na experiência. Eu vos enganaria se vos
oferecesse outra coisa, eu me enganaria a mim mesmo e ofenderia àquele
que me honro de reconhecer altamente entre os
homens como o único mestre que devíamos ter e o único
que devemos seguir. Desejais saber, senhor, quais são as obras
que saem da mesma pena de Dos Erros e da Verdade. São, até
o presente, o Quadro Natural, impresso em 1782, e o
Homem de Desejos, impresso há dois anos. A edição teve
uma tiragem muito pequena e já se esgotou, mas eu soube que
um livreiro chamado Grabit, da rua Mercière, em Lyon, acabava de
fazer uma reimpressão por conta própria. Além disso,
atualmente estão no prelo duas obras da mesma pena: uma, intitulada
Ecce Homo, com a finalidade de prevenir contra as
maravilhas e as profecias do momento, um pequeno volume in-doze; o outro,
intitulado O Novo Homem8, de tamanho bem
mais considerável, e com a finalidade de retratar o deveríamos
aguardar de nossa regeneração, um volume in-oitavo. Este
último tem precisamente grandes relações com o objeto
que vos interessa e sobre o qual acima vos expus as minhas idéias
resumidas. As duas obras estão sendo impressas em Paris na tipografia
do Circulo Social, à rua do Teatro Francês, no 4.
Não estou absolutamente envolvido nas despesas pecuniárias
desse empreendimento nem quero estar envolvido nos lucros,
se os houver. Deixo tudo àquele que, por haverem feito o pagamento
adiantado, é deles o legítimo proprietário. Assim,
se
vossa intenção é de adquiri-los, sabeis aonde deveis
dirigir-vos. Ecce Homo será impresso dentro de um mês, O Novo
Homem não o será antes de dois ou três. O Novo Homem
já foi escrito há dois anos. Eu não o teria escrito,
ou tê-lo-ia escrito
de outra forma, se tivesse tido então o conhecimento que adquiri
desde as obras de Jacob Böhme, autor alemão, cuja
existência certamente conheceis. Não sou mais jovem, estando
bem perto dos cinqüenta anos, e foi nessa idade avançada
que comecei a aprender o pouco de alemão que sei, unicamente para
ler esse incomparável autor. Há alguns meses
consegui uma tradução inglesa de grande parte de suas obras,
pois o inglês me é um pouco mais familiar. É com franqueza,
senhor, que reconheço não ser digno de desatar os cordões
das sandálias9 desse homem surpreendente, que considero a
maior luz que já surgiu sobre a terra depois dAquele que é
a própria luz. Como sua língua não vos deve ser estranha,
embora ele escreva com pouca regularidade, e sobretudo com pouca clareza,
exorto-vos, se para isso tiverdes tempo, a vos
lançardes nesse abismo de conhecimentos e de profundas verdades,
e assim vereis como é real sincero o interesse que
tomo por vosso progresso. Devo prevenir-vos, no entanto, que ainda há
dois pontos de sua doutrina sobre os quais não
estou inteiramente seguro; mas não me pronuncio sobre isso até
que sejais iniciado na profundeza de seus princípios. Há
uma edição alemã de suas obras feita em Amsterdam em
1682, extremamente rara. Mas no ano passado eu soube em
Estrasburgo que estava sendo feita uma em Leipzig, a qual no momento deve
estar concluída. Se me derdes a honra de
escrever-me, senhor, podeis endereçar vossas cartas à senhora
duquesa de Bourbon, em Paris. Mas, rogo-vos que
suprimais de uma vez por todas o título de autor. Cabe-me apenas,
senhor, oferecer-vos a homenagem de meus sentimentos
mais respeitosos. SAINT-MARTIN
8 Le Nouvel Homme.
9 João Batista, falando de Jesus: "mas no meio de vós
está quem vós não conheceis, o qual vem após
mim, do qual não sou
digno de desatar-lhe as correias das sandálias." ( João,
1:26-27.)
Carta 3 Morat, cantão de Berna, Suíça, 30 de junho
de 1792
Senhor: Foi com a maior satisfação que recebi a carta que
tiveste a bondade de remeter-me no dia 8 deste mês. Os
conselhos nela contidos e a esperança que me dais de continuarmos
a correspondência despertou-me o mais sincero
reconhecimento. Creio que há graus medianos e subalternos em que
os conselhos e as indicações, assim como os livros
escritos pelos eleitos, podem ser de mui grande utilidade, como instrumentos
secundários escolhidos pela Providência para o
progresso dos homens. Por isso, tende a certeza de que sempre os respeitarei
os motivos que tiverdes para não transmitirme
ainda a solução das perguntas que eu puder dirigir-vos. Há,
por exemplo, uma enorme quantidade de pontos importantes
nos capítulos10 17 e 19 do Quadro Natural , sobre as quais, se um
dia o perm itirdes, tomarei a liberdade de fazer-vos
diversas perguntas. Mas rogo-vos que a nossa correspondência não
dependa disso; um simples silêncio sobre esses pontos
será uma resposta suficiente e não impedirá que o resto
de vossa carta tenha um preço mui alto para mim. A indicação
das
obras saídas de vossa pena foi muito interessante para mim; confirmou
minhas próprias idéias sobre tais assuntos. Espero
com ansiedade o Ecce Homo e o Novo Homem, que acabo de solicitar por carta
aos editores da tipografia do Círculo Social.
16
Irei a Berna no dia primeiro para tentar descobrir as obras de Jacob Böhme.
O que dissestes de bom sobre elas fará com que
eu as leia com cuidado; sua língua é a minha língua
materna; e, durante alguns meses de permanência no campo, aqui, em
Morat, espero encontrar tempo suficiente para lê-las com atenção.
Jamais as vi, a não ser por acaso, na juventude, mas sem
as compreender e, o que não deveria ser mérito algum, sem
as julgar. Antes de entrar nas ocupações da vida pública,
dediquei uma parte do meu tempo ao estudo da natureza, e é por esse
quadro natural que aprendi que os fenômenos físicos
podem algumas vezes servir de tipo às verdades intelectuais. Relatarei
duas observações semelhantes, que servirão pelo
menos para expor-vos as idéias que faço da regeneração
do homem, idéias sobre as quais peço-vos apresentar-me vosso
julgamento. Quando queremos unir duas substâncias que por sua natureza
estão por demais afastadas para se unirem, é
necessário juntar a elas uma terceira que tenha afinidade e analogia
com ambas. Assim, se quisermos unir óleo e água, é
necessário juntar-lhes um álcali fixo, e então o óleo
e a água se misturam intimamente. Esse fato parece-me o tipo dos
agentes intermediários; é necessário que os agentes
participem na natureza dos seres que devem unir e sejam a ela
assimilados. O principal, o mais sublime, e, em certo sentido, o único
agente intermediário, é a causa ativa e inteligente. (I
Carta a Timóteo, 2:5.)11 Além disso, creio-o eu, e fundo a
minha crença não apenas na analogia da natureza, mas nas
Sagradas Escrituras mesmo, que a sabedoria divina serve-se ainda de agentes
ou de virtudes para que as palavras do Verbo
sejam ouvidas no nosso interior. Uma das passagens mais marcantes sobre
este assunto é o versículo 20 do Salmo 103,
que, segundo creio, é o de número 104 na versão da
Igreja católica romana12. A doutrina dos agentes intermediários
é, na
minha opinião, tratada de maneira superior no Quadro Natural, e também,
mas não de maneira tão detalhada como nas
obras de uma senhora francesa que, durante a vida, foi cruelmente perseguida,
ridicularizada e caluniada por ter sido amiga
de Monsieur de Fénelon13, arcebispo de Cambrai, cuja retidão
e talentos feriam a ambição de Madame de Maintenon14 e o
amor-próprio do Monsieur de Maux.
Essa mulher extraordinária diz coisas admiráveis sobre as
virtudes no oitavo volume de sua Explicação do Novo Testamento,
p. 114, obra bem pouco conhecida. Como a ação dos agentes,
ou das virtudes, é necessária para preparar nossa alma para
a união total com o Verbo, prova-se, segundo creio, ainda muito bem
por uma passagem do profeta Malaquias, 3:1; item,
pela Epístola ao Hebreus, 1:14 e pelo versículo 12 do Salmo
90, segundo vossa versão. Mas creio que seja principalmente
em nossos corpos que eles exercem seus poderes; pois, se agem em nossos
espíritos, é também por causa da união da
alma e do corpo que podem produzir, nas almas que lhe são unidas,
efeitos próprios a favorecer a eficácia da graça: uns
nos
fornecendo pensamentos, os outros mostrando sua presença em nosso
coração, tomado no sentido físico, através de
uma
sensação agradável, um calor suave que traz calma e
tranqüilidade à alma. Há pessoas que chamam a essa sensação
de
sentimento da presença de Deus. Poderíamos chamá-lo,
penso eu, com mais precisão, de sentimento da presença dos
agentes intermediários que fazem a vontade de Deus. Creio que nos
apercebemos dessa reação das virtudes também
quando buscamos o Verbo, não fora de nós, mas dentro de nós
mesmos, e lançamos um olhar intelectual no templo que ele
habita. João, 14:20; I Coríntios, 6:19. Creio que com o tempo,
continuando nessa adesão ao Verbo, podemos, com a ajuda
dessas mesma virtudes, ultrapassar a sensação da presença
percebida e nos unirmos ao próprio Verbo. I Cor., 6:17. Creio
também que, durante os momentos da presença percebida, não
seríamos capazes de fazer qualquer coisa que pudesse
desagradar à causa ativa e inteligente e que esse exercício
nos ofereça a nutrição da alma, que nos vem pelo canal
das
virtudes. Para nos facilitar o mais possível nossa união com
os agentes intermediários que são nossos amigos, nosso auxílio
e nossos condutores, creio que é necessário haver uma grande
preza do corpo e da imaginação, um distanciamento de todo
o que possa degradas nos organização, assim como uma grande
sobriedade física e moral, que todo homem sensato já se
esforça em observar por hábito, enquanto que, por outro lado,
um uso prudente dos objetos da natureza aumente, talvez, as
nossas faculdades da alma em vez de determiná-las. Por exemplo: a
respiração do ar puro, vital e deflogístico que sai
das
folhas de uma árvore iluminada pelo sol da manhã reanima nosso
ser; além do fato de que sempre me pareceu a luz natural
elementar podia talvez tornar-se o envoltório dos agentes benfazejos
em algumas de suas manifestações; mas a respeito
disso apenas balbucio. Se julgardes conveniente, dai-me vossa opinião
a respeito desse objeto. Ao lado dos cuidados físicos,
há qualidades habituais da alma que me parecem ser as disposições
mais essenciais para entrar em ligação com os seres
benfeitores que, desde a queda do homem, tornaram-se tão necessários
à sua reabilitação. A principal parece-me ser uma
aniquilamento profundo diante do Ser dos seres, não conservando outra
vontade além da sua, entregando-nos a ele com um
abandono se limites e uma confiança sem fronteiras; não tendo
senão um único mas indestrutível desejo de superar
todos
esses obstáculos que há entre a luz e nós. Podeis ver,
senhor, que vos faço uma profissão de fé ao vos expor
minhas idéias
sobre o caminho a ser feito para atingir nosso grande alvo. Vossa experiência,
que vos torna capaz de conhecer os escolhos
da estrada, vossos sentimentos respeitáveis e vosso desejo de estender
o reino de nosso Chefe, asseguram-me que não vos
recusareis a indicar-mos e considerarei cada uma de vossas cartas como um
favor. Vossa imagem dos jardineiros, daquele
que planta e dos que regam é consoladora e sublime porque, para felicidade
da humanidade, é verdadeira. Reservo para
outra carta, pois esta já vai um tanto longa, uma segunda observação
sobre a natureza elementar, que forma um tipo mais
impressionante ainda para produzir um efeito oposto, ou seja: para dividir
o que está unido, e pode tende a separar o homem
do zero no qual está encravado. Aguardando ma palavra de vossa parte,
permiti-me que vos diga que minha alma sente-se
atraída para a vossa e que nada é mais sincero do que os sentimentos
de respeito que sempre nutrirei por vós.
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
10 Ou capítulos,
11 "Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre
Deus e os homens, Cristo Jesusm homem."
17
12 Há uma diferença de numeração na Vulgata,
entre os salmos X e XX. Os Salmos A e B vêm unidos e o Z é
divido em Y e
Z. Na igreja católica, usa-se a numeração N. o Barão,
como suíço, deveria ser calvinista, ou de qualquer modo ter
conhecimento da diferença citada.
13 Prelado e escritor francês (1651-1715). Conhecido por sua ação
apostólica e seu Traité de l'éducation des filles (Tratado
sobre a educação das moças). Suas Maximes de saints
(1697), favoráveis ao quietismo foram condenadas pela Igreja. O
quietismo é uma doutrina mística baseada nas obras de Molinos,
padre espanhol, a qual fazia consistir a perfeição cristã
no
amor de Deus e na quietude passiva e confiante da alma. Foi difundido na
França por Madame de Guyon.
14 (1635-1719) Preceptora dos filhos do rei Luís XIV, casou-se com
ele após a morte de Maria Teresa, em 1684. Morto o rei,
retirou para a casa de Saint-Cyr, que fundara para a educação
de jovens nobres e pobres.
Carta 4 Paris, 12 de julho de 1792
Certamente, senhor, há graus medianos em que os conselhos e os livros
são úteis, mas eles o são somente para descobrirnos
o lugar que ignoramos; compete em seguida aos nossos esforços e à
nossa experiência conduzir-nos a ele. Farei tudo o
que estiver em mim para responder às vossas perguntas e minha reserva,
se um dia a tiver, será sempre para o vosso maior
bem. Não tenho diante de mim o Quadro Natural, mas tende a bondade
de citar por inteiro as passagens sobre as quais
desejais esclarecimentos. Encanta-me saber que estais ocupado com as ciências
naturais. É uma excelente introdução às
grandes verdades. É por esse meio que elas transpiram e, além
disso, as ciências naturais acostumam o espírito à precisão
e à exatidão, o que é muito importante nos objetos
superiores que, pelo distanciamento em que nos encontramos no mundo,
podem expor-nos a equívocos bem perniciosos. Vossa lei de afinidade
química é uma lei universal que já sentistes muito
bem para que eu tenha necessidade de fazer-lhe o desenvolvimento. A natureza,
o espírito, o reparador, eis os diferente
álcalis fixos que nos são dados para nossa nova união
com Deus, pois o nosso pecado primitivo fez de nós uma substância
bem heterogênea para o supremo princípio. Creio como vós,
senhor, que a sabedoria divina se serve de agentes e de
virtudes para que seu verbo seja ouvido no nosso interior; também
devemos acolher com cuidado todo o que é dito em nós.
Madame Guyon15, de quem me falais, escreveu muito bem sobre isso, segundo
que se diz, pois não a li. Acreditais que é
principalmente no nosso corpo que eles agem. Há alguns desses agentes
e virtudes para essa parte interior de nós mesmos,
mas a obra deles detém-se aí, devendo limitar-se à
preservação e à manutenção da forma em
bom estado, coisa na qual os
ajudamos muitos pelo nosso regime de sabedoria física e moral. Mas
evitemos depender por demais neles, pois possuem
vizinhos que agem também nessa mesma região e que só
deejam é apoderarem-se de nossa confiança, coisa que estamos
bem dispostos a outorgar-lhes em razão dos socorros exteriores que
nos fornecem, ou que, com mais freqüência ainda,
contentam-se em nos prometer. Não considero, pois, tudo o que se
relaciona a essas vias exteriores senão como prelúdios
de nossa obra, pois como nosso ser é central, deve encontrar, no
centro em que nasceu, todos os socorros necessários à
sua existência. Não vos escondo que caminhei outrora por essa
via fecunda e exterior pela qual me abriram a porta da
carreira. O que aí me conduzia tinha virtudes mui ativas e a maior
parte daqueles que o seguiam comigo receberam
confirmações que podiam ser úteis à nossa instrução
e ao nosso desenvolvimento. Apesar disso, sempre senti em mim um
pendor muito grande para a vida íntima e secreta, já que a
via exterior de outra forma não me havia seduzido, mesmo em
quando eu era muito jovem, pois foi na idade de 23 anos que tudo sobre isso
me foi revelado. Assim, no meio de coisas tão
atraentes para os outros, entre os meios, as fórmulas e os preparativos
de todo gênero, aos quais nos entregavam, por
várias vezes aconteceu-me dizer ao nosso mestre: Como, mestre, é
necessário tudo isso para chegar ao bom Deus? E a
prova de que tudo aquilo não passava de substituição,
é que o mestre nos respondia: É preciso contentar-se com o
que se
tem. Sem querer, pois, desprezar a ajuda que podem vir de tudo o nos cerca,
cada uma em seu gênero, exorto-vos somente
a classificar as potências e as virtudes. Todas têm o seu departamento.
Somente a virtude central estende-se por todo o
império. O ar puro, todas as boas propriedades elementares são
úteis ao corpo, mantendo-o numa situação vantajosa
às
operações de nosso espírito. Mas depois que o nosso
espírito conquistou, pela graça do alto, suas próprias
medidas, de
simples servidores que eram anteriormente, os elementos tornam-se seus súditos,
e até mesmo seus escravos. Vede o que
eram o apóstolos. Não creio como vós, senhor, que a
luz elementar se torne o envoltório dos agentes benfeitores em suas
manifestações; eles têm a sua própria luz, que
está escondida nos elementos. Nosso amigo Jacob Böhme nos dá
sobre isso
tão grandes perspectivas que vos remeto a ele com confiança,
estando bem certo que elas vos satisfarão. É um dos pontos
de sua obra que maior prazer me causou e que concorda perfeitamente com
as instruções que recebi outrora em minha
Escola. Mas concordo inteiramente convosco sobre as disposições
essenciais para progredir na carreira, as quais, como
muito bem dizeis, consistem num aniquilamento profundo diante do Ser dos
seres, não conservando outra vontade senão a
sua, entregando-nos a ele com um abandono sem limites e uma confiança
sem fronteiras. E acrescentarei, suprimindo em
nós qualquer boa tendência do homem e reduzindo-nos (permiti-me
a comparação) ao estado de um canhão que espera que
alguém lhe venha colocar a mecha. Quanto ao assunto de Böhme,
senhor, presumo que tereis alguma dificuldade em
acompanhá-lo no que ele chama de primeiro princípio: ainda
mais que ele se anuncia para falar como criatura de uma coisa
que não é criatura e que, além disso, expõe
algumas vezes esse primeiro princípio de uma maneira que me pareceu
revoltante. Mas, para ajudar-vos, eu vos rogo, quando estiverdes em dificuldades,
para reler sua obra Von den drey
principien16, cap. I §§ 4, 5 e 6. Estes três números
costumam ser-me são muito úteis e imagino que o serão
também para
vós, e é por isso que vo-los indico. Receberei com prazer
a carta que me prometeis, com a vossa segunda observação sobre
a natureza elementar. Darei a minha opinião sobre ela, como sobre
a primeira, submetendo o todo ao vosso bom e sábio
18
julgamento. Estou feliz de ver que minha alma encontra uma amiga agradável
junto à vossa. Retribuo-vos com toda
sinceridade. Adeus, senhor, deixo-vos sem cerimônia para indicar,
no pouco espaço que me resta, duas obras sobre o
caminho íntimo e secreto. São ambas escritas em vossa língua,
e ambas estão na Histoire de l'Église e des Hérétiques,17
de
Arnold, 3 volumes, in-fólio. O primeiro chama-se Récit de
la Direction spirituelle d'un grnd témoin de la vérite, qui
vivait dans
les Pays-Bas, vers l'an 1550, et qui, par ses écrits, est connu sous
le nom hébreu de Hiel18. Tomo II, de Arnold, 3 a parte,
cap. 3, §§ 10, 27, p. 343. O segundo chama-se Discurso de Jane
Leade19 (de nacionalidade inglesa) sobre a Difere nça das
revelações verdadeiras e das revelações falsas,
encontrando-se no prefácio do dito Puits du Jardin20 (Gartenbrunn),
que
apareceu em Amsterdam em 1697. Tomo II, de Arnold, 3a parte, cap. 20, p.
519. Foi um conhecimento fraternal que fiz em
Estrasburgo quem me enviou essas duas obras traduzidas em francês
por sua própria mão. Não sou muito forte em alemão
para lê-las no original. Causaram-me grande prazer, sobretudo a última.
15 Jane-Marie Bouvier de la Motte (1648-1717), mística francesa,
acusada de quieti smo quando da publicação de sua obra
Moyen court et très facile por l'oraison (Meio curto e muito fácil
par a oração). Defendida algum tempo por Fénelon, foi
presa
em 1698 e exilada em 1703.
16 Dos três princípios . Há títulos que são
ditados ora em frandes, ora em alenao. O ptou-se pela tradução
em português,
exceto de Gartenbrunn/Puitos du Jardin (A Fountain of Gardens, jamais citada
em inglês.).
17 Em francês no original. O título completo é: História
imparcial das Igrejas e das Heresias . Arnold, Gottfried, pastor e
historiador alemão (1665-1714).
18 Idem: Narrativa da Direção espiritual que uma grande testemunha
da verdade, que viveu nos Países Baixos cerca de
1550 e que, por seus escritos, é conhecido pelo nome hebraico de
Hiel
19 O original traz Jeanne, tradução de Jane para o francês.
O título também vem tr aduzido para o francês. O sobrenome
aparece cmo Leade, mas nas edições inglesas é Lead.
20 Fonte do Jardim. Saint-Martin cita-o em francês (Puis du Jardin)
e Kirchberger em alemão (Gartenbrunn). O original inglês
chama-se A Fountain of Gardens.
Podeis escrever-me diretamente a Paris, para o endereço que já
vos dei, sem que as cartas passem por Lyon. Datei como
Paris, embora neste momento esteja no campo. Enviovos também esta
carta a Berna, embora a vossa esteja datada de
Morat. Se for preciso corrigir isso, dizei-mo por favor. SAINT-MARTIN
Carta 5 Morat, 25 de julho de 1792
Recebei meus agradecimentos, senhor, pela interessante carta que houvestes
por bem enviar-me no dia 12 deste mês.
Fiquei extremamente tocado pela presteza com a qual respondestes à
minha. A indicação de um país novo pelo qual se pode
passar para se atingir o alvo é já uma benefício muito
grande para o viajor. Certamente cabe-lhe superar os obstáculos que
encontra no caminho, sendo por demais feliz se esses lhe foram anunciados
da mesma forma que os encorajamentos que
pode esperar. Creio que se, segundo as indicações de um observador
experimentado e profundo, o viajor que empreender a
passagem da Baía de Hudson para Nootka-Sund, a princípio encontrará
gelos que deverá romper a golpes de machado, ou
talvez bancos de areia, dos quais só conseguirá afastar-se
com alavancas; mas, uma vez que estiver em plenas águas, terá
apenas que abrir as velas para vogar. Todo o risco que correr serão
ainda alguns pequenos escolhos e ventos que são
quase como o verdadeiro bom vento e que poderiam desviá-lo; mas,
com a ajuda das indicações recebidas, com um bom
piloto e uma bússola, saberá discerni-los. Falei-vos das obras
de Madame Guyon, sem as quais creio não me teria sido de
modo algum possível compreender várias passagens de Dos Erros
e da Verdade e do Quadro Natural. Isto é tanto mais
notável por jamais as haverdes lido; mais que isso: encontra-se um
conformidade perfeita ente a explicação importante do
quadro de Elias, pp. 7 e 8, Tomo II do Quadro Natural, e várias passagens
de Madame Guyon. Eis como é explicado o
Quadro Natural: "Estando Elias na montanha, reconheceu que o Deus do
homem não estava no vento violento, nem no
tremor do ar, nem no fogo grosseiro e devastador21, mas numa brisa22 doce
e suave, que anuncia a calma e a paz cuja
sabedoria preenche todos os lugares de que se aproxima; e realmente é
um dos mais seguros sinais para se desenredar a
verdade da mentira." Ora, isso é o resumo do tudo o que Madame
Guyon diz de melhor sobre a instrução de Elias. Existe a
mesma conformidade sobre outros pontos essenciais entre Madame Guyon e Jacob
Böhme, do qual consegui descobrir um
volume in-quarto. Tal semelhança me surpreendeu muito, pois estou
moralmente certo de que Madame Guyon jamais soube
uma palavra de alemão e que é impossível que nosso
amigo Böhme tenha lido Madame Guyon, pois ela nasceu uns vinte
anos após a morte de nosso filósofo teutônico. Existem
pessoas para quem a leitura das obras teosóficas seria um alimento
por demais forte, e às quais se poderia, caso haja ocasião,
indicar as obras de Madame Guyon para fazê-las amar o espírito
do cristianismo; mas creio que as obras começam a tornar-se raras
na França. Fiquei sabendo que pessoas bem
intencionadas, na Suíça, mandaram reimprimir uma edição
completa há dois anos, encontrada na L. Luguiens, uma livraria
em Lausanne. Parece-me que suas obras principais são suas cartas,
sua explicação do Antigo e do Novo Testamentos e sua
vida, escrita por ela própria. Um intervalo ainda mais ao alcance
das pessoas do mundo do que as obras de Madame Guyon
parecem ser as Cartas Espirituais de Fénelon, impressas em quatro
volumes, em 1767, encontradas em Paris e Lyon.
Essa coleção contém algumas cartas do duque de Borgonha23
ao duque de Beauvilliers, que, s egundo minha opinião, são
obras-primas para que aqueles que estão no meio do mundo e dos negócios
amem e pratiquem a religião. Monsieur de
19
Fénelon não foi canonizado pela cúria de Roma, mas
sê-lo-á no coração de todas as pessoas decentes
que lerem suas
obras. Tivestes a gentileza, senhor, de dizer-me em vossa última
carta coisas muito interessantes sobre as potências e a
necessidade de classificá-las; mas, para classificá-las, seria
necessário enumerá-las. Ora, isso para mim é um domínio
inteiramente novo no qual não conheço ninguém. Assim,
receberia com reconhecimento todos os ensinamentos que
julgásseis adequados transmitir-me sobre tais assuntos. A observação
sobre as visões surpreendeu-me sobretudo. Não
duvido de que, na escola de que me fazeis menção, o mestre
não tenha dado idéias suficientes para se discernirem as
potências favoráveis daquelas que não o são.
Imagino que haja manifestações exteriores e interiores e que
em ambas
podem as visões insinuar-se; assim é importante poder discerni-las
são. Creio que o melhor remédio para nos pormos ao
abrigo de qualquer influência desfavorável é a confiança
total no amor e no poder do grande princípio, confiança diante
da
qual as visões desaparecerão como as sombras diante da aproximação
do sol. A escola pela qual passastes durante vossa
juventude lembra-me um conversa que tive, há dois anos, com uma pessoa
que vinha da Inglaterra e que tinha relações com
um francês, Monsieur de Hauterive, que lá habitava. Esse Monsieur
de Hauterive, de acordo com o que ela me disse, gozava
do conhecimento físico da causa ativa e inteligente, que atingia
depois de uma seqüência de diversas operações
preparatórias, e isso durante os equinócios, mediante uma
espécie de desorganização na qual via seu próprio
corpo sem
movimento, como que desligado da alma; mas que essa desorganização
era perigosa por causa das visões que têm então
mais poder sobre a alma assim separada de seu envoltório que lhe
servia de escudo contra a ação delas. Poderíeis dizer-me,
pelos preceitos de vosso antigo mestre, se os procedimentos de Monsieur
de Hauterive são erro ou verdade? Outro fato é o
da senhora marquesa de Lacroix, que deve ter apresentado manifestações.
Disseram-me que elas lhe aconteciam mesmo
em sociedade e que ela interrompia a conversa para escutar o que lhe era
dito por amigos de outro círculo. Certamente já
ouviste falar de Madame de Lacroix. Estava ela na ilusão ou na verdade?
Estou inteiramente de acordo convosco: "Como
nosso ser é central, deve achar no centro em que está todos
os socorros necessários à sua existência." O alvo
de nossos
desejos é nos aproximarmos desse centro nesta vida mesma; entre esse
centro e nós, há intermediários, obstáculos
a vencer
e socorros a receber. A voz íntima e secreta, certamente é
essa a grande questão. Uma disposição que me parece
propícia a
isso é encarar as virtudes secundárias como agentes, e não
como distribuidoras das graças, receber o que nos dão com
reconhecimento pelo grande doador, mas dirigir nossa alma e nosso culto
à fonte, ao próprio grande princípio. Um dos
grandes meios de reconciliação, segundo penso, que ele nos
indica, é fazer-lhe a vontade. Ora, fazer-lhe a vontade é
precisamente assimilar-se aos seus agentes, facilitandolhes com isso as
suas operações em nós. Quanto às manifestações,
sejam interiores ou exteriores, considero-as como meios para aumentar a
nossa fé, nossa esperança e nossa caridade, que
são as vantagens de um preço inestimável; mas, ainda
a respeito disso, entreguemo-nos à vontade suprema. Se ela julgar
adequado abrir-nos os olhos, fá-lo-á; caso contrário,
o caminho da fé sem uma luz distinta não pode desagradar ao
grande
princípio. Felizes daqueles que não viram e creram. Dizeis-me
extremamente bem: "Depois que o nosso espírito conquistou,
pela graça do alto, suas próprias medidas, de simples servidores
que eram anteriormente, os elementos tornam-se seus
súditos; e até mesmo seus escravos." Nosso espírito
conquista suas próprias medidas, o que me parece, quando não
vivemos mais de nossa própria vida e o Verbo vive em nós em
toda a sua plenitude, absorvendo todas as nossas faculdades,
que nosso espírito se perde, por assim dizer, no seu.24 É
o grau mais elevado atingido pelo homem a que podemos chamar
consumação em unidade. Então não mais somos
nós que agimos, mas é o Criador quem age por nós, quem
comanda os
elementos. Que esse estado apostólico se torne possível ainda
em nosso tempo é coisa de que não duvido um só instante;
não somente a razão, mas também a experiência
no-lo prova. Citarei apenas um exemplo: Quando o padre Lacombe
atravessava o lago de Genebra, ergueu-se uma tempestade tão violenta
que os barqueiros não tinham esperança alguma.
Então o padre Lacombe ordenou que as ondas se acalmassem, e ao mesmo
tempo elas se acalmaram. Esse fato foi
relatado por uma testemunha ocular, cuja probidade está acima de
qualquer suspeita.25 V. a vida de Madame G., que não
está comigo agora, mas creio que se encontre no segundo volume. Destes-me
conhecimento de uma idéia muito
interessante informando-me de que os agentes benfeitores se servem de uma
luz deles mesmos para suas manifestações,
luz que está oculta nos elementos. O pouco de conhecimentos físicos
que tenho proporciona-me essa abertura que não se
poderia desejar mais verossímil. Tende a bondade de indicar-me o
tratado particular de J. B.26 onde se enco ntra tal
asserção. Recebei meus agradecimentos mais sinceros pela indicação
de suas obras. Mais acima eu vos indiquei que havia
descoberto um volume in-quarto de suas obras, numa edição
de 1675; mas no momento em que escrevo, acabo de receber
ainda três volumes in-oitavo de uma bela edição de 1682.
Transcreverei os títulos de cada tratado que possuo para que
possais buscar referências neles para os esclarecimentos que julgardes
adequado transmitir-me, e também, caso encontreis
algumas linhas ou expressões que vos chamem a atenção,
que eu vos possa, da melhor maneira possível, traduzi-las em
francês, embora para bem traduzi-las seja difícil e talvez,
em vários aspectos, acima de minhas forças.
21 O livro de I Reis, 19:11-12 fala de um forte vento, terremoto e fogo.
22 Um cicio, em outra versão.
23 Fénelon foi seu preceptor.
24 Observação da tradutora: Este trecho remete a São
Paulo: "
logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo
vive em mim, e
esseviver que agora tenho na carne, vivo pela fé no filho de Deus
"
(Gálatas, 2:20.) E em Atos: "Pois nele vivemos, nos
movemos e existimos." 17:28.)
25 Veja-se o ocorrido com Jesus. (Mateus, 8:23-27; Lucas, 8:22-25.)
26 Jacob Böhme.
20
EDIÇÃO DE 1675, PUBLICADA POR FRANCKENBERG
I. Jacob Böhme Lebensbeschreibung.
II. Weg zu Christo in sechs Büchern.
III. Pforte von göttlicher Beschauligkeit. Was Mysterium Magnum sey,
etc.
IV. Trost-Schrift. Von der Vier complexionen.
V. Send-Brief: 1o Was ein Christ seye; 2o Von Tödtung des Anti-Christs
in uns selbst.
VI. Zwey von Chisti testamenten: 1o Von der Heil. Tauffe; 2o Von dem heil.
Abendmalhle.
VII. Von sechs Puncten. Hohe und tieffe Gündung. Eine offene Pforte
aller Heimligkeiten des Lebens.
VIII. Clavis oder Schlüssel etlicher wornehmen Puncten und Wörter,
so in Allen des Authoris Bücheren zu finden.
IX. Tabula principiorum, von Gott und von der grossen und kleinen Welt.
(Vêm anexadas três tabulas.)
X. Weissagungen as der glorwürdigen Jesu-Monarchie, aus L Böhmes
Schriften gezogen von Kulman.
XI. Beschreibung des dreyfachen Lebens des Menschen.
XII. Dialog zwischen einer dürstenden Seelen nach der Quelle des Lebens
und einer erleuchteten Seele. (Este último tratado
parece ser de Franckenberg.)
EDIÇÃO DE 1682, DA QUAL SÓ TENHO PRESENTEMENTE 3 VOLUMES
IN-QUARTO.
I. Von der Genade-Wahl, das ist: wie der Mensch zu göttlicher Erkanntnüss
gelangen moege.
II. Von den sechs Puncten.
III. Die kleine Puncten.
IV. Vom irdischer und himmlischen Mysterio, in 9 Texte.
V. Betrachtung göttlicher Offenbarung in 177 Teosophischen Fragen vorgestelt.
VI. De signatura rerum.
VII. Clavis oder Schlüssel etlicher wornehmen Puncten und Wörter,
so in Allen des Authoris Bücheren zu finden.
VIII. Einige speziale claves velche J. B. senen vertrauten Freuden mitgethteilet
hat.
IX. Tabula principiorum.
X. Viertzig Fragen von der Seelen.
XI. Vom Dreyfachem Leben des Menschen, (Muito mais extenso do que na edição
de 1675.)
XII. Teosophische Send-Briefe.
XIII. Bedencken über Esaiae Stiefel Büchlein.
XIV. Apologien wider Es: Stiefel, wider Balthasar Tilken, wider Gregorius
Richter
O pouco que vi nessa obras me surpreendeu. Encontrei, sobre pontos diferentes,
uma solidez e uma clareza notáveis; sobre
outros assuntos, uma obscuridade que me teria detido imediatamente se não
houvésseis encorajado. É verdade que Jacob
Böhme é o homem mais espantoso de seu século. Falta-me
ainda a 1a Aurora, sua obra Von den 3 Principien, recomendada
por Arnold como a verdadeira introdução às suas obras;
- Die 3 Bücher von der Mensch werdung Jesu-Christi27. Encarreguei
alguém na Alemanha para descobrir para mim. Hiel e Jane Leade, que
tivestes a bondade de indicar-me, são dois novos
conhecimentos pelos quais peço que aceiteis meus agradecimentos.
Além disso, Arnold contém coisas muito notáveis em
sua História da Igreja e dos Hereges; ele próprio era um homem
muito interessante e instruído. Já li uma de suas obras com
o título Die Geheimnisse der Göttlichen Sophia28, 1700, in-oitavo,
que me parece ter saído de boa fonte. Sua História da
Igreja é incomparavelmente mais fácil de ser compreendida
por um estrangeiro do que os escritos de nosso amigo B. minha
edição de sua História da Igreja, que adquiri por indicação
vossa, é em 4 volumes, in-fólio, 1700. O quarto tomo contém
documentos e tratados, seja por inteiro ou em citações. Nesse
4o. tomo, seção 3, § 9, encontra-se um resumo de várias
obras de Hiel, cujo nome verdadeiro é Henri Janson, nascido nos Países
Baixos. Viveu por volta de 1550. Toda esta parte
dos conhecimentos humanos é tão interessante que proponho-me
destinar-lhe todo o tempo que me for possível; e se não
deixardes de me proporcionar vossas orientações, espero que,
com a ajuda de Deus, isso não deixe de ter resultado. Vós
aprovais a regra que creio ser a mais essencial para prosseguir na luz;
é esta a porta estreita pela qual pouca gente passa.
Madame Guyon chama o que se opõe a essa supressão de propriété29,
e nosso amigo B. de Die selbheit30. Peço-vos
observar que há sem elhança entre essas duas terminologias
sem que eles tenham sabido quem quer que coisa um do
outro. Receberei com reconhecimento tudo o que quiserdes indicar-me sobre
esses assuntos e os caminhos que a eles
conduzem. Minha presente carta já está tão longa que
deixarei as citações do Quadro Natural e minha segunda observação
sobre a natureza elementar para outro correio. Hoje entreguei-me ao prazer
de conversar convosco.
Não conheço outro maior, senão o de receber vossas
cartas. Dada a bondade com a qual entrais em cada detalhe que tomo
a liberdade de vos propor, ouso esperar que nossa correspondência
não termine tão cedo. Sinto-me feliz igualmente por
acalentar com um esperança bem doce, a esperança de que "o
mesmo centro nos aproximará cada vez mais", com a certeza
de que as verdadeiras ligações e as únicas duráveis
neste mundo, são aquelas que se fundam no amor do grande princípio,
que adoramos a ambos. P.S.: Tende a gentileza de endereçar vossas
cartas a Morat. Permaneço aqui durante a primavera e
o verão. E até o fim do outono, somente assuntos essenciais
é que me farão deixar este local e isso nunca tomará
mais do
que por um pequeno intervalo de três ou quatro dias. KIRCHBERGER DE
LIEBISTORF
21
27 Os Três Livros sobre a Encarnação de Jesus Cristo.
28 O Misterio da Divina Sophia. Em alemão no original.
29 Propriedade.
30 Individualidade. A ortografia de vem respeitada Böhme, deixando-se
em minúsculo as inicias dos substantivos e só as
empregando quando ele as emprega.
Carta 6 Paris, 11 de agosto de 1792
Só posso escrever-vos uma palavra, senhor, nas circunstâncias
presentes que o rumor público certamente fará chegar ao
vosso conhecimento.31 Encontro-me sem poder sair de Paris, tendo vido aqui
para prestar assistência a uma irmã que tenho
e que aqui passava, e não sei quando sairei daqui nem se sairei.
Preciso de todas as minhas faculdades para enfrentar à
tempestade. Também não tenho tempo para responder à
vossa carta de 25 de julho, o que ficará para outra ocasião.
Dir-vosei
somente que conheci Monsieur de Hauterive e que fizemos um curso juntos.
Também conheci Madame de Lacroix. Ambas
são pessoas de grande mérito. Quanto ao assunto da luz oculta
nos elementos, lede a epístola de no 47 de Böhme, 13, 16.
Quando tiverdes os Três Princípios, lede o cap. 15, nos 48,
52 e caps. 10, 41. Adeus, senhor, em outra ocasião falarei mais
longamente sobre isso. Podeis, no entanto, escrever-me se tiverdes qualquer
coisa a e comunicar, e receberei vossas cartas
com prazer. Mas nelas falai apenas do nosso objeto. SAINT-MARTIN
Carta 7 Sábado, 25 de agosto de 1792
A última carta que tivestes a bondade de enviar-me livrou-me de grande
inquietação. Tende a certeza, senhor, de que senti
todo o valor do momento em que a escrevestes. Eu estava pouco a pouco acostumando-me
a receber notícias vossas quase
à mesma época, de modo que cada remessa de correio que não
me trazia nada teria aumentado ao infinito a minha
inquietação. Não tenho necessidade de dizer-vos, senhor,
quantas preces fiz por vós e pelos vossos. Iniciarei a presente
carta com uma segunda observação sobre a natureza elementar.
Minha primeira observação exprimia uma lei que indica a
junção de duas coisas separadas; a segunda parece-me ser o
tipo da separação de duas coisas unidas. Quando queremos
decompor uma substância cujas partes integrantes então em união
íntima e em proporção completa, então essa união
resiste
a todos os meios analíticos usuais, parecendo uma exceção
às leis conhecidas das afinidades. Em semelhante caso, não
resta ao artista tomar outra atitude senão alterar as proporções
dando preponderância prévia a uma de suas partes
constituintes. Feita a alteração, são aplicadas as
afinidades e executada a decomposição. Eis um exemplo: o vidro,
como
todos sabem, compõe-se de álcali fixo e de terra vitrificável.
Embora o álcali tenha um afinidade bem maior com os ácidos
do
que com a terra vitrificável, seria, no entanto, em vão que
exporíamos o vidro à ação dos ácidos
com a intenção de decompôlo.
Porque essas duas partes integrantes adquiriram, através da ação
do fogo, uma proporção exata e uma ligação tão
íntima
que ele resiste a todos os meios ordinários. Para se conseguir êxito,
é preciso alterar as proporções pulverizando-se o vidro,
cozendo-o e macerando-o em óleo de tártaro. Pouco a pouco
o álcali torna-se fosco com o vidro, então aproximamos os
ácidos e a decomposição se faz porque a proporção
original foi alterada. O ácido se apodera não somente do álcali
adicionado, mais ainda daquele que se encontrava primitivamente no vidro,
de modo que todas as partes salinas separam-se
da terra que as mantinha como que acorrentadas. O meio, aliás, é
assaz pouco conhecido e não há, talvez, quatro químicos
franceses que tenham ouvido falar nesse assunto, pelo menos jamais encontrei
qualquer vestígio a respeito disso. Deixo
para vós a aplicação às verdades intelectuais
e vossa explicação me dará grande prazer. Quanto às
perguntas sobre o
Quadro Natural, começo a perceber que ainda sou por demais ignorante
para fazê-las, deixando a vossa bondade para
outras ocasiões. Como ainda não recebi os Três Princípios,
de nosso amigo B., não pude comparar as passagens sobre a luz
oculta nos elementos, que tivestes a gentileza de me indicar. Mas, nessa
ocasião, encontrei, epístola no 46 de B. 37, 38, um
artigo que me parece muito importante: é uma espécie de eucaristia
intelectual que me impressionou muito porque encontrei
vestígios dela em outros locais. É a fome e a sede da alma
que, havendo entrado na graça do reparador, e sendo por ele
recebida, tornou-se substancial. B. chama a essa substância de Sophia,
a sabedora essencial ou o corpo do reparador.
Pordage, médico inglês e discípulo de B., cujas obras
recebi acidentalmente quando indagava acerca das obras de nosso
amigo, crê que essa sabedoria substancial é o precursor de
Jesus Cristo na alma, uma virtude separada do ternário sagrado,
que, no entanto, só age pela vontade desse sagrado ternário,
e, em conseqüência, age somente por essa sabedoria. Essa
sabedoria, diz Protage, não é um anjo, mas uma virtude angélica,
e ultrapassa todas as virtudes dos anjos e dos homens. É
ela que destrói nossas impurezas, nossa vaidade nossa propriedade.
É ela que nos regenera. Tem origem diretamente no
princípio eterno. É o espírito reparador do qual nos
fala São Paulo (Romanos, 8:9)32. Rogo-vos dizer-me o que pensais
dessa passagem de B., epístola 46, §§ 37,38, edição
de 1682. Tivestes a bondade de dar-me esclarecimentos referentes a
Monsieur de Hauterive e Madame de Lacroix que me deram grande prazer, porque,
de acordo com opiniões recebidas, havia
concebido uma alta estima por Madame de Lacroix. A partir da minha carta
de 25 de julho tive uma grande satisfação. Recebi
o Ecce Homo; ao lê-lo, agradeci do fundo do coração
à boa Providência por haver posto em vosso coração
escrever-me, e
gostaria de agradecer-vos em nome de meus irmãos aos homens, por
lhes terem tão bem detalhado seu aviltamento e sua
vergonha. De todo o mal que haveis falado sobre a espécie em geral,
tomo de muito boa vontade o que me toca, achando
que dissestes a verdade e toda a verdade. Permiti-me que vos peça
esclarecimentos sobre algumas passagens: a facilidade
22
que tendes para dizer muitas coisas com poucas palavras, unida ao vosso
hábito de remissões, seja às vossas próprias
obras, seja às de nosso amigo B., talvez tornem minhas perguntas
menos indiscretas.
1º: Qual é o sentido preciso em que tomais o termo espírito
na acepção desta palavra, às pp. 54, 68, 78 e 79º
2º: Quais são os escritores zelosos e veementes, p. 65º
3º: Quais são os juízes, p. 129, e como podemos tomar
conhecimento de seus julgamentos?
4º: Esta é a mais importante de todas as perguntas: Em que consiste
nosso principal trabalho para nos reaproximarmos de
Deus? Qual é o caminho que nos conduz aos deleites que podemos tirar
de nosso próprio fundo e, de nossa parte, qual é a
principal causa que nos torna tão fatigante esse caminho? Quais são
as precauções para abrir em nós a via direta de nosso
interior? Como podemos ler na nossa sublime fonte e como pôr em atividade
e desenvolvimento os germes diversos que nos
constituem? Em suma, em que podemos contribuir para que o dia comece a surgir
e a estrela da manhã se erga no coração
do homem? pp. 20, 61, 109, 110, 154.
5º: Como o conhecimento íntimo e perfeito do desnudamento espiritual
é da mais absoluta importância, ouso perguntar-vos
em que sentido exato tomais esse termo. A isso junta-se a questão
subseqüente: podemos desnudar-nos por nós mesmos?
p. 56.
6º: Para nos despojarmos, é suficiente ter o sentimento salutar
de nossos lamentável estado? O homem não pode ter o
sentimento de seus defeitos sem que possa livrar-se dele? Não pode
perceber que é vão e cheio de si e que sempre como
tal permanece? p. 110.
7º: Supondo que a pessoa que me falou sobre o procedimento de Monsieur
de Hauterive haja dito a verdade, esse
procedimento pelo qual Monsieur de Hauterive se despoja de seu envoltório
corporal para gozar da presença física da causa
ativa e inteligente não seja uma obra figurativa que indica a necessidade
de um despojamento interior para chegar um dia à
presença da palavra inata em nosso centro?
Aqui estão, certamente, perguntas bem importantes que vos rogo perdoar
por causa de meu desejo de me instruir. Presumo
que várias dessas perguntas serão tratadas em O Novo Homem.
Peço que me informeis as adjunções ou as mudanças
referentes a essas perguntas que teríeis desejado fazer depois da
leitura das obras de nosso amigo B. Ouso ter a esperança
de que jamais deixareis extinguir-se o interesse que tomais por meu adiantamento
e que estareis, a vida toda, certo de meus
sentimentos de respeito e reconhecimento. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
31 Estamos em plena Revolução Francesa (1789-1795).
32 "Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito,
se de fato o Espírito de Deus habita em vós. E se alguém
não tem o
Espírito de Cristo, esse tal não é dele."
Carta 8 25 de agosto de 1792
Quando de meu último bilhete, senhor, não me foi nada possível
escrever-vos mais longamente. As ruas que cercam o hotel
em que me hospedo eram um campo de batalha; o próprio hotel era um
hospital para o qual eram trazidos os feridos e, além
disso, estava ameaçado de ser invadido e pilhado a qualquer momento.
No meio de tudo isso, era preciso que eu fosse, com
risco de vida, ver minha irmã e cuidar dela, a uma meia légua
do lugar onde moro. Felizmente a Providência me susteve de
maneira forte em todo esse caos. Há alguns dias, saí para
retornar ao campo, de onde é com verdadeiro prazer que retomo
nossa correspondência. Não vos surpreendais, senhor, com as
semelhanças que percebeis entre minhas idéias e as de
Madame G., e até mesmo entre as dela e as de nosso amigo B. A verdade
é uma só, sua língua também é uma só,
e todos
os que marcham nesta carreira dizem a mesma coisa sem se conhecerem e sem
se verem, embora, uns digam coisas
maiores ou menores coisas do que os outros, segundo o caminho maior ou menor
que percorreram. Tomai como exemplo as
nossas Sagradas Escrituras. Vemos nelas, por toda parte, a mesma idéia
e a mesma doutrina, apesar da diversidade dos
tempos e lugares onde viveram os autores sagrados. Posso garantir que eu,
indigno, inseri em minhas obras grande número
de germes cujos desenvolvimentos eu mesmo não conhecia e dos quais,
todavia, sentia a verdade; esses mesmo germes
encontro-os eu todos os dias em plena relação em meu caro
B., o que me cumula de alegria: 1º, por causa da semelhança;
2º, porque isso me proporciona fazer prazerosas colheitas que eu jamais
poderia ter feito sem ela. Há cinco ou seis anos que
recebi de maneira bem natural em minhas especulações uma abertura
sobre a geometria e os números, o que me causou
um transporte do mais vivo êxtase. Muito bem! Um ano depois, descobri
esse raio de luz esboçado ao longo das tradições
chinesas relatadas nas cartas edificantes de nossos missionários.
Isso fora escrito há quatro mil anos e a quatro mil léguas
longe de mim, relação que não fez mais do que decuplicar
meu êxtase, em vez de humilhar-me, pois a primeira coisa que
havia a saber é que nada podemos inventar e que tudo recebemos. Creio,
como vós, que as diferentes obras das quais me
falais podem ser uma excelente introdução. Mas as introduções
verbais das pessoas experientes pareciam-me ser ainda
mais proveitosas do que os livros, a menos que eles sejam da ordem dos de
meu amigo B.; ainda assim eu preferiria escutálo
a lê-lo. Estou em uma casa onde Madame G. está muito em voga.
Deram-me a ler algum texto de sua autoria. Nessa
leitura percebi como a inspiração feminina é frágil
e vaga se comparada à inspiração masculina, tal como
a de J. B. Em uma,
encontro hesitações, moral e misticismo em lugar de luzes;
algumas interpretações felizes, mas muitas outras que são
forçadas, enfim, mais afeto e sentimentos do que demonstrações
e provas, medida que serve à verdadeira instrução daquele
que a busca. Em outra, encontro um equilíbrio de uma solidez inabalável;
encontro-lhe uma profundidade, uma elevação,
uma substância tão plena e constante que, confesso-vos, creria
estar perdendo tempo se buscasse em outro lugar. Assim,
23
abandonei as outras leituras. Entretanto, deixo-as às pessoas da
casa que delas se ocupam, escondendo-lhes mesmo meu
autor predileto, porque elas não seriam capazes de segui-lo e porque,
além disso, eu teria trabalho demais em traduzi-lo. Se
a enumeração das potências e a necessidade de classificar
é para vós um domínio novo, o amigo B. vos será
de grande
ajuda nesses assuntos, e não duvido nada de que, se continuastes
a lê-lo, já tenhais dados alguns passos a respeito disso
desde a vossa última carta. A Escola pela qual passei deu-nos também
uma boa nomenclatura nesse gênero. A de B. é mais
substancial do que a nossa e conduz mais diretamente ao alvo essencial;
a nossa é mais brilhante e mais detalhada, mas
não a considero tão proveitosa, tanto mais que ela é
somente, por assim dizer, a língua do país que é preciso
conquistar, e
falar línguas não deve ser o objeto dos guerreiros, mas na
verdade submeter as nações rebeldes. Por fim, a de B. é
mais
divina, a nossa é mais espiritual; a de B. pode e deve tudo fazer
por nós, se soubermos com ela nos identificar, a nossa exige
um operação prática e operativa que lhe rende frutos
mais incertos e talvez menos duráveis; ou seja: que a nossa está
voltada para operações nas quais nosso Mestre era competente,
ao passo que as de B. estão inteiramente voltadas para a
plenitude da ação divina, que em nós deve ocupar o
lugar de tudo; e é sob esse aspecto que ela arrasta todas as faculdades
de meu ser, nunca havendo eu sentido grande gosto nem grande talento para
as operações. Monsieur de Hauterive, que
teve o mesmo mestre que eu, entregou-se mais do que eu a essa parte operativa
e, embora tenha colhido dela mais frutos
do que muitos de nós, confesso-vos, no entanto, que nunca vi frutos
de sua autoria que me tenham levado a mudar de idéia.
A meus olhos, ele possui muitos outros méritos. Madame de Lacroix
é também uma pessoa mui recomendável, tida por muita
gente como detentora de dons espirituais eficazes. Tentou exercê-los
diante de mim, mas de sua parte tive somente provas
negativas. Porém, senhor, o capítulo das comunicações
livres não é uma coisa suficientemente rara para não
abrir todas as
probabilidades sobre as comunicações forçadas pelas
operações. O mundo está cheio dessas duas ordens de
fatos e não
duvido de que Madame de Lacroix não as tenha podido ter como tantas
outras pessoas. Mas seria uma imprudência tola de
minha parte tentar discernir todos esses fatos estranhos a mim. Independentemente
das inúmeras dificuldades que neles
seriam encontradas, somente as que nos são próprias e pessoais
é que nos realmente importam, e creio já vos haver dito
que nesse gênero a luz deve acompanhar-nos em todos os passos se soubermos,
por nossa humilde e atenta simplicidade,
ser fiéis aos nossos progressos se não dermos passadas grandes
demais. Quanto à persuasão da existência de todas essas
coisas, ela se baseia na persuasão de nossa natureza espiritual e
de todos os direitos e relações que esse título de
Espírito
estabeleceu em nós e ao nosso redor. Tendo uma vez sentido a nossa
alma, não podemos ter qualquer dúvida sobre todas
essas possibilidades e é nas provas desse divino caráter de
nosso ser que a Escola pela qual passei era preciosa, porque
oferecia-nos as demonstrações mas convincentes. Mas como já
ultrapassastes essas dificuldades que detêm a tantos, segui
o movimento de vossa fé; dirigi, como costumais fazer, vossa alma
e vosso culto à fonte e ao próprio grande princípio;
ele
não vos dará serpentes quando lhe pedirdes pão33, e
podereis comer em paz e com confiança o alimento que ele vos der.
Todos os fatos e todas as maravilhas parecer-vos-ão simples, porque
isso não será para vós mais do que uma seqüência
na
natureza de nosso ser, do qual somos uma digressão, e porque a mão
divina só podia restabelecer através do órgão
do
Reparador, profundezas sobre as quais eu estaria apenas balbuciando em comparação
com nosso amigo B., ao qual vos
remeto. Dizeis-me, senhor, que Arnold é mais fácil de entendido
do que B., mas eu nem seria capaz de fazer essa
comparação aqui. Tentei-o em Estrasburgo e via que B. me embaraçava
com menos freqüência. Isso advém, talvez, do fato
de que, tratando sempre o mesmo objeto, ele fica circunscrito a um certo
número de palavras, ao passo que Arnold é mais
variado e emprega mais palavras diversas. Quando possuirdes a obra dos Três
Princípios de Böhme, eu vos ficarei grato se
me disserdes o que significa o vocábulo Rähs, que encontro no
cap. 25, nº 27, sexta linha. Em inglês traduz-se como
predominante, mas não sei se o vocábulo alemão quer
dizer alguma coisa mais. Tenho apenas um pobre dicionário alemão
que não traz o vocábulo Rähs. Quanto ao vocábulo
Selbheit, que Madame G. traduz como propriedade, ele traduz
perfeitamente, nas duas línguas, os obstáculos que nós
mesmos colocamos ao nosso progresso. Mas penso, nesse ponto,
que Madame G. tendia a uma posição que me parecia excessiva
(talvez por não ser digno de compreendê-la). O amigo B.
torna-me a coisa simples e sensível mostrando-me todas as cadeias
sobre nós colocadas por aquele que ele chama de
espírito deste mundo. Eis a verdadeira morte que é preciso
sofrer, a verdadeira propriedade [auto-propriedade - N.T.] que é
preciso expulsar de nós. Mas quando a propriedade divina se digna
substituí-la em nós, énos permitido conservá-la
com
grande cuidado, e é sobre isso que não acho Madame G. nem
clara nem equilibrada. A via das operações parciais e
espirituais está muito próxima do espírito deste mundo,
e sobretudo da região astral onde ele tem sua morada e que é
quase
universalmente empregada pelas operações, sem excetuar o mestre
que tive e os discípulos que seguiram essa via
operativa. Ela é, por isso, mui suscetível de aumenta em nós
essas propriedades das quais devemos defender-nos, vistas as
vantagens e os prazeres que nos proporciona. Também estou certo de
que é esta a principal das Selbheit contra a qual
devemos estar em guarda, um sentido que eu jamais teria compreendido sem
as aberturas do amigo B. Adeus, senhor,
recomendo-me às vossas preces. Se encontrais, como dizeis, algum
bom sentimento em nossas relações, quanto a mim
posso garantir-vos que o encontro bastante, e espero que isso aumente para
nós dois, graças ao alimento que ambos nos
propusemos tomar. Ouso até mesmo ter a certeza antecipada do direito
à vossa amizade por causa dos bens que para vós
fui capaz de conseguir na leitura em questão. No meu bilhete eu vos
rogava me falardes apenas desse assunto porque em
Paris as cartas estavam sendo abertas e eu não gostaria de perder
as vossas se quisésseis falar de outra coisa. Porém,
confesso-vos que, excetuando-se o meu assunto, além do meu assunto,
envolvome muito pouco com o resto. pois não
passod de cidadão, De agora em diante, peço-vos suprimir o
título e até mesmo o nome de minha anfitriã nos endereços,
e
não me envieis mais cartas a Paris até novo aviso. Este é
o meu endereço do momento: Castelo de Petit-Bourg, près de
Ris,
em Ris, estrada de Fontainebleau. SAINT-MARTIN
24
33 Referência a Mateus, 7:9-10: "Ou qual dentre vós e'o
homem que, se porventura o filho lhe pedir pão, lhe dará uma
pedra? Ou se lhe pedir um peixie, lhe dara uma cobra?" - Imagem tirada
do Sermão da Montanha. E Lucas 11:11-12: "Qual
entre vós é o pai que , se o filho lhe pdir [pão, lhe
dará uma pedra, ou se pedir] um peixe, lhe dará em lugar de
peixe um
cobra? Ou, se lhe pedir um ouvo lh dará um escorpião?"
(Algumas traduções trazem serpente em vez de cobra.)
Carta 9 7 de setembro de 1792
Vi com grande satisfação, senhor, pela vossa carta de 25 de
agosto, que, no mesmo dia em que eu pensava em vós,
pensáveis em mim. Se por acaso não recebestes minha carta,
escrita nesse mesmo dia 25 de agosto, tende a bondade de
informar-me. De qualquer forma, o mal não será muito grande
nem difícil de reparar. As mesmas razões que causaram
embaraços também me impuseram obstáculos que me impediram
de ler nosso amigo B. Não obstante, de maneira bem
completa, o pouco que li dele confirma o vosso julgamento sobre ele e a
comparação que fazeis entre seus escritos e os de
Madame Guyon. Nele encontro uma precisão, uma firmeza e uma solidez
inabaláveis. Adoto, como vedes, o vosso
julgamento, todo o vosso julgamento, e nada mais que o vosso julgamento.
Sem a luz do alto, esse homem, desprovido de
instrução e de estudos, seria incompreensível. Ignoro
se a vida de nosso amigo é relatada na edição que possuís;
se ela aí
não se encontra, eu vos informarei sobre as principais épocas
e minha afirmação sobre seus talentos inconcebíveis
tornarse-
vosá lúcida. Presumistes muito bem as perguntas que tentei
fazer-vos sobre o Quadro Natural; mas como sou obrigado a
concentrar minhas faculdades em um único ponto, somente no único
necessário, no grande mistério que São Paulo confiou
ao Colossenses, cap. 1, versículo 2634, reservo minhas perguntas
para uma outra ocasião. Enquanto espero, sou realmente
grato para convosco pelos esclarecimentos sobre vossas duas nomenclaturas
e prevejo que terei bastante perguntas a fazervos
sobre a nomenclatura de nosso amigo quando posto em paralelo com as vossas.
Creio nas comunicações livres, mas
meu gosto não pode estar mais distante daquilo que se refere às
comunicações forçadas, isto é: às que
não são uma
seqüência natural e espontânea do estado de nossa alma
quando atingiu os graus superiores. E depois, quando sentimos
muita sede da fonte, nem pensamos em nos determos nos caminhos agradáveis
que parecem conduzir a ela, sem falar dos
perigos para o nosso pobre ser interior que podem acompanhar esses tipos
de comunicações, perigos que muito bem
descrevestes em Ecce Homo, p. 24. Uma obra talvez interessante de se compor,
e à qual se pudesse dar um cunho histórico
para ser lida com avidez por todos os homens de desejo, seria a vida de
um amigo da verdade, que faríamos passar pelo
labirinto de todos os erros modernos que dizem respeito à falsa maçonaria
e à incredulidade, antes de fazê-lo conhecer um
eleito respeitável que o conduzisse no bom caminho. Poríamos
na boca desse eleito a quintessência de vossas obras e das
de nosso amigo B., que, entre os homens de letras e os homens do mundo,
são atualmente tão pouco conhecidas como e
ele as houvesse escrito nos confins da Arábia há 4000 anos.
Os barões de Homed, os Schroepfer, os Gregomas, os
Gabrielis, os Sarpelli, os Cagliostro, e como se chamam todos esses prestidigitadores,
serviriam de enchimento à falsa
maçonaria; os Nicolai, os Biester, os Gedicke, os Voltaire e os Boulanger
às falsas idéias religiosas e filosóficas, e
conduziríamos nosso biógrafo até que a sede e a fome
da verdade houvessem assumido maior proporção no seu espírito.
Então o eleito lhe indicaria a estrada do centro, sem qualquer desvio
e com todas as suas vantagens. Com isso seia
colocado, nas mãos de muitas pessoas que não abordam com facilidade
as obras teosóficas, um livro essencial. Certamente
é uma idéia que poderá sofrer muitas modificações,
de acordo com o alvo proposto. Graças a cuidados, e negociações
mesmo, cheguei, não a possuir, mas a tomar emprestado o volume do
nosso amigo B., que contém os Três Princípios.
Apenas nas casas dos pastores do Alpes é que se encontram suas obras.
A princípio, procurei no cap. 23, nº 27, ao vocábulo
rähs. O escritor inglês que a traduziu como predominante confundiu
o
gênero com a espécie. Todo o que é rähs, ou räss,
conforme escrevemos, é predominante35; mas nem tudo o que é
predominante é räss. O sentido próprio e primitivo desse
vocábulo significa um pouco mais do que salgado, aproximando-se
de schärfe que, para os objetos que afetam o sentido do gosto, quer
dizer âcre36; no sentido figurado diríamos ein rässes
Weib (uma mulher rabugenta37). Parece-me que nosso amigo o adota num sentido
figurado que se aproxima do de cáustico
(ätzend). O vocábulo ätzend é empregado para a sensação
produzida pela cristalização da prata no espírito de
nitro sobre a
pele, despojada pela fusão de toda sua água de cristalização,
a que chamamos de pedra infernal. Räss é empregado muito
pouco no estilo moderno, mas em nossa terra, afastados do centro da Alemanha,
temos conservado uma grande quantidade
de vocábulos antigos, e rähs é muito usado entre nós.
Se alguma palavra vos causar dificuldades, dizei-me quais são que
tentarei explicá-la. Em lugar de vocábulos, vós me
explicareis as coisas; então eu farei a mesma troca feita outrora
pelos
europeus com os habitantes do novo mundo: em troca de lingotes de ouro,
davam-lhes pregos de ferro. Já que ficarei um
pouco menos ignorante, eu vos pediria que mefalásseis de vossa descoberta
sobre os números que posteriormente
encontrastes nas Lettres édifiantes38. Vossa observação
sobre Madame G., no tocante à sua expressão de propriedade,
é
importante. Ela não teve o cuidado de tornar essa idéia principal
luminosa o suficiente para seus leitores, mediante o quê é
provável que tenha ficado sem produzir frutos em muitos deles. Nesse
sentido, parece-me que jamais podemos ter luzes em
demasia. Quando, em minha carta de 25 de julho, fiz menção
a luzes distintas que não me pareciam essenciais à nossa
obra, eu falava das manifestações, das visões físicas,
das comunicações que incidem sob o sentido exterior, e acho,
assim
como vós, que Madame G. não é bastante clara nem bastante
segura sobre a propriedade que é preciso conservar e sobre
aquela da qual é preciso defender-se. Remissões ao nosso amigo
B. e explicações sobre o espírito do mundo e sobre
a
região astral ser-me-ão muito preciosas. Conheço o
nome de uma obra francesa que fala muito do espírito astral, sem
que eu
25
jamais tenha conseguido descobrir de onde foi que o autor, que não
conhece alemão, tirou esse espírito astral. Parece que
muita gente, em quase todos os países, ocupa-se de idéias
semelhantes. Não somente mereceis, senhor, o direito à minha
amizade, mais também o direito ao meu reconhecimento. Ambos os sentimentos
estão em mim, não é preciso afirmá-lo,
muito vivos e sinceros. Devo-vos mais do que poderia dizer e rogo todos
os dias ao nosso grande Benfeitor que vos
recompense por tudo. Estou suprimindo de minha carta o título de
vossa anfitriã, assim como seu nome, mas permiti-me
dizer-vos que tenho dela uma opinião muito elevada. É bem
raro haver pessoas de sua idade e posição que levem tão
a
sério as ocupações. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
34 "O mistério que estivera oculto dos séculos e das
gerações; agora, todavia, semanifestou aos seus santos."
35 Itálico da tradutora.
36 Acre, áspero.
37 Acariâtre.
38 Cartas Edificantes.
Carta 10 Petit-Bourg, 6 de setembro de 1792
Talvez estejais aguardando uma segunda carta minha, senhor, antes de me
escreverdes, e por isso retomo a pena para
responder à vossa de 25 de agosto. Nada mais correto do que a vossa
observação química sobre a alteração
das
proporções. É por essa lei que a natureza caminha universalmente,
tanto a organizada quanto a não organizada. Não
duvidamos de que o espiritual seja dirigido pela mesma lei. Podemos fazer
essa experiência em nós mesmos, seja para
melhorar nossas afeições morais, seja para esparzir nossas
luzes. Em ambas as classes, é preciso que afastemos os objetos
contrários e que fortaleçamos, pela aproximação
dos objetos favoráveis e análogos ao nosso desígnio,
as nossas faculdades
que se encontram entravadas em obstáculos e obscuridades. O amigo
B. vos dirá muito sobre isso quando vos falar de vossa
regeneração e da encarnação do Salvador, que
a ele posso confiar sem receio. Li a passagem dele que me citastes: Ep.
46,
§§ 37 e 38. Quando houverdes lido os Três Princípios,
encontrareis muitas outras maravilhas sobre esse assunto; vereis com
bastante clareza aquilo que se chama sabedoria, ou sophia, e não
tereis a mesma opinião de Pordage, que diz ser ela o
precursor de Jesus Cristo na alma, uma vez que eles só podem vir
juntos, visto ser nela que ele está envolvido para
incorporar-se no elemento puro e de lá descer à região
dos elementos mistos e corruptíveis ou ao seio de Maria, para em
seguida, através da morte que todos trazemos em nós, arrebatar
consigo a alma humana purificada e regenerada em sua
vida divina. Mas concordareis com Pordage quando representa essa sabedoria
como sendo não um anjo, mas uma virtude
angelical, superior a todos os espíritos dos anjos e dos homens.
Assim, não posso considerá-la como o espírito do Reparador
do qual fala Paulo em Romanos, cap. 8, versículo 939, pois esse espírito
de Reparador é Deus, assim como o próprio
Reparador. Enfim, ele é a luz divina que ilumina todas as maravilhas
da imensidão divina, ao passo que sabedoria não é
mais do que o vapor ou o reflexo dele. Ela deixa passar através de
si todas essas maravilhas e é propriamente a
preservadora de todas as formas dos espíritos, assim como o ar é
o preservador de todas as formas materiais. Ela habita
sempre com Deus e, quando a possuímos, ou antes, quando ela nos possui,
Deus também nos possui, já que os dois são
inseparáveis em sua união, embora distintos em seus caracteres.
Vamos a Ecce Homo.
p. 54: "Neste espírito" quer dizer: "neste sentido
ou nesta intenção".
P. 68: "O testemunho de Espírito" significa aqui os espíritos
particulares, anjos ou homens, já admitidos às regiões
da outra
vida.
P. 78, Id. P. 79, Id.
P. 65: Escritores Zelosos. Tenho em vista Monsieur Dutoit40 em sua obra
Abus e l'origine de la raison des religions et des
superstitions41, título que traduzo talvez mal, mas que basta para
vos pôr no caminho. Essa obra me surpreendeu em alguns
pontos, mas não me convenceu de tudo, longe disso, sem falar da dureza
de seu estilo. P. 129. Os juízes serão a própria
justiça divina, como anunciado pelo Evangelho, quando do juízo
final; e os julgamentos, não duvidemos de que não sejam
bastante claros para os entendermos quando nos forem pronunciados, uma vez
que serão as nossas próprias obras que
farão as vezes de ouvidos.
Pp. 20, 61, 109, 110, 154: sobre o trabalho interior e os meios de despojamento
e avanço. Em vão eu escreveria volumes
para tornar mais claras estas coisas, uma vez que elas só podem ser
esclarecidas na atividade do desejo e na experiência de
nossos progressos pessoais. Já vos disse o bastante em minhas cartas
anteriores para ter que precise voltar a elas. Além do
mais, o amigo B. vos ajudará tanto nisso que posso confiar nele.
os
P. 56: O desnudamento espiritual é o sentimento vivo de nossa privação
divina neste mundo, operação que se combina, 1º:
com o desejo sincero de nos encontrarmos em nossa pátria; 2º:
com os reflexos interiores que algumas vezes o sol divino
tem a bondade de n enviar até o centro de nossa alma; 3º: com
a dor que experimentamos quando, depois de haver sentido
alguns desses diversos reflexos tão consoladores, tornamos a cair
na região de trevas para nela continuarmos nossa
expiação. Assim, não pretendo dizer que nós
mesmos podemos dar-nos essa vantajosa afeição, mas podemos
pedi-la por
nossa conduta e nossos desejos, e tudo o que Deus quer é fazê-la
chegar às nossas almas.
26
P. 110: perguntais-me se não é possível que o homem
tenha a consciência de seus defeitos sem poder livrar-se deles.
Certamente, se ele não continuar a pedir socorro; mas a mesma mão
que lhe enviar a consciência de sua miséria também
poderá, se ele lha implorar, administrar-lhe os remédios curativos.
Vossa 7ª pergunta, sobre Monsieur de Hauterive, força-me a dizer-vos
que existe algo de exagerado nas narrativas que ele
vos fez. Ele não se despe do envoltório corporal: todos aqueles
que, como ele, gozaram, para mais ou para menos, dos
favores que vos relataram sobre ele, também não saíram
desse envoltório. A alma deixa o corpo somente na morte, mas,
durante a vida, a faculdades podem estender-se para fora da pessoa e comunicar-se
com seus correspondentes externos
sem deixarem de permanecer unidas ao centro, assim como nossos olhos físicos
e todos os nossos órgãos correspondem a
todos os objetos que nos cercam, sem deixarem de permanecer ligados ao seu
princípio animal, foco de todas as operações
físicas. Não é menos verdade que se as experiências
de Monsieur de Hauterive forem de ordem secundária, só são
figurativas com relação à grande obra interior de que
falamos; e se forem da classe superior, são a própria grande
obra. Ora,
isso é uma questão que eu não resolveria, ainda mais
que ela de nada vos adiantaria. Creio prestar-vos mais serviço
dirigindo vossa atenção aos princípios do que querendo
deter-vos nos detalhes dos feitos de outrem. Quanto a O Novo
Homem, rogo-vos perdoar-me se eu não puder fazer o trabalho que me
pedis nem comunicar-vos os acréscimos ou
alterações que creio lhes possam ser feitas desde que li B.
Vós mesmo fareis essa tarefa com facilidade à medida que
avançardes em nosso caro B., que não devemos esperar conhecer
em pouco tempo e após uma leitura ligeira. Para mim, o
trabalho que me propondes está acima de minhas forças. Já
permaneci por assaz longo tempo em meu escritório; não devo
mais aprofundar-me nesse tipo de preocupação e de agora em
diante só gostaria de escrever sobre minha substância.
Assim, com relação às obras, deixo hoje descansar a
pena. Além do mais, a obra em questão é mais uma exortação
e um
sermão do que um ensino, embora aqui e ali haja algo a considerar.
Escrevi-o por solicitação de alguém que queria que
eu
escrevesse nesse gênero exortativo. Fiz o trabalho às pressas,
que foi impresso a partir do rascunho, e regojizo-me por me
haver livrado dele. Devia estar acabado, mas as ocupações
com meu país me fazem parar com tudo; assim, não sei quando
o vereis. Adeus, senhor, felicito-vos por habitar em lugares onde reina
o repouso político. Embora comigo ocorra justamente
o contrário, submeto-me, procurando louvar a Deus por tudo o que
ele me envia, seja satisfação ou contrariedades. Não
lhe
peço senão a graça de fazer de ambas um emprego mais
justo e mais salutar para meu progresso. SAINT-MARTIN
39 "Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito,
se de fato o Espírito de Deus habita em vós. E se a lguém
não tem o
Espírito de Cristo, esse tal não é dele."
40 Dutoit, Jean-Philippe (1721-1793). Adepto do quietismo. Grande admirador
de Mme de Guyion, publicou uma edcao
completa de seus escritos.
41 "Abuso e origem da razão das religiões e das superstições."
Carta 11 Amboise, 28 de setembro de 1792
Mais um novo endereço, senhor. Depois de minha carta de princípio
de setembro, na qual eu vos falava da vossa de 25 de
agosto, fui chamado por meu pai à minha terra natal e não
sei por quanto tempo ficarei lá. Estou passando por uma privação
quase absoluta, mas o amigo B. e as nossas Sagradas Escrituras são
o meu consolo e o meu sustentáculo. A idade de meu
pai não mais permitirá que eu me separe dele. Nossos acontecimentos
políticos não dão muita vontade de sair daqui e voltar
para a capital a qualquer momento. Assim, senhor, dirigi vossas cartas de
agora em diante a Amboise, departamento do
Indre-et-Loire, tendo a precaução de acrescentar ao meu nome
a palavra filho, para que vossas cartas não caiam nas mãos
de meu pai. É uma graça da Providência o haver-me feito
conhecer B. antes de ser confinado no exílio em que hoje me
encontro. Sem isso, eu só poderia esperar para mim a ruína
espiritual num lugar pequeno como esse, em que os espíritos
estão a mil léguas daquilo que nos ocupa. Agradeço-vos
a oferta que me fizestes em vossa carta de 8 de setembro, com
relação às diversas épocas da vida de B. Isso
pode ser encontrado na edição que possuo, que é a de
1682. Tendes razão
em insistir no mistério confiado aos Colossenses, cap. 1:26. É
esse o unum necessarium. Quanto à obra que sugeris para
facilitar aos olhos do mundo a idéia da verdade, creio-a útil
e me parece concebida de maneira sábia. Mas não estou em
posição favorável para empreendê-la e, se usasse
o pouco de forças que me restam nesse gênero, empregá-las-ia
em outra
coisa, seja para produzir algo de novo, como o que se encontra em germe
nas anotações diárias que tenho o costume de
coletar desde que aprendi a pensar, seja para traduzir em minha língua
algumas obras de B., desconhecidas em minha
nação. Mas em nada me preocupo a respeito de tudo isso. Por
um lado, espero que os movimentos sejam mais
determinados para eu me entregar as minhas produções pessoais;
por outro, espero ter lido B. por inteiro para tornar-me
mais familiarizado com sua doutrina. Estou deveras satisfeito com a explicação
que me destes do vocábulo rähs. Eu não
estava errado em desconfiar do meu inglês; ele me falha em muitas
outras ocasiões e parece que o tradutor seguiu um outro
texto diferente do que possuo, pois na tradução há
frases inteiras no passado e, além disso, a divisão dos números
é
totalmente diferente; é o que me faz preferir o alemão. Tenho
um pouco mais de trabalho por não contar com o auxílio de
ninguém, mas, pouco a pouco, habituar-me-ei a ele. A descoberta sobre
os números, da qual falastes, exigiria explicações
verbais preliminares e as cartas dificilmente preencheriam nosso objeto.
Julgai por vós mesmo os elementos em que essa
descoberta se baseia. São eles: 1º: nossa doutrina particular
sobre as causas finais da existência dos seres; 2.?: essa
mesma doutrina demonstrada pela ciências dos números; 3º:
o conhecimento pelo menos dos primeiros princípios da
geometria elementar; 4º: o conhecimento mais amplo e mais aprofundado
da geometria espiritual. Eis os ingredientes que
27
entram no desenvolvimento que recebi. Sabeis que Pitágoras mandou
imolar cem bois por haver descoberto a hipotenusa;
afianço-vos, senhor, que se deveriam imolar mais de mil se ele houvesse
tirado dessa hipotenusa tudo o que ela já me deu.
Mas deixemos isso para os tempos futuros. As montanhas não se encontram,
mas os homens não são montanhas e talvez
um dia a estrela da paz e da liberdade se eleve sobre minha pátria
e minha existência. Então não vos digo o que farei,
mas
meu coração o sabe e podeis confiar nele. Não conheço
a obra francesa que, segundo vós, fala muito do espírito astral,
a
menos que seja a de Monsieur Dutoit, da qual vos falei em última
carta enviada do Petit-Bourg. Sei, realmente, que em quase
todos os países muita gente se ocupa com semelhantes idéias.
Há certamente uma fermentação espiritual da qual deve
resultar um explosão, mas qual será? É o que ignoro.
Para esse espírito astral, não tenho necessidade de dar-vos
referências do nosso amigo B.: vós o estareis sempre encontrando.
Além disso, tomai o Zweytes register42, que está no fim
do décimo volume da edição de 1682. Procurai aí
Geist, Sternen, Siegel43, etc., e cada um deles vos remeterá à
passagem
do autor que desejardes e que vos satisfará.
Tendes razão, senhor, de haverdes formado uma boa opinião
sobre a anfitriã44 que acabo de deixar. Não se pode elevar
a
maior grau as virtudes da piedade e o desejo por tudo o que é bem.
Ela é verdadeiramente um modelo, sobretudo para uma
pessoa de sua posição. Apesar disso, acreditei que nosso amigo
B. fosse um alimento por demais forte para seu espírito,
sobretudo por causa do pendor que ela tem por tudo o que é maravilhoso
na ordem inferior, como os sonâmbulos45 e os
profetas do momento. Assim, deixei-a como está, depois de haver feito
tudo o que acreditei ser de meu dever para adverti-la,
pois o Ecce Homo foi um pouco dirigido a ela, assim como a algumas outras
pessoas entregues ao mesmo exercício. Adeus,
senhor, agradeço-vos pelas preces dirigidas por minha causa ao grande
Remunerador. Retribuo-vos com a mesma
sinceridade. Ainda não vos perguntei quais são as pessoas
a quem devo esse presente que é a vossa correspondência.
Muito gostaria de saber como se deu o fato de nos encontrarmos. SAINT-MARTIN
42 Second index.
43 Espírito, Estrelas, Selo.
Carta 12 Terça-feira, 16 de outubro de 1792
Vossas duas cartas, uma do dia 6 e a outra do dia 28 de setembro, chegaram
bem às minhas mãos e recebi-as com o
mesmo prazer que acompanha sempre a recepção das vossas. Eu
já teria respondido à primeira se não estivesse tão
mergulhado numa quantidade enorme de assuntos causados por vossa nação
e isso, como prefiro acreditar, unicamente por
causa de mal-entendidos. Se de uma vez para sempre vosso governo se cnvencer
de que os suíços são bem pouco
inclinados a fazer uma incursão na França como na China, e
que tudo o que se comenta sobre uma coalizão com as
potências são calúnias atrozes - pois disso posso falarvos
com conhecimento de causa - suponho que então nos deixariam, a
nós e a nossos aliados, em paz. Queremos a neutralidade, toda a neutralidade
e nada mais do que a neutralidade. Mas a
Suíça inteira está de pé para defender-se até
o último dos homens se quiserem tocar em nós ou em nossos
aliados. A
Providência traçou-nos limites, que são intransponíveis
se nos quiserem expulsar deles; além do que, não vejo o que
a
França ganharia tornando-se um inimigo a mais. Perdoai-me esta explosão
política; eu estava com o espírito cheio dela, era
necessário aliviar-me. Em vossa primeira carta deixaste-me entrever
uma idéia muito apropriada para diminuir minhas
preocupações, uma esperança lisonjeira para o porvir,
pois nesse momento, nenhum francês, de que partido seja, e mesmo
que não seja de partido algum, poderia encontrar satisfação
no nosso país. Mas, se prouver a Deus, essas nuvens políticas
dissipar-se-ão, permitindo que nos entreguemos tranqüilamente
às doçuras do estudo e aos encantos da amizade. Este
momento, em que fazeis esperar com que eu tenha, talvez, a felicidade de
vos ver, será um dos mais felizes de minha vida.
Agradeço-vos pelos esclarecimentos sobre Ecce Homo. Conheço
a obra de Monsieur Dutoit e formei sobre ela o mesmo
julgamento que vós. Quanto ao artigo de Monsieur de Hauterive, ele
ainda é bem de acordo com as minhas idéias. A
separação da alma e do corpo certamente não é
real; a idéia que tenho dela é como um sonho no qual podemos
muito bem
ver nosso próprio corpo sem movimento. Dizeis-me que, caso os feitos
de Monsieur de Hauterive sejam da classe superior,
eles são a própria grande obra. Eis aí, talvez, uma
verdade bem grande, é a te
46 dos antigos, e semelhante fato
bem
averiguado equivale a um princípio. Se puderdes fazê-lo sem
indiscrição, dizei-me se conheceis, com certeza total, alguém
que tenha atingido a esse grau. Ao lado disso, certamente os princípios
serão mais instrutivos para mim do que as façanhas
dos outros. Vós me felicitais por habitar em lugares onde reina a
paz política. Neste exato momento, só vejo os dias
ininterruptamente como batalhas e trens de artilharia que passam diante
de minha janela para irem defender sua pátria, caso
seja ela atacada. Uma súplica em particular que tenho a fazer-vos,
cujo cumprimento vos ajudaria, talvez, com nosso amigo
B., é traçar um paralelo entre a nomenclatura de vossa escola
e a terminologia de B. qual é o sentido, por exemplo, que
atribuís à palavra lança composta de quatro metais?
(Dos Erros e da Verdade, p. 35.) Com que termo corresponde B. a essa
lança? Em qual passagem corresponde B. à p. 38 de Dos Erros
e da Verdade, onde dizeis: "O homem extraviou-se ao passar
de 4 para 9 e jamais poderá reencontrar-se a não ser passando
de 9 para 4. Esta lei é terrível, sei disso, mas não
é nada em
comparação à lei do número cinqüenta e
seis, lei assustadora e espantosa para aqueles que a ela se expõem,
pois eles só
podem chegar a 64 depois de se haverem submetido a ela em todo o seu rigor."47
A obra francesa que mencionei é a de
Monsieur Dutoit, mas não vos falarei dela porque já estamos
de acordo nesse ponto Pedis-me contar como ocorreu nossa
correspondência. São os sentimentos de benevolência espalhados
em vossa obras, os quais não podem ser ignorados
quando na alma possuímos cordas, afinadas no mesmo tom, que me atraíram
para vós. Vosso nome não era mistério para
28
mim, pois gozais da reputação mais merecida junto aos verdadeiros
pensadores em toda a Alemanha. Vossa obra Dos Erros
e da Verdade é não somente conhecida e estimada, mas também
comentada por um sábio anônimo, juntamente com o
Quadro Natural sob o título: Das geheime system einer Gesellschaft
unbekannter Philosophen, unter einzelne Artikel
geordnet, durch Anmerkungen und Zuzätze erläutert und beurheilet,
und dessen Verwandtschaft mit ältern un neuren
Mysteriologen gezeigt, 2 Theilen 48 in-oitavo, 1784, em um volume. Se me
indicardes uma via conveniente, eu vo-la enviarei.
Ela talvez vos interesse e vos facilite usar a língua alemã.
Tenho, além disso, na corte de Munique, um amigo que me disse
já leu o Quadro Natural mais de vinte vezes, etc. Faz poucos dias,
quis a Providência que eu descobrisse no seio de minha
cidade natal um velho eclesiástico que leva uma vida obscura e retirada
e que, ignorado de todos, há quarenta anos se
ocupa com a leitura de nosso amigo B. Foi ele próprio que acabou
de entregar-me as obras Três Princípios e a Aurora, e que
quer tentar completar os poucos tratados que ainda me faltam. Percebo também
todos os dias com que bondade e cuidado a
providência me conduz em minha vida privada e pública. Dela
tenho tido provas recentes e tão marcantes que não pude
deixar de vos participar isso para a glória de nosso grande Benfeitor,
diante do qual me prosterno em meu nada.
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
44 Duquesa de Bourbon.
45 Médiuns que entram em transe.
46 Talvez théorie, (abreviada como "thé..."), ou
mesmo alguma palavra que o autor queira deixar encoberta.
47 - 48 Tradução minha, e não tirada da obra já
publicada.
Carta 13 Amboise, 6 de novembro de 1792
Se uma nação fosse tão pacífica como eu, senhor,
ela deixaria a vossa bem tranqüila. Além do mais, bastar-me-ia
ler o
amigo Böhme, cap. 12, nº 40, da Vida Tríplice, para que
impedir-me de amar a guerra. Mas espero, assim como vós, que as
coisas se arranjem. Felicito-vos de todo o coração pela descoberta
que fizestes. Dizei-me, rogo-vos, em vossa próxima carta,
se vosso bom eclesiástico sabe francês tão bem quanto
vós e, sobretudo, se o fala como suponho que falais, pois é
difícil
escrever francês da maneira como o fazeis sem o haver triturado através
da palavra falada. Julgai como essa descoberta
desperta as idéias e projetos que meramente vos sugeri. Mas, independentemente
das dificuldades que vosso país pudesse
oferecer hoje a um francês, nesse momento tenho outras bem me afligem
o coração. Meu pai sofreu nesses últimos dias um
violento ataque de paralisia, que, se não parece ainda ameaçar-lhe
os dias, pelo menos não nos deixa qualquer esperança
de restabelecimento, haja vista sua idade avançada. Minha vida está,
pois, de agora em diante, consagrada ao dever filial e a
todos os cuidados que o estado de meu pai exige necessariamente. Em meio
às minhas tristes ocupações, vou responder da
melhor maneira possível a todos os assuntos de vossa carta. Tive
a honra de informar-vos que não duvidava de que tivesse
havido, e ainda houvesse, homens privilegiados que tenham tido, e ainda
tenham, vislumbres da grande obra. Não tenho
dúvida alguma de que meu primeiro mestre e vários de seus
discípulos tenham desfrutado de alguns desses favores. Mas
uma afirmação sobre isso não vos adianta grande coisa.
Entretanto, como poder fazer com que tais sejam fatos indubitáveis
para um terceiro e para ele comprovados? As próprias histórias
que lhe fossem relatadas poderiam ocupar sua curiosidade
por um momento, sem dar-lhe convicção. Volto, pois, aos princípios,
que prefiro, convidandovos a aprofundá-los, de maneira
a que não mais fiqueis surpreso de que semelhantes fatos às
vezes existam; porém, ao contrário, com o fato de não
existirem universalmente, já que tais são os direitos e os
elementos de nossa verdadeira natureza. Aliás, há graus
inumeráveis na distribuição desses favores; aqueles
que conheci só usufruíram deles parcialmente, como fruto de
seus
trabalhos. Os eleitos de uma outra ordem usufruem pela ação
gratuita e voluntária da sabedoria que está acima de nós;
deveis sentir a diferença. Enfim, senhor, se quiserdes detalhes amplos
sobre esses objetos, abri as Sagradas Escrituras, que
nada mais são do que uma reunião das obras do espírito
sobre os eleitos. E essas obras, ou comunicações, oferecer-vos-ão
toda espécie de cores e de nuanças, sem receio das alianças
que com tanta freqüência se encontram entre os eleitos de
classe menor. Vede o que foi recomendado a Böhme quando de sua eleição:
ler com cuidado as Escrituras. O paralelo que
me pedis para fazer entre sua nomenclatura e a nossa seria um pouco longo
para ser dado por escrito. Vou limitar-me ao
ponto que citais. A lança, composta de quatro metais, não
é outra coisa senão o grande nome de Deus composto de quatro
letras. É o extrato desse nome que constitui a essência do
homem. Eis por que somos formados à imagem e semelhança de
Deus, e esse quaternário que trazemos em nós, e que nos distingue
com tanta clareza de todos os seres da natureza, é o
órgão e a marca da famosa cruz na qual o amigo Böhme
nos representa de maneira tão magnífica a eterna geração
divina, e
a geração natural de tudo o que recebe a vida, seja neste
mundo ou no outro. Extraviado ao passar de 4 a 9 significa "ir do
espírito para a matéria", que, segundo os números,
dá 9 na dissolução. Böhme dá ao 9 outro
significado ao considerá-lo
como o primeiro número depois do 10. Nem ele nem nós nos enganamos;
ele representa esse número na ordem divina e
nós, na elementar. E a inteligência aprova mui prazerosamente
todas essas diferenças de relações porque sabe que
cada
número é universal, verdade das mais certas, mas que requer
concepções bem calmas para ser apreendida e que exigiria
muitos volumes para ser desenvolvida. Böhme disse a mesma coisa que
os meus 4 e 9, em outros termos, quando disse que
o homem extraviou-se ao passar do segundo princípio, que é
o amor da luz, para o primeiro, que é a angústia e as trevas.
Quanto à lei 56, dela ainda não encontrei, numericamente,
qualquer vestígio em Böhme e confesso-vos que isso foi uma
revelação que recebi pessoalmente quando das instruções
em Lyon, há vinte anos. Ela reside no conhecimento das
propriedades e progressos do número 8, coisa que eu não creria
ser proveitoso falar-vos antes de estardes familiarizado com
29
a nossa língua numérica, familiaridade que não pode
ser adquirida através de cartas. Assim, deixemos esse ponto para
os
tempos favoráveis que ouso esperar do porvir. Mas se Böhme não
fala deles numericamente, fala de maneira muito clara em
sua doutrina. Pois, de que é que ele não fala? E quando nos
representa o ser perverso e todos aqueles que se assemelharão
a ele, mergulhados para sempre depois deste mundo nos horrores do fogo do
Primeiro princípio acendido pelo próprio
prevaricadores, ele me mostra tal o estado do número 56, no qual
os pecadores permanecerão, enquanto que os seres
purificados e justos chegarão a 64, que é a unidade. Não
ouso aceitar o livro alemão que tivestes a bondade de me oferecer,
a não ser sob a condição de que me indiqueis os meios
de vos enviar o montante, prevenindo-vos de que só temos
assignats49 e que deveis ter a bondade de me declarar o preço do
câmbio, a fim de que isso não vos cause despesas.
Possuo recursos pecuniários além das minhas necessidades;
assim, não me poupeis. Felicito-vos mais uma vez, senhor,
pelas graças que me dizeis receber diariamente. Espero que a Providência
continue aumentando-as para vós, é o que peço
a ela com grande empenho. Rogo-vos que procureis saber de vosso eclesiástico
se ele conhece o suficiente do sistema de
Böhme sobre a geração da alma dos homens para não
ter dúvida alguma sobre esse assunto. Vejo que Böhme distingue
bem a alma animal da alma divina, na natureza de ambas, mas não o
vejo distingui-las com muita clareza na geração delas.
Ora, temos sobre isso grandes bases, o que me deixa com uma certa cautela.
É o único ponto sobre o qual tenho
necessidade de escrutar esse divino autor. Estou aos pés dele em
todos os pontos de sua doutrina. Adeus, senhor, lembraivos
de mim em vossas preces. SAINT-MARTIN
Carta 14 M., 26 de novembro de 1792
Vossa interessante carta de 6 de novembro causou-me ainda mais prazer porque
temia que a minha de 16 de outubro se
houvesse extraviado. Perguntais se meu velho amigo eclesiástico,
que deixou o hábito há muito tempo porque seus
confrades o magoaram, fala francês. Ele não o fala. Em nossa
capital, a língua francesa é a língua do mundo e da
sociedade;
o alemão, a dos estudos, dos negócios e do governo. Quanto
a mim, falo francês; é um antigo hábito meu. Se executardes
vosso projeto, que, segundo o que me fazeis esperar, torna-se o meu, encontrareis
não somente em cada cidade, mas quase
em todas as casas, alguém que fale francês, e ouso gabar-me
de nosso país vos interessará. E se minhas esperanças
para
o futuro se realizarem, ninguém conhecerá melhor do que eu
o preço da execução de vosso projeto. Sofreis por causa
de
vosso pai e eu, por minha filha que, por causa de uma enfermidade ligada
ao seu sexo, já esteve algumas vezes à beira da
morte. Muitas vezes fui obrigado a deixá-la durante semanas inteiras
para assistir às sessões de nosso grande Conselho na
capital. Esse sacrifício custa-me muito porque ela confia inteiramente
em mim. Voltando à vossa carta, agradeço-vos pelo
presente da lança composta de quatro metais e pela vossa grande idéia
de que cada número é universal. Esse pensamento
da universalidade dos números germinou em mim e vou transcrever-vos
a seqüência das reflexões que me ocorreram a
mente sobre esse assunto. Não é somente plausível,
mas, de acordo com as Sagradas Escrituras, é fora de dúvida
de a
sabedoria divina tenha disposto todas as coisas de acordo com sua medida,
seu número e seu peso (Sabedoria, 11:24.50).
Não é somente possível, mas, de acordo com a nossa
razão, muito verossímil, que todas as coisas que formam juntas
uma
mesma classe, um mesmo gênero mais ou menos extenso, levam um signo,
um caráter comum, pelo qual a soberana
sabedoria julgou adequado distingui-los dos seres inteligentes, como pertencentes
a uma classe comum.
Ainda é possível, pensei eu, que esse signo comum a toda uma
classe seja um número. Nessa hipótese, cada número
talvez
designe uma idéia geral, ou seja: designe uma idéia que encerre
todas as outras da mesma classe. Tal hipótese tem uma
bela qualidade a seu favor: o testemunho sucessivo de homens instruídos
e virtuosos de cada século, desde pelo menos dos
mil e quatrocentos anos. Mas para mim ainda não passará de
uma hipótese até que eu tenha provas mais fortes do que a
simples tradição. É preciso que a gente mesma tente
uma chave, antes de poder estar certa de que ela abra tantas portas.
Para saber se os antigos tiveram uma chave semelhante, abro os versos dourados
de Pitágoras, onde descubro que ele jura
pelo sagrado quaternário. Abro Hiérocles, seu comentador,
e vejo que Pitágoras, tendo aprendido no Egito o nome dos
nomes explicado em quatro letras, havia-o chamado de Tetractis, quaternário,
que significava: fonte de toda a natureza, que
flui continuamente. Precisaria mais do que isso para colocar-me no caminho?
Num momento de silencio e meditação,
descubro que o número 4 bem poderia estar ligado a tudo o que sai
imediatamente dessa fonte, aplico-lhe minha hipótese e
encontro o Reparador que surgiu na terra, depois de quatro vezes mil anos.
Quatro evangelistas e, o que ninguém parecia ter
observado, 22 epístolas dos apóstolos, nelas incluído
o Apocalipse, dois mais dois são quatro. Profetas, 22 livros no Velho
Testamento. Aplico minha hipótese às invenções
mais engenhosas e encontro 22 letras no alfabeto e os dez números
no
quaternário: 1, 2, 3, 4. Não li de B. senão o início
da conversão e algumas epístolas. Ignoro a nomenclatura de
seus
números. O velho eclesiástico também não mais
me falou de números. Ele me deu como resposta à vossa pergunta
uma
hipótese por demais longa para que no momento eu possa falar dela.
O pequeno livro alemão do qual vos falei é raro, mas
seu valor mercantil é mínimo e, para mim, nulo porque, acidentalmente,
possuo dele dois exemplares, e tomo a liberdade de
enviar-vos um deles através de Lyon, por intermédio de Monsieur
Willermez. Remetê-lo-ei depois de amanhã à diligência
que
passa aqui a caminho de Lyon. Graças aos cuidados de meu velho amigo
eclesiástico, estou de posse de um exemplar
completo de nosso amigo B., e recebi da Alemanha um comentário interessante,
in-quarto, desse autor. Adeus, senhor,
crede em minha amizade, em meu reconhecimento por vós, assim como
credes em vossa própria existência. Não me
escrevais até receberdes outra carta de minha parte, pois sem isso
vossa carta correria o risco de perder-se.
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
30
49 Tipo de papel-moeda da época da Revolução Francesa.
50 "Sim, tu amas o que criaste, não te aborreces com nada do
que fizeste; se alguma coisa tivesses odiado, não a terias
feito." (Bíblia de Jerusalém.)
Carta 15 M., 14 de dezembro de 1792
De volta de uma viagem, e ao lado do quarto de minha filha bem enferma,
continuo minha carta de 28 de novembro, que fui
obrigado a interromper subitamente. Faríeis a gentileza de informar-me,
na vossa próxima carta, se me enganei sobre meu
cálculo sobre 28 de novembro? A ligação das verdades,
a extensão surpreendente de algumas, a possibilidade de um
aritmética universal, mais bela ainda do que a projetada por Leibnitz;
um Novum Organum para descobrir a verdade, melhor
do que o do chanceler Bacon, tudo isso são perspectivas que, segundo
meu modo de ver, têm um fundo de realidade na
ciência dos números naturais. Mas confesso-vos que meu coração,
ávido da fonte, sonha principalmente com o caminho que
a ele conduz, e por causa disso, de boa vontade deixaria de lado todo o
resto. Os ensinamentos das diferentes passagens de
B., que achastes mais equilibradas sobre esse assunto, dar-me-iam o maior
prazer. Na minha penúltima viagem a B., o velho
eclesiástico, a quem chamarei de nosso abade, para abreviar, falou-me
de sua teoria sobre a origem da alma divina e animal
do homem. Detalhou até às últimas nuanças essa
matéria, mas vos relatarei apenas os traços principais que
me restaram.
Espero que com o tempo vós mesmo faleis com ele, que entende um pouco
de francês, embora não saiba expressar-se nele:
servir-vos-ei de intérprete. Segundo ele, antes da origem do mundo
existiam três hierarquias: a primeira, de Michael51,
formada segundo as propriedades do Pai, repleta de desejos, cheia de fogo
e devorada pela fome de Deus, buscando
sempre aproximar-se dele cada vez mais. A segunda, de Lúcifer, formada
segundo as propriedades do Filho. O caráter dessa
hierarquia era um pendor imperioso de penetrar em todos os mistérios
da divindade, uma sede inesgotável de conhecimentos
e de luzes. A terceira, de Uriel, segundo as propriedades do Espírito
Santo. Seu caráter é um desejo insaciável de usufruir
Deus e deleitar-se nele. Lúcifer caiu porque queria saber por experiência
e de maneira empírica o que eram o fogo e as
trevas. Nem toda a sua hierarquia caiu inteiramente com ele, mas todos foram
expulsos, e é da parte restante e não tão
culpada e nem tão degradada que foi formado o sopro divino que animou
nosso primeiro pai. O estado de encarnação devia
servir de prova a essa classe de seres, e se Adão, pela obediência,
houvesse vencido a prova, então regressaria a todo o
esplendor do qual Lúcifer gozava anteriormente. Depois da queda de
Lúcifer, foi criado um novo universo e desse universo
Adão recebeu sua alma animal. Com a queda, ele perdeu a luz divina,
recebendo, no lugar dela, o espírito astral ou a razão
como guia. Não cabe a mim, de maneira alguma, dar minha opinião
sobre essa hipótese, além do fato de que minha atenção
e meus desejos estão voltados principalmente para outro lado, em
direção a um mistério bem mais importante, em direção
ao
que São Paulo confia aos Colossenses. De todas as coisa, a mais necessária,
a mais sublime e talvez a mais rara, e o
verdadeiro Cristianismo; e a maneira de atingi-lo e, segunda minha própria
terminologia, a grande obra. Os escritos de nosso
amigo B., sobre os quais eu jamais deixaria de ter gratidão para
convosco, contêm coisas sublimes sobre esse assunto. As
Sagradas Escrituras, que foram a fonte onde B. hauriu seu tesouro, e vossos
escritos encerram ainda, ao lado dos princípios
de vossa escola que se inclinam para a obra das comunicações
físicas, verdades da maior importância sobre meu assunto
predileto. Além de todas essas riquezas, só nos resta desejar
uma mão prestimosa que nos indique a ordem na qual
devamos empregar e aproveitar esses materiais e, sobretudo, que dirija nossa
atenção para a ordem das partes integrantes
que constituem a operação da grande obra, para que, na idéia
que formamos sobre essas operações, não caiamos num
círculo vicioso. Se tiverdes a bondade de me escrever sobre isso,
já que nos entendemos, não será preciso mais do que
uma
página. Espero que tenhais recebido o livrinho alemão que
vos enviei via Lyon. Dizei-me, por favor, o que pensais sobre o
que o autor entrende, informai-me também sobre a edição
e a página da obra Cartas Edificantes, que confirmou vossa
descoberta sobre a hipotenusa. Esse mesmo quadrado da hipotenusa proporcionou-me
certa vez uma satisfação do mesmo
tipo, embora não da mesma espécie. Quando chegarão
os tempos felizes em que iremos trabalhar juntos na aritmética?
Peço-vos fazer chegar a mim as vossas cartas sobre o primeiro endereço
em B. Continuai a vos lembrar de mim diante de
nosso divino mestre e estejais certo de que ninguém é mais
ligado a vós do que eu. P.S.: Antes de fechar esta carta,
sucedeu-me um fato que muito feriu minha sensibilidade. É a perda
de minha filha. Meu coração estava talvez muito ligado a
ela e Deus tirou-me esse bem. Ela sofreu durante vários anos com
paciência e doçura angelicais. Seu sofrimento levaram
seu caráter a um grau de bondade e amabilidade extraordinárias.
Perdoai-me a pressa com a qual fui obrigado a escrevervos
essa carta. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
51 Arcanjo Miguel em alemão. Preferi deixar como está, pois
foi essa forma alemã que o autor usou no texto francês:
Michael, e não Michel.
Carta 16 Amboise, 1º de janeiro de 1793
Recebi vossas duas cartas, senhor. A última causou-me tristeza ao
ver a aflição que vos aconteceu. A mesma dor aguardame
a cada dia, poisnao há esperança de restabelecimento para
meu pai e até o presente ele só tem resistido à morte
que o
assedia de todos os lados por causa da forte constituição
com a natureza o dotou; nisso somos totalmente diferentes, pois
meu físico, embora sadio, é tão frágil quanto
foi bem cuidado o seu por nossa mãe comum. Certamente um de meus
desejos
mais ardentes é o de ir até vossa terra, assim como às
margens do Reno, onde tenho preciosas amizades. Mas não posso
31
pronunciar-me sobre nenhum desses projetos enquanto estiver ligado, como
estou, seja pelos deveres sagrados que me
mantêm aqui, seja pelos entraves que nosso governo opõe às
viagens dos cidadãos franceses. Esperemos que a
Providência há de dispor tudo em sua sabedoria e entreguemo-nos
em suas mãos. A visão que me expondes sobre os
números contém muito de verdade, particularmente no que se
refere às propriedades do universal quaternário, mas tem
também algo de convencional, o que não deve haver nessa ordem
de coisas. Ora, o que há de convencional são as vossas
relações dos quatro evangelistas, das vinte e duas epístolas
dos apóstolos, das vinte e duas letras, etc. A quantidade
admitida dos evangelistas podia ser mais considerável do que é,
sem que o número quatro perdesse alguma coisa. Sabeis
que houve talvez cinqüenta evangelistas; sabeis que se discute a autenticidade
de algumas epístolas; sabeis que a
quantidade das letras hebraicas tem variado, etc. Mas o que é uma
base real é o surgimento do Reparador à época do 4º
milênio. É, acima de tuso, a redução de 1, 2,
3, 4 ao denário, todas elas sendo coisas que nem volumes inteiros
bastariam
para desenvolver completamente. O que me perguntais quanto às Cartas
Edificantes encontra-se no volume vinte e seis, in-
12o, p. 146, edição de Paris, por Merigot, 1783. Não
posso citar com exatidão as citações de nosso amigo
B. sobre os
números, mas, enquanto isso, procurai na Vida Tríplice, cap.
III, nºs 17 e 18, sobre o ternário e as seis e sete formas na
natureza. O capítulo VI. Nº 65, sobre o Quaternário ou
a cruz; cap. XVI, nº 49. Sobre o número 9 e número 10;
cap. X, nºs 31
e 32, sobre os dois senários e o numero 12. Cap. XI, nº 94,
sobre os turcos, que atingiram o número 1000 (coisa que me bem
espantou, e que ainda não entendo muito bem para saber se devo crer
nela ou rejeitá-la), etc. Em vossas leituras vós mesmo
fareis muitas descobertas desse gênero, visto que ele fala de tudo
em cada uma de suas obras, com maior ou menor
extensão. Quanto à via que buscais para atingir o que é
verdadeiramente a grande obra, lede a décima segunda das
Quarenta Perguntas, e do nº 12 ao nº 22, inclusive, e vereis então
a quem deveis dirigir-vos e se é possível mostrar aos
homens, de maneira mais clara, o alvo, o caminho que a ele conduz e os tesouros
que aí nos aguardam, se tivermos
coragem de nos renovarmos o suficiente para aí chegar. O que o abade
vos disse sobre as almas é uma citação literal da
doutrina do autor sobre o Três Tronos; mas ainda não vi em
parte alguma, nesse autor, que é da foi da parte restante e
menos culpada hierarquia decaída que que foi formado o sopro divino
que animou nosso primeiro pai. Copio vossas palavras
e elas me parecem tão distantes do espírito do autor e dos
verdadeiros princípios que suponho que não as apreendestes
da
boca do abade tal como ele vo-las disse, o que verificareis que puderdes.
De resto, tudo o que me expondes de sua parte
não responde à minha consulta. Pergunto somente se o autor
dava provas convincentes daquilo que adianta sobre a geração
sucessiva das almas humanas, que ele faz provir umas das outras e gerar
umas às outras como se isso acontecesse pela
ordem física. Minha pergunta recai sobre as almas espirituais e não
sobre as almas animais. Disse-vos que o autor distinguia
bem esses dois tipos de almas, quanto à sua natureza, mas que temia
que as confundisse quanto à lei de sua geração. É
um
ponto que ainda não consegui esclarecer bem na doutrina de nosso
querido autor, tão profundo é o assunto. Contava com
socorro de vosso abade, já que ele o lê há longo tempo,
mas aguardarei circunstâncias mais favoráveis, pois ireis ficar,
parece-me distante dele, já que retornareis a Berna, e sabeis que
não podemos jamais tratar as coisas com tanto proveito
através de cartas como através da conversação.
Ainda não recebi o presente que me fizestes do livro alemão.
Eis tudo o que
sei sobre sua história até o momento. A pessoa que havíeis
encarregado de remetê-la à diligência de Lyon entregou-o
ao
correio; a taxa foi de apenas 45 libras e 12 sous. Monsieur Willermez fez
representações que foram enviadas à nossa
administração geral dos correios em Paris, a qual decidiu
que se o pacote não continha assignats nem outros artigos de
valor, seria preciso aplicar-lhe a taxa ordinária de livros e folhas
impressas. Monsieur Willermez abriu o pacote na presença
do diretor que, vendo apenas um livro, reduziu a taxa para 48 sous. De lá
ele mo enviou pela diligência, não para aqui,
porque não sabia que eu aqui estava, embora o endereço que
lhe indicastes devesse servir-lhe de guia, mas para Paris,
onde temo que lhe tenha acontecido algum problema, seja da parte dos funcionários
das diligências, que não são tão atentos
nem tão experientes como os nossos distribuidores de correspondência,
seja por parte das pessoas da casa onde me
hospedo em Paris, e que, para enviar-me aqui o pacote, tenham escrito, como
devem tê-lo feito, o meu endereço, isto é; que
o terão escrito mal, pois a princesa está no campo com todo
a sua corte e só deixa em Paris os empregados de segunda
categoria, que comumente não são hábeis no manejo da
pena. Vou ordenar que tomem informações sobre isso em Paris
e,
tão logo o livro me alcance, acusarei seu recebimento. Adeus, senhor,
deixo-vos para voltar para junto de meu enfermo, mas
não quero deixarvos sem formular-vos os votos de todas as satisfações
que podeis desejar, à frente das quais vós e eu
certamente colocaremos todas as bênçãos divinas da qual
temos necessidade. Seria assim o bom ano que vos desejo.
Desejai-me, em troca, a felicidade de poder um dia abraçarvos e travar
conhecimento convosco, e vos agradecerei
antecipadamente. Não me dissestes se recebestes O Novo Homem. Ficai
à vontade sobre a opinião que fizerdes sobre ele.
Sabeis o que eu mesmo penso disso. E sempre é bom rebaixar o amorpróprio
dos escritores. SAINT-MARTIN
Cartas 17-35
Carta 17 B., 23 de janeiro de 1793
Se não tivesse tido uma multidão de ocupações
de todo tipo, eu não teria demorado até hoje, senhor, a responder
à vossa
interessante carta de 1º de janeiro, recebida no dia 11, ao lado das
sessões de nosso Grande Conselho. Colocaram-me em
dois comitês, um dos quais é da maior importância; o
trabalho tomou quase todo o meu tempo e absorve quase todas as
minhas forças. A perda que tive é talvez mais sentida aqui
do que em Morat: a alma de minha filha estava intimamente ligada
à minha. O que a princípio me deu forças para suportar
o choque foi a leitura de algumas passagens de B. Desde meu
retorno a B. [Berna] havendo-me afastado dessa leitura, não tive
o mesmo socorro para combater as imagens dolorosas que
32
se apresentaram ao meu espírito; e se alguma vez em minha vida tive
o desejo de gozar das comunicações físicas de um
certo gênero, essa idéia me teria vindo depois dessa triste
separação, tanto mais que nosso amigo B. acreditava que tal
coisa fosse possível, embora difícil, numa passagem notável
das Quarenta Perguntas, pergunta 26, nº 13. O desejo de saber
se seu espírito correspondia ainda aos sentimentos de meu coração,
o desejo se ser tranqüilizado sobre seu estado atual,
etc., teriam com certeza predominado em mim, mas confiei-me à vontade
de Deus, que é ilimitada, e esforcei-me para perder
nesse ponto, como em todos os outros, minha própria vontade para
aceitar somente a dele. Se puderdes prever o tempo em
que estareis livre para executar vossos projetos de viagens que não
me saem do pensamento, tende a bondade de me avisálas
sobre elas logo que possível. A parte essencial de minha visão
sobre os números naturais é a base, isto é, a idéia
de que
a Providência quis ligar um número como um signo característico
a todas as manifestações, efeitos e resultados de uma
mesma causa, o qual estaria à frente dessa classe de idéias
para que o homem atento pudesse, ao perceber esse número
(já que não foi ele mas a Providência que o traçou
sobre o objeto), reconhecer que essa idéia pertence ao mesmo gênero.
É
sobre isso que uma palavra de retificação de vossa parte me
daria o maior prazer. Eu também já fiz a observação
que tiveste
a bondade de me transmitir sobre o que era convencional em alguns de meus
exemplos. A primeira Igreja, creio eu, guardou
os quatro Evangelhos; a Providência, numa ocorrência essencial,
não teria orientado essa escolha, etc.? Sobre esse
assunto, só me resta uma pergunta a vos fazer, a qual é: se
admitis minha maneira de calcular, ou seja, se admitis que 22
seja igual a 4, o que serviria, em nossa aritmética, a fazer reduções
e talvez descobertas. Segundo esse cálculo, o 13, assim
como 22, 31, 40. 112, 121, 202, 211, 301, 400, 1003, 1111, 1102, 1120, 1300,
4000, daria 4. Agradeço-vos muitíssimo pela
indicação das Cartas Edificantes. Sua coleção
completa está tornando-se rara entre nós, de modo que não
consegui ainda o
26º volume. Quanto ao número do amigo B., como ele se serve
de uma chave toda própria, sou obrigado a suspender mais
uma vez nossas pesquisas sobre esse assunto. Devemos sempre ir o mais rápido
possível nessa curta vida, sobretudo a
minha, partida em mil pedaços pela minha posição atual.
Agradeço-vos também de todo o coração pela indicação
dos nos de
12 a 22, da 12ª pergunta das Quarenta Perguntas. A importância
desses poucos números exige um estudo profundo.
Proponho-me a escrever, para uso pessoal, um resumo sobre esse assunto,
o qual submeterei ao vosso julgamento e à
vossa correção. Enquanto isso, vou traçar-vos o primeiro
esboço dos contornos de minha hipótese. Dizei-me, por favor
- o
que me lisonjeia - onde é que ele se afasta da verdade e se pode,
com algumas correções, aproximar-se de nosso amigo B.,
que ainda não me é conhecido porque jamais consegui encontrar
tempo necessário para apreender o conjunto de suas
idéias. Conheço-o somente por fragmentos bem distantes um
dos outros. Afigura-se-me que existe em nossa alma, no mais
secreto de nossa razão, um santuário, um espelho que, apenas
ele, recebe os raios da luz celeste que ilumina cada homem
que vem ao mundo. Essa luz celeste, esse sol, brilha sempre, sem interrupção:
é o verbo, o logos, que, em seu tempo,
encarnou-se para manifestar-se de maneira mais admirável ainda aos
pobres mortais. No espelho que recebe seus raios
vemos todas as coisas, até mesmo os objetos exteriores que, em estado
de vigília, nos são transmitidos pelos sentidos. Não
é que tenhamos necessidade dos sentidos para ver os objetos exteriores
nesse espelho, a experiência prova o contrário; mas
no estado ordinário e vígil do homem, os sentidos, enfraquecidos
ou destruídos, impedem que as impressões exteriores
alcancem o espelho. Enquanto apenas virmos as coisas exteriores nesse vidro
e regrarmos a conservação de nosso corpo e
de nossa vida temporal a partir dessa visão, as coisas irão
bem e o espelho permanecerá puro; mas, a partir do momento em
que nossa vontade captar as imagens que se apresentam no espelho, que as
desejar, que quiser unir-se a elas e as vir como
seu soberano bem ou que tiver medo delas, então nossa imaginação
as fixará, corporificando-as, por assim dizer, porque tem
a mesma têmpera que o espelho. Essa corporificação cobre
o vidro de nuvens como se um hálito impuro houvesse passado
por ele; e embora o sol resplandeça sempre acima, o espelho, obscurecido
e manchado, não reflete mais do que os objetos
mais grosseiros dos sentidos. Somente desviando-nos dessas imagens e fixando
nossa atenção nas partes do espelho que
não estejam sujas, desejando com ardor unirnos ao verbo que aí
resplandece, é que os vestígios do hálito impuro irão
pouco
a pouco desaparecendo. E graças à nossa forte vontade, pelo
nosso desejo de união, os raios do sol, fixando-se assim como
as imagens dos objetos exteriores e sensuais, se fixaram pelo nosso desejo
de união. Então esses raios, havendo-se tornado
substanciais, unem-se à nossa alma e lhe servem de alimento, indo
pouco a pouco iluminando-a não somente por esse
espelho, mas imediata e diretamente e em toda a sua plenitude. Minha hipótese,
para a qual muito desejaria vossas
observações, tem alguma relação distante com
o sistema do P. Malebranche52 em sua Recherche da la vérité53,
no início
de sua moral, e nas suas Meditations chrétiennes. As passagens de
São Paulo em I Coríntios 13:1254 e Cor. II 3:1855
parecem confirmar minhas idéias sobre esses assuntos. No capítulo
33 do livro do Êxodo, versículo 20, diz o Senhor a
Moisés: "Homem nenhum verá a minha face, e viverá."
"Quando só tememos a Deus e se desejamos intensamente somente
a ele, quando não estivermos mais vivos com relação
ao mundo, e se o espelho de nosso coração for puro, poderemos
esperar essa felicidade." Mateus, 5:8.56 Estou muito aborrecido com
os contratempos acontecidos ao livro alemão; espero
que ele chegue logo ao seu destino. Encarreguei o livreiro Luguiens, de
Lausanne, de trazer-me a Paris O Novo Homem e
todos os dias o aguardo. Adeus, senhor, estais mais próximo de meu
coração do que o podeis imaginar; e rogo que divino
Mestre vos cumule com suas bênçãos. No curso desse ano
que acaba de escoar-se vós me revelastes tesouros. O pouco
que deles já pude fruir bastaria para sustentar-me numa perda à
qual eu poderia, talvez, ter sucumbido sem esse socorro,
por causa das circunstâncias. Espero que a Providência permita
que um dia nos encontremos para que eu possa gozar em
paz de vossa amizade e de vossas luzes.
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
33
52 Malebranche (Nicolas de), orador e metafísico francês, nascido
em Paris (1638-1715). Sua metafísica idealista, saída do
cartesianismo, resolve o problema da comunicação da alma e
do corpo pela visão em Deus e as cuasa ocasionais.
Devemos-lhe De la recherche de la vérité (1674-1675) e Entretiens
sur la métaphysique e la religion (1688).
53 A Busca da Verdade.
54 "Porque agora vemos como em espelho, obscuramente, então
veremos face a face: agora conheço em parte, então
conhecerei como também sou conhecido."
55 "E todos nós com o rosto desvendado, contemplando, com espelho,
a glória do Senhor, somos transformadores de glória
em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito."
56 "Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão
a Deus." (Sermão da Montanha.)
Carta 18 Amboise, 13 de fevereiro de 1793
Não tive pressa em responder-vos, senhor, crendo que dentro em pouco
receberia uma segunda carta vossa agradecendome
por um presente que vos enviei através da pessoa do senhor conde
Divonne. Esse jovem está mais adiantado que eu
nos favores interiores e divinos, porque vale mais do que eu, porque merece
um tratamento melhor. Não vos contarei sua
história, porque ele mesmo o deve ter feito. Aguardo com impaciência
saber se vos encontrastes; enquanto aguardo, vou
responder à vossa carta de 23 de janeiro. Lamento as tristes privações
que sofreis. Quanto a mim, a Providência também me
trouxe aflições levando-me o mais terno e mais respeitável
dos pais. Perdi-o mês passado. Desde esse momento, vivo
extremamente ocupado e assim não sei quando terminarão meus
negócios, haja vista mil tropeços, cujos detalhes
enfadonhos vos pouparei. Se estivesse livre, iria por minha vontade de preferência
a Berna, coisa que expliquei claramente
ao amigo Divonne, mas nossas dificuldades dentro do país interiores
sobre os certificados e passaportes são um obstáculo.
Além disso, ignoro se nós outros, os franceses que não
emigraram, podemos gabar-nos de sermos bem vistos no estrangeiro
depois do que se passou aqui. Lembrai-vos do que vós mesmo me dizíeis,
há dois ou três meses, e tende a bondade de
dizerme com franqueza o que me aconselharíeis a fazer ou não,
nestas circunstâncias. A Providência não ligou o número
aos
seres como signo. Ela deu a cada ser a propriedade, propriedade que se manifesta
pelo número que, como vedes, é fruto
dela, a língua interna e natural, em vez de ser apenas a seu selo.
Sem isso, os números seriam uma coisa externa e morta. É
possível que a Providência haja presidido à conservação
dos 4 evangelhos, como não se pode negar que haja presidido a
tudo, mas não creio que haja presidido diretamente a essa conservação
e insisto em não ter confiança nessa relação.
Vossa
redução dos números 22, 31, etc., está muito
bem baseada nos princípios, mas devemos abster-nos de confundir-lhes
os
resultados, uma vez que os seus elementos são diferentes. Assim,
admito que o número 4 governe na série que me
ofereceis, mas vejo-o governando em toda parte com um caráter diferente;
esta é uma das atenções indispensáveis que é
preciso ter se não quisermos tudo desnaturar. Tudo se assemelha e
nada é igual - eis um axioma fundamental. Vossas idéias
sobre o espelho da alma parecem-me muito sólidas e sê-lo-ão
ainda mais quando tiveram passado pelo crivo da
regeneração. Lede a primeira parte de Encarnação,
cap. 13, v. 1º, e vereis de onde devemos tirar nossas instruções.
Assim,
desde que li nosso delicioso Böhme, considero tudo o que escrevi como
brincadeiras de minha infância na sabedoria, embora
já seja cinqüentenário e me proponha, para o futuro,
caminhar com mais circunspecção. Há um mês recebi
vosso livro
alemão. Passei-lhe a vista no que pude, em meio às minha ocupações
e com meu parco conhecimento de vossa língua. O
autor pareceu-me um homem de bem e bastante erudito. Creio que ele faz mais
caso da obra em questão do que ela o
merece. Mas além disso, como me vejo em circunstâncias mais
favoráveis para estudá-lo com mais proveito, recebei meus
agradecimentos por este presente, duplamente caro pelo fato de me vir de
vossas mãos. Já que estamos tratando de livros,
tende a bondade de procurar no volume que possuís da História
Eclesiástica, de Arnold, in-fólio, 2º volume, 3! parte,
cap. 26,
pp. 556, 558 e 559, onde encontrareis coisas que vos surpreenderão,
com relação aos acontecimentos que acabam de
passar-se em nosso país, e particularmente sobre a queda de nossa
dinastia real. Joachim Greulich previu-a em 1653, e há
quase um século que foi impresso. A vós que gostais de encontrar
tais testemunhos em favor das comunicações, sinto
grande prazer em indicar-vos esta como das mais impressionantes que já
vi. Adeus, senhor. Possa a Providência fazer com
que eu tenha a oportunidade de aproximar-me de vós, o que será
para mim um dos maiores sinais de sua bondade. Envio
mil recomendações a Monsieur Divonne. SAINT-MARTIN
(Falta a carta de Kirchberger de
de fevereiro de 1792 57.)
57 1793º
Carta 19 Amboise, 6 de março de 1793
Ireis achar-me talvez bem difícil de agradar, senhor, mas as 36 L.
impressionam-me menos do que ao vosso abade. O
cálculo romano tem algumas bases verdadeiras, como tudo o que ocorre
nesse mundo, mas está tão misturado ao que é
convencional que pouco rende. Tudo o que dele tirais por vossa operação
são os 18 séculos; e pela soma de 3 e 6, de 1 e 8,
o número 9 que, segundo a figura, é o quadro58 das duas coroas,
ou antes, das três cruzes. Enfim, vejo somente uma época
de tempo, e nenhuma abertura sobre a ação do espírito
que deve concorrer com essa época. O cálculo arábico
vai mais
longe, sendo assim um guia melhor. Ele nos descreve as passagens fielmente:
mil anos são como um dia, pelos três zeros
que seguem a unidade e nada mais são do que a imagem desse mundo
passageiro e aparente, que está como que nulo
34
diante da viva e eterna unidade. Descreve-nos com isso o desenvolvimento
da obra de seis dias, o que induziu vários sábios
a não atribuírem mais do que 6000 anos de duração
a esse transitório fenômeno, conduzindo-nos à 7! operação
que, quando
da criação do mundo foi apenas o sabbat do espírito,
enquanto que no fim ela será o sabbat de Deus. Creio, pois, que o
cálculo arábico vai um pouco mais além do cálculo
romano em questão, estando convencido de que os grandes golpes só
serão desfechados depois do nosso sexto milênio, ou seja: depois
dos dois mil anos da nossa época atual. Não estou menos
convencido de que as coisas já tenham começado e nisso o vosso
cálculo romano tem uma espécie de coincidência com os
acontecimentos de nosso tempo, o que é sempre uma visão que
não prejudica nada, contanto que seja mantida dentro de
limites. Mas quanto às três coroas, parece-me não existir
aí relação alguma e, para achar-se o sentido delas,
creio ser
preciso ir acima do cálculo romano, e mesmo acima do cálculo
arábico. É necessário erguer os olhos até a
marcha do
Espírito de vida que, desde o início das coisas procura entrar
novamente em todos os reinos que deixamos perder e nos
quais só pode reentrar de maneira progressiva. Esses três reinos
eram descritos em minha primeira escola com os nomes de
natural, espiritual e divino, e, no homem, com os de pensamento, vontade
e ação. Böhme nolos descreve com os nomes do
fogo, da luz e da natureza, pelos nossos três princípios, nossa
tríplice vida; é somente aí que podemos encontrar o
sentido
das três coroas. O reino natural e figurativo durou até Jesus
Cristo e o espírito que atravessou esse reino recebe aí sua
primeira coroa. De Jesus Cristo até ao 7º milênio, é
a época do reino espiritual ou da luz, segundo Böhme, e é
nesse
intervalo que se obtém a 2! coroa. A terceira só pode ser
mostrada pela conquista do reino de Íris ou do fogo, e tudo parece
anunciar que essa terceira, ou tríplice, coroa somente pode aparecer
no sabbat de Deus, tanto em geral quanto em
particular, porque sabeis que tudo se repete tanto no indivíduo como
na espécie, desde que sejamos homens de desejo.
Sobre isso o amigo Böhme diz coisas tão profundas, e ao mesmo
tempo tão surpreendentes, que podeis nele beber em
longos haustos.
Lede os números que se seguem ao 44, cap. 30, do Mysterim Magnum,
lede em geral tudo o que ele diz dos progressos da
Igreja de Enoque, e vereis como ele mesmo nos põe no caminho e, ao
mesmo tempo, como nossas instruções e as suas têm
laços de parentesco. Não posso, numa carta, estender-me sobre
esses grandes assuntos, pois confesso-vos ser isso uma
senda que é um abismo de maravilhas. Passemos à comunicação
física da causa ativa e inteligente. Creio que ela seja
possível, e vós também, senhor, assim como todas as
outras comunicações. Quanto ao meu testemunho pessoal, não
teria
grande peso, uma vez que esses tipos de provas devem ser-nos próprios
e pessoais para obtermos seu efeito pleno e inteiro.
Todavia, como creio estar falando a um homem comedido, calmo e discreto,
não vos esconderei que na escola pela qual
passei, há mais de vinte e cinco anos, as comunicações
de qualquer tipo eram numerosas e freqüentes e nelas tive minha
participação, com em muitas outras, e que nessa participação
estavam compreendidos todos os sinais indicativos do
Reparador. Ora, não mais ignorais que esse Reparador e a causa ativa
são a mesma coisa. Apesar disso, como para aí eu
fora conduzido através de uma iniciação, e como o perigo
das iniciações é o de entregar-nos aos violentos espíritos
do
mundo, o que sucedeu a Adão quando se iniciou em sua própria
imaginação, Encarnação (3! parte, cap. 6, nº
1) e como seu
desejo não era totalmente de Deus, não posso responder que
as formas que se comunicam comigo não fossem formas
enganadoras, pois a porta está aberta a todas as iniciações,
e é o que torna essas vias tão errôneas e suspeitas.
Sei que a
Alemanha está cheia dessas iniciações, sei que o gabinete
de Berlim só é conduzido, e só conduz ao seu rei, por
esse meio.
Ora, até o presente ele não tem do que se gabar. Sei, por
fim, que a terra inteira está coberta desses prodígios, mas
repitovos
que, a menos que as coisas partam do próprio centro, não confio
nelas. Posso garantir-vos que já recebi, através do
caminho interior, verdades e alegrias mil vezes acima do que já recebi
do exterior. O interior, ou o centro, é o princípio de
tudo; enquanto esse centro não estiver aberto, as maiores maravilhas
externas podem seduzir-nos em vez de nos fazer
progredir. E, até ouso dizê-lo, é o nosso interior que
deve ser o verdadeiro termômetro, a verdadeira pedra de toque do que
se passa fora de nós. Se nosso coração estiver em Deus,
se estiver realmente divinizado pelo amor, pela fé e pelo ardor da
prece, ilusão alguma nos tomará de surpresa. Se Deus é
por nós, quem é contra nós?59 Não teremos senão
as
comunicações úteis, senão aquelas que devemos
ter; ao passo que pelas iniciações temos aquelas das quais
não sabemos
o que fazer, e isso porque não há mais iniciação
além da de Deus e de seu Verbo eterno que está em nós
e porque tudo
deve manifestar em nós e por nós, segundo sua vontade. Ocupemo-nos
apenas em fazê-la renascer. Há muito tempo não
tenho tido notícias do conde D. Raramente escrevemos um ao outro.
Devo prevenir-vos de que ele se acha entre o número
dos emigrados a fim de agirdes de acordo. Quando lhe escrevo, dirijo minhas
cartas aos cuidados de Madame Rasumuski,
em Lausanne, a quem conheço muito bem. Além do mais, ele está
ligado, creio-o, a uma princesa russa que não conheço - e
até mesmo reside com ela - mas que, sem me conhecer, dá-me,
assim como vós, a honra de ter um pouco de amizade por
mim. Foi com ela que ele veio a Berna e sei que algumas vezes ele viaja
até aqui, mas sei também que ele espera muito ver
mudar sua triste sorte, este mês, sem que nem ele nem eu saibamos
como. Essas poucas informações podem ajudar-vos a
descobrir, se o desejardes, e podereis escrever-lhe, se vossa prudência
o permitir. Quanto aos meus projetos de viagem à
vossa pátria, estou sempre ocupado com eles, mas sem poder prometer-me
nada de positivo, nem sobre o tempo, nem
sobre o modo de executá-los, talvez nem mesmo sobre sua execução.
Nossas convulsões políticas influem de maneira grave
sobre os meus negócios familiares, cujo termo é-me impossível
prever.
Os oferecimentos generosos que me fazeis aumentam minhas queixas sobre todas
essas dilações e os aborrecimentos que
tenho com as incertezas que me acabrunham neste momento; mas eu só
poderia tirar proveito disso quando arranjásseis as
coisas de maneira a que eu não vos fosse motivo de embaraço,
já que meus meios pecuniários permitem-me a possibilidade
de assumir a despesas. Estou encantado por a união estar restabelecida
entre vossa nação e a minha. Também não tenho
dúvida alguma de que teria tido muito prazer em percorrer vosso país,
do qual só conheço uma parte bem pequena, a região
35
de Vaud. Mas para mim tudo está subordinado aos acontecimentos e
ao tempo. Não vos perturbeis em nada com
preparativos, terei mais do que o tempo necessário para prevenir-vos
em caso de possibilidade; serei fiel ao anonimato que
me recomendais. Entretanto, são menos as intrigas dos emigrados que
me deixariam em guarda do que as suas
importunações. Sou conhecido por um grande número deles.
Alguns seguiriam aos tropeções as nossas atividades; milhares
de outros perseguiriam minha bolsa e me seria duro deixar sem recursos pessoas
que já conheci. E no entanto, elas são tão
numerosas que eu me arruinaria sem chegar a ser-lhes muito útil.
Eis, para o momento, o estado das coisas. O tempo me
ensinará talvez mais. Adeus, senhor, recebei a garantia de minha
inviolável afeição e conservai-me no lugar honroso
e
lisonjeiro que tivestes a gentileza de dar-me em vossa amizade. SAINT-MARTIN
Falta uma carta [Kirchberger de Liebistorf] de 15 de março de 1793,
que começava assim:
Foi dito que devo sempre ter obrigações. Vós me pondes
em contato com o senhor conde Divonne, etc. (Isso parece
espantoso, pois o correspondente suíço, na carta 21, responde,
ao mesmo tempo, às cartas nºs 19 e 20.)
58 À revisão: quadro ou quadrado?
59 Paulo: Carta aos Romanos, 8:31. 57 1793º
Carta 20 Amboise, 26 de março de 1793
Fico encantado, senhor, por estardes contente com o conhecimento que vos
prometi. Quanto a vós, também lhe fostes
bastante conveniente, o que me causa infinita alegria por haver feito algo
tão bom. Gostaria de ter liberdade suficiente para
responder ao vosso convite e ir encontrar-me convosco. Mas, independentemente
das razões de negócios que vos aleguei
em minha última carta, atualmente estamos, na região da França
em que habito, em estado de requisição permanente60 por
causa das perturbações manifestadas nos departamentos vizinhos.
Ninguém pode ter passaporte, nem mesmo para viajar na
França. Creio que nossos reveses na Bélgica multipliquem ainda
os impedimentos para viajar ao exterior. Começo a crer que
vão realmente ocorrer os deploráveis tratamentos com os quais
Joachim Greulich ameaçou meu país.
Vede minha impotência e consolai-me nessas tristes vicissitudes que
se opõem aos meus desejos. Visto o estado de
agitação em que nos achamos, serei breve nas respostas às
vossas perguntas. Aliás, minhas cartas anteriores vos teriam
ajudado, quando não a resolver as dificuldades, pelo menos a não
encontrar tantas.
1º: Creio, como vós, que os pontos de proposição
podem estender-se a muitos objetos, uma vez que é verdade não
haver
um ponto que não esteja ligado ao infinito. Cabe a cada um haurir
dessa fonte segundo suas forças e a nela enxergar
segundo seu modo de ver. Creio que já vos indiquei algumas passagens
de Böhme que teriam podido ampliar vossas idéias
sobre o número 12 e suas correspondências. Procurai-as em minhas
cartas, pois não me lembro mais.
2º: O trigo, o vinho, o óleo. Senhor, se pelo caminho simples
de vosso coração chegardes a considerar a sublimidade da obra
universal e particular de Deus, vereis que esses conhecimentos não
podem jorrar senão de sua própria fonte. Eu mesmo
estou bem longe de os possuir em sua integridade e espero com paciência.
Meu primeiro mestre, a quem na juventude eu
fazia perguntas semelhantes, respondia-me que, se ao sessenta anos eu houvesse
atingido o termo, não mais deveria
queixar-me. Ora, por enquanto só tenho cinqüenta. Procurai sentir
que as melhores coisas são aprendidas, e não ensinadas,
e sobre elas ficareis sabendo mais do que os doutores. Além disso,
remeter-vos-ei sempre a Böhme que, em todos os
pontos, está dez milhões de vezes acima de um escrevinhador
como eu, e eu, quando escrevi, escrevia pior do que hoje.
3º: Os números. É possível que cada autor haja
bebido isso em sua fonte e que, entretanto, eles se expliquem de maneira
diversa. O único meio de não aceitar a linguagem deles é
recorrer aos princípios. É aí que se encontra o espírito
e, como
conseqüência, o meio de retificar a letra. Compete ao princípios
conduzir os números e não aos números conduzir os
princípios. Por exemplo: leio todos os dias no amigo Böhme que
há quatro elementos e, no entanto, estou geométrica,
numérica e fisicamente certo de que só existem três.
Isso não impede que ele e eu nos entendamos, porque vejo que nossa
diferença só está na expressão e que ele mesmo
concorda comigo pelos soberbos princípios que expõe. Repito,
portanto,
que é no estudo e na instrução sobre os princípios
que se pode encontrar um regulador. E enquanto não formos conduzidos
até ele por alguns exames severos, será uma atitude sábia
não nos aproximarmos demais dos resultados decorrentes,
porque, não lhes sendo conhecida a ligação, eles poderiam
alterar a fé nas bases alterando a coragem, que não tem chama
própria.
Convido-vos, pois, a tomar de todas as coisas aquilo que se apresentar naturalmente
ao vosso espírito, a nada esconder
nessa ordem de ciência antes de haverdes recebido socorros, mas a
buscar continuamente na renovação de vosso ser, que
vos tornará capaz de tudo ver quando tudo vos for apresentado. Esse
trabalho e a leitura do eleito Böhme pode preencher
grandemente o vosso tempo até que as circunstâncias me permitam
ir transmitir-vos os frágeis socorros de que for capaz, e
que até mesmo não serão nada, pois tereis aproveitado
das belas lições de nosso amigo B. Convido-vos a ler o seu
Sechste
Büchlein vom übersinnlichen Leben61 e o Siebende Büchlein
von göttlicher Beschauligkeit 62. Creio que neles encontrareis
amplas messes a colher, tanto pela simplicidade da via como pela sublimidade
dos termos. Adeus, senhor, deixo-vos por
agora e, não podendo por hoje conversar por mais tempo convosco,
peço que não vos esqueçais de mim. Se por acaso
encontrardes Monsieur Di., transmiti-lhe minhas recomendações.
SAINT-MARTIN
36
60 Leva em massa, decretada a 23 de agosto de 1793 pela Convenção
(assembléia que estabeleceu a república na França
em 1792, durante a Revolução, e que exerceu plenos poderes
até 1795).
61 Sexto tratado, sobre a vida suprasensual.
62 Sétimo tratado, sobre a contemplação divina.
Carta 21 B
, 5 de abril de 1793
Eu já teria respondido, senhor, à vossa importante e interessante
carta de 6 de março se não tivesse sido obrigado a fazer
uma viagem a serviço de nossa república, da qual só
retornei há poucos dias. Apesar da aquiescência do abade, não
dou à
minha observação mais valor do que ela merece e acho que vossos
comentários sobre esse assunto não podem ser mais
justos e o que dizeis sobre as três coroas é muito profundo
e interessante. Passo à parte importante e confidencial de vossa
carta, a que trata da comunicação física da causa inteligente,
isto é, do Reparador. Não duvideis um instante sequer do peso
de vosso testemunho pessoal com relação a mim: os fatos acontecidos
em vossa escola, os quais tivestes a bondade de me
citar, não me deixam qualquer vestígio de dúvida quanto
à sua existência e a todos os sinais indicativos que os
acompanham. Mas uma observação essencial, e que em mim continua
a ser importante até me convencerdes do contrário, é
que as manifestações que se comunicavam com vossa escola eram
provavelmente formas enganadoras. Eis o motivo em
que me baseio: desde o momento em que essas comunicações caem
no sentido externo da visão, creio que podem tomar
contornos tão superiormente delineados, de formas tão imponentes
e sinais tão augustos que não é absolutamente possível
não admiti-las como verdadeiras, mesmo sendo apenas contrafações.
Um exemplo marcante nesse gênero, e que aprendi
há alguns anos, é o que aconteceu na consagração
da loja da maçonaria egípcia em Lyon, a 27 de julho de 5556,
segundo o
cálculo deles, o qual me parece errado. Havia vinte e sete membros
reunidos. Assim como não basta ter probidade e nem
mesmo religião para nos resguardarmos do erro nesse gênero,
a maior felicidade que poderia acontecer a um mortal seria,
sem a menor dúvida, a comunicação física da
causa ativa e inteligente, mas vós admitis juntamente comigo que
a ilusão e o
erro tomam quase sempre as formas da verdade em uma manifestação
tão importante. E como distinguir a verdade das
formas enganadoras? Vós me dizeis: "A menos que as coisas partam
do próprio centro, não confio nelas." Sobre essa
afirmativa, que me parece tão veraz e importante, tomo a liberdade
de fazer-vos uma única pergunta: há manifestações
visíveis que possam partir do centro? Ou, em outras palavras, estando
o centro aberto, somos ainda capazes ter
comunicações visíveis? Não poderíamos
nomear como natural, astral e divino os três reinos designados por
vossa escola
como natural, espiritual e divino? Todas as manifestações
que se seguem a uma iniciação não seriam do reino astral,
e,
desde que colocamos os pés nesse domínio, não entramos
em contato com todos os seres que o habitam, dos quais a maior
parte - se em semelhante assunto me é permitido servir-me de uma
expressão trivial - são má companhia? Não entramos
em
contato com seres que podem atormentar, até o excesso, o operador
que vive nessa multidão a ponto de provocar nele o
desespero e inspirar-lhe o suicídio, conforme testemunham Schröpfer
e o conde de Cagliostro? Na certa aos iniciados
restarão meios com maior ou menor eficácia para eles se protegerem
das visões, mas em geral parece-me que essa
situação, que está fora da ordem estabelecida pela
providência, pode antes ter conseqüências mais funestas
do que
favoráveis para o nosso progresso. Repito minhas perguntas: credes
nas comunicações físicas emanadas pelo centro ou
produzidas por ele? Em minha nomenclatura limitada, chamo centro ao interior
de nossa alma, porém ignoro ainda se o
sentimento, seja qual for, pode ou não penetrar até ele. Encaro
essa parte divina de nós mesmo como o veículo, o berço
do
Reparador que deve ser gerado em nós. Uma vez gerado em nós
o Verbo, creio que é por ele que temos comunicação
com
o Pai e que é pelo fluxo e o refluxo de comunicação
entre o Verbo e o Pai que é feita em nós a procriação
do Espírito Santo,
que então nos introduz em toda a verdade. Assim, penso eu, tudo depende
do único necessário, do nascimento do Verbo em
nós. Daí a importância de todos os meios que podem facilitar
e preparar esse nascimento; daí a importância de não
nos
enganarmos sobre o significado da palavra centro; daí a necessidade
de nos recolhermos em nós mesmos; daí a
necessidade de nossa cooperação ao aspirar com nossa alma
em direção ao Pai, mergulhando novamente em direção
ao
centro, em direção ao coração junto ao Verbo.
Nosso amigo B. diz em favor de minha última opinião uma coisa
bem profunda
e geralmente pouco conhecida: "Imagination macht Wesenheit (Drey-fach
Leben)63, cap. 10: 48; cap. !IV: 45. Encarnação,
parte 1, cap. 3: 6,68." Ou seja, que a imaginação transforma
as idéias em substâncias. Isso é diametralmente oposto
à
opinião vulgar, a qual crê que a imaginação toma
as idéias por substâncias e que é por isso que se torna
uma fonte de erros
e ilusões. Como conseqüência desses princípios,
ao nos ocuparmos constantemente de Deus e desejando somente a ele,
devo crer que o Verbo nascerá em nós e que a correspondência
inefável da Santíssima Trindade operar-se-á em nossa
alma.
Na passagem da Encarnação., parte 3, cap. 4:1, que tivestes
a bondade de citar-me em vossa carta do dia 6, há uma linha
que confirma muito bem minha asserção. Diz nosso amigo B.:
"Denn die Lust ist eine Imaginirung, da die imagination sich in alle
Gestalten der Natur einwindet, dasz sei allda geschwängert
werden mit dem Dinge daraus dei Lust entstehet."
[A luxúria é um modo de imaginar, onde a imaginação
serpeia ou se insinua em todas as formas da natureza, de modo que
todas ficam impregnadas com isso, e por isso existe a luxúria.] Como
o espírito exterior do homem é uma figura do interior,
creio que é também o caso e o modo da condição
de permanência do Verbo do qual acabo de falar. Informais-me que pela
via do interior recebestes verdades e alegrias acima daquilo que havíeis
recebido pelo exterior. Para a glória de Nosso
Senhor, não oculteis de mim os prazeres que recebestes pela via do
interior. Peço, pela vossa amizade, informar-me quando
37
e como atingistes o centro e se tivestes manifestações exteriores
a partir daí. Acabo de receber vossa carta de 26 de março.
As circunstâncias desfavoráveis que vos cercam ter-me-iam causado
muita inquietação por vós se minha confiança
na
Providência tivesse limites. Continuo esperando que a calma renasça
em vosso país: o estado de guerra é um estado tão
pouco natural que obrigatoriamente os homens se cansam dele. Rogo que vos
esforceis para cumprir vossa promessa, tão
obsequiosa para mim, logo que os acontecimentos o permitam. Estejais certo
de que com a execução de nosso projeto e
hospedando-vos em minha casa, não me impondes outro encargo além
da gratidão que terei para convosco. Como na Suíça
vivemos sem luxo e os próprios chefes de nossas repúblicas
habitam em pequenas casas burguesas, nossas posses,
embora limitadas, bastam para proporcionar-nos grande comodidade. São
excelentes os vossos conselhos no fim da carta do
dia 26. Ser-me-á muito fácil segui-los, pois nesse gênero
o que propriamente me interessa é somente meu grande alvo, e eu
sacrificaria de boa vontade todos os conhecimentos que não ajudam
ou que não conduzem a ele, assim como não buscaria
objeto algum sem auxílio, desde que esse objeto me lançasse
na circunferência. Voltando-me com todas as minhas forças
para aquele que é a fonte da vida, terei feito o pouco que posso
fazer para a renovação de meu ser. No mais, rendo-me ao
nosso grande Benfeitor. Se devo permanecer na obscuridade, que seja feita
a sua vontade. Não peço luz, mas somente a
ele. Lerei com cuidado os dois Tratados de B. que tivestes a bondade de
indicar-me. Eles já me haviam atraído sem que eu
os conhecesse; até aqui, não os havia lido. Recebei meus agradecimentos
sinceros pelo interesse que demonstrais pelo meu
progresso e pelos testemunhos de vossa amizade. Tende a certeza de que conheço
todo o valor de vossos conselhos, de
que farei tudo o que me for possível para segui-los. Adeus, senhor,
rogo-vos não vos esquecerdes de mim em vossas
preces. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
63 A imaginação traz a essência?
Carta 22 Amboise, 5 de abril de 1793
Tomo da pena, senhor, para rogar-vos um pequeno favor. Gostaria de ter,
em inglês, as obras de Jane Leade, da qual se fala
em vosso Arnold, tomo II, parte 3, cap. 20, p, 519. Segundo fui informado,
essas obras, traduzidas em alemão, são o Le Puits
du JardimI [A Fountain of Gardens - N.T.], in-oitavo, e, além disso,
três volumes do diário de todas as suas visões, cuja
leitura
recomendaram-me com muito empenho. Mas como nossas relações
com as potências inimigas estão todas interditadas, e
sendo-me o inglês mais familiar do que o alemão, ouso dirigir-me
a vós pedindo que empregueis todos os meios que
estiverem ao vosso alcance para que vos enviem de Londres as obras em questão;
em seguida, tende a bondade de enviarmas
a Berna. Não façais economia, pois satisfarei a todas as despesas,
quaisquer que sejam. Vossa posição política e
vossas relações científicas vos permitem conseguir-me
essas obras que dizem ser um tesouro, pelo que vos ficarei
inteiramente agradecido. Rogo-vos além disso, fazer chegar o bilhete
anexo à pessoa cujo conhecimento vos proporcionei e
cujo endereço seguramente possuís. Perdoai-me se tomo essa
liberdade, mas não posso mais servir-me da via costumeira
para escrever-lhe, e depois, pretendo que isso não seja muito freqüente.
Adeus, senhor, felicito-vos mais do que nunca por
respirardes o ar da paz política. As circunstâncias querem
que eu respire outra; submeto-me e adoro. Então, encontro uma
paz que vale bem a da terra, mas é preciso velar para que ela me
seja duradoura. SAINT-MARTIN
Carta 23 B
, 18 de abril de 1793
Recebi, senhor, vosso bilhete de 5 de abril. Podeis ter a certeza de que
não pouparei qualquer esforço para conseguir-vos as
obras de Jane Leade. Tenho motivos para crer que a pessoa que vos teceu
elogios sobre elas deu-vos uma excelente
indicação. Jane Leade era amiga do doutor Pordage e o que
dela se encontra em Arnold é somente um trecho do prefácio
do
Gartenbrunnn [A Fountain of Gardens - N.T.]. Esse Puits du Jardin contém
três partes que formam um diário de todas as
comunicações e manifestações de que ela usufruiu.
No fim do prefácio mencionado, ela indica e louva uma obra intitulada
le
Mystère des manifestations et révélations64, de um
médico inglês. Julguei que esse médico só podia
ser Pordage.
Efetivamente, encontrei o tratado em questão na coleção
alemã que possuo desse autor. Nessa obra, Pordage montra a
importância e as diferentes espécies de comunicações
e manifestações. Faz menção do estado de enfraquecimento
em que
a Igreja se viu quando esse gênero de revelação foi
suspenso e interrompido e fala de várias manifestações
com grande
respeito. Eis o título das obras compostas por Jane Leade, além
do Puits du Jardin, ou de eu diário, o que é a mesma
coisa.65
1º. La Nuée Celeste [A Nuvem Celeste], ou L'Échelle de
la Résurrection [A Escada da Ressurreição], impressa
na Inglaterra
em 1682. In-quarto.
2º. La Révélations des révélations [A Revelação
das Revelações]; in-quarto, 130 p.
3º. La Vie Hénochienne [A Vida de Enoque] e le Cheminemnt avec
Dieu [O Caminhar com Deus]; in-quarto, 1694. 38
páginas.
4º. Les Lois du Paradis [As Leis do Paraíso], 1695. In-oitavo,
69 páginas.
5º. Les Merveilles de la création divine, en huit mondes différents,
tels qu'ils on été montrés à l'auteur [As Maravilhas
da
Criação Divina, em oito mundos diferentes, tais como foram
mostrados à autora]. 1695. In-oitavo, 89 p.
6º. Un Message pour la commune de Philadelphie [Uma Mensagem para a
Comunidade de Filadélfia]. 1696. In-12, 108
páginas.
38
7º. L'Arbre de foi [A Árvore da fé], ou ou a L'Arbre
de vie, qui croît dans le Paradis de Dieu [A Árvore da Vida,
que cresce no
Paraíso de Deus]. In-12, 122 páginas.
8º. L'Arche de la foi [A Arca da fé]. 1696. 33 páginas.66
Todos esses tratados foram traduzidos em alemão em Amsterdam, em
1696, e é de acordo com os títulos alemães que vos
indico os títulos franceses. Certamente já tereis recebido
minha longa carta de 29 de março. Desde então, li nos livros
de B.
por vós indicados (sabeis como amo e respeito B.), a passagem que
deve a passagem que deve servir de explicação para a
figura que está no início do tratado, Vom übersinnlichen
Leben, é, na minha opinião, uma obra-prima; e mesmo no início
do
tratado B. remete à melhor de todas as provas: a experiência.
Mas com isso sempre há grandes dificuldades, não tenho
necessidade de vo-las indicar. Deus quer que as superemos. Jane Leade, no
trecho de discurso que se encontra em Arnold,
3! parte, cap. 20, § 23, diz, em poucas palavras, uma coisa bem profunda:
"Precisamos zelar pela abertura de cada centro,
pois a serpente tem sempre uma sutilieza pronta para introduzir-se em toda
parte onde puder." ["We need to watch the
opening of each centre, for the serpent has always some subtilty ready,
to introduce himself wherever he can."- N.T.] Isso é
geral, mas Jane Leade acrescenta uma observação particular
que se refere à grande questão inserida em minha carta de
29
de março: "De todas as manifestações, a mais segura
é a manifestação intelectual e divina que se abre nas
profundezas do
centro. Entretanto, isso não deve significiar que devamos permanecer
sempre nesse ponto e aderidos a ele sem irmos além,
pois existe um outro centro mais profundo ainda no qual a Divindade, despojada
de qualquer figura e de qualquer imagem,
pode ser conhecida e vista em seu próprio ser e em toda sua simplicidade.
Esse modo de se manifestar é a mais pura e, sem
exceção, a menos sujeita a erros, na qual nossos espíritos
podem repousar eternamente, como no centro deles, e gozar de
todas as delícias das quais se nutrem os Anjos, mesmo diante do trono
do Eterno." ["Of all manifestations, the safest is the
intellectual and divine manifestation which opens in the depths of the centre.
Nevertheless, that does not mean that we should
suppose that we ought always to remain glued to this point and advance no
further, for there is another centre, still deeper, in
which the Divinity, divested of all figure, and without image, may be known
and seen in His own being, and in all His simplicity.
This manner of manifestation is the purest, and, without exception, the
least subject to error, in which our minds may repose
as in their centre, eternally, and enjoy all the joys of angels, even before
the throne of the Eternal."] Vede até que ponto vai a
sublimidade de Jane Leade! Na incerteza sobre qual dos tratados dessa autora
eu conseguiria em Londres, encomendei
todas: uma exemplar de cada uma eles para vós e outro para mim; podeis
deixar para mima aqueles que não vos
interessarem. Tomo a liberdade de rogar-vos que soliciteis ao vosso correspondente
em Estrasburgo, o que vos recomendou
as obras de Jane Leade, pelo amor da boa causa, que dê a um livreiro
dessa cidade a ordem de enviar-me todas as obras
Jane Leade que possua em alemão. Poderá enviá-las a
Basiléia, à viúva do livreiro Auguste Serini, recomendando-lhe
que
as faça chegar a mim. Soube com pesar do dissabor acontecido a uma
de vossas conhecidas, a cidadã B. Sabeis por minhas
cartas anteriores que tomei interesse por ela. Ela tem um parente próximo
que prova realmente que as virtudes nem sempre
são os melhores guias de nossas ações, mas mui provavelmente
as ciências eram de uma espécie muito má. A partir disso,
não poderíamos concluir que a natureza das virtudes que se
aproximam de nós está em razão direta da nossa pureza?
Adeus, senhor, lembrai-vos de mim em vossas preces. Encerrais vossas cartas
com um conselho admirável, o da vigilância.
Quoniam non est nobis colluctatio adversus carnem et sanguinem, sed adversus
principes et potestates, adversus mundi
rectores tenebrarum harum, contra spiritualia nequitiæ in celestibus.67
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
64 Em francês no original, embora a autora seja inglesa.
65 Os títulos serão citados em português com os títulos
franceses entre parênteses. Não temos os títulos originais
em inglês
nem os títulos das traduções alemãs.
66 Respectivamente, no original: La Nuée celeste ou (l'Échelle
de la Résurrection; La Révélation des révélations;
La Vie
Hénochienne, Le Cheminenent avec Dieu; Les Lois du Paradis; Les Merveilles
de la création divine, en huit mondes
différents, tels qu'ils ont été monstrés à
l'auteur; Un Message pour la commune de Philadelphie; L'Arbre de foi, ou
l'Arbre de
vie, qui croît dans le Paradis de Dieu; L'Arche de foi. Títulos
ingleses:
67 "Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne,
e, sim, contra os principados e potestades, contra os dominadores
deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões
celestes." Paulo aos Efésios, 6:12.
Carta 24 Amboise, 24 de abril de 1793
Realmente recebi, senhor, vossa excelente carta de 29 de março e,
para responder a ela, esperava esta que acabo de
receber. Passo em seguida à vossa pergunta: Há comunicações
físicas emanadas do centro ou por ele produzidas?
Descubro que não somente Jane Leade responde a isso de maneira perfeita
na passagem que me enviastes, mas que vós
mesmo não deixastes de responder igualmente bem a essa pergunta ao
dizerdes que tudo dependia do único necessário, do
nascimento do Verbo em nós. Acrescentaria minha opinião pessoal:
é que, por si só, esse centro profundo não produz forma
física alguma, o que me fez dizer, no homem de desejo68, que o amor
íntimo não possuía forma e que, assim, homem algum
jamais vira Deus. Mas o Verbo íntimo, quando desenvolvido em nós,
influi e aciona todas as potências de segundas,
terceiras, quartas, etc., fazendo-as produzir suas formas segundo os planos
que tem com relação a nós: eis, na minha
opinião, a única fonte das manifestações. No
entanto, não direi por isso que todas aquelas que não venham
por essa sendas
sejam formas enganadoras, porque cada espírito produz a própria
forma a partir da essência de seu pensamento, mas diria
que são formas de imitação que buscam arremedar as
verdadeiras. Ajuntai a isso tudo o que o astral puder introduzir-lhe e
39
tudo o que a serpente opera nesse astral, e vereis mais do que nunca que
esse centro é o nosso único porto e a nossa única
fortaleza. Eu sabia por escrito de todos os acontecimentos de Lyon dos qual
me falais e não hesito em situá-los na classe
das coisas mais suspeitas, embora as boas almas lá presentes tenham
podido receber felizes transportes como frutos de sua
piedade e de seus verdadeiros desejos; Deus está sempre tirando o
bem do mal. Sabia também das histórias de Schröpfer e
de muitas outras desse tipo, sobre as quais o julgamento definitivo foi
dado há muito tempo. Quanto às manifestações
que
aconteceram em minha escola, creio-as muito menos falsificadas do que as
citadas. Ou, se o eram, havia em todos nós um
fogo de vida e de desejo que nos preservava e que até esmo nos fazia
caminhar na graça, mas então conhecíamos pouco o
centro. O que eu tive de conhecimento desse centro, e sobre o quê
me questionais, limita-se a transportes interiores
deliciosos e a bem mais doces instruções esparsas em meus
escritos, quer impressas, quer em manuscrito. Estou bem longe
de estar muito adiantado nesse centro, que até agora mais percebi
do que toquei. Assim, não permaneci preso a ele, como
espero estar um dia pela graça de Deus. Também tive comunicações
físicas desde essas afeições centrais, mas em menor
abundância do quando seguia os procedimentos de minha escola; e ainda,
quando dos procedimentos de minha escola, eu
tinha menos das comunicações físicas do que maior parte
de meus camaradas. Pois foi-me fácil reconhecer que minha parte
estava mais na inteligência do que na operação, o que
B. me fez compreender em seu Fünffter Punct, sobre a magia, no qual
vi claramente a diferença entre magus e magia. Esse parte física
que tive, embora raramente desde minhas afeições
centrais, não atrai mais a minha confiança do que o resto,
dou-lhe pouca atenção. Assim, seja sobre isso, seja sobre
minhas
aberturas centrais, não satisfaria vossa curiosidade. Além
do mais, já vo-lo disse mil vezes, é a vossa obra pessoal
que vos
importa mais. A obra dos outros não pode entrar em vossa substância
nem sair dela e tudo o que não for de vossa
substância é para vós perda de tempo, e repito-vos essas
verdades com tanto mais prazer porque vejo vós mesmo que
estais convencido delas, uma vez que buscais atirar-vos de corpo e alma
nos braços de nosso Benfeitor e Salvador. Amém.
Vamos à vossa carta de 18 de abril. Não recusarei nenhuma
das obras de Jane Leade e rogo que me indiqueis os meios
para vos reembolsar. A via de Monsieur Willermez parece-me mais cômoda,
pois tenho dinheiro investido com ele, do qual
me entrega juros, e é certo que ele tem relações com
banqueiros ou negociantes de vosso país. Não deixeis, suplico-vos,
de
dizer à pessoa que vos fiz conhecer que ela tenha a prudência
de não me escrever se não me quiser expor. Se tiver qualquer
coisa a me informar, escrevei vós mesmo o que ela vos ditar. Além
disso, seja em seu nome ou no vosso, quando me
escreverdes, não digais uma palavra sobre nossos assuntos políticos.
Felicito-vos por terdes a oportunidade de vos
ocupardes em paz com as coisas de Deus. A Providência julga oportuno
condenar-me ao isolamento no que concerne a isso,
não sei por quanto tempo. Seja feita sua vontade, orai todos um pouco
por mim. Quanto à vossa incumbência para o livreiro
de Estrasburgo, não poderei chegar a vos satisfazer, apesar de todo
o desejo que tenho. A pessoa com quem me
correspondo não conseguiu a tradução alemã de
Jane Leade, embora tenha feito algumas buscas em todos os livreiros; é
um amigo que lhas empresta. Terá de procurá-las no estrangeiro
e será preciso que façais o mesmo. Adeus, senhor, recebei
sempre as garantias de minha inviolável amizade. SAINT-MARTIN
68 Em minúsculas no original.
Carta 25 Amboise, 2 de maio de 1793
Rogo-vos, senhor, dizer ao nosso amigo comum que não tenho qualquer
notícia direta da pessoa de quem ele me fala e que
é impossível ele saiba mais do que eu. As que recebi demonstram
tranqüilidade de resignação, mas, ao mesmo tempo,
tristeza, coisa inevitável nessas circunstâncias; queira Deus
que, se pela cruel duração que devemos temer, essa tristeza
não
se transforme em amargor, pois é preciso estar forte e bem privilegiado
para resistir-se a tão longas provas quando, depois
de Deus, só temos a nós próprios como consolador. Em
minha última carta eu vos rogava que solicitásseis a nosso
amigo
comum que não me escrevesse até que as tempestades que ameaçam
minha pátria se dissipassem. Todas as cartas são
abertas e eu já fui chamado diante de nossas autoridades constituídas
para prestar contas sobre uma carta vossa que
haviam retido no correio. Minhas respostas pareceram satisfatórias
e entregaram-me vossa carta. Mas eu poderia ser
novamente interpelado se recebesse as de nosso amigo, e talvez a última
dele não me teria chegado às mãos se o que
aconteceu à vossa não a tivesse como que coberto com suas
asas. Foi somente depois que a sua presente carta partiu que
deveis ter recebido a minha onde está o veto sobre a nossa correspondência;
assim, ele não podia ter instruções quanto a
isso. Mas, daí em diante, vamos conservar essa posição,
ele e eu. Dizei-lhe que não pude dar explicação alguma
de meus
princípios numéricos sobre a nota que me havia enviado porque
não havia nela uma palavra sequer que me indicasse de que
se tratava a sua idéia e que, por conseqüência, eu não
podia julgá-la. Rogai-lhe para ditar-vos bem resumidamente o que
quiser de suas concepções sobre esse assunto e prometo remeter-vos
prontamente a minha resposta. Ele queria que
fôssemos suíço como vós e ele, Ai de mim!, e
eu também o gostaria, para lavrarmos em paz e juntos no campo do
homem e
na vinha do Senhor, e estou certo de que o instante em que a divina Providência
me permitir encontrar-me convosco será um
dos mais belos dias de minha vida. Mas talvez eu ainda não tenha
merecido tal felicidade, estando condenado a expiações
de todo tipo, pois todas as faculdades temporais de meu ser estão
constantemente angustiadas, e as angústias estão a todo
instante em vésperas de se transformarem em torturas. Mas, graças
a Deus, o centro de meu ser recebe ainda doçuras e
consolações e essas consolações estender-se-iam
até mesmo à circunferência, se eu não fosse tão
insignificante, pois não
ouso dizer tão isolado, por medo de julgar-me com excesso de benevolência.
Assim, no meio dos abismos sem fundo e sem
número que me rodeiam e que a cada dia podem engolir-me, algumas
vezes ainda como do maná e minha saúde mantém-
40
se. Estou lendo agora a Signatura rerum, de nosso amigo B. Que profundidade
existe nesse homem ímpar! O cap. 4,
sobretudo, é por si só uma mina universal. Mas como eu precisaria
de apoio e de companheiros para nele penetrar! Vós
principalmente, senhor, que tendes mais experiência do que eu nas
ciências físicas, seríeis de grande utilidade nessa
leitura
porque vossos conhecimentos elementares ajudar-me-iam a desembaraçar
um pouco as de ordem superior e, por sua vez, a
ordem superior ajudar-me-ia a desembaraçar a ordem inferior. Mas
deixemos tudo nas mãos de Deus, pois nosso amigo B.
ensinou-me que até mesmo um desejo de nossa parte seria um pecado
se não estivesse como que dissolvido, e fosse
resultante do desejo eterno e divino ou desse fogo de amor que tudo abrasa,
porque é um. Amém. No cap. 4 de Signatura
rerum, nº 21, 37, há a palavra Urstand, que creio signifique
fonte. Meu dicionário alemão é tão ruim que
nem mesmo traz o
verbete Urstand. Meu dicionário inglês o traduz como inteligência,
o que creio ser um erro; dizei-me se estou enganado.
Também necessito de um explicação de gramática
acerca de uma passagem de Fünffter Punct., cap. 8, nº 23: Wenn
das
ander den Fluch erræget hat; lorsque l'autre a excité la malédicition69.
Pergunto se universalmente, na construção alemã, o
regente, que aqui é das ander, precede o regido, que é Fluch.
Ser-me-ia útil possuir uma regra a esse respeito, pois quando
os artigos não são tão claros como nesses exemplos
para servir-me de guia, corro o risco de tomar o regido pelo regente, e
viceversa, o que me causa grandes atrapalhações, coisas das
quais já tenho uma provisão bastante ampla por não
conhecer
vossa língua, e sobretudo nos gêneros, que são mais
numerosos do que na nossa, e pela extrema complicação dos
artigos
declináveis. Dizei-me sobre isso o que puderdes e vos ficarei agradecido.
Adeus, senhor, meu coração e meu espírito estão
convosco. Deus sabe quando minha pessoa o estará. Mil recomendações
ao nosso amigo. Aguardarei em paz os livros
ingleses. SAINT-MARTIN
A resposta a esta carta é de 14 de maio de 1793. Começa com:
Acabo de receber vossa carta de 2 de maio e tomo logo da
pena para tranqüilizar-vos, etc."
Carta 26 B
, 12 de maio de 1793
Vossa carta de 24 de abril, que lança tanta luz sobre os mais importantes
assuntos, chegou aqui muito bem. Confirmais de
maneira bem satisfatória as minhas conjecturas sobre a única
fonte e a única via das verdadeiras manifestações.
Essa via
não está sujeita a perigo alguma e sempre nos conduz a um
alvo sublime. Podemos ousadamente colocar as teurgias de
Lyon entre as coisas mais suspeitas. Há dois anos que as encontrei
no processo jurídico de Cagliostro, instruído em Roma.
Esses fatos são como barreiras ao longo de um precipício para
evitar que o passante caia nele. Tenho motivos para crer que
esse processo é bem verídico; assim, agradeço-vos pelo
que me dizeis sobre vossa própria experiência. Além
da passagem
que me citais de nosso amigo B., há ainda uma que merece a nossa
atenção nesse assunto e que se liga bem de perto aos
meios que devemos empregar para adquirir o único necessário.
De início encontrei nos Theoso-Fragen70 III, 33, 34, vossa lança
composta de quatro metais. A grande questão é saber se
essa lança não pode servir para golpear o rochedo do qual
deve jorrar a fonte de água viva, ou seja: se não pode servir
par
abrir o centro. O que me leva a vos fazer esta pergunta é uma passagem
de Jane Leade (nosso abade conseguiu-me uma
edição alemã do Gartenbrunn), da qual vos faço,
não uma tradução francesa, mas uma tradução
literal para poder aproximarme
o mais possível do original. Gartenbrunn, p. 17: "A sabedoria
fez-me ver efetivamente com que chave o grande mistério
que estava profundamente escondido em mim mesmo podia ser desatado. Essa
chave era de um ouro muito puro, que havia
passado por diversos fogos. Anteriormente eu havia tentado várias
chaves, mas não pude conseguir introduzi-las nessa
fechadura tão misteriosamente fechada, que resistiu a todos os meus
esforços. Cri, entretanto, possuir uma chave composta
de metais de tal natureza que eu não devia esperar encontrar resistência
na abertura desejada, pois os materiais de minha
chave eram a caridade, a fé, a paciência e a humildade, acompanhadas
de ardentes preces, mas ela todavia continuou curta
demais e insuficiente para atingir a entrada, de modo que eu perdia a esperança
de abrir e a coragem de buscar. Eu havia
contornado da Cidade santa, havia esperado; havia tentado ora uma senda,
ora outra, havia passado de uma prece a outra e
de uma crença a outra, até temer seriamente que jamais encontraria
essa chave maravilhosa e que passaria toda minha vida
num deserto e todos os meus dias a tatear na escuridão sem jamais
encontrar a porta que encerra as ovelhas de meu
verdadeiro e fiel pastor. Minh'alma, plena de temor e terror, foi então
deixada em perfeito silêncio e profunda tranqüilidade. A
palavra da própria Sabedoria manifestou-se a mim dizendo-me: Espírito,
tu que passas o tempo a perquirir e a buscar
profundamente, não te espantes de que durante tanto tempo tua esperança
tenha sido vã e ilusória; em tua eternidade não
terias podido esperar-me em teu estado e teu presente serviço, pois
meu nascimento em ti jaz tão profundo que teu presente
e atual dom de fé não pode atingi-lo e abri-lo. Até
o momento, estiveste mergulhado juntamente com muitos outros em
grande erro; entretanto. Uma vez que reconheces tua ignorância e que
dela te lamentas, far-te-ei conhecer a chave que pode
abrir a grande roda de minha sabedoria para que ela possa por-se em movimento
e acionar todas as potências e nelas influir,
e manifestar-se em ti mesmo sob todas as formas e propriedades de tua alma,
contanto que estejas em condições de atribuir
um preço proporcional ao seu valor. É preciso que saibas que
essa chave é composta e soldada pelo ouro mais puro e que
se encontra num forno aquecido por diversos fogos. Embora essa chave miraculosa
seja, a bem dizer, a obra da própria
Sabedoria mas se, entretanto, ela foi dada gratuitamente, ó espírito
buscador, tu pagarás bastante caro por ela se algum dia
a adquirirdes. A Sabedoria busca, no entanto, aqueles que são dignos
delas para poder manifestar-se no recinto interior de
suas almas e encontrar cada pensamento daqueles que prestam atenção
à suas leis e aos seus conselhos. Ela traz consigo
um reino que bem merece que vendas tudo para adquiri-lo. Mas a grande e
principal obra-prima, diz a Sabedoria, consiste na
41
direção e na instrução de seu espírito,
para que se chegue a fazer um hábil artista e para que ele obtenha
o conhecimento de
qual matéria e em que número, peso e medida essa chave tão
pura deve ser fabricada. - Essa matéria é a pura e sublime
Divindade que há nos números três. Sua glória
ultrapassa tudo e reside num círculo celeste, dentro do coração
do homem,
onde mede com sua potência o templo e o pátio interiores com
aqueles que aí se encontram para adorar. - Quando abri com
essa chave a porta secreta da Sabedoria, minh'alma desvaneceu-se e não
mais retive minhas forças; o sol de minha razão e
a lua de meus sentidos enrolaram-se como um tapete e desapareceram. Eu nada
mais nada em mim mesma sobre
propriedades ativas da natureza e da criatura; a roda do movimento deteve-se
e o fogo central fez girar uma outra, de modo
que eu me sentia totalmente metamorfoseado numa chama. Então, a Palavra
aproximou-se e disse-me: Isso nada mais é do
que a porta de minhas profundezas eternas.
Podes sustentar a ti mesmo nessa região ignorada que é a morada
e a residência da Sabedoria, onde ele lhe dá uma lei de
fogo? Se prestares atenção e obedeceres às suas ordens,
então mistério algum lhe será oculto. Até aí,
foi-me permitido
aproximar-me da entrada de sua casa, etc., etc.,"71 Que dizeis, senhor,
dessa chave, de seu número, de seu peso e de sua
medida? Não vos lembra ela vossa lança composta de quatro
metais e a passagem de B., que citei mais acima?
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
(Falta a seqüência desta carta, visto que o papel foi rasgado
e desapareceu.)
69
quando o outro excitou a maldição.
70 Perguntas Teosóficas.
71. Um mente da sabedoria abriu-o assim ego em mim, porque eu esperei em
meu espírito em cima dela, fêz dela o shew
mim que chave abriria o mistério grande, que colocam escondido profundamente
em meu ego. Feita de era e esculpiu foros
de tal ouro puro, como tido passado através de muitos fogos; muitas
chaves que eu tive tryed, mas não puderam girar neste
fechamento incluido secreto, mas ainda fechou em cima de mim, embora eu
pensei que eu tive essa chave que foi
combinada de tais metais, como faria sua entrada, como amor do, fé,
uma paciência, Humildade, Súplica de com de que
oração de e forte, apresentei de eu, como uma chave faz trabalho.
Tudo que era demasiado curto alcançar do. Ao que posto
de fui de eu um completamente de perda de uma à busca como esta porta
deve ser aberta, circundado de ter uma cidade
santo, esperada de e e tryed cada maneira, onde eu pude encontrar uma passagem.
Circundando de um trajeto um outro,
faça oração de ao de oração, e da fé
fé de à; de modo que em sério bom eu começasse
um considerar eu não tinha
encontrado esta chave maravilhosa, para queira de qual eu pude funcionar
para foros nenhum desperdício todos meus dias,
e procuram no escuro obscuridade de na de como, encontre de nunca de contudo
uma porta que abre na dobra faz meu
pastoreiam verdadeiro. Ao que sendo moldado em um silêncio e em um
quietude profundos surpreendente, um palavra da
sabedoria abriu-o assim ego até mim; O espírito procurarando
profundo fazem tu faça Oh, não de maravilha hast do fazem
tu
sido assim que frustrado por muito tempo, para um respeito faz atual de
estado e o dispensação thy, couldst fazem tu
alcance de nunca eu um todo eternidade do, porque meu nascimento em mentiras
fazem profundamente de mais de thee o
presente atual fazem que thy da fé e fazem abrir de pode de oração;
hast fazem tu com muito outro estado em um erro
grande. Mas visto que o inabilidade thy o mais ownest e o mais bewailest
fazem tu, mim tornará conhecido ao thee que
chave girará esta roda grande de minha sabedoria, modo de de um podem
dele movedor-se, e manifestam-nenhum ego
nenhum thee, todas de de de através como thy de propriedades, se
canst do fazem tu até de oferecer o preço dele. Pará
compreenda que está combinado de todo o ouro puro, subsistindo em
uma fornalha ardente de muitos fogos: E embora esta
chave maravilhosa seja da sabedoria que que esculpe foros de para, e seu
presente fígado, contudo, o espírito procurar
fazem tu de O, custará dela o thee muito caro, sempre de se tu o
mais obtainest ela. Goeth de Contudo como de procurar
sóbrio é digna dela, e fazem shew da vontade seu ego dentro
das paredes da mente, e encontra-se com como em cada
pensamento que como esperas para seus leis conselhos de e, trazem de e um
um reino que seja bom valor thy vendendo
tudo para. Mas um grande de coisa, sabedoria fazem saith, é ágora
disciplinar fazer de e uma espírito thy um artista astúcia,
dar-lhe de para o conhecimento de que matéria nenhum número,
peso e meça esta chave pura composto de é, que todo de
é o Deidade puro nenhum número TRÊS; qual é certamente
pesado, um de sendo se gloriam excedendo pesado, sentandose
que nenhum círculo dos céus dentro fazem coração
fazem homem, com de medindo um linha de seu poder, faça templo e
da corte interna, com o Adoradores nisso. Esta é uma sabedoria de
da de chave, que fará nossas mãos deixar cair com mirra
cheirando doce em cima fazem punho de seu fechamento. Qual quando eu abria
sua Particular-Porta, chave desta de com,
minha alma falhada dentro de mim, e mim não reteve nenhuma força;
sol de meu razão de da, e um lua de meu sentido
externo foram dobrados acima, retiraram-se de e. Eu não soube nada
por meu ego, uma respeito daqueles propriedades
trabalhando da natureza, e da criatura, e uma roda faz movimento que está
ainda, outro moveu-se de um fogo central; de
modo que eu sentisse meu mesmo Transmudou em um puro se inflamar. Veio-eu
palavra dessa de então, esta não de é à
excepção da porta fazem profundo de meu eterno, o tu faça
canst subsistem impetuosa de região de nesta, que é o mansão
da sabedoria, onde se encontra com espíritos abstraídos santo,
e dá adiante uma lei impetuosa, se de que atendem a
elasticidade de da fazem canst fazem tu faça thereunto, para vir
até suas condições essenciais, nenhum segredo será
retido
então fazem thee. Assim eu estou admitido distante para vir na entrada
de sua casa, onde mim devo parar até que eu eu
ouço mais mais dela?
42
Carta 27 Amboise, 21 de maio de 1793
Respondi, senhor, às vossas duas cartas de 12 e 14 de maio. Estou
encantado com o fato de que minha lança de quatro
metais se encontre em fraternidade com B. e Jane Leade. Eu só estava
inquieto sobre o princípio quaternário fundamental,
haurido em minha primeira escola e, embora vos haja escrito, já há
muito tempo, que todos aqueles que marchavam na
mesma senda diziam a mesma coisa sem se conhecerem, estou muito satisfeito
por confirmar isso. Perguntais-me se a lança
não pode servir para golpear o rochedo, do qual deve jorrar a fonte
de água viva: disso não tenho dúvida alguma, nem Jane
Leade. Mas se ela aqui estivesse, dir-vos-ia como eu que toda a virtude
dessa lança encontra-se no princípio do qual deriva e
que a engendra continuamente. Prouve a Deus gratificar-nos com uma parte
dessa fonte e é a porção de fogo de amor que
ele se digna acender em nossas almas, o qual, agindo então em concurso
com o princípio eterno, deixa-nos em condições
de obter a felicidade que só quer proporcionar-nos. Aqueles que,
como os teurgos ordinários e os cabalistas mecânicos,
crêem nas virtudes dos nomes destituídos desse fogo regenerador
vivem em erros perigosos, seja para si mesmos, seja para
aqueles que governam, pois esses nomes são formas que não
podem permanecer vazias e, se as empregarmos antes de as
enchermos de sua substância natural e pura, há outras substâncias
que podem nela introduzir-se ocasionando grandes
estragos. Assim, o ímpio e o justo podem pronunciar o nome de Deus,
mas para um, isso é para a sua perda e para o outro,
para sua salvação. Sobre esse assunto, cito, a propósito,
alguns versinhos que fiz em Estrasburgo para uma pessoa que me
pedia a chave do homem de desejo. Esses versos não convenceram a
pessoa a quem os dei, pois ela estava totalmente
imersa na torrente do mundo mais ignorante e frívolo, mas não
deixo de crê-los por isso menos verdadeiros. Ei-los:
Avant qu'Adam mangeât la pomme,
Sans effort nous pouvions ouvrir.
Depuis, l'oeuvre ne se consomme
Qu'au feu pur d'un ardent soupir ;
La clef de l'homme de desir
Doit naître du désir de l'homme.72
Talvez seja um tanto pueril de minha parte enviar-vos esta frivolidade.
De qualquer maneira, não mais repetirei isso. Não
consigo exprimir-vos o bem que me fizestes com o envio da passagem de Jane
Leade. É do mais puro ouro e ouso até dizer
que é de uma qualidade bem nova, embora as mesmas verdades se encontrem
nos nossos outros bons teósofos, mas em
parte alguma elas me causaram tanta sensação. Oh!, quanto
deleite espero do restante da obra! É preciso convir que essa
passagem tem grande mérito para mim: o de estar escrita em minha
língua. Tudo me fica mais aberto nessa língua do que
em qualquer outra. Também, certas coisas que leio em Böhme não
me trazem a metade do que trazem quando as leio nas
traduções francesas que fiz aqui e ali, mas que não
as levei muito longe, porque não sou um trabalhador muito robusto
e,
além disso, minha verdadeira maneira de aproveitar um instrução
não é traduzindo-a nem copiando-a, mas falando-a. Ora,
aqui estou sob os laços da potência muda. Vamos à vossa
segunda carta. Só existe uma espécie de maná. As Sagradas
Escrituras estão cheia dele, explica Böhme, Jane Leade torna-a
bem tangível. Possa esse manjar fazer-se sentir em vosso
coração. Fazeis muito bem em ocupar-vos com B., como o fazeis,
isso terá seu lugar. Se eu não fosse tão insignificante,
faria
como vós, mas há pouco confessei-vos minha
. Estou
bem contente de não me haver enganado sobre a palavra
Urstand. Quanto à regra pela qual vos perguntava, falar-vos-ei com
mais clareza e amplitude de outra vez. Hoje quero falarvos
de uma idéia que já me ocorreu várias vezes sobre o
assunto de nossos projetos comuns de aproximação. Sempre a
repeli, tal é o medo que tenho de meu próprio desejo, mas
ela sempre volta. Vou, pois, transmiti-la a vós. Neste momento, é
impossível viajar para fora de minha pátria. Os meios ordinários
de passaportes estão como que universalmente interditados,
sobretudo nos cantões que, como o meu, apresentam perturbações.
Não quero, de modo algum, viajar como emigrado e permanecerei fiel
à minha pátria, seja qual for a sorte que o destino lhe
reserve. Mas não será possível empregar meios extraordinários
com êxito. Sois um homem considerável em vossa pátria,
e
deveis sê-lo aos olhos da minha pelo peso que tendes na vossa. Conheço
um pouco Monsieur Barthélemy por havê-lo visto
em Londres em 1787, onde lhe fui apresentado por um inglês chamado
Mr. Bousie. Nosso embaixador, o conde de Adhémar,
estava estão ausente em licença. Pensaríeis que seria
comprometedor testemunhar a Monsieur Barthélemy o vosso desejo
de chamar-me por algum tempo junto de vós a fim de cultivarmos juntos
objetos de estudo que temos em comum, e também
facilitar-me os meios de me fortalecer numa língua que me é
necessária nesses mesmos objetos? Podereis dizer-lhe que
minha idade, cinqüenta anos, faz com que todos os momentos sejam preciosos
para mim, que não ocupo função alguma na
República, que meu único estado é ser homem de letras,
que já preenchi, além disso, todas as condições
impostas pela
República francesa a todos os cidadãos: que se, pelo que foi
exposto, ele acreditar que pode encarregar-se de vossa
solicitação junto ao nosso ministro de negócios estrangeiros,
vós e eu lhe ficaremos gratos. Eis o que confio à vossa
prudência e sabedoria. Se minha idéia não for apresentável,
abandonai-a. Se virdes, de alguma forma, que podeis pô-la em
prática, fazei o que o coração vos disser. Se a tentativa
que fizerdes for pura perda, lamentarei o haver-vos comprometido,
mas, se por vossos meios tiverdes êxito em obter a autorização
de meu governo, essa minha viagem me dará todas as
satisfações possíveis. O bom Deus fará o que
quiser. Amém. Haja o que houver, envio-vos meu nome completo e minha
residência a fim de que, se Monsieur Barthélemy vos aceitar,
possa fazer com que o ministro tenha condições de tomar todas
as informações que quiser: Louis-Claude de Saint-martin, nascido
em Amboise em 1743 e aí residindo desde o último mês
de
setembro; votado ao estudo da ciências desde a juventude; inscrito
na lista dos candidatos, feita pela Assembléia Nacional
em 1791 para escolher um preceptor para o filho de Luís Capeto. Acrescentai-lhe
o que quiserdes. A vossa carta que se
43
atrasou acidentalmente é a de 5 de abril. A vossa última,
de 5 de maio, ficou também retida no comitê de supervisão
geral,
em Paris, de onde me deve ser enviada com um lacre vermelho em cima de vosso
lacre negro. Sabeis o quanto é importante
nos ocuparmos com as coisas que não são deste mundo. Esquecia-me
de dizer-vos que não deveis colocar via Paris nos
endereços de vossas cartas. Isso me faz pagar por elas quase metade
a mais por causa do desvio que teria de tomar tomar.
Chegarão com toda segurança simplesmente com: Amboise, departamento
do Indre-et-Loire. Adeus, senhor, agradeço-vos
por vossas lembranças. Dai as minhas lembranças ao vosso amigo.
Quando me escreverdes sobre o projeto acima, não
citeis ninguém: entenderei por meias palavras. SAINT-MARTIN
A carta que responde a esta é de 8 de junho e começa assim:
"De volta de minha incumbência, tive o prazer, senhor, de
encontrar vossa carta de 21 de maio, etc."
72 Antes que Adão comesse o pomo,/Sem esforço podíamos
abrir./Desde então, a obra só se consome/No fogo puro de um
ardente suspiro;/A chave do homem de desejo/Deve nascer do desejo do homem.
Carta 28 Amboise, 21 de junho de 1793
Tomei conhecimento, senhor, dos truques de aritmética de que me falais.
Os primeiros dados eram letras hebraicas
traduzidas em algarismos, segundo seu valor. Os resultados eram às
vezes bem singulares, mas não se elevavam muito alto.
Foi um alemão da Francônia quem me transmitiu os seus procedimentos.
Não os conservei na memória. Como fiz pouco
caso deles, faço agora menos uso. Os judeus são famosos por
todos os tipos de cabala e podereis julgar quantas espécies
há, desde os truques de carta até o grande Nome, que é
a única cabala real e única digna do homem, porque é
a única que
pode ser digna daquele de quem o homem é a imagem. Estou bem contente
por meus pequenos versos vos terem agradado,
mas podeis apostar que não voltarei a repetir isso. Essas tolices
não são mais da minha idade. Ninguém pode censurar-vos
por considerardes a Virgem como um ser grandemente prestativo. Mas ela jamais
será mediadora para ninguém, exceto para
aqueles que não tomaram um impulso mais alto. Ela á pura,
é santa, teve sua parte da Sophia como todos os santos e todos
os eleitos. Devemos dar-nos por felizes quando Deus permite que ela nos
faça companhia e venha ajoelhar-se conosco para
orar a ele (expressão que ouvi de um pregador muito católico
da Igreja romana e que inseri, creio-o, em O Novo Homem ou
no Ecce Homo), mas jamais devemos crê-la indispensável a alguém.
Sua obra está cumprida, já que ela deu nascimento ao
Salvador, abrindo-nos a fonte eterna da vida. Com isso ela fez infinitamente
mais do que poderia fazer a partir de agora.
Além disso, ela não deu nascimento ao Verbo, mas ao Cristo;
assim, nunca poderia dar nascimento ao Verbo em nós.
Todavia, penso que é preciso deixar a cada um a medida de fé
que pode ter. Quanto a vós, senhor, que só quereis
considerar as vantagens que podemos obter de nosso relacionamento com ela,
repito-vos, não creio que devais contestá-las.
Foi dito: Cum electo electus eris73; mas creio poder dizer-vos que conheceis
um eleito maior do que ela: seu Filho. É este o
único do qual podeis esperar vossa eterna eleição.
Sois o irmão daquele que disse à Virgem: "Mulher que
tenho eu
contigo?"74 Felicito-me por não haverdes tomado providência
alguma junto a Monsieur B., em primeiro lugar, porque que
isso vos teria comprometido; em segundo, porque, no estado atual das coisas,
qualquer tentativa teria sido completamente
inútil. As tempestades acumulam-se de tal maneira a cada dia que
passa que não deixam mais qualquer saída. Uni-vos a
mim para elevarmos todos juntos as mãos ao céu a fim de pacificar
sua cólera, pois ela jamais foi tão ameaçadora e as
coisas tomam uma feição totalmente oposta àquela da
qual vossa amistosa esperança se compraz em nutrir. Não apenas
antecipo o prazer que terei no momento em que vir chegar Jane Leade, mas
falam-me também com tanto respeito do médico
Pordage, que mencionaste em vossas cartas, que eu ficaria bastante encantado
se ele pudesse participar da viagem.
Também fazem-me grandes elogios sobre Browne. Apresentam-me esses
personagens como tendo sido contemporâneos de
Jane Leade. Aquele, cujo nome escrevo Pordage, de acordo convosco, escrevem-no
como sendo Pordaestsch; vede se é a
mesma pessoa. Arnold vos explicará isso, pois é com toda certeza
daí que foi tirado tudo o que me informaram sobre esses
assuntos. Pedir-vos-ia também informar-me que valor os nossos assignats
perdem em vosso país, pois se não recorresse
inteiramente à via de Lyon para o pagamento, temeria os atrasos.
O estado em essa cidade que se encontra neste momento
não permite que eu consiga receber de lá notícia alguma,
nem mesmo para meus negócios. Então eu vos enviarei
diretamente daqui a soma de assignats que necessitaríeis para desembolsar
e para o que devo na balança. Tenho uma outra
pergunta a fazer-vos quanto a alguém por quem me interesso, e que,
quando as tempestades houverem passado, desejaria
investir fundos em vosso país, em renda perpétua ou renda
vitalícia, ou somente no banco, se houver um em vosso país,
como em Gênova, Veneza, Londres, etc. Fazei-me, pois, esse favor,
já que vos achais num momento de repouso, de me
informar o que houver de praticável ou de impraticável em
todos esses projetos e quais seriam as condições, assim como
os
juros dos fundos investidos em cada uma dessas três maneiras. Adeus,
senhor, gozai em paz de vosso lazer e da calma
lugar feliz em que viveis. Espero bem que o céu me permita um dia
ir partilhar vossa felicidade, mas talvez ele queira fazer
com que eu a compre, seja feita a sua vontade. Rogo-vos dar muitas recomendações
ao nosso amigo. SAINT-MARTIN
73 Serás um eleito com o eleito.
74 Nas bodas de Caná: Evangelho de João, 2:4.
44
Carta 29 M
, 6 de julho de 1793
Acabo de receber vossa carta de 21 de junho e como conto partir em poucos
dias para o balneário de Loesch-en-Valais,
apresso-me, senhor, a responder a ela. Estamos inteiramente de acordo no
tocante aos cabalistas que parecem ter sua sede
particular na Alemanha. É o grande Nome, como dissestes perfeitamente
bem, que é a única cabala digna do homem.
Haveria coisas bem interessantes a dizer sobre seu emprego e as circunstâncias
que permitem e autorizam seu uso. Vossa
opinião sobre esse assunto me seria por demais preciosa. Como o assunto
sobre a Rainha dos santos, como a chamais em
vossa Igreja, é interessante sob diversos aspectos, tentarei expor-vos
minhas idéias sobre esse assunto com mais detalhes
ainda do que em minha última carta. Nenhuma precisão ou prudência
seriam excessivas em semelhantes assuntos.
Concordo perfeitamente em que o conhecimento das opiniões das quais
vos falei não é de maneira alguma indispensável a
elas, e, mesmo que essas opiniões fossem justas e fundadas, exerceriam
seu poder sem nossa ciência ou cooperação
nossa. Nosso conhecimento e adesão a essa idéias poderiam,
de qualquer forma, servir simplesmente para facilitar e
abreviar a obra. Quando falei da sociedade desse ser puro e santo, entendia
com isso a comunhão que pode existir entre
seres intelectuais e que não se acha limitada pelo tempo nem por
lugares. Salvo melhor juízo, temos, segundo penso, um
órgão para dela usufruir: o centro interior de nossa alma;
assim não entendo sua presença e sua comunicação
física. Sabeis
que jamais vos perguntei como alguém poderia tentar obter esses tipos
de comunicação. Não que eu esteja disposto a
desprezá-las, muito ao contrário: considero-as como favores
diversos, muito próprias a imprimir marcas profundas em nossas
almas e a nos proporcionar vantagens imensas para o nosso progresso. Apenas
o perigo que acompanha essa região me
tornou um pouco reservado sobre esse assunto, sabeis tudo o que eu poderia
acrescentar sobre isso. Seria uma vantagem
inexprimível se esse caminho pudesse ser preservado de qualquer intervenção
e de qualquer imitação dos inferiores. A cena
de Lyon durante a consagração da loja da qual vos falei é
um exemplo bem marcante nesse gênero, o qual deve despertarnos
desconfiança. Dizeis, inteiramente de acordo com o que penso, que
Maria não deu à luz o Verbo, mas o Cristo. Eis,
abreviadamente, a teoria que poderia servir de fundamento à opinião
que vos transmiti em minha última carta. Informai-me,
por favor, vossa opinião sobre a seguinte teoria. "Assim como
na ordem inferior e temporal nada é produzido a não ser numa
base, numa virgem, assim também na ordem mais sublime e divina o
Verbo é gerado numa base que, embora substância, é
um nada infinito e a virgem é a sabedoria divina, Sophia. Foi essa
virgem divina que se uniu hipostaticamente à humanidade
de Maria e é nesse fundo divino que o verbo foi gerado em Maria,
e é ainda a mesma virgem divina, unida à humanidade de
Maria, que pode entrar nos corações e servir de fundo sobre
o qual é gerado o Verbo." Confrontai essa teoria com algumas
passagens de nosso amigo B., Três Princípios XXII, 38, 41,
43, 44, 45, 61, 71, 74, - 8275. Encarnação, 1! parte, cap.
VIII,
particularmente no capítulo IX, nºs 12, 21 e 22; cap. 10, nºs
1 e 7.
E como prova que o nada infinito nada mais é do que Sophia, a sabedoria
eterna, vede a 2! pergunta teosof. 177, nºs 4 e 12,
e a figura gravada no frontispício do tratado Aurora. Sophia é
visível como um espírito puro; o elemento sutil é seu
corpo, que
se chama Ternarius Sanctus. Vede Três Princípios XXII, 72.
E, o que é sobejamente extraordinário para um protestante,
nosso amigo B. afirma que o corpo da Virgem não haja, depois da morte,
sofrido a lei geral, que não tenha sofrido a
corrupção. Vede o 1º apólogo contra Tilken, nº
334. Pordage e Pordaetsch são exatamente o mesmo indivíduo.
Vejo isso em
seus próprios tratados, que estão diante de meus olhos. O
primeiro nome é inglês e o segundo, que se acha em meu
exemplar, foi escrito segundo a pronúncia alemã. Entre outras
coisas, ele escreveu sobre o mundo angelical de maneira bem
digna de nota. Infelizmente, só nos resta pouca esperança
de descobrir as obras de Jane Leade. Vede com isso como a
língua alemã é útil nesse tipo de conhecimentos,
porque na Alemanha, em Estrasburgo76 e em Frankfurt principalmente, as
obras de Jane Leade e de Pordage podem ser encontradas em alemão
nas livrarias chamadas antiquárias, que só trabalham
com livros antigos. Minha opinião seria que vos désseis ao
trabalho de traduzir para o francês as passagens mais fáceis
de
nosso amigo B. para que nesse gênero a língua alemã
se vos torne inteiramente familiar. As passagens mais fáceis de B.
são, indubitavelmente, as que se encontram na parte histórica
Myst. Mag.; a história de José, por exemplo, no cap. 44. Se
por acaso lêsseis B com familiaridade em alemão, descobriríeis
que Jane Leade e Pordage são bem fáceis de se
compreender. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
75 Significa "de 74 a 82"?
76 Hoje Estrasburgo pertence a França.
Carta 30 Amboise, 21 de julho de 1793
Minha resposta à vossa primeira pergunta, senhor, será curta,
mas creio que não será menos substancial. Minha opinião,
sobre o uso do grande Nome, é que jamais devemos empregá-lo
por nós mesmos, esperando sempre que ele mesmo se
gere, se forme e pronuncie a si próprio em nós. Penso ser
esta é a única maneira de não pronunciá-lo em
vão. Essa teoria é
muito elevada, sei disso, mas é este o regime que adoto por minha
própria conta. Assim, não vos direi nada de tudo o que
daí provém. Trato-vos como a mim, ou seja: como amigo. Quanto
à Sophia, não tenho dúvida alguma de que ela não
possa
nascer em nosso centro. Não tenho dúvida alguma de que o Verbo
divino possa nascer nele também por esse meio, como
nasceu por Maria. Mas tudo isso nos acontecerá de maneira espiritual
e, se pudermos senti-lo dessa maneira, então jamais o
veremos, a não ser intelectualmente, língua não estranha
para aqueles que estão um tanto a par das manifestações.
Tudo o
que se apresentar de maneira mais física e no exterior não
virá de nós nem do nosso próprio centro, embora nosso
centro
seja com isso realçado e se rejubile. Assim, o Verbo, Sophia e a
própria Maria, que pedem manifestar-se no exterior, serão
o
45
Verbo, a Sophia e a Maria já formados, todos eles, antes de nós,
e buscando revivificar-nos e a nos encorajar na nossa obra
pessoal, que é fazer em nós essas coisas, não através
de uma geração em ser externo, como aconteceu quando de
Encarnação, mas pelo renascimento íntimo de nós
mesmos, o deve tornar-nos semelhantes a todos os seres pela santidade,
pela pureza e pela luz. Creio, senhor, ter respondido de maneira bem clara
a esse assunto para considerá-lo encerrado daqui
por diante, pois compete à prática ou à prece dar-nos
sobre isso as demonstrações que não podem vir da mão
humana. Não
receio que nosso amigo Böhme me desminta neste ponto. Estou sinceramente
consternado por vossas buscas com relação
às obras de J. Leade não terem obtido êxito, é
o que concluo de vossa carta, embora vos tenhais esquecido de inserir nela
a
resposta recebida de Londres, a qual iríeis acrescentar-lhe, pelo
que me dissestes. Por meu lado, enquanto aguardo o
momento agir para tê-las em inglês, ouso dirigir-me ainda a
vós para tê-las em alemão. Espero tirar partido disso,
pois
entendo Böhme correntemente sem ter necessidade de traduzi-lo para
aprender sua língua, empresa acima de minhas forças
físicas, que se esvaem a olhos vistos; empresa que não levarei
longe, sobretudo nas circunstâncias amargas e desastrosas
que me cercam. O me obriga a recorrer a vós é que minha correspondência
predileta, em Estrasburgo, está suspensa. Lá
todos os destinatários de cartas são obrigados a comparecer
diante de comissões nomeadas ad hoc, as cartas são lidas na
presença delas e somente entregues quando nada contêm de suspeito.
A pessoa com quem me correspondo não pode
submeter-se a esses usos e combinamos que eu só lhe escreveria quando
ela pudesse ler minhas cartas sem sair de casa.
Rogo-vos, pois, senhor, encarecidamente, fazer tudo o que estiver ao vosso
alcance para conseguir-me as obras em questão
em alemão. Não me preocuparei em nada com as despesas. E mesmo,
através de entendimentos de família, acontece-me
ter algum numerário da herança de meu pai, o que afasta qualquer
embaraço e evita qualquer atraso no pagamento. De
acordo com os detalhes financeiros que tendes a gentileza de me dar, a pessoa
não pensa mais em seu projetos de
investimento. Agradeço-vos com toda sinceridade, senhor, pelos votos
que fazeis pela minha tranqüilidade. Ouso crer que o
céu atende a eles, pois, apesar dos espinhos de todo tipo sobre os
quais me fazem dormir noite e dia, ainda conheço
algumas vezes o leito de rosas, e apesar do exílio em que me encontro,
e que é pior do que o do judeus em Babilônia, pois
pelo menos eles estavam juntos e eu estou sozinho, o Deus de bondade não
está longe de mim e, se eu tivesse menos
preguiça de procurá-lo, nem notaria a falta de companhia.
Devo confessar-vos, além disso, como um tributo de
reconhecimento pelas bondades desse Deus supremo, que, em meio às
perturbações que angustiam de maneira tão cruel
minha infeliz pátria, fui absolutamente preservado, como se a mão
que vela sobre mim temesse afastar-se por um instante
sequer. Enfim, se é necessário que eu vo-lo diga, em comparação
com todos os meus concidadãos, tratam-me como criança
mimada. Lembrai-vos sempre de mim e rezai por mim. Eu vos rogaria a gentileza
de, na próxima carta, me esclarecerdes
sobre as seguintes dificuldades de nosso amigo Böhme: Apologia wider
Stiefel, nº 423, linha 5, Auffgehaben. Christi
Testamenta, 2. Büchlein, cap. 4, nº 31, p. 78, l. 12. Auffschlagen,
idem nº 36, linha 16 verwegen. Nem meu dicionário nem
meu inglês me dão sobre essas palavras um sentido satisfatório.
Depois dos dois Testamentos, há no mesmo volume, edição
de 1882, um pequeno tratado em três capítulos intitulados Eine
einfältige Erklärung von Christi Testament der Heyl. Tauffe,77
Nesse pequeno tratado, cap. 3, nº 7, linhas 4 e 5, há Dieses
Zorn-Feuer gibt Er mit seinem Eintaucham Seiner fëuerbrennenden
Liebe78. Acho que Dieses deveria estar no dativo, e não no nominativo.
Parece-me um erro, dizei-me se estou
enganado, mas sem o dativo nada consigo entender. No fim desse mesmo pequeno
tratado, à página 180, nas últimas
palavras da nota histórica da morte de Böhme, Dann er anno Christi
1624, etc., etc., eingegangen 79.
Não sei por que não acrescentaram ist80. Parece-me que ist
é necessário para completar o sentido da frase; dizei-me
igualmente se me enganei. Sabeis como me será útil a companhia
de pessoas instruídas em vossa língua, uma vez que um
única palavra me removeria dificuldades que, embora sejam frivolidades,
exigem páginas de escrita. SAINT-MARTIN
77 78 79 Tradução
80 É; está.
Carta 31 Balneário de Louesch-en-Valais, 1º de agosto de 1793
Foi com a mais viva satisfação, senhor, que recebi vossa sublime
carta de 21 de julho. Vossa teoria sobre o emprego do
Nome dos nomes é muito elevada. entretanto, parece-me clara e inteiramente
de conformidade com minhas próprias idéias.
A distinção que ainda fazeis entre a visão intelectual
e a visão exterior e física parece-me clara e nítida,
embora eu não passe
de um profano. A Sophia pode manifestar-se tão bem exterior e fisicamente
que a primeira manifestação física da qual Jane
Leade gozou foi a de Sophia. Ela descreve essa comunicação
ao longo do Garten brunn. Se não conseguir descobrir logo
suas obras, aproveitarei alguns momentos de lazer para traduzir-vos essa
passagem. Em seu Mundo Angelical81 Pordage
insiste muito na utilidade e na importância das comunicações
físicas. O grande ponto consiste em evitar os tropeços. Quanto
a mim, encaro as manifestações, quando verdadeiras, como um
excelente meio de adiantar nossa obra interior, e creio que
uma elevação ao Ser supremo, uma adesão do fundo da
alma à causa ativa e inteligente, uma pureza de vontade que não
deseje senão aproximar-se da fonte de toda luz e unir-se a ela, sem
um único movimento de retorno em direção a nós
mesmos, enfim, o Nome dos nomes, tudo são meios infalíveis
de receber esses dons sem mistura de erro e de ilusão.
Pordage fez-me sentir a importância das comunicações
físicas, mas o que os ingleses de hoje - não Pordage - chamam
de
second sight [segunda visão], que adquiriram por tradição
ou iniciação, parece-me conduzir-nos a uma região em
que a
classe boa e a má se misturam para entrar em contato conosco. Imagino
classes diversas de adiantamento entre os homens
de desejo, dos quais cada um produz efeitos ora mais ora menos elevados,
e ora mais ora menos puros. Mas será
46
necessário passar pela second sight para se chegar às comunicações
puras? É sobre isso que vossa opinião me será muito
preciosa. Não fiqueis penalizado por eu não ter tido êxito
na Inglaterra no tocante às obras de Jane Leade. Vi com prazer,
pelas vossas observações sobre algumas passagens de B., que
fizestes bastante progresso na língua alemã, mediante o
que, se continuardes assim, a compreensão de Pordage e de Jane Leade
em alemão não passará para vós de um
brinquedo. Podeis ter toda a certeza de que nada deixarei de fazer para
achá-las para vós; precisarei somente de um pouco
de tempo. Comecei escrevendo a Basiléia sobre esse assunto. Talvez
eu seja enviado a Basiléia para comandar as tropas de
nosso contingente que faz parte daqueles que o corpo helvético mantém
deste lado para assegurar a neutralidade. Tomarei
então informações quanto a Estrasburgo, Frankfurt e
Leipzig, que são os depósitos de livros antigos. Quanto ao
pagamento
das obras, não vos preocupeis e, como princípio, tomo a liberdade
de pedir-vos que jamais vos sintais embaraçado comigo
sobre assuntos de dinheiro, e mesmo que a situação deplorável
das circunstâncias atuais vos façam perder a maior parte de
vossa fortuna, sempre vos restará o recurso do qual já falamos
nas nossas cartas anteriores, e considerarei esse recurso
como um favor que me proporcionais. Em minha última carta eu me havia
esquecido de ajuntar o recibo vindo de Londres e
que deixei em M
, o qual me informava que as buscas das obras de Jane
Leade foram infrutíferas. Do fundo do coração
agradeço à Providência a proteção especial
que vos outorga e ergo as mãos aos céus para que ela continue
a fazê-lo,
esperando que minhas preces hão de ser ouvidas. Acrescento aqui duas
palavras de resposta às perguntas sobre gramática
que me dirigis sobre nosso amigo Böhme. Auffgehaben apolog. Stiefel,
nº 423: é o antigo infinitivo do ver sich hebe auf.82
Hoje dizemos aufgehoben e esta palavra geralmente toma um sentido figurado.
Dizemos diariamente Dieses Decret is
aufgehoben, assim como em francês se diria ce décret a été
rapporté [esse decreto foi revogado] como sinônimo de
suspender, anular. Na passagem citada, o vocábulo significa que,
apesar do estado glorioso no qual Jesus Cristo se
encontra, sua humanidade, sua criaturalidade continua subsistindo, e que
ele não foi despojado dela. Auffschlagen, Christi
Testam.83, linha 12, cap. 4, § 31. Expressão figurada. Dizemos
ein Zelt, eine Hütte auschlagen, isto é, construir84 uma
tenda, uma cabana. Nosso amigo fala de um palácio, acepção
que somente a ele pertence e que não passa da imitação
dos
exemplos que acabo de citar. Verwegen85, n ? 36, linha 16: a acepção
deste vocábulo é uma licença tomada por B
em
relação à língua alemã. Empregou o termo
como verbo. É como se alguém dissesse em francês se
témerairiser86. Dieses
Zorn-Feuer87. Erklär. von Christi Test. , cap. 3, § 7. É
um dos números mais sucintos e mais densos de nosso amigo, sendo
preciso considerá-lo somente como titulo, como resumo das palavras
que se seguem. Mas é indispensável que o nominativo
permaneça, que seja dieses e não diesem. Há um erro
de imprensa no nº 10, linha 5: em vez de Ich gehe ihnen, leia-se Ich
gebe ihnen88. Mais do que um erro, a emissão do verbo auxiliar ist
à página 108 é um caso de elegância e precisão
de
estilo, porque o infinitivo eingegagen refere-se de maneira quase imperceptível
a ist, que se encontra na primeira linha,
embora haja um ponto entre os dois. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF Esta carta
vem seguida de outra datada de 6 de
setembro de 1793, que começa assim: "Escrevi-vos do balneários
de Louesch a 8 de agosto, e, não havendo recebido
notícias vossas, no tempo costumeiro, senhor, etc."
81 Citado em francês: Monde angélique.
Carta 32 Petit-Bourg, près de Ris, em Ris, departamento de Seine-et-Oise,
21 de maio de 1793
Eis-me de volta por alguns momentos, senhor, à casa de campo onde
estiva ano passado. Embora a dona da casa não
esteja presente, vim ver alguns amigos que estão morando aqui na
sua ausência, cuja companhia me distrai um pouco da
tristeza em que passei onze meses em meu país, tanto pela enfermidade
e pela morte de meu pai, quanto pelas questões de
sua herança. Como, provavelmente, não ficarei aqui por muito
tempo, endereçai vossas cartas à Amboise, como de costume,
pois tenho todos os motivos para crer que não tardarei a regressar.
Vossa carta de 8 de agosto, endereçada à minha casa,
foi enviada para aqui. Vejo nela que o ponto das comunicações
é o que mais vos preocupa e que desejais encerá-lo em
definitivo. Sabeis tudo o que vos informei sobre isso. Vós concordastes,
e assim não voltarei a esse assunto. Mas, para não
deixar sem resposta vossa última pergunta sobre a second sight, dir-vos-ei
que não conheço lei geral alguma sobre essa
parte e uma resposta afirmativa ou negativa seria uma lei geral. Creio então
que as vias são tão variadas nesse gênero
quanto os pontos de onde podem partir os diversos viajores. Creio que a
própria coisa pôde conduzir de maneiras diferentes
os seus eleitos, dando a uns as comunicações puras interiores
sem as exteriores; a outros as comunicações puras exteriores
sem as interiores; a outros ambas. - Creio que as tradições
ou iniciações chamadas second sight podem ter desviado certos
homens e que tenham sido úteis a outros, porque, com as iniciações
corretas e um coração bem disposto, Deus nos conduz
algumas vezes à luz, deixando-nos mesmo atravessar abismos. Mas,
instruído como o sois hoje, deveis estar certo de que
qualquer tradição ou iniciação dos nomes jamais
poderá ser responsável por levar-vos às comunicações
puras, porque é
somente Deus quem as dá. Mantende-vos, pois, no ponto em que estais,
não busqueis senão despojar-vos de qualquer
Ichheit89, de qualquer Selbheit90; não empregueis vossas faculdades
senão para pô-las inteiramente na mão que só
deseja
governar a todas, e deixai-a agir: ela saberá, melhor do que todos
os sábios do mundo, conduzir-vos aonde vos for
necessário ir, e como for necessário ir. Agradeço-vos
a boa intenção de traduzir-me algumas passagens das obras
de Jane
Leade. Para evitar trabalho duplo, devo dizer-vos que há seis meses
enviaram-me de Estrasburgo alguns trechos dessa
autora traduzidos em francês. Envio-vos a essa observação
para empregardes vossa boa vontade para comigo em outras
passagens. Discurso de Jane Leade sobre a diferença entre as revelações
verdadeiras e das revelações falsas, encontrado
no prefácio do assim chamado Poço do Jardim (Garten Brunn),
obra inoitavo surgida em Amsterdam no ano de 1697,
47
traduzida de alemão e tirada da História da Igreja e dos Hereges,
de Arnold, tomo II, 3! parte, cap. 20, p 519. Tenho trechos
traduzidos desse discurso, do nº 18 até o 26, inclusive; e foi
acrescentado em nota, no fim, que essas coisas se acham mais
detalhadas num tratado intitulado O Mistério das Visões e
das Revelações91, de um doutor inglês, anexado à
sua
Theologiam Mysticam, inoitavo e publicado em Amsterdam em 1698. Talvez essa
obra seja a do vosso doutor Pordage.
Quanto ao mais, o pouco que possuo nos trechos que me enviaram enche-me
de admiração, e tudo o que eu vir desse autor,
seja em inglês, seja em alemão ou em francês, não
pode deixar de aumentar o prazer que já experimentei com a leitura
do
que está tenho em mãos. Se em vossa procura nas livrarias
estrangeiras descobrirdes as obras em questão, tende a
bondade de avisar-me de mas enviar porque, na circunstâncias atuais,
é preciso que nos esforcemos por evitar acidentes
que podem acontecer durante o percurso. Adeus, senhor, recomendo-me sempre
à vossa amizade e às vossas preces.
Estou atualmente ocupado com a leitura do Mysterim Magnum de nosso amigo
Böhme. Que profundidades esse autor me
faz descobrir! Se ele não houvesse condenado até o menor desejo
do homem, eu concederia tais desejos para poder
conversar sobre ele com as pessoas que tivessem conhecimento de sua doutrina
e de sua língua, pois não tenho nada disso
ao meu redor. Mas seja feita a vontade de Deus! Não há situação
alguma da qual não possamos tirar algum fruto, pois Deus
está em toda parte, e não há um só ponto da
atmosfera que não encerre a terra vegetal do jardim do Éden.
Escrevo hoje
somente um pouco sobre tudo isso. São as portas da cólera
que estão abertas sobre a terra neste momento. É preciso
esperar que os dias de paz nos abram novamente as porta do amor. As misturas
nesse gênero podem ter seqüências por
demais funestas. Exorto-vos a ter a mesma reserva. SAINT-MARTIN
82 83 H. Abendmahl. (Nota dos editores franceses.)
84 À Editora: Na minha opinião construir deveria figurar em
itálico porque auschlagen também o está.
85 Temerário, ousado.
86 Em português seria: temerarizar-se (tornar-se temerário).
(N.T.)
87 Este fogo da cólera.
88 Eu vou a eles - eu lhes dou. (N.T.)
89 Egoísmo
90 Individualidade.
91 O título embora de obra inglesa, esta; em francês: le Mystère
des Visions et des Révélations. (N.T.)
Carta 33 M
, 18 de setembro de 1793
Vossa carta de 9 de setembro, senhor, trouxe-me grande satisfação
porque tirou-me da inquietação em que me encontrava
com relação ao vosso silêncio. Julgá-lo-eis pelo
bilhete que vos dirigi no dia 6 deste mês. Sinto como vós a
necessidade do
despojamento. O extenso artigo, com relação a essa idéia,
é de dar-lhe a determinação e a medida necessárias,
pois, sem
isso, cai-se num labirinto que pode levar ao desencorajamento. Não
ter outra vontade senão a de Deus exige o
conhecimento e o discernimento prévio da vontade de Deus. É
um meio que nos defende das inquietações, dos desejos, das
reprovações interiores amargas, das vontades próprias,
das tentações, etc., o que, pelo que creio, nos faz avançar
grandemente na via da desapego e do despojamento porque anula e mata as
seduções exteriores que desejariam que
ficasse duvidosa a consecução desses bens que nos aguardam
em uma outra região. É a volta, o refúgio no nosso
dentro,
no nosso coração, no interior da nossa alma. Se aí
buscarmos aquele que caminha sobre a cabeça da serpente e a esmaga
com os pés, se o deixarmos combater em nosso lugar, ele o fará
com muito mais êxito. Nosso sublime B. indica tudo isso
com uma só palavra energética, chamando ao nosso herói
Ein Schlangentreter92. Não terei tempo de vos traduzir a relação
feita por Jane Leade em sua primeira comunicação exterior
com Sophia, mas em lugar dessa narrativa, traduzir-vos-ei
Pordage, amigo e diretor de Jane Leade, que vos dará a conhecer em
parte os princípios desse homem. O fragmento que se
segue é tirado do início do prefácio do tratado da
Sophia, Amsterdam, 1699. Este prefácio é um resumo da própria
obra.
"Bem-aventurados os que têm fome e sede ardente de possuir a
Sophia, uma vez que se verá, no tratado seguinte, que ela
promete descer sobre eles com seu divino princípio e seu mundo luminoso
(Licht Welt). Entretanto, pode passar um tempo
considerável, às vezes vinte anos ou mais, antes que a sabedoria
eterna se transmita realmente e se revele para expandir a
tranqüilidade e o repouso na alma daquele que a deseja, pois depois
de haver buscado em vão diversos caminhos para
aproximar-se dela, a alma, privada de suas esperanças, cai por fim
numa dilapidação de forças, na lassidão e no
desencorajamento. Se então nem a oração mais ardente
nem as meditações religiosas puderem efetuar algo eficaz,
e se
nenhuma instância e nenhuma prece produzir o menor efeito sobre ela
para incitá-la a descer e permanecer em nossa alma,
então estamos convencidos por nossa própria experiência
de que, pelos nossos esforços, atos de fé e de esperança,
pela
atividade de nosso espírito, é-nos completamente impossível
atravessar o muro de separação que se encontra entre nós
e o
Princípio divino, sendo todas as chaves por demais frágeis
para abrir a porta desse princípio. E como nossa alma descobre
então que até aqui, seguindo a via da Ascensão, ela
sempre errou o alvo, conclui que não está aí o verdadeiro
caminho
(mesmo que nesse caminho tivesse sido gratificada com comunicações
e revelações celestes), mas que a única senda para
chegar à sabedoria divina e ao seu princípio é descer,
mergulhar interiormente em próprio fundo e não mais olhar
para fora
dali. Uma vez que a alma segue esse caminho e mergulha em si mesma, então
abrem-se as portas nas profundezas da
sabedoria e ela é introduzida no sagrado e no eterno princípio
do mundo luminoso (Licht Welt); na nova terra mágica, na qual
a virgem Sophia, ou a sabedoria divina se manifesta a ela e lhe descobre
suas belezas. Mas, se nesse ponto a alma não está
48
bastante vigilante e bem firme para recolher-se continuamente ao seu centro
da natureza (Centrum naturæ), e se, por essa
tranqüilidade passiva ela não mergulhar totalmente nesse abismo
e nesse caos, do qual é formado o novo paraíso, se ela
não torna a subi e não voa no alto, fica então no maior
perigo de ser cercada e tentada cruelmente por uma multidão
inumerável de espíritos, tanto do mundo tenebroso como princípio
elementar e astral. Mas, nessa precisão extrema, a
protetora celeste reaparece, fortalece-a e repete-lhe e confirma-lhe a primeira
lição, etc., etc."93 Pois bem, senhor, que dizeis
do doutor Pordage? Ele era chefe de uma pequena escola de eleitos no número
dos quis encontravam-se Jane Leade e
Thomas Browne. Todos gozavam das manifestações superiores
mais notáveis. Vereis, pelo meu bilhete de 6 de setembro,
que previ vossa observação sobre a necessidade de fazer chegar
a vós a obra em questão com alguma certeza e espero
vossa orientação. No fim da carta de 9 de setembro falais-me
da terra vegetal e dizeis que não há um só ponto da
atmosfera
que não a encerre. Tende a bondade de me transmitir alguns detalhes
sobre a natureza dessa terra e a maneira de
consegui-la. Seria a luz oculta nos elementos, da qual fizestes menção
em uma das vossas cartas do ano passado? É uma
substância real, ou apenas uma força, uma representação
intelectual? É o Ternarius sanctus, o elemento sagrado, a terra
santa de nosso amigo B.? informai-me por favor, se a possuís e o
caminho mais curto para consegui-la, se ela é visível e
palpável aos nossos sentidos exteriores ou se pode ser vista, tocada
e sentida apenas em nosso homem interior. Talvez a
doutrina dessa terra vegetal pudesse realmente ter alguma relação
com as passagens mais admiráveis do cap. 6 do
Evangelho de São João e do versículo quinto do capítulo
5 do Evangelho de São Mateus. O que me faria crer que a terra
vegetal ou elemento puro seja alguma coisa que lembre uma matéria
sutil é uma passagem de nosso amigo B. em seus Três
princípios, cap. 14, nº 54. Em geral, tudo o que julgardes oportuno
informar-me sobre vossas experiências com essa terra
maravilhosa dar-me-á mui grande prazer. Lembrai-vos de mim em vossas
preces para que eu seja amparado nos combates
aos quais incessantemente temos de nos entregar. Quoniam non est nobis colluctatio
adversus carnem et sanguinem, sed
adversus principes et potestates, adversus mundi rectores tenebrarum harum,
contra spiritualia nequitiæ in celestibus. (Paulo
aos Efésios, 6:12.)94
P.S. Não posso encerrar esta carta sem rogar-vos esclarecimentos
sobre a primeira parte da passagem da vossa carta do
dia 9, na qual dizeis: "Não há um só ponto da
atmosfera que não encerre", etc. Se vossa terra vegetal é
o elemento puro e se
os elementos grosseiros encerram o elemento puro, o ar atmosférico
deve encerrar o elemento puro, o Ternarius sanctum, o
corpo da Sophia, a terra vegetal. Por conseqüência, respirando
esse ar, devemos poder alimentar-nos, fisicamente mesmo,
do corpo celeste da causa ativa e inteligente, etc., etc., etc. E se nosso
coração se abrir, ele poderá e deverá, a cada
respiração, receber o alimento espiritual encerrado nesse
maná divino. Assim, o ar seria o grande Veículo. KIRCHBERGER
DE LIEBISTORF
92 Esmagador da serpente.
93 Saint-Martin escreveu traduzindo para o francês. Eis o original
inglês: "Happy are they who hunger and thirst for Sophia,
for they will see, in the following treatise, that she promises to descend
into them with her divine principle and her World of
Light. A considerable time, however, may pass, sometimes twenty years or
more, before the eternal Wisdom really
communicates and reveals herself so as to shed tranquillity and peace in
the soul of him who desires her, for, after vainly
seeking different ways to get to her, the soul, disappointed in its hopes,
falls at last, without any strength left, in lassitude and
discouragement. If then, neither fervent prayer nor religious meditation
can do anything, and no entreaty, however earnest,
avails to induce her to come down and abide in our souls, we are then convinced
that, by our own efforts, our acts of faith and
hope, or by the activity of our mind, it is utterly impossible for us to
break through the wall of separation which is between us
and the Divine Principle, all these keys being powerless to open the door
to this principle. And when our soul then finds that,
in hitherto following the road of Ascension, it has always missed its object,
it concludes that this was not the right way (even
though it may have been treated on the way with communications and heavenly
revelations), but that the only path to arrive at
Divine Wisdom and her principle, is by descending, to sink inwardly into
one's own ground, and look no more without. "When
the soul takes this road, and sinks into itself, then the gates of the depths
of Wisdom open, and the soul is introduced into the
holy eternal principle of the world of light; in the new magical earth,
in which the virgin Sophia, or Divine Wisdom, shows
herself, and discloses her beauties. 'But if the soul here is not sufficiently
watchful, and firm enough to concentrate itself
continually in its centre of nature (Centrum naturae), and, through its
passive tranquillity, it do not so sink into this abyss, this
chaos, out of which the new paradise is formed, as to rise again, and fly
up on high, it is then in the greatest danger of being
surrounded, and cruelly tempted by a crowd of innumerable spirits; from
either the dark world, or from the elementary astral
principle. But, in its extremity, its heavenly protector appears again,
to strengthen it, and repeat and confirm its first lesson,"
&c.
94 V. nota 57.
Carta 34 Paris, 23 de outubro de 1793
Vossas duas cartas me alcançaram, senhor, embora um pouco tarde,
porque eu estava ainda no campo e elas foram por
Amboise e logo voltaram. Vim logo a Paris, um pouco pelas conseqüências
dos negócios da herança de meu pai e muito
para procurar os meios de conseguir as obras de Jane Leade que me recomendais.
A via das livrarias que me indicais é bem
longa e tenho pressa em desfrutar da leitura. De acordo com todas as informações
que tomei, a via postal seria terrivelmente
cara e vejo que somente a diligência de Basiléia é que
pode melhor satisfazer-me. Mas é preciso que tenhais a bondade de
49
entregar o volume a essa diligência através de um portador
seguro. Mandai envolvê-lo com um tecido encerado e escrever
em caracteres bem visíveis: Ao cidadão Saint-Martin, rua Faubourg
Saint-Honoré, 66, Paris. Não pagueis o porte, que o
pagarei aqui. Recomendai bem à pessoa que encarregardes do embrulho
que o registre nos livros da diligência de Basiléia.
Ela chega aqui todos os domingos. Recomendai também à pessoa
que escrever o endereço que siga exatamente o que está
acima, pois se não for escrito rua Faubourg Saint-Honoré,
66, mas somente rua Saint-Honoré, o embrulho estará perdido
para mim, por se tratar de duas ruas bem diferentes. Eis todas as precauções
por mim tomadas. No momento, seja o que
Deus quiser! Se eu vos dever algum desembolso por esse objeto, dizei-mo,
que o satisfarei logo que possível. Apresentandovos
antecipadamente meus agradecimentos, agradeço-vos também sinceramente
pelo amável oferecimento que me fizestes
em carta anterior com relação aos reveses que minha sorte
poderia sofrer. Espero ter sempre mais daquilo de que precisar e,
se um dia a Providência nos reunir, terei, além disso, o prazer
de não vos ser oneroso. Também vos devo agradecimentos
pelos detalhes gramaticais que ultimamente me enviastes sobre o alemão,
em resposta às minhas perguntas böhmicas.
Permiti-me pagar hoje todas essas dívidas. Eu teria, talvez, algumas
outras perguntas a fazer-vos sobre o mesmo assunto,
mas no momento não disponho de tempo livre para isso e ficará
para outra vez. Hoje só posso dizer-vos uma palavra sobre
as duas passagens importantes de vossa última carta: uma é
o despojamento. Acho que o descreveis perfeitamente bem e
posso assegurar que nossas incertezas sobre a vontade de Deus, com relação
a nós, dissipam-se gradativamente à medida
que o buscarmos e o desejarmos com todas as nossas faculdades e dirigirmos
todos os atos de nossa conduta para esse
alvo. O segundo é a terra vegetal, que é ao mesmo tempo, tudo
o que vós mesmo descreveis. Na minha carta eu me referia
apenas à Sophia e ao corpo glorioso do qual vos falei anteriormente,
e já conheceis o suficiente para ver que é essa a
verdadeira terra prometida ao homem. Isso não impede que a expressão
terra vegetal se estenda a todas as regiões. Assim,
há uma terra vegetal material, que é a de nossos campos; há
uma terra vegetal espirituosa, que é a do Elemento puro; há
uma terra vegetal espiritual, que é a Sophia, e há uma terra
vegetal divina, que é o Espírito Santo e o Ternarium sanctum.
Vede, senhor, que sobre esse assunto temos as mesmas noções
e as mesmas idéias. Quanto à posse dessa terra santa,
não posso indicar-vos nenhum meio de atingi-la além dos já
citados, dos quais amplamente vos tenho falado em toda a
nossa correspondência. É a ela que vos remeterei sempre para
que continueis a buscar tudo em Deus, de tal modo que tudo
espereis dele, porque somente ele faz vegetar essas terras diversas e ele
próprio envia a cada um a porção delas que lhe for
necessária, seja quanto ao espaço e à extensão
do terreno, quanto ao clima que lhe é próprio habitar. Vigiai
e orai, e não
duvideis, se pertenceis a uma tribo de Israel ou vos conformais à
lei do Espírito que governa o povo santo, de que obtereis
admissão em seu seio e de que tereis, como esse povo, a vossa porção
na herança de Abraão. Adeus, senhor, peço-vos que
façais sempre algumas preces por mim e que vos lembreis de mim. Avisai-me
quando tiverdes expedido o livro. Remetei
vossa carta a Paris, para mesmo endereço do livro. Provavelmente
permanecerei aqui por algum tempo ainda, mas mesmo
que não ficar, há alguém que receberá tudo para
mim e que mo remeterá a todos os lugares em que eu estiver. Peço-vos
também suprimir, no endereço de minhas cartas, a palavra Monsieur
e substituí-la por Cidadão. É a denominação
atual de
tudo o que compõe a nação francesa e faço questão
de obedecer a isso. Aguardo impaciente o bom alimento que ireis
enviar-me. Quando ela chegar, talvez eu já tenha terminado a leitura
de todo o meu bom Böhme (exceto as cartas) e então
me darei por inteiro a Jane Leade. Falastes-me de um registro de Böhme,
bem mais extenso do que o que se encontra no fim
de minha edição de Amsterdam, 1682. Se houvesse um meio de
conseguirme um exemplar, prestar-me-íeis um serviço.
Poderíeis encomendá-lo pela mesma via de Basiléia,
assim como tudo o mais que teríeis para me enviar. SAINT-MARTIN
Carta 35 M
, 30 de setembro de 1793
Vossa carta de 23 de outubro, senhor, tirou-me de grande inquietação,
pois eu não sabia se vos acontecera algum acidente.
Eu mesmo enviarei o volume de Jane Leade à diligência de Basiléia.
Conto com dirigir para lá no meado do próximo mês
pela razão que encontrareis em minha carta de 8 de agosto, caso a
tenhais conservado. Assim, durante três meses receberei
vossas cartas em Basiléia. Nada devereis mudar em meu endereço,
exceto meu local de alojamento, e devereis indicar nele
que estou alojado na casa de Monsieur Lucas Serazin. Nada perdereis com
o pequeno atraso que for sofrido pela remessa
de Jane Leade, porque tenho a esperança de acrescentar-lhe alguns
tratados importantes de Pordage. Se eu chegar a
conseguir o registro de Böhme, não deixarei de vo-lo mandar,
mas todas as obras de B., e sobretudo as de Jane Leade e de
Pordage, são raríssimas, não podendo ser encontradas
a preço algum, a não ser por uma sorte excepcional. Empreguei
um
agente que mora nos confins de nosso cantão e que andou procurando
em Schafhausen, Zurique e Basiléia para desencavar
essas obras; e foi ele que me deu esperanças de obter alguns tratados
de Jane Leade, obras bem notáveis. É a Providência
e a vós, Monsieur, que devo o conhecimento desses eleitos e ainda
estou surpreso por ter podido descobrir suas obras,
tendo em vista sua excessiva raridade. Contai, Monsieur, no número
das boas ações de vossa vida, o cuidado que tivestes
de me inserir na companhia deles. É um dos maiores benefícios
que já recebi. Agradeço-vos também pelos esclarecimentos
no tocante às diversas espécies de terra vegetal dos quais
me falais em vossa última carta e, para não haver qualquer
malentendido
entre nós sobre nossas idéias e terminologia, traçar-vos-ei
resumidamente o encadeamento de minhas noções
sobre esse assunto. Nosso sublime Reparador, cujo nome jamais pronuncio
sem que meu espírito se prosterne diante dele,
diz: "Aquele que crê em mim tem a vida eterna."95 Em sua
epístola nº 46 nosso amigo B. explica o que é a verdadeira
crença. A prova de como é justa essa explicação
encontra-se imediatamente depois da passagem que acabo de citar. Diz
Jesus Cristo: "Eu sou o pão da vida."96 E no versículo
5497 do mesmo capítulo, João 6, acrescenta o Reparador: "Se
não
comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não
tendes vida em vós mesmos." E no cap. 3, v. 36:
50
"Quem crê no Filho [de Deus]98 tem a vida eterna; o que, todavia
se mantém rebelde 99 contra o filho, não verá a vida."
Assim, vê-se a identidade dos meios para se ter a vida e a justeza
da explicação de B. Fica a grande pergunta: como
podemos atingir esse alimento celeste? É sobre esse ponto importante
que nosso amigo B. se torna luminoso: chama ao
Corpo sagrado de Sophia. Vede a carta 46, nº 40. Esta Sophia, que é
animada pelo Espírito Santo, é substancial, sem ser
corporal como o nosso corpo. Vida Tríplice, V, nº 50. A substancialidade
lhe vem do elemento ao qual serve de invólucro.
Vede nº 53. Ela é o espírito do Elemento puro (Três
Princípios, 22, nº 26). O Elemento puro é o que existe
de mais próximo
do nosso mundo (Clavis, nº 106). Por mim, creio que o ar sutil, ou
éter, é o que existe de mais próximo do Elemento puro
porque é nesse ar que se oculta o Espírito Santo, assim como
em seu céu, pela gradação que acabo de indicar; e o
céu está
em nosso coração. V. Aurora 23, nos 70 e 71. O ar é
a causa de toda a vida e de todo movimento e o Espírito Santo domina
na doçura do ar. V. Aurora 1, nºs 15 e 16. Assim, cada vez que
respiramos com abandono e confiança totais na misericórdia
de nosso divino Mestre, recebemos o Corpo sagrado, espalhado por toda parte,
e saturamos nosso coração com o Elemento
puro, no qual e pelo qual somente podemos renascer para uma nova vida. É
uma das verdades mais importantes e mais
ocultas à maior parte dos homens. Está fundada não
somente na doutrina de nosso amigo B., mas também na experiência.
Adeus Monsieur, conservai-me sempre em vossa lembrança e vossas preces.
Depois que houver enviado Jane Leade pela
diligência de Basiléia, avisar-vos-ei. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
A carta que se segue a essa é de 20 de novembro de 1793 e começa
assim: "Acabo, Monsieur, de remeter pela diligência de
Basiléia um volume de Jane Leade, etc."
95 João 6:47.
96 João 6:48.
97 Na tradução autorizada que estamos usando este versículo
é o de número 53. João 6:54 diz: "Quem comer a
minha carne
e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último
dia." Veja abaixo a nota 34.
98 Em francês: "au fils de Dieu". O acréscimo não
consta da tradução brasileira.
99 Tradução literal do francês: "e aquele que não
crê no Filho não a verá."
Cartas 36-57
Carta 36 (Sem data.)
Os dois volumes citados chegaram, Monsieur. Recebei meus agradecimentos
por esse precioso presente. Já os perlustrei o
suficiente para ver o trabalho terei para entendê-los e para prometer-me
felizes frutos dessa leitura. Meu caríssimo Böhme
nada perderá em meu espírito nessa nova circunstância
e vejo com prazer que o tradutor o havia lido e tinha muita
consideração por ele. Tenho de reprovar-me por não
haver respondido mais cedo à vossa carta de 30 de outubro, ainda
mais
pelo fato de que ela me interessa de maneira singular pela visão
do progresso que vos vejo fazer na compreensão de nosso
amigo B. Minha única desculpa é que eu contava que Jane Leade
e Pordage chegariam cedo o suficiente para que eu
pudesse acusar o recebimento em minha resposta. Houve mais atraso do que
eu esperava e mesmo depois que chegaram,
fui obrigado a esperar quatro dias pelo correio de Basiléia, e isso
me aflige, tendo em vista a solicitude, que me testemunhais,
para receberdes notícias minhas e considerando a inquietação
em que vossa amizade por mim pode deixar-vos nas nossas
circunstâncias atuais. Graças a Deus sou ainda tratado com
o mesmo cuidado de antes, pelo que rendo graças à Providência
sem deixar de manter-me, tanto quanto possível, pronto para tudo.
Vossa descrição da terra vegetal e vossa progressão
de
diferentes regiões e operações do espírito convêm-me
muito. É somente no éter que meu olhar não parece ainda
tão fixo
quanto o vosso. O éter não passa de uma modificação
de elementos mistos e, como tal, não convém mais do que eles
à
morada do Espírito Santo. Dissestes tudo, ao que me parece, ao colocá-lo
no elemento puro por meio da Sophia. Ele não
pode habitar essencialmente em outro lugar e o que dele reponta, nos elementos
vivos e no éter, nada mais é do que uma
ramificação de suas potências, pelas quais tudo se move
e existe no universo100. Infelizmente, são i nfluências corrompidas
e bem inferiores que residem em todas as regiões elementares aéreas.
Como nos diz São Paulo, isso não impede que nossa
alma possa recebê-lo essencialmente do Espírito Santo porque
tem também a Sophia e o elemento pelo qual, ele e nós,
podemos unir-nos e, mesmo sem respiração, aquela que concerne
somente ao ser animal. Isso, entretanto, são apenas
observações que vos apresento, sobre as quais refletireis.
Como creio que tendes um volume duplo de Jane Leade,
Offenbarung der offenbarungen101, dizei-me, por favor, se apreendi bem ou
mal a décima-segunda linha do título Welch bis
auf den heutigen Tag so ferne,102 etc., achei que so ferne quisesse dizer
longe, que essa revelação não fora ainda feita até
o presente com bastante amplitude, ou de maneira bastante extensa para dar
uma medida particular, a abundância
necessária para conduzir ao grande mistério, a compreensão.
Meu pobre dicionário só explica so ferne como au cas que,
dans le cas que [no caso em que - N.T.], etc.; achei que aqui eu deveria
dar-lhe outro sentido. Vede como avanço devagar
neste trabalho em que estou absolutamente sozinho; vede também como
me apego principalmente ao sentido literal em
minha grosseira tradução antes de pensar em fazer uma tradução
mais apresentável. Continuo esperando que a Providência
nos traga dias mais felizes e que não nos tenha ligado pelas relações
de nossos desejos e pela identidade de nossas
pesquisar para nos abandonar. Assim, tenho confiança de que, se ela
nos permitir que um dia nos vejamos, eu possa
aproveitar vosso auxílio num estudo e numa língua que me serão
caros para o resto de meus dias, e que ela me torne capaz
de exprimir-vos meu reconhecimento pelos tesouros que me obtendes, pois,
se sois sensível ao bem que pude fazer-vos ao
51
vos fornecer a ligação do amigo Böhme, não o sou
menos à maneira pela qual reconheceis esse benefício. Adeus,
Monsieur,
vivamos pois nessas doces esperanças e, enquanto aguardamos, trabalhemos
sem descanso para restabelecer em nós a
cidade santa, amém. Continuai escrevendo para Paris, pois minha partida
ainda não foi marcada. O grande cenário de nossa
espantosa revolução me prende. Aqui, tenho mais condições
de contemplá-lo como filósofo. Nem por isso suspiro menos
pela cabana que tenho no departamento103, e à qual posso voltar quando
a estação104 o permitir. Mas quando vier a paz e
nós, franceses, pudermos viajar, voarei para junto de vós
e então, estudaremos tudo quanto quisermos. SAINT-MARTIN
100 Paulo; "Nele vivemos, nos movemos e existimos."
101 - 102. O já citado Revelação das Revelações.
(N.T.)
Carta 37 P
, perto de Basiléia, 4 de nevoso (24 de dezembro
de 1793, v. est.)
Sobrecarregado de uma multidão de negócios, e sobretudo de
uma multidão de ocupações outras, muitas vezes lamentei,
Senhor, não encontrar um momento tranqüilo para conversar convosco
sem correr o risco de ser interrompido. Estou muito
satisfeito de que o pequeno pacote de livros tenha chegado sem tropeços
às vossas mãos e, como só viajo na companhia de
nossos amigos B
, Pordage em Jane Leade, posso responder à vossa
pergunta com relação ao título do tratado Revelação
das Revelações. Ferne, tomado no sentido próprio, significa
longe e o que está in der ferne significa que está situado
à
distância. Desse modo, interpretastes bem a passagem em questão,
já que o autor quer dizer até esse dia não se chegou
ainda tão longe na explicação dos mistérios105,
etc. Tendes toda a razão em começardes pelo sentido literal;
é o sentido
próprio que vos sempre conduzirá com mais segurança
ao sentido figurado. Embora o horizonte dos negócios públicos
da
Europa pareça, infelizmente para a humanidade, ainda bem nebuloso
e eu não veja como possa esclarecer-se
imediatamente, todavia penso como vós que a Providência há
de querer reunir-nos um dia. Será um dos maiores prazeres de
minha vida se eu poder gozar à vontade de vossas luzes e de vossa
amizade. O que me impressionou acima de tudo na
doutrina do ar e da terra vegetal, que vos mencionei na carta de 30 de outubro,
é o número 10 do 6º capítulo da Aurora.
Segundo essa passagem, as próprias potências são obrigadas
a receber seu alimento celeste, assim como todos os
homens, através da respiração. Parece também
que a parte mais pura dos elementos mistos, o ar respirável o ar
deflogisticado, o ar ígneo, sem mistura alguma do ar mefítico,
do ar fixo e de todas as espécies de gases, seja a substância
que se mais se avizinha do elemento puro do qual derivam todos os outros.
Um de meus amigos, cuja inteligência respeito
enormemente, que me contou-me a 6 de setembro de 1792, de Petit-Bourg, que
Jesus Cristo se envolvera na Sophia para
incorporar-se no elemento puro e daí descer à região
dos elementos mistos e corruptíveis. Ao reler essa carta, encontrei
nela
exatamente a minha doutrina. Se seguirmos a gradação, veremos
que de todos os elementos mistos e corruptíveis, o ar
ígneo, ou o ar respirável, ao qual chamei éter em minha
última carta, é realmente a substância mais pura, sem
a qual homem
algum poderia viver. O que nosso amigo B. parece dizer de maneira positiva,
15, Perguntas 13, 2 é que a incorporação do
Espírito Santo nos elementos mistos nos é necessária
para no nosso alimento espiritual. Vemos mesmo no nº 3 que ele é
tentado a ficar descontente com aqueles que não crerem crê-lo.
Resta-me uma única observação a fazer sobre a passagem
em questão da vossa carta de 1º de dezembro, a qual é:
que nenhuma alma, mesmo as boas, possui a Sophia. Vede 15,
Perguntas 21-7. Encontrei, além disso, depois de vos haver escrito
a carta de 30 de outubro, numa note de Jane Leade,
alguns vestígios de minha opinião sobre o ar puro considerado
como veículo da Sophia. Entretanto, continuo pressupondo
que o grande meio de dela gozar seja mágico. Vede a sublime passagem
do nº 119 ao 125, in den Bedenken über Stiefels
Büchlein106. Neste momento encontro-me aquartelado numa aldeia para
defender nossas fronteiras e fazer com que nossa
neutralidade seja respeitada. Tenho mais tempo de lazer aqui do que na cidade,
pois durante um mês não tive um só instante
livre para ler uma passagem de nosso amigo B. e considero-me bastante feliz
por poder gozar desse retiro. Em Basiléia
encontrei alguns antigos conhecidos que, para grande surpresa minha, estão
muito adiantados na teoria e na prática das
comunicações. Informaram-me sobre um fato que acaba de acontecer
a um eclesiástico célebre de Zurique que conheci
outrora. Chama-se L
[Lavater] Esse eclesiástico recebeu um
convite para ver algumas pessoas de elevada posição numa
côrte do norte. Não é aquela da qual me falastes em
uma de vossas cartas e cujo gabinete não dá um passo sem fazer
consultas psíquicas. A corte de que se trata está situada
mais ao norte [Copenhagen]. L
[Lavater] chegou lá no verão
passado. Encontrou homens instruídos, envolvido com negócios
e com o mundo, ocupando postos elevados, de probidade
reconhecida e que, ao convidá-lo, só podiam ter como motivo
a beneficência, pois eles mesmo pagaram-lhe as despesas de
viagem. Esses homens lhe garantiram que tinham comunicações
imediatas com a causa ativa e inteligente, garantiram-lhe
que um de seus amigos, embora morto há algum tempo, entrará,
através desse meio, na companhia deles. Esses homens
prometem dar-lhe esclarecimentos para os quais ele já havia rogado
a Deus durante longo tempo. Esclarecimentos sobre a
doutrina do alimento celeste, sobre o grande mistério, onde se diz:
"Comei, isto é o meu corpo; bebei, isto é o meu sangue.
Aquele que não come a carne que dei para a vida, o pão vindo
do céu, não terá vida em si."107 Na relação
de L. [Lavater],
datada de 26 de outubro de 1793, que me foi remetida para aqui, e que está
diante de mim, diz ele a esse respeito: "Aquele
que compreende estas palavras compreende o mistério mais profundo
e a parte mais essencial do cristianismo, estará
perfeitamente convencido de uma união real, positiva e íntima
mit der gekreutzigen Menschen person, J. C.108" Esses
homens lhe dizem que, quando estão reunidos, e mesmo quando alguns
deles estão a sós, recebem a princípio respostas
sobre as perguntas que fazem, quando nada um sim ou um não, que não
deixa margem a qualquer equívoco e que, muitas
vezes mesmo, sem qualquer pergunta preliminar, recebem comunicações
e revelações pelas quais vários pontos importantes
52
lhes são esclarecidos. Também lhe disseram, o que é
digno de ser notado, que todas as vezes que se encontravam juntos,
tinham uma experiência bem íntima da verdade da promessa: "Onde
estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou
no meio deles109", pois descia então um nuvem branca como a
neve, de um brilho quase ofuscante e, depois de havê-los
rodeado por cerca de meia hora, pousava sobre eles. Ficaram persuadidos
de que essas manifestações eram sinais e
emanações da causa ativa e inteligente:
1º Porque essas comunicações aconteciam sempre depois
da prece dirigida a Ela e porque as repostas chegavam também
depois as perguntas feitas a Ela.
2º Porque essas manifestações os fortaleciam no amor
por Ela.
3º Porque a manifestação a chamavam de Senhor, Espírito
do Senhor, Imagem e Símbolo do Senhor recebia adoração,
o
que nenhuma virtude benéfica ousara fazer.
4º Porque o que respondia fazia-o ao mesmo tempo, em diversos lugares,
a diversas pessoas, da mesma maneira.
5º Porque os julgava com severidade e, depois de um arrependimento
sincero, abençoava-os prontamente e maneira bem
visível.
6º Porque a cada vez que perguntavam "És tu a causa ativa
e inteligente?" recebiam a resposta: "Sim!", o que potência
alguma, fosse boa ou má, teria ousado dizer.
7º Porque puderam distinguir perfeitamente entre os seres bons e os
maus que a cercavam.
Eis aí caracteres e sinais bem indicativos. A única coisa
que embaraçava infinitamente nosso eclesiástico era uma doutrina
singular que se acha estabelecida neste círculo: a doutrina da relação
das almas. Todos os homens atualmente vivos,
disseram-lhes os membros dessa escola de neopitagóricos, já
viveram sob várias formas e vários nomes diferentes; os
homens mais santos são obrigados a aparecerem ainda uma vez nesse
mundo sob a forma dos homens mais comuns.
Confesso que me vejo no mesmo caso que o eclesiástico de Zurique.
Essa doutrina da parte de uma sociedade de eleitos
que estão convencidos de viverem numa união real e íntima
com a causa ativa e inteligente embaraça-me também, pois,
apesar de todo o bem que o autor do Manual de Hefoluis diz dessa doutrina,
ela em nada me parece análoga ao espírito de
nosso amigo B. teria a escola do Norte compreendido mal seu oráculo?
ou o que é essa anomalia? Adeus, senhor, lembraivos
de mim algumas vezes em vossas preces e crede que jamais esquecerei o bem
que vos devo. Aguardo sempre as
vossas cartas com a maior ansiedade. Meu endereço não mudou:
permaneço em Basiléia ou nas cercanias até o meio de
fevereiro. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
103 Divisão política da França.
104 É inverno.
105 "Jusqu'à ce jour l'on n'est point encore parvenu aussi loin
dans l'explication des mystères, etc."
106 107 Baseado em: "Eu sou o pão vivo que desceu dos céu;
se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que
eu
darei pela vida do mundo, e a minha carne." (João 6:51). E:
"Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes
o
seu sangue, não tendes vida em vós mesmos." (vers. 53)
108 Com a pessoa do homem crucificado, Jesus Cristo. ?
109 Evangelho de Mateus, 18:20.
Carta 38 Paris, 17 Nevoso, 1794
Eu andava um tanto inquieto, senhor, sobre a sorte de minha última
carta e vossa resposta chegou bem oportunamente para
tranqüilizar-me. Eu sabia da viagem de vosso amigo de Zurique à
corte de D
110, mas não lhe conhecia a finalidade. Essa
pessoa e eu só nos conhecemos de nome e como me confere, como vós,
a honra de sua grande amizade. O que ele
aprendeu em sua viagem deve ter-lhe causado prazer sem o surpreender, pois,
há muito tempo ele devia saber de todas
essas coisas. Não posso formar uma idéia bem determinada sobre
esse novo ramo de comunicações que me dais a
conhecer. Apenas creio ver nele grandes relações com o de
Avignon, do qual ouvistes falar. Embora todos os caracteres
desse novo ramo não me pareçam defeituosos, parece-me, no
entanto, que isso poderia tornar-se mais central e são as
nossas leituras queridas que me ensinam a pensar assim. Então a doutrina
reinante nesse círculo purgar-se-á da parte da
metempsicose das almas, sistema que jamais deixa de ser ensinado nas escolas
inferiores, e que o é diariamente por nossos
sonâmbulos, mas que não convém a nenhum dos grandes
princípios da teoria espiritual divina, a menos que não chameis
de
metempsicose ao retorno possível e repetido dos grandes eleitos de
Deus, tais como Elias, Enoque, Moisés, etc., que
realmente bem podem aparecer em épocas diversas para atestar de maneira
sensível no avanço da grande obra e nele
concorrer, porque o bem sempre flui pelos canais que ele para si escolheu,
mas o mal e a podridão encontram, ao saírem
deste mundo, novas regiões mais vivas que a terra, as quais nos purificam
ou nos mancham ainda mais, de maneira que as
provas terrestres não poderiam mais ser suficientes para o grau em
que no encontramos. O que me determina, mais do
nunca, a lamentar essa espécie de metempsicose, a qual não
me parece ser mais do que um refluxo das diversas faculdades
siderais que a zona astral faz passar sobre nós, e que com isso nos
mostra a nós mesmos, são as diferentes formas que ela
nos imprime e que não nos pertencem mais do que os nomes, títulos
e diversas honrarias dos papéis de teatro próprios ao
ator que deles está revestido no momento. Uma carta apenas não
me permite estender-me mais sobre este assunto.
Todavia, fico muitíssimo contente com o que me ensinais. Gosto de
ver pessoas de bem voltando-se para as santas regiões
e a alma delas só pode ganhar infinitamente com isso. É realmente
possível conciliar os favores e a marcha espiritual com os
53
empregos da vida civil, e até mesmo na lei antiga, era uma coisa
indispensável, uma vez que a lei civil só era conduzida pelo
espírito e seus enviados, como se vê no tempo de Moisés
e de Josué, etc. No tempo dos profetas, vêm-se também
grandes
figuras, tais como Isaías e Baruque, e ministros, como Daniel. Mas
então essa junção do civil com o espiritual era não
passava de secundária. Com a lei do Cristo, tornou-se ainda mais
estrangeira porque nosso reino não é deste mundo, porém
é bom permanecer no estado em que Deus nos chama, como diz São
Paulo111. Para não deixar dúvida alguma sobre a
vossa opinião e a minha, com relação ao ar, torno a
repetir o que vos informei em minha carta de 6 de setembro. Mas
acrescento que os elementos mistos são o caráter de médico
que o Cristo devia assumir para vir até nós, ao passo que
nós
devemos quebrar, atravessar esses elementos para chegarmos até ele;
e enquanto repousarmos nesses elementos, ainda
estaremos muito atrasados. Mesmo que o ar mais deflogisticado, segundo nós
mesmos, seja ainda bem grosseiro com
relação ao próprio espírito deflogisticado quanto
lhe aprouve preenchê-lo com sua presença; mesmo que essas
considerações físicas estejam abaixo dele e dele dependam
e que, mesmo que o ar da sala onde estavam os apóstolos
fosse um pouco mefítico, tendo em vista seu número e o calor
da estação e do clima, nada disso impediu o Espírito
Santo de
fazer realizar a mais característica das manifestações.
Eu diria, além disso, que, na ordem dos elementos princípios
o fogo
parece-me ser espírito ao ar, o qual, realmente nada mais é
que seu filho e ministro. Assim o fogo desempenhou o maior dos
papéis nas manifestações, boas ou más, das quais
está cheia a terra, o que faz com que tenhamos visto e que vejamos
ainda a idolatria do fogo reinando entre os homens, ao passo que não
vemos a idolatria do ar, embora vejamos a dos ventos,
mais para aplacar sua cólera, do que para implorar seu favor. Perdão,
senhor, se me apoio nesses objetos: é o pavor do que
é mecânico que impele minha pena, é o sentimento profundo
de é preciso nos desterrestrizar completamente se quisermos
chegar a dizermos a Deus: Habitavit in nobis, amen112. Continuo avançando
bem devagar na leitura dos dois volumes que
me enviastes porque não tenho nenhuma ajuda. Descubro em Jane Leade
a vivacidade do mais sublime e doce amor. Bemaventurados
aqueles que chegarem, mesmo de longe, à sua altura, sobretudo no
que ela diz sobre o magismo da fé! Ainda
estou apenas na metade do livro. Acho-lhe o estilo um pouco prolixo e linguagem
antiquada, o que aumenta minhas
dificuldades. Ainda não fiz mais do que passar os olhos em Pordage.
Pareceu-me dedicar -se mais à parte científica do que
Jane Leade e creio que foi uma outra pena que o traduziu. Confessovos que
meu caríssimo Böhme parece-me ser como o
príncipe de ambos, como de todos os que andam nesse caminho. Mas,
como são todos os três muito profundos, eu os
casarei a todos eles imediatamente e espero filhos dessa união. Não
tendo socorro para o alemão, bati a todas as portas
para pedi-lo, mas inutilmente. Enfim, nesses últimos dias lembrei-me
de ir à casa de Madame Schweitzer, sobrinha de nosso
amigo de Zurique113, que eu vira um única vez, há dois anos,
numa casa. Ela me acolheu muito bem, mas não é bastante
forte na língua francesa para poder ajudar-me. Para suprir essa falta,
imaginou apresenta-me um de seus amigos, que
conhece perfeitamente ambas as línguas, e que terá grande
prazer em me ajudar. Aceitei-o com gratidão. Assim, espero em
pouco tempo não estar tão abandonado. Ela me teria oferecido
a ajuda de seu marido, que certamente me teria prestado o
mesmo serviço, mas agora ele está na Suíça,
com uma missão do nosso governo. Espero, senhor, que o horizonte
político
não vos pareça completamente tão negro como algum tempo
atrás. Para mim, jamais duvidei de que a Providência se
ocupasse com a nossa revolução e que fosse possível
ela recuar. Creio mais do que nunca que as coisas chegarão a seu
termo e terão um final bem importante e instrutivo para o gênero
humano. Estou encantado com a conduta mantida por vossa
pátria com relação à minha. Estou encantado
com o fato de que sois hoje dela o órgão ativo e de que defendais
com vossas
armas a neutralidade. Adeus, senhor, recomendo-me às vossa preces.
SAINT-MARTIN
110 Dinamarca?
111 "Irmãos: cada um permaneça diante de Deus naquilo
em que foi chamado." (I Coríntios, 7:24)
112 Habitou entre nós, amém. ("O Verbo se fez carne e
habitou entre nós." - João, 1:14.)
Carta 39 P
, près de Basiléia, 26 de nevoso (15 de janeiro
de 1794, v. st.)
Recebi, Monsieur, ainda em meu quartel, vossa interessante carta de 17 de
nevoso. Amanhã serei substituído e retornarei ao
tumulto de Basiléia, onde perderei muito tempo. Agradeço-vos
pelos esclarecimentos sobre o novo ramo de comunicações
que se estabelece no Norte. Resta a grande dificuldade sobre as conclusões
de nosso amigo de Zurique: "És tu a causa ativa
e inteligente? Tiveram como resposta "Sim!", o que potência
alguma, nem boa nem má, teria ousado dizer. Essa conclusão
é
justa ou não. That's the question114. Vi acidentalmente, diga-se
entre nós, uma carta de vinte páginas em que a filha de
nosso amigo de Zurique escreveu a um de seus amigos próximos, por
ocasião da viagem de C. [Copenhague], aonde ela
acompanhou seu pai. Essa moça é um anjo, mas como não
crê mais na metempsicose do vós e eu, encontra-se, com
respeito a tudo isso, na maior perplexidade. Estou mais próximo de
vossa de vossa opinião sobre a escala descendente, da
Sophia, do elemento puro, do que talvez o creiais. Quanto à teoria
do ar, nós a adiaremos para uma discussão verbal.
Enquanto aguardamos, não tenhais receio, por minha causa, do que
é mecânico. Daqui onde estava, escrevi ao abade para
que me conseguisse para vós o diário de J. Leade, a mais interessante
de suas obras, mas fiquei sabendo que o pobre
abade morreu durante minha ausência. Nosso amigo B. é, certamente,
em todos os sentidos, o príncipe de ambos, mas isso
vem em parte do fato de que possuímos suas palavras tais como saíram
de sua pena sem passarem pelas traduções.
Certamente a Providência dirige os grandes acontecimentos da Europa,
mas, falando humanamente, parece-me que seria
esse o momento de fazer a paz. Os romanos somente a faziam quando eram vitoriosos.
Estou encantado de ver que vosso
argumento faz justiça ao nosso. Havendo a nossa nação
declarado publicamente sua neutralidade, não se deixou abalar por
54
intrigas nem por ameaças. A prudência nos guardou das primeiras
e nossos rochedos, com 300.000 homens para defendêlos,
em caso de necessidade, garantiram-nos contra as outras. A nota do ministro
britânico não poderia ter sido recebida de
maneira pior em Berna. Essa nota é de 30 de novembro. Adeus, senhor,
lembrai-vos de mim em vossas preces e procurai
dar-me notícias vossas com freqüência.
P.S. Há aqui iniciados que afirmam que a nuvem de brancura ofuscante
que apareceu no fenômeno do Norte é um sinal
característico e inimitável da verdade do fenômeno.
Acham mesmo que o viram também uma vez, com os algarismos 4 e 8,
ou seja: do quaternário e do duplo quaternário. E não
são somente algarismos, mas ainda algarismos arábicos para
mim. E
por que não deveriam ser imitados? KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
113 Lavater.
114 Em inglês no original. Citação "do Hamlet de
Shakespeare: "To be or not to be, that's the question" (Ser ou
não ser, eis a
questão).
Carta 40 Paris, 17 de pluvioso115 (26 de janeiro de 1794)
Para satisfazer então, senhor, à vossa dificuldade sobre a
causa ativa e inteligente, there is the answer116. Creio que
aqueles que são chamados à obra, diretamente e do alto, não
terão embaraço algum para julgar tudo o que recebem, e
mesmo sem outra operação da parte deles que a do desenvolvimento
de seu sentido íntimo divino. São um crisol universal
que purifica tudo e não se deixa corroer por nada. Creio que aquele
que entra na obra através das iniciações, sejam elas
humanas ou espirituais, pode chegar também à elucidação
do que recebe, mas para isso é-lhe necessário um grande
trabalho. E tal é o fruto dos trabalhos e operações
teúrgicas, quando dirigidas por mestres puros, esclarecidos e potentes.
Mas, ai! como são raros! Quanto a mim, estou bem longe de ter qualquer
virtualidade nesse gênero, pois minha obra volta-se
toda para o lado interno. Creio que aqueles que recebem comunicações
externas e gratuitas como em Co
117, podem
muito bem não se ter enganado, mas não tenho meio algum de
garantir esse fato. Os de Co
não me perecem ter provas
suficientes para justificar sua confiança: 1º: não creio
que foram eleitos do primeiro grau, acima mencionado, sem o qual não
teriam incertezas e não precisaram fazer perguntas; 2º: vejo
que são passivos em sua obra: vejo-os como operados e não
operantes, e assim, não tendo a ativa virtualidade necessária
para amarrar o forte a fim de pilhar-lhe a casa e deixá-la
convenientemente limpa para nela hospedar pessoas honestas; 3º: a resposta
que recebem ao perguntarem: "És tu a causa
ativa e inteligente?" nada me prova, pois o inimigo pode imitar tudo,
até nossas preces, conforme já disse em O Homem de
Desejo; e o uso e a prática das verdadeiras operações
teúrgicas conduzem ao discernimento dessas terríveis iniciações,
quando, após todos esses fatos, não nos voltamos imediatamente
para o interno que tudo ensina e de tudo preserva; 4º: por
fim, não vejo nesses eleitos de Cop
os sinais indicados no
Evangelho para se caracterizar os verdadeiros missionários de
Espírito. "Curarão os enfermos, expulsarão demônios,
ingerirão venenos que não lhes farão mal algum.118"
Eis, senhor, tudo
o que minha inteligência me fornece para elucidar o ponto em questão.
Não posso ser o juiz, uma vez que não sou nem
mesmo testemunha; limito-me a ser o relator, sem querer que minha opinião
seja decisiva. Espero bem que a Providência
abra os olhos a essas pessoas honestas quanto às ilusões das
quais as sendas que seguem com tanta boa fé estão
freqüentemente cheias, mas é-me impossível nada afirmar
sobre a natureza do que as ocupa sem haver feito antes um
exame minucioso e uma confrontação. Ora, é isso que
não está ao meu alcance fazer e, mesmo que o fizesse, não
sei se
minha extrema prudência contra o externo e meu gosto cada vez maior
pelo interno não me proibiriam de aproximar-me
desses objetos até eu ser enviado por uma outra ordem, que não
fosse a do meu desejo e de minha curiosidade. Devo
acrescentar que, se a potência má tudo pode, a potência
boa intermediária fala freqüentemente como a própria
potência
suprema. Foi o que se viu no Sinai, onde os simples Elohim falaram ao povo
como sendo o único Deus, o ciumento, etc.
Nova razão para nos mantermos em guarda contra a conclusão
tirada de "Sim". Se todas essas reflexões puderem ajudar
a
interessante filha de vosso amigo de Zurique a tomar uma posição
firme a respeito de tudo isso, podeis fazê-las chegar a ela,
assim como vos ficarei grato se continuardes a transmitir-me o que aprendeis
de todos os lados. Estou entristecido com
morte de vosso amigo. Agradeço-vos os cuidados que tomais para descobrir
para mim as obras que desejo. Estou quase no
fim do volume de Jane Leade e, se quiserdes ler a nota da página
37, que tem como título All hier folgt die Aufer Stehung119,
vereis, segundo o que ela diz sobre o éter, como nos será
fácil nos entendermos quando a Providência nos permitir que
conversemos pessoalmente. A pessoa com quem Madame Schweitzer fez contato
para mim ajuda-me muito a compreender
certas palavras que me embaraçam de vez em quando. Mas ela está
surpresa com minha paciência em prosseguir na leitura
de semelhantes assuntos, escritos em semelhante estilo. Tudo o que lhe respondo
é que: Trahit sua quemque voluptas120.
Certamente, se eu pudesse ler essa autora e Pordage em sua língua
de origem, e principalmente na minha, tiraria melhor
partido, pois costumo perceber coisas verdadeiramente divinas, mas ainda
já é uma grande coisa poder abordar as fronteiras
desses campos onde se encontram tão ricas messes. Devo agradecer
e não me queixar. Logo iniciarei a leitura de Pordage.
Gostaria, como vós, de que os tempos de paz houvessem chegado. Mas,
a princípio, creio que isso não nos será pedido.
Creio, além disso, que não temos grande intenção
de concedê-la neste momento. Creio que a providência não
ache ainda
que a França esteja corrigida o suficiente para suspender assim os
seus golpes. Resignação e paciência, é somente
a isso
que devo visar. Tendes muita razão para não crerdes, como
os vossos iniciados, que a nuvem ofuscante e os algarismos 4 e
8 sejam prova características e inimitáveis da verdade do
fenômeno. Eles podem se iniciados nos documentos de seus
55
mestres, mas não o são na experiência da coisa. Adeus,
senhor, deixais um turbilhão para entrar em outro. Apesar disso,
gosto de acreditar que encontrareis o momento de me enviardes vossas notícias,
o que será sempre para mim verdadeira
satisfação. SAINT-MARTIN
115 Pluviôse (chuvoso). Outro mês do calendário revolucionário.
116 Eis a resposta.
117 Copenhague.
118 Evangelho de Marcos, 16:17-18.
119 120
Carta 41 Paris, 15 de pluvioso (3 de fevereiro de 1794, velho estilo)
Embora tenha tido a honra de escrever-vos há poucos dias, senhor,
tomo da pena para transmitir-vos alguns ensinamentos
que podem ser-nos úteis em nossas pesquisas a respeito de Jane Leade
e Pordage e das quais fazeis para mim tanta
gentileza. O Sr. Forster, que deu a volta ao mundo com o capitão
Cook, acaba de morrer aqui, para onde havia vindo de
Mogúncia a fim de solicitar a anexação dessa cidade
à França. Antes de morrer, ele disse a alguém que conheço
que tinha
as obras de Jane Leade e de Pordage em inglês e que as deixara em
Mogúncia. Acrescentou que, depois que os prussianos
retomaram a cidade, haviam selado sua biblioteca e que um príncipe
da Prússia lhe havia tirado várias obras impressas e,
além disso, todos os seus manuscritos. A pessoa que me narrou isso
informou-me ainda que a viúva de Monsieur Forster
morava em Neufchâtel, na casa do intendente Andrieux, à rua
des Moulins, ou então em Zurique, sem me dizer a rua. Eis aí,
pois, senhor, todo o objetivo desta carta: oferecer às amistosas
solicitudes que tendes para comigo o meio de fazer
pesquisas que, mesmo que fossem infrutíferas, não deixariam
por isso de assegurar-vos novos direitos à minha gratidão.
O
Mundo Tenebroso121, de Pordage, que estou lendo atua lmente, causa-me uma
impressão que não posso relatar-vos. Se o
tivesse em inglês, creio que não hesitaria em empreender sua
tradução em minha língua, mas como tenho apenas a
tradução alemã, temeria não poder sair-me bem
com tão fielmente como se tivesse o texto diante de mim. Adeus, senhor,
não vos preocupeis em nada com as despesas das obras em questão.
Proverei a tudo, se todavia for possível chegar até
elas na situação atual, do que duvido um pouco. Apesar disso,
eu me reprovaria se não fizesse ao menos a tentativa. Conto
sempre com vossa amizade. SAINT-MARTIN
Carta 42 Basiléia, 29 de pluvioso (12 de fevereiro de 1794, velho
estilo)
Recebi perfeitamente, senhor, as duas cartas que me endereçastes
e que me foram enviadas de Berna. Vossas observações
sobre as comunicações do Norte parecem-me mais do que justas.
Há uma, entre outras, que, segundo penso, mereceria ser
gravada em letras de ouro: "O interno tudo ensina e de tudo preserva."
O substancial dessa teoria foi transmitido à
interessante moça de Zurique. Foi o pai de seu amigo, que está
aqui, que me mostrou suas cartas. Nelas reina uma
franqueza e uma pureza de alma que me proporcionaram a maior satisfação.
Ganhei a confiança das duas irmãs, das quais
sobretudo a mais velha, com vinte e um anos, tem contatos com nossa amiga
de Zurique; elas mesmas foram iniciadas e
assistidas em todas as operações. Seu tipo de comunicações
fazia-se por meio de uma pupila que era consagrada em cada
sessão e que, depois de feita a prece, entrava sozinha em comunicação
imediata. O mestre da loja fazia a pergunta e a
resposta era comunicada à pupila que era a mais nova das três
irmãs. Cheguei a experimentá-las e a convencê-las de
que,
apesar das aparências brilhantes desse negócio, ele costumava
ser um pouco duvidoso e às vezes muito perigoso. Fi-las
também com que elas percebessem, até ficarem convencidas,
de que o caminho central, o caminho do amor, era
infinitamente preferível a essas ilusões exteriores. O pai,
apesar do apego a essas iniciações subalternas, deixou-se
convencer pouco a pouco à minha opinião através de
suas filhas. E o que acabou por ganhar-me a confiança dessas duas
jovens, susceptíveis ainda de abrir a alma à verdade, foram
os caps. 12 e 13 da 1! carta aos Coríntios, que a mais velha
abriu por acaso122. Mas, com os outros homens membros dessa sociedade, que
já têm uma certa idade, nada havia de
essencial a fazer. Eles estão envaidecidos com o privilégio
desse relacionamento mediato com as potências. O primeiro
mestre que todos tiveram foi o conde de Cagli
, intimamente ligado
ao pai das pupilas. O pai é o irmão mais novo do Sr. S
[Serazin], a quem fornecestes meus endereços. Remexendo hoje na loja
de um antiquário, descobri alguns pequenos
tratados de Thomas Browne, membro da sociedade presidida por Pordage. Como
amostra, juntarei aqui um trecho sobre a
eucaristia espiritual e os sinais que distinguem o beber o sangue do comer
a carne. A obra está escrita em alemão. Se
tivesse mais tempo livre, eu vos teria traduzido essa passagem.
Não deixarei, depois de voltar para minha casa, de fazer procurar
saber algo sobre a viúva de Forster. Parto daqui na
próxima quarta-feira e espero que antes de minha partida ainda recebamos
uma carta de Zurique. Adeus, senhor. Recebei
meus agradecimentos pela vossa bela carta de 7 de pluvioso. Só anseio
pelo repouso. Assim que o tiver conseguido, mesmo
em parte, entrarei em maiores detalhes. Enquanto aguardais, tende a certeza
de que vossas cartas me serão infinitamente
preciosas e que me parece que o meio que nos une estreita-se todos os dias
ainda mais. P.S. Chegou a carta de Zurique.
Foi o P. ou S. quem a recebeu e sua filha mais velha que a leu para nós.
Contém detalhes muito exatos e muito detalhados
das comunicações do Norte. Com o tempo, conseguirei uma cópia
de que vos darei conhecimento. Ela conterá, talvez,
circunstâncias suficientes para capacitar a julgar em definitivo o
processo. Antwort auf die Frage: Wie jemand chem der
56
Gemeinschaft oder Empfindung des Leibs und Bluts Christi erkenntlich unterscheiden
möge? Ist folgender Bericht-Schrift
ertheit worden. Die Erfahring wird (nach meninem Licht und Erfahrenheit)
die beste Lehrmeisterin de Unterschied Zwischen
denen Empfindingen seyn, so durch Theilhafligkeit des Fleisches und Bluts
Christi, und andrer Beniessungen des lebendigen
Worts geschehen. Die Theilhaftigwerdung oder Gemeinschaft des Bluts Christi
wird begleitet von einem starken und an
muthigen Brande, der im herzen oder Centro der Brust gefühlt wird,
gleich als wenn eine gemengte Flamme und weine in die
Seele gegossen wurde, so eine liebliche Süssigheit verursachet, oder
als ob die Seele von einer göttlichen Flamme in ihr
entzündet, einem Eingüss eines Köstlichen geistlichem Liquoris
empfienge, von welche, sie durch's verschlingen desselben,
sich Kräftog stärket, eben wie eine Flamme von Geiste des weins,
oder das Feuer der Lampen von OEhle, das es is sich
Zeucht und isset, genähret und unter halter wird. Diese Geniessung
wen sie hoch steiget, ist so Süss und gross.das wir sie
kaum ertragen können; weil allda eine Centralgeniessung, oder die im
innersten und tiefesten Grunde des Herzens geschieht,
zwischen Christo und der Seelen, eine Durcdringung, Inwirkung der einen
im andren, eine Vermischung der reinen Strahlen
des Lebens und der Liebe ist; so dass die Seele anders nicht dan ausrugen
dann: "Er küsst mich mit den Küssen seiner
Lippen, den Seine Libe iste besser dann Wein." Und in Wahrheit, so
ist das welches sie in diesem Stande geneust, in einiger
Maase der neue Wein des Reichs, welchen ich in diesen schreiben krftig empfunden,
und befinde dadruch dass meine Worte
die Geniessung desselben auszudrucken viel unzulänglich gefallen; welches
der Leser allein durch lebendige Erfahrung
erkennen kan, wie auch, durch die wahre und eigentliche Wurckung derselben;
welch die starke und reine Liebe zu gott ist,
und eine susse zuneigung der Liebe gegn die Heiligen, auch zu einem solchem
Grade, dass sei Schild und Beleidigung uf
dem Weg räumet, die in der Seele wieder ihren Nächsten leigen
mag, zum wenigsten für die Zeit und so lange sie dieses
fühlet und empfindet. Ist de Theilhafligwerdung oder Gemeinschaft des
Bluts begleitet von einer mächtigen Empfindung der
Stärke und Kraft die den ganzen inwendigen Menschen durchdringet, und
vornehmlich in der Brust oder Herzen gefühlt wird.
2). Bisweiten mit einer enpfindlichen Schwängerung erner reinen Kraft,
die unsre inwendige Theilen so zu erfüllen scheinet als
ob sie der Luft ermangelten Hiob. 32, v. 20. 3). Bisweilen mit Empfindung
einer Licht-Hellen OEfnung um oder von uns, oder
inwendig in uns, so die Erscheinung Gottes innerlichem geistlichen Reichs
ist. 4). Mit sussen Anzeigungen oder vielmehr
würklichen Empfindungen anmuthig zusammen stimmender Gethöne,
welche die gaze Ewigketi in dem göttlichen Leibe
erfüllen. 5). Mit einer angenehmen Empfindung einer lieblich sausend
Luft m Herzen oder Haupt, oder in allen beyden. 6).
Von demselben dann eine starke Idea oder wesentlich Zild, eines Lieblich-angenehmen
Halles, das sich im Haupte eröfnet,
und als der erste Grunde und Saame ers evangelische Gebets, Lobs oder Dancks
etc. Ist welches wir empfinden, indem wir
die Ideam oder das wesenliche Zild des Thons, wenns im Haupte aurgehet ins
Werck sezen, und einen Antrib haben aus krdft
su zingen. 7). Eine anmuthige Empfindung, dass wir als mit einer sanften
und weichem Wesenheit, gleich als mit einem Kleide
(1) umgeben oder beglaitet werden, wie mit Pfalum-Federn fegillert und um
die Seele gewinden ist. 8). Und der Effect oder
Auswürkung und Erfolg ales dises so das zeiget, dass es wahr und von
gold sey, ist. I) Eine starcke Würkung des Glaubens
und himlischem Muth: II). Ein empfindlich Vermögen der Kraft und gorsse
libe em Gebeth, Singen ode Sprechen, wenn wor
eine dieser Gaben entweder in oder gleich darauf üben, III), Eine grosse
Eröfnung der Sanftmuth und milden süssen
Würkungen in der Seelen, und also auch in einigem Worten die wir aussprechen;
IV). Eine Empfindung in der Seelen einer
gorssen Reinigkeit und eines Abscheeus vor allen weltlichen Lusten: V).
Eine starke Empfindung der göttlichen Gegenwrt,
samt einer damit Uberdommenden Ehrfurcht duch welche wor zu beherrlicher
Wachamsheit ermahnet werden; VI). Eine
lebendige Empfindung der göttlichen Freudigkeit und gemüths ruhe,
vornehmlich nacdem wir unsre Talenten vohl anlegten,
weil solche Geniesung aur uns war. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
121 Citado em francês: Le Monde ténébreux. Não
conheço o título original.
122 Sugestão ao leitor: leia essas duas passagens, que vale a pena.
(N.T.)
Carta 43 Paris, 27 de ventoso
Recebi vossa primeira carta, senhor. Para responder a ela, esperava, o fruto
de vossas buscas sobre as obras inglesas e
sobre a jovem de Zurique. Os novos achados que me anunciais haver feito
das traduções alemãs poderão chegar a mim pela
mesma via do primeiro pacote. Mas, mas para expedi-los, aguardai até
receberdes novo aviso de minha parte. A casa em
que estou passou a pertencer ao governo; é preciso deixá-la
imediatamente. Não sei ainda para onde irei e será a minha
primeira carta que vos dará instruções sobre isso e
que vos indicará um novo endereço para os livros em questão.
Recebei
antecipadamente os meus agradecimentos e dai informações sobre
como de pagar as despesas que houverdes feito. De
acordo com os detalhes de vossa carta anterior, vejo mais do que nunca que
estou certo em minha opinião sobre a má
qualidade das coisas. De outra vez vos direi mais coisas sobre esses assuntos
filosóficos. Saúdo-vos e abraço-vos de todo o
coração. Não tenho tempo de dizer-vos mais nada. SAINT-MARTIN
Carta 44 B
, 11 de março de 1794
Eis-me de volta, senhor, à minha cidade natal depois de algumas semanas.
Não tendo ainda recebido vossa resposta à
minha carta de 29 de pluvioso, começo a temer que ela não
tenha chegado até vós. Escrevi à viúva de Forster
e mesmo que
não tenha sorte em minhas pesquisas junto a ela, posso dizer-vos
que descobri em outro lugar, e em alemão, as cartas de
Browne, quatro tratados de Pordage sobre a Encarnação do Verbo,
a Fé, etc., item, sua Theologia Mystica e seu Mundo
Angelical, que vos enviarei logo que tiver vossos ensinamentos sobre o comentário.
Estou muito contente por terdes ficado
57
satisfeito com seu Mundo Tenebroso. Recebi, depois disso, alguns novos detalhes
sobre as comunicações do Norte. Sentime
muito feliz na família dos S
, em Basiléia por fazê-los
provar, graças à providência, uma caminho melhor. Adeus,
senhor, lembrai-vos sempre de mim em vossas preces. Escrevo-vos com muita
pressa. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
Carta 45 Paris, 30 de germinal
Não sei, senhor, se recebestes a carta que vos escrevi há
um mês, na qual eu vos indicava o endereço para onde poderíeis
enviar os livros que me destinais. Desde essa época não tive
notícias vossa e estou inquieto por isso. Previno-vos, hoje, que
parto daqui a pouco para Amboise, departamento de Indre-et-Loire, para onde
podeis dirigir-me essa remessa pela diligência
de Basiléia que a levará a Paris, de onde os diretores a fariam
passar para minha casa, e peço que tenhais a bondade de
avisar-me. Adeus, senhor, só tenho o tempo de vos saudar e de recomendar-me
às vossas lembranças e a vossa amizade.
Parto em virtude do decreto sobre as castas privilegiadas e proscritas;
é entre elas que a sorte me fez nascer. Não falaremos
dos negócios públicos em nossas cartas. Sabeis que normalmente
não trato disso e ainda menos agora. SAINT-MARTIN
Carta 46 Basiléia, 30 de abril de 1794 (10 de floreal, novo estilo)
Acabo de receber, senhor, vossa carta datada de Paris, de 30 de germinal.
Ela causou tanto mais prazer porquanto vosso
silêncio começava a inquietar-me. Desde a carta de 27 de ventoso,
não recebi mais outras. Nessa carta de 27 de ventoso
vós me informais: "As traduções alemãs
poderão chegar a mim pela mesma via do primeiro pacote. Mas, mas
para expedilos,
aguardai até que receberdes novo aviso de minha parte." Desde
então não tive notícias vossas. Assim, se escrevestes
entre essas duas cartas, vossa carta ter-se-á perdido. Isso me muito
aborrecido, porquanto esperava vossa opinião sobre o
texto alemão de Browne, que me parece ser muito afim ao sistema de
B. sobre a regeneração do homem. Esperava, da
mesma forma, a vossa opinião sobre os estudos feitos na casa de Basiléia,
os quais vos indiquei, e sobre a nova direção
dada por mim a esses estudos. Desde então, pelo canal dessa mesma
casa, tive notícias de nossa amiga de Zurique: seu
pai [Lavater] continuava encantado com sua viagem, embora no fundo ainda
lhe restem algumas dúvidas. Essa escola do
Norte [Copenhague] leva tão longe a idéia da metempsicose
que afirma que São João ainda vive com eles em forma
corpórea. Até mesmo anunciaram que provavelmente ele fará
uma viagem a Zurique para visitar o pai de nossa jovem. A
partir disso Julgai o que pensam. Recebi um caderno detalhado que contém
as experiências feitas em C
Continuam muito
engrandecidos com o fato de que a luz que depois das perguntas indica o
sinal sim ou o sinal não é de cor esbranquiçada e
fosforescente, e não vermelha, porque a cor do fogo, ou avermelhada,
é a indicação de uma espécie má
Como se não
fosse tão fácil macaquear uma cor esbranquiçada como
se fosse uma cor de fogo. Algumas vezes percebem uma estrela ao
lado da luz que é o oráculo. Sabem que essa estrela representa
uma virtude. Então perguntam: "Ela ousa permanecer lá?"
depois da resposta sim ou não, os estudantes ordenam e a estrela
obedece. Fazem perguntas freqüentes com relação ao
ponto de doutrina. Perguntam, por exemplo: "Existe alguma passagem
nas Sagradas Escrituras que prove a metempsicose
de maneira incontestável? Sim e não." Isso quer dizer
que, para alguns, encontram-se passagens no Velho Testamento, mas
não para todos. Então continuam: "Existem no Novo Testamento?
Sim. - Nos quatro Evangelistas? Sim. - Em São Mateus?
Sim. - No primeiro capítulo? Não. - No segundo? Não.
- No terceiro? Não. - No quarto? Não. - No décimo-primeiro?
Sim.
-
Nos quatro primeiro versículos? Não. - No quatro seguintes?
Não. -
No catorze? Sim." A princípio, fiz-lhe
a objeção de
essa maneira de perguntar e responder de maneira alguma me parecia conforme
à dignidade do ser que criam interrogar. Os
que têm permissão de fazer perguntas recebem, juntamente ou
em separado, em lugares diferentes, respostas inteiramente
conformes. Os sinais que acompanham a luz principal variam de acordo com
a pessoa que interroga, mas o exterior e a
manifestação da luz principal não variam. O que contribuiu
sobremaneira a tornar-lhes as inabaláveis crenças, no tocante
à
natureza da luz miraculosa, que tomam como a causa ativa, etc., foi o cumprimento
de várias predições que lhes pareciam
inverossímeis, de modo que encaram como temeridade qualquer dúvida
sobre esse assunto. Recebem também um sinal de
bênção e o oráculo aprova os procedimentos ou
os empreendimentos que querem fazer. Esses detalhes são uma peça
a
mais o processo para facilitar vosso julgamento. Recebi uma resposta de
Madame Forster, que está atualmente em Zurique.
Ela espera receber livros da herança de seu marido. Quando os tiver,
avisar-me-á. Monsieur D[ivonne], que me
apresentastes no ano passado, deixou a Suíça. Escrever-me-á
quando tiver chegado ao seu lugar de destino. Ao partir,
encarregou-me de dar-lhe notícias vossas. Comuniquei-lhe, durante
sua permanência em B
, meu gosto pelas obras de
nosso amigo B. Ele encomendou uma edição inglesa, soberba,
in-quarto. Já percorri um volume e o pouco que vi pareceume
estar traduzido com fidelidade. Desde de ler B., ele renunciou, pelo que
me garantiu, a todas as manifestações exteriores.
Ensinei-lhe, por acaso, que as obras de nosso amigo B. era a leitura favorita
do grande Newton, que dela tirava simples
passagens. O que há de bem verdadeiro é que encontrei a teoria
da atração dos corpos celestes claramente expressa em B.
Esqueci-me de anotar a passagem, se não fosse isso, eu vo-la indicaria,
mas creio que se encontra na Signatura rerum. Ora,
como sabeis, nosso amigo viveu cem anos antes de Newton. A menos que sejam
leituras de dever e vocação, todas as
leituras que não tenham relação alguma com as Sagradas
Escrituras e com o gênero de B. me desagradam. Desde então,
as
obras teosóficas chegam a mim quase sem que eu as procure. Tomei
conhecimento, dentre outras, com as obras de um
autor francês chamado de Marsay, que foram impressas sem o nome do
autor na Alemanha, em Berleburg, em 1738, 1739
1740, com o título Testemunha de um filho da Verdade123. É
simples, franco e bem claro; vê-se facilmente que ele fala de
experiência própria. Não consegui descobrir vestígio
algum de que tenha conhecido as obras de nosso amigo B. Entretanto,
58
embora ele ignore a divisão dos três princípios nos
resultados, está bem de acordo com B. Possuo dez volumes desse autor
e, como amostra, acrescentarei seu Tratado da Magia divina, natural e carnal124
às traduções alemãs de que vos falei em
minhas cartas anteriores. O pacote chegará a Basiléia no próximo
domingo e partirá pela diligência de Paris. O diretor dos
correios de Paris receberá a recomendação de vo-las
enviar a Amboise. Tende a bondade de acusar o recebimento e dar
vossa opinião sobre essa obra e sobre os outros pontos de minha carta,
tão logo vossas ocupações vo-lo permitam. Abraçovos
de todo o coração e rogo do fundo de minha alma ao nosso divino
Mestre que ele se una todos os dias mais intimamente
a vós, que vos proteja e vos conserve. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
123 Esse título vem citado em francês: Témoignage d'un
Enfant de la Vérité . Não há indicação
se as obras foram impressas
no original francês ou em tradução alemã.
124 Idem: Traité de la Magie divine, naturelle et charnelle.
Carta 47 Amboise, 24 de floreal (14 de maio)
Vossa carta de 30 de abril veio encontrar-me aqui, senhor, mas em vão
espero, todos os dias, os pacotes que me anunciais,
assim como não recebi a obra alemã de Browne, que certamente
me enviastes a Paris. Vou escrever a Paris para pedir que
se dêem buscas nas agências de correio. De vossa parte, se puderdes
fazer quaisquer investigações em Basiléia, talvez isso
sirva para alguma coisa. Nesses tempos de agitação é
preciso ter mais cuidado do que em outros tempos. Eu ficaria bem
aborrecido se os livros em questão se perdessem sobretudo porque
vos privastes por minha causa, dentre outros, do livro
escrito por de Marsay. Não posso, como vedes, dar-vos resposta alguma
sobre os objetos contidos na encomenda,
principalmente nos que concernem às diversas instruções
das escolas do Norte. As novidades que dela me contais nada
modificam em tudo o que vos escrevi sobre esse assunto, ao qual vos remeto
sem preocupações. Previno-vos somente de
que vossa carta foi lida no Comitê de Supervisão Geral em Paris,
da qual me foi remetida com o sinete do comitê. Entretanto,
embora ela nada contenha de repreensível, peço que vos estendais
menos sobre os detalhes das coisas particulares de que
tratais nela, porque devem parecer obscuras para aqueles que não
conhecem esse tipo de estudo, e o que é obscuro poderia
ser visto como suspeito. Deixo-vos, senhor, abraçando-vos de todo
o coração e recomendando-me à vossa amizade. Peçovos
o mesmo para nosso amigo comum, D., quando lhe escreverdes. SAINT-MARTIN
Carta 48 M
, 24 de maio de 1794
Acabo de receber, senhor, vossa carta de 23 de floreal com um sinete diferente
do que comumente empregais. Mesmo antes
de abri-la, causou-me uma sensação agradável, pois
cada testemunho de vossa lembrança e de vossa amizade enche-me
de alegria. Mesmo que a remessa dos livros não vos tenha alcançado,
espero que não demoreis a ter notícias deles.
Enderecei-os a Basiléia, a um homem de probidade, que o remeteu a
diligência de Paris depois de os ter registrado na
agência. Desagrada-me crer que tenham sido interceptados na agência
de Paris. Via-se que ele vinha da Suíça. Supondo
que o pacote tenha sido aberto, teriam encontrado uns velhos livros ininteligíveis,
que tratam de ciências abstratas, de valor
completamente nulo para todos aqueles que não tenham feito os mesmo
estudos e, retendo-os deliberadamente, os
burocratas só teriam cometido um ato imoral em uma operação
ilegal, sem ganhar com isso outra coisa além do triste prazer
de perturbar uma ligação de amizade entre um francês
e um suíço. Prefiro acreditar, o que me parece bem mais natural,
e
sobretudo bem mais honesto, que essa pequena encomenda tenha ficado na agência
de Paris porque os dias de chegada
não coincidiram com os dias de saída. Ou então que
simplesmente tenha ficado num canto. A obra de Browne em alemão
está nela, porque fiz apenas um envio de Pordage e de Marsay. Tão
logo tenhais recebido esse pacote, tende a bondade de
avisar-me. Desde que fui substituído nas fronteiras que separam a
Suíça do território austríaco, para onde nossa
república
me enviara para manter a neutralidade helvética, vivo no campo, onde
estou no meio de minha família, da natureza, de
minha biblioteca e de meu repouso. Cada vez mais descubro todos os dias
que J. J. Rousseau125, que na juventude
testemunhou-me alguma amizade, não errou ao escrever: "É
preciso que vossa casa vos baste, ou jamais coisa alguma vos
bastará." Encontrareis essa carta em suas Obras Póstumas,
tomo II, edição de Genebra, 1782. Vi com prazer, em suas
Confissões, que ele continuou a lembrar-se de mim por muitos anos
ainda, depois de haver saído da Suíça. Percorrendo
nosso autor favorito, encontrei uma passagem, em sua Vida Tríplice,
cap. 10, nºs 48, 49 e 50, que me causou verdadeiro
prazer. Não somente esses números contêm a mais sólida
indicação sobre os meio de manter a paz nos diversos
acontecimentos da vida, mas ensinam-nos ainda o caminha para fazer os progressos
mais notáveis nas ciências superiores.
Essas passagens confirmam de maneira brilhante o me escrevestes certa vez
sobre esses assuntos. Dai-me notícias vossas
com a maior freqüência que puderdes e não deixeis de quererme
bem. Abraço-vos de todo o coração. KIRCHBERGER DE
LIEBISTORF
125 Jean-Jacques Roussseau.
Carta 49 Amboise, 3 de prairial (23 de maio)
59
Acabo de receber por fim, senhor, a obra de Marsay, impressa em 1739, os
dois volumes de Pordage e o volume de Browne.
No primeiro, só pude dar uma olhada, e no entanto, vejo como sua
doutrina está de acordo com a de nosso caríssimo
Böhme. Espero ter pelo menos o mesmo contentamento com os outros. Mas
durante algum tempo não poderei ocupar-me
com eles de maneira tão assídua como anteriormente, pois fui
encarregado pelo distrito em que estou de apresentar um
relatório, manuscritos e outros monumentos das ciências e das
artes que a Lei dá à nação neste território,
operação feita, às
vezes, em toda a república, e do qual cada distrito terá,
como resultado, uma biblioteca nacional. Isso vai desviar-me um
pouco de meus trabalhos, mas, uma vez que não estou em condições
de servir à república de outra forma, é necessário
que
eu lhe consagre os poucos meios de que disponho. Sempre terei tempo bastante,
senhor, para agradecer-vos por esse novo
presente filosófico. Só uma coisa me inquieta: é que
vos privastes da obra de de Marsay para envia-la a mim. Rogo-vos,
quando não tiverdes duplicatas, que não me façais tais
envios. Eu bem gostaria de que houvesse chegado o memento de
testemunhar-vos pessoalmente meu reconhecimento. Enquanto aguardo, rogo
a Deus recompensar-vos de todos os
tesouros que me conseguis. Nada vos digo da escola do Norte, da qual me
falais em vossa última carta. Eu mesmo já vos
falei disso em minha carta anterior e devemos andar na mesma cadência,
vós e eu, sobre essa parte de estudo filosófico. Os
erros deles sobre a metempsicose têm um fundamento que a torna excusável,
e Jane Leade os defenderia eles, mas os
homens se apressam sempre demais para irem da possibilidade ao fato, e esses
em questão não calcularam a que preço se
compram os favores de que falam. Não me pergunteis sobre isso, uma
carta não bastaria para responder-vos. Em também
tenho o exemplar de Böhme, in-quarto, em inglês. A obra não
está completa, tendo sido o tradutor interrompido pela morte, o
que creio já haver dito a vós ou uma outra pessoa da qual
não me lembro. Falta, dentre outros, o Send Brief, que, a meu ver,
é um de seus mais preciosos escritos. Graças a Deus, começo
a familiarizar-me um pouco com o alemão de nosso autor.
Também continuo, quando tenho tempo, a tradução para
o francês da Vida Tríplice, que empreendi como provisão
para a
velhice, pois minha vista diminui com a idade e se eu viesse a perdê-la
e as circunstâncias me fizessem entrar novamente
em meu país, não encontraria ninguém que me pudesse
lê-la em alemão. Não ficaria surpreso de que o grande
Newton se
ocupasse com a leitura de Böhme, mas creio que ele não tirou
dela o seu sistema da atração126, mais ainda que esse
sistema é todo físico e não passa da superfície,
enquanto o de Böhme vai ao centro. Adeus, senhor, recomendo-me sempre
às vossas preces. Toda a minha pessoa vos segue em coração
e espírito e Deus é o nosso ponto de encontro. Eu estava
com muita pressa na última carta. Nossa nova era me enganara e eu
não havia calculado que, que vos escrevi para dizer-vos
que a encomenda não havia chegado, ela não tinha tido tempo
ainda de chegar. SAINT-MARTIN
Carta 50 M., 25 de prairial (14 de junho, velho estilo)
Vi com muita satisfação, senhor, pela vossa carta de 3 de
prairial, que recebi com o sinete intato, que meu pequeno pacote
de livros vos chegou em boas condições, como presumi em minha
carta de 24 de maio. Agrada-me saber que ficastes
satisfeito com a obra de de Marsay. Por causa de vossa delicadeza ficastes
constrangido com esse pequeno envio. Para
tranqüilizar-vos, posso informar-vos de que, por acaso, recebi mais
um desse mesmo tratado de de Marsay, cujas obras,
exceto essa, são exatamente raras. Se for da vontade de Deus, ele
saberá aproximar-nos e fazer-me gozar de vossa
amizade e de vossas luzes. Enquanto aguardo, submeto-me a essa vontade com
confiança e resignação. Informai-me, por
favor, se por acaso uma carta que vos escrevi de Basiléia, na qual
vos enviava um trecho de Browne sobre comer carne e
beber sangue, etc., etc. Também vos informava de que havia dado outra
direção aos estudos de uma escol em Basiléia,
instituída por Cagl
. Jamais me dissestes se fiz bem em empreender
essa espécie de retificação de loja: certo é
que as
pessoas mais interessantes dessa casa, assim como a jovem de Zurique, estão,
no momento, inteiramente de acordo com
minha opinião, embora eu jamais tenha visto essa última. Não
faz muito tempo, vi o tio dessa jovem. É um homem de muitos
conhecimentos e, talvez, o primeiro maçom da Suíça.
Esteve no congresso de Wilhelsbad e conhece todas as ramificações
da maçonaria. Há pouco, ele encontrou-se com um certo senhor
de Gleichen, de viagem pela Suíça. Como, talvez, esse
senhor de Gleichen venha ver-me quando passar por M., dizei-me o que pensais
disso, se o conheceis e, quanto mais
depressa me chegar vossa avaliação, tanto mais prazer me dará.
A respeito de maçonaria, tenho ainda uma pergunta a
fazer-vos: conheceis um loja chamada Loja do Espírito Santo? Ela
possui um sol em lugar do fogo fosfórico da loja do Norte,
e esse sol tem as mesmas funções da luz fosfórica de
C[agliostro]. Se conheceis essa loja, informai-me em que país ela
se
encontra. Fiquei encantado por haverdes empreendido a tradução
da Vida Tríplice. Esse tratado e o Caminho para o Cristo,
já traduzido em francês, poderão tornar-se muito úteis
daqui por diante. Fazei-me o favor de dizer-me o que pensais do
conteúdo e da fonte que produziu duas obras de Emmanuel S\[Swedenborg],
uma, intitulada As Maravilhas do Céu do
Inferno127, em 2 volumes in-oitavo, Berlim, 1786; a outra, A Sabedoria Angélica,
Sobre o Amor Divino128, etc. Vossa opinião
detalhada sobre essas duas obras, como quiserdes, ser-me-á infinitamente
preciosa. Se eu encontrar a passagem de nosso
amigo B. sobre a atração, vo-la indicarei. Encontra-se em
um de seus tratados que se ocupa de física, tomada no sentido
literal. Abraço-vos de todo o coração e rogo que continueis
com vossa amizades e vossas preces. KIRCHBERGER DE
LIEBISTORF
126 Isto é: gravitação universal.
127 Les Merveilles du Ciel et de l'Enfer.
128 La Sagesse angélique, sur l'amour divin.
60
Carta 51 Amboise, 5 de messidor (23 de junho)
Ia eu tomar da pena para escrever-vos, senhor, quando vossa carta de 14
de junho entrou em meus aposentos. Ela me
servirá de guia. Recebi no devido tempo vossa carta de Basiléia
com o trecho de Browne sobre Leib und Blut unseres
Erlösers129. Fiquei contente com isso, mas não me surpreendeu,
pois a maior parte dos efeitos que relata são-me
conhecidos, quer através da experiência de alguns amigos, quer
através da minha própria, em circunstâncias semelhantes.
Sabia que havíeis dado uma outra direção a Basiléia,
mas não sabia em quê vossa obra consistia nem o que era a escola
na
qual ela se classificava. Mas informais-me que estão de acordo convosco,
e alegro-me com isso. De acordo com o que me
dizeis, tio da jovem deve ter muitos conhecidos aqui, Talvez fosse esse
o caminho que lhe faltava. Mas, pelo bom coração
que sei que tem, lamento que ele não haja subido mais alto; precisaria
de um caminho mais útil à obra, aos outros e a si.
Conheço muito a pessoa que ele viu e da qual me falais. É
um homem que tem muito espírito, sobretudo espírito de coração
e espírito de mundo. Bateu a todas as portas, ouviu falar de tudo,
tudo leu. Com isso, eu não poderia dizer-vos ainda em que
é que ele entrou. Creio que ainda esteja por demais dentro do histórico
da coisa para vos ser de grande utilidade e não sei se
irá mais longe aqui nesse mundo. Não quero dar-me o direito
de julgar vossa força, mas temo que vos afasteis um do outro.
Em suma, se é preciso que vos diga, ele é um homem habituado
de tal maneira a ver o que é falso e o que é errado que isso
é a única coisa que busca entre os melhores alimentos, o que
me fazia dizer outrora ser ele um homem que daria trinta
verdades por uma mentira. Talvez tenha mudado a partir de então,
é o que desejo. Quanto à maç
de que me falais,
não a
conheço e nada posso dizer-vos sobre isso. Conheceis o meu gosto
pelas coisas simples e sabeis como esse gosto se
fortalece todos em mim os dias através de minhas leituras prediletas.
Assim, tudo o que se liga ainda aquilo que devo chamar
de la chapelle torna-se, a cada dia, mais distante do meu pensamento e acabará
por não lhe deixar o menor vestígio. Não
deixei de instar convosco para que caminheis nessa direção.
Nosso amigo B. mantém a mesma linguagem o tempo todo.
Assim, recolhendo-se todos esses acessórios, apraz-me crer que o
fundamento é, tanto para vós quanto para mim, o objeto
exclusivo, quando não o primeiro. Isso não foi suficiente,
pois é este o caso de se dizer: unum necessarium. Dizeis-me que o
Caminho para Cristo está traduzido em francês. Poderíeis
dizer-me onde encontrá-lo?). Minha tradução da Vida
Tríplice vai
indo bem devagar por causa de todas as minhas outras tarefas; além
disso, não é para publicá-la que a encetei, é
só para
mim. Quanto às obras de Swedenborg, minha opinião foi impressa
em O Homem de Desejo, nº 184. Vossas noções sobre a
vida astral devem fazer as vezes daquilo que eu poderia acrescentar, pois
parece-me que hoje, vós e eu só podemos dizer a
mesma coisa e eu creria ser bem supérfluo o estenderme mais sobre
isso, tanto mais que, em sã consciência, não teria mais
tempo. Passo às vossas cartas anteriores. Ainda não li a obra
de Browne recebida de Basiléia, a não ser algumas de suas
cartas tomadas ao acaso, nas quais vejo como esse homem era favorecido.
Dei-vos minhas opiniões sobre a escola do
Norte. Não tenho necessidade de voltar a elas. Li com prazer a obra
de de Marsay; li, também com prazer, até a página 106,
a Teologia Mística de Pordage. É, até o momento, todo
o que pude fazer com vosso belo presente. Que tesouros, senhor,
tendes nas mãos! Como vos lamentaria se, com tais minas, que estão
todas abertas, ainda vos divertísseis em perder tempo
com buscas inferiores, em conversações ociosas ou ruinosas
com os extraviados deste mundo, que só querem passar os
dias em coisas tolas! Esta primeira parte de Pordage não vos agrada
na unidade simples e até não vos situa além da Ewige
Natur130? Passeemos em seguida nesta Ewige Natur, que é nosso elemento,
e só nos aproximemos das outras regiões
para as retificar e dos outros homens para avisá-los dos tesouros
que têm em si. Confesso-vos, senhor, que depois de
semelhantes magnificências que vos foram abertas, e das quais podeis
gozar à vontade, por causa de vossa língua e de
todas as vantagens que a paz política vos concede, sofro às
vezes ao vos ver consultar-me sobre lojas e outras ninharias
desse tipo. Eu que, nas situações penosas em que me encontro,
teria necessidade de que me transportassem a mim
mesmo, imediatamente, para esse país natal onde todos os meu desejos
e necessidades me chamam, mas onde todas as
minhas forças reunidas mal bastam para levar-me, às vezes,
visto o isolamento absoluto em que vivo, considero-me aqui
como o Robinson Crusoé da espiritualidade; e quando vos vejo fazer-me
perguntas nestas circunstâncias, parece-me ver um
fazendeiro geral de nosso antigo regime, bem gordo, indo consultar o outro
Robinson sobre o capítulo da subsistência. Devo
dizer-vos o que ele lhe responderia: "Senhor, viveis na abundância
e eu na miséria. Dai-me de preferência, uma parte de
vossa opulência." Uma outra consideração, sobre
a qual me apóio, é que neste momento é pouco prudente
estender-se
sobre esses assuntos. Os jornais públicos devem ter-vos instruído
sobre as extravagâncias espirituais que uns loucos e
imbecis acabam de expor aos olhos de nossa justiça revolucionária.
Esses imprudentes atos de ignorância estragam a
profissão e o homens mais equilibrados nesses negócios devem
eles mesmos prepararem-se para tudo. É o que faço,
porque não duvido de que tudo tenha a mesma cor aos olhos dos que
foram designados como juízes dessas coisas e que
não têm as noções essenciais para fazer delas
o seu ponto de partida. Mas, ao mesmo tempo que prevejo tudo, estou bem
longe de não me queixar de nada. O círculo de minha vida está
preenchido de tal forma, e de maneira tão deliciosa que, se
prouvesse à Providência fechá-lo neste momento, do jeito
que fosse, eu só teria de lhe agradecer. Todavia, como somos
responsáveis por nossas imprudências, façamo-las o mínimo
possível e em nossas cartas só falemos de tudo isso de
maneira sucinta. Felicito-vos do fundo do coração, senhor,
por viverdes em paz em vossos campos e no meio de vossa
família. Eu também irei viver nos meus, às portas da
cidade, quando terminar a tarefa da qual o governador me encarregou.
Mas estarei aí sem família, com uma simples criada, e sempre
de olho em tudo o que possa acontecer a cada minuto. Pois
bem! aí estarei feliz, pois devo sê-lo em toda parte, visto
que meu reino não é deste mundo. Não tenho as obras
póstumas de
Rousseau e por isso não posso ver as verdades que ele vos escreveu.
Tenho suas Confissões e irei relê-las para encontrar
nelas os lugares que vos dizem respeitos. Esse homem inspirou-me fortes
reflexões e, entre as principais, foi ver como ele e
61
eu passamos por vicissitudes na moral e no físico: seu talento estava
muito acima do meu. E se esse belo gênio e essa bela
alma tivessem recebido os socorros espirituais dos quais fui cumulado, que
fruto a coisa não teria retirado disso, em vez da
frágil cultura que recebeu de minhas mãos! Adeus, senhor,
recomendo-me à vossa lembrança e às vossas preces.
Mesmo
que vá logo para o campo, meu endereço permanece o mesmo.
Eu não havia mudado o sinete da minha carta de 22 de
floreal. Certamente foi uma conseqüência da supervisão
necessária do governo. Por preguiça, quis economizar o envelope.
Mas voltarei ao assunto. Assim, não vos surpreendais com as dobras
de minha carta. SAINT-MARTIN
129 Corpo e Sangue de nosso Redentor.
130 Natureza Eterna.
Carta 52 M
, 12 de julho de 1794 (24 de messidor, novo estilo)
Vossa interessante carta de 23 de junho chegou-me, senhor, no melhor estado
possível. Talvez tenhais ficado surpreso com
a frivolidade que reinava nas minhas duas últimas, porém peço-vos
considerar que, de vez em quando, acontece que as
pessoas que conheceis estão desejosas de ter informações
a meu respeito e pareceu-me conveniente satisfazê-las em todos
os sentidos. Isso se refere a duas passagens de minha última carta.
Quanto às lojas, importa-me muito pouco saber como
elas se chamam e o que é feito nelas, mas havia um conhecido meu
que, sem saber que eu mantinha correspondência
convosco, desejava ardentemente ter a solução da pergunta
que fazíeis. Para Monsieur de Gl[leichen]., de qualquer forma só
o verei mui rapidamente, porque ele perto da estrada no percurso de uma
viagem que pretendo fazer. Se ele me falar sobre
ciência, lerei para ele o v. 15 do nº 8 de O Homem de Desejo.
Se não quiser saborear essa passagem, deixarei de falar-lhe e
procurarei guardar para mim o espírito do que está contido
nesse número. É na mesma carta que vos trouxe a passagem de
Browne sobre Leib und Blut, etc., que se encontra em detalhes os estudos
feitos na casa de Basiléia em questão. Era uma
escola precisamente do mesmo gênero da que existia, há oito
ou dez anos, em Lyon, da qual falamos uma vez em nossas
cartas, mas, temo bastante que tenha retomado opiniões semelhantes
durante minha ausência, e isso pela influência do pai
de nossa jovem de Zurique [Lavater], que se interessou por tudo o que é
ensinado no Norte e que, sistemática e
deliberadamente, afasta-se de tudo o que poderia conduzi-lo ao centro e
à luz. Creio que em seus erros ele aja de boa fé,
mas, infelizmente, é eclesiástico, isto é, de uma classe
de homens que dificilmente volta atrás em suas convicções.
Em
compensação, as novas cartas de sua filha que ele me passou
aumentam ainda mais o respeito que concebi por essa
interessante pessoa, que jamais vi, e que talvez não veja em minha
vida. Gostei muito de saber de que o livro de de Marsay
vos agradou. É verdade que fico muito feliz por possuir tesouros
de ciência nas obras que sabeis que possuo e, neste
sentido, já sou bem rico, mas, quanto à apropriação
dos conteúdos podeis estar certo de que sou ainda bem pobre. O
Caminho de Jacob Böhme para se ir ao Cristo foi impresso em francês
pela Gotthard Schlechtinger, impressor da Academia
de ciências, em Berlim, 172, in-oitavo. Se houver um meio, procurarei
consegui-las para vós. O nº 184 do O Homem de
Desejo satisfez-me plenamente com relação à obras do
respeitável sueco131, sobretudo o v. 7, que diz: " Mil provas
nas
suas obras de que ele foi freqüente e altamente favorecido
Mil
provas de que só viu o meio, não conhecendo nem o
princípio nem o fim." O começo bem poderia ser indicado
no versículo 14 do nº 28 de O Homem de Desejo. No v. 10 desse
mesmo número 184 encontram-se as palavras: "Provai o princípio
"pela lógica", etc." Essa passagem tem algumas relações
com uma obra na qual trabalho e minhas horas de lazer, já faz vinte
anos. Não se tratará somente de uma lógica, mas de
novos meios para se encontrar a verdade e discerni-la do erro. Minha intenção
inicial era compor preceitos para meu próprio
uso. Posteriormente, havendo percebido as aplicações que não
são encontradas em livro algum desse tipo, acreditei que
talvez a publicação dessa obra, que será muito prática,
poderia tornar-se útil, tanto mais que eu atacaria alguns erros
modernos essenciais que desviam do bom caminho e combateria os sofistas
com sua própria arma: a dialética. Mas quando
penso no argueiro no olho de meu irmão132 e no caminho que ainda
me resta a percorrer para o meu próprio progresso
numa carreira completamente diferente, então a pena cai-me das mãos.
Embora minha obra, que será assumirá todo a
roupagem da filosofia moderna, haja de custar-me um tempo imenso antes de
haver conquistado sua medida, a Providência
saberá bem fornecer-me tempo, depois de haver atingido meu alvo pessoal,
se ela o julgar conveniente. Pois, aplicando-me
a ele cedo demais, eu poderia prejudicar-me em minha própria carreira,
embora tenha intenções puras e apenas a visão do
mal incalculável que se faz neste mundo, por falta de conhecimento
dos caminhos que conduzem à verdade, me tenha posto
as armas na mão. Meu objeto é fazer aos outros o que eu teria
querido que fizessem a mim colocando semelhante livro
diante de meus olhos. Não espero qualquer sentimento de reconhecimento
por parte da multidão, pois prevejo por
antecipação que a maioria, que pouco se preocupa com a verdade,
me apedrejará à guisa de agradecimentos. Mas, para
voltar a O Homem de Desejo, em vos confessaria ingenuamente que considero
essa obra como a mais consoladora e a mais
rica em pensamentos brilhantes já surgida neste século. A
cada passo dado nesse livro encontra-se um tesouro. No
momento sou mais capaz de saboreá-lo e conhecer-lhe as belezas do
que quando ele me caiu nas mãos há três ou quatro
anos. Tende a bondade de dizer-me se o termo eaux bienfaisantes133, que
se encontra no versículo 4 do nº 36 não significa
as virtudes? Embora eu tenha um opinião bastante boa das pessoas
estabelecidas para crer que elas não irão confundir
homens prudentes e virtuosos com imbecis e os habitantes das Petites-Maisons134,
há ainda um outro princípio que deve
tranqüilizar-me a respeito do fato que me informais: é que não
se quer mais confundir o erro com o crime. Peço que
continueis a orar por mim e crede que todos os dias dirijo minhas preces
por vós ao Ser supremo. Tenho certeza de que não
vos acontecerá mal algum porque dissestes: "Senhor, sois a minha
esperança" e porque tomastes o Altíssimo como refúgio,
62
etc., etc. Salmos 90: 19, 11-12.135 P.S. Acabo de receber mais um volume
das obras de Jane Leade. Tende a bondade de
enviar-me a relação dos pequenos tratados que possuis dessa
autora. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
131 Swedenborg.
132 V. Evangelho de Mateus, 7:3. No texto original lê-se paille, que
a versão portugu esa autorizada dá como argueiro
("Partícula leve, separada, de qualquer corpo; granulo; cisco."
- Aurélio.)
133 Águas benfazejas.
134 Antigo hospital psiquiátrico de Paris.
135 Parece que a criação está truncada. O Salmo referido
é o de número 91 (90 na Vulgata). Diz o versículo 9
(e não o 19):
"Pois disseste: O Senhor é o meu refúgio." "Porque
aos seus anjos dará ordens a teu respeito para que te guardem em
todos
os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos. Para
não tropeçares nalguma pedra." (11-12). A propósito,
na
tentação de Jesus, o tentador cita-lhe esta passagem.
Carta 53 13 de termidor, ano 2
Quando vos escrevi minha última carta, senhor, estava um pouco aborrecido
de todas as privações que sofro e, por causa de
meu mau humor, talvez, pintei de maneira viva demais aquilo que poderia
dizer-vos de maneira mais branda. Peço-vos
perdão hoje, garantindo-vos que já me reprovei por essa petulância
desde o momento em que ela me escapou e que meu
ato de contrição é muito sincero. Realmente, nada de
mais natural do que as vicissitudes que as circunstâncias vos causam.
Tendes a base sobre a qual repousa todo o edifício e assim devo ficar
tranqüilo quanto a vós. E se me permito falar-vos
algumas vezes sobre esse ponto, é para advertir-vos como irmão,
e não para repreender-vos. Lembro-me de me havíeis
falado em detalhe sobre o assunto de Basiléia, mas, tendo em vista
sua semelhança com o da outra cidade da qual me
falastes também em detalhes há algum tempo, deveis fazer facilmente
uma idéia da minha maneira de pensar; e isto basta.
Quanto à loja sobre a qual pedis minha opinião, eu vos disse
que não a conhecia. Posso acrescentar que, de acordo com o
retrato que me fizestes, não tenho mais confiança nela do
que nas outras. Nada mudou, a não ser o modo do maravilhoso, e
a forma astral revela em que região a coisa acontece. Vejo que não
será fácil lidar com vosso amigo eclesiástico. Mas
por
que não veríeis sua filha, que dizeis ser tão interessante?
Sois livre como um pássaro, estais em vosso terreno e num terreno
pacífico. Quanto a mim, se eu estivesse ao alcance de uma pessoa
tal como essa que me descreveis, seria difícil para mim
de não travar conhecimento com ela. Agradeço-vos antecipadamente
por tudo o que puderdes conseguir-me, em francês,
das obras de Böhme e de outros autores do mesmo gênero, embora
como vós eu possa dizer que sou rico em propriedades
dessa espécie, mas extremamente pobre em colheita. Minha língua
natural rende-me o triplo das línguas estrangeiras: acabo
de ter disso uma pequena prova. No trabalho bibliográfico do qual
fui encarregado por meu distrito caiu-me nas mãos A Vida
da Irmã Margarida do Santo Sacramento136, nascida na França
no século pa ssado e nela morreu como religiosa num
convento de carmelitas. Não pude deixar de fazer uma pausa por causa
dessa obra na qual, graças às luzes fornecidas por
nossas caras leituras, encontrei coisas deliciosas mais deliciosas para
o meu coração do que para o meu espírito. Essa
pessoa surpreendente passou por todos os tipos de estados extraordinários,
cuja chave podemos ter hoje, de acordo com
tudo o que ficamos sabendo. Ela manifestou desenvolvimentos magníficos
sobre princípios espalhados em todas as obras
que se encontram em nossas mãos. É verdade que não
chega às regiões elevadas onde Browne, Leade, e sobretudo
Pordage, parecem haver estabelecido suas moradas, mas, na ordem da regeneração
e das virtudes do amor, ela me
transporta e sinto que deveria ser essa a principal obra dos humanos. Quanto
às outras regiões que os grandes autores nos
abrem, parece-me às vezes que essas viagens deveriam ser deixadas
para quando estivermos despojados da massa
terrestre que nos tira toda a agilidade. Quereis que vos cite um episódio
de seu heróico devotamento e de sua santa
paciência? Nos diferentes estados pelos quais passava, acontecia muitas
vezes que seu físico ficava afetava e a cabeça,
sobretudo, causava-lhes dores terríveis. Ela sabia bem que tudo isso
não passava de uma conseqüência da ação
espiritual
inimiga que atormentava tanto quanto podia em sentido contrário ao
da mão divina que a escolhera por esposa, mas os
médicos julgavam o fato à sua maneira e, depois de haverem
esgotado os remédios da farmacopéia, decidiram aplicar-lhe
um ferro em brasa ao crânio. A superiora da comunidade consentiu nisso,
embora com pesar, o que bastou para que a boa
Santa Marguerite se submetesse. Ela sofreu três vezes a aplicação
do ferro sem proferir a menor queixa. Isso não é tudo.
Não tendo esse remédio tido êxito algum, os médico
imaginaram fazer-lhe uma trepanação; ela submeteu-se com a
mesma
resignação e não emitiu um único suspiro na
operação. Disse mesmo às companheiras que esses males
nada eram em
comparação com os que sofria pelos pecadores por causa da
união que tinha com Jesus Cristo. Quanto aos médicos,
acharam o interior de sua cabeça tão sadio que, não
podendo atribuir a causas desconhecidas as dores que ela sofria,
desistiram. Confesso-vos, senhor, que depois de Jesus Cristo, que se deixou
crucificar, conheço poucos sacrifícios tão
corajosos e tão admiráveis como o dessa santa jovem. Não
quero examinar aqui a ordem científica. Se essa jovem gozasse
de seus direitos, teria podido derrubar os médicos, como Jesus Cristo
derrubou os arqueiros que vieram prendê-lo no Jardim,
mas ela me manifesta o complemento da doçura e da virtude. Para mim,
é isso pelo menos tão importante quanto as
manifestações das potências. Se eu tivesse tudo isso
e várias outras passagens numa outra língua que não
fosse a minha,
não teria ficado surpreendido da mesma maneira. O v. 14 do nº
28 de O Homem de Desejo é realmente um começo, mas,
como tudo o que lestes sobre a origem das coisas, podeis saber que existe
uma ainda mais anterior, desconhecida de
Swedenborg, e é dessa que quero falar. O versículo 14 do nº
3 significa, talvez, as virtudes, mas, entretanto, qualquer coisa a
63
mais, uma vez que é apenas dessas águas benfazejas que nossas
virtudes podem receber irrigação e crescimento. Vede
pois, caro irmão, o que os nossos sublimes autores nos dizem sobre
a água viva e sobre o óleo, e dançai de alegrai por
haver no mundo tais magnificências. Além do mais, agradeço-vos
pelo cumprimento lisonjeiro sobre O Homem de Desejo.
Sei que é o julgamento vosso amigo de Zurique [Lavater] lhe fez em
um de seus últimos números do ano de 1790 ou 1791.
Sei, admito-o, que há germes semeados nessa obra, cujas propriedades
eu mesmo ignorava ao semeá-las, e que para mim
se desenvolvem a cada dia, graças ao socorro da Providência
e de nossos autores. Glória somente a Deus, em tudo e em
toda parte. Se tive eu a felicidade de concorrer em qualquer coisa para
o progresso de seu reino, devo agradecer-lhe e rojarme
ao pó. Vosso projeto de uma obra sobre a lógica prática
parece-me bem louvável. Espero que a Providência vos forneça
todos os meios de completá-lo e que vossas boas intenções
tenham sua recompensa, não no reconhecimento dos homens,
mas num valor financeiro mais alto. Eu poderia falar-vos também de
um empreendimento meu que provavelmente só
terminará com minha vida e que desenvolvo, como fazeis com o vosso,
como fazeis com o vosso, com bastante lentidão,
porque parece-me que minha obra de regeneração deve vir antes
de tudo. Mas isso ficará para uma outra carta. Perguntaisme
como estão as obras de Jane Leade que tenho em meu poder. Creio que
já enviei antes um pequena nota do que tenho
em francês. Não tenho esse texto aqui comigo; tudo o que me
resta na memória é que se trata nele de sua entrada na região
espiritual e das provas que ela sofreu para chegar ao seu termo. Depois
disso, enviaram-me uma tradução francesa
manuscrita com o título: Comunicação entre os Santos
do alto e os Santos deste mundo, tirado da tradução alemã
dos seis
tratados místicos de Jane Leade, p. 60 a 80. A obra contém
24 páginas e divide-se em 38 números. Há realmente
coisas
maravilhosas. Tenho, além disso, o volume impresso que me enviastes
e que contém: Offenbarung der Offenbarungen
[Revelação da Revelações], etc.; Die nun brechende
und Zertheilende himmlische Wolke
etc.; Einleitung zum geistliclh
oder
mystichen Tod und Sterben137, etc. Tudo impresso em Amsterdam em 1694 e
1695. Adeus, senhor, recomendo-me sempre
à vossa lembrança e às vossas preces. Creio, como vós,
que a mão que velou por mim de maneira tão manifesta continuará
a fazê-lo. Mas seja feita a sua vontade. Não pensemos jamais
em permanecer aqui no mundo por um tempo maior ou menor,
mas trabalhemos sem cessar a fim de ficarmos prontos para sair dele. Amém.
Se me falardes do B. de G., rogo-vos que seja
sempre sem citar-lhe o nome, e sobretudo que ele evite escrever-me. Não
receber cartas dele nesse momento. SAINTMARTIN
136 La Vie de la Soeur Marguerite du Saint-Sacrement.
137
Carta 54 M., 30 de agosto de 1794
Sinto-me bem envergonhado, senhor, porque, em vossa carta de 13 de termidor
acreditastes haver errado em relação a mim.
Poeis ter certeza de que nenhuma de vossas cartas diminuiu meu apego por
vós. As circunstâncias não me permitem ir a
Zurique. Contento-me com dirigir humildemente minhas preces à divina
Providência para que o bom grão germine e brote no
coração da pessoa que nos interessa. E apesar dos obstáculos
encontrados por essa (semeadura)138, na qual tocastes em
vossa última carta, recebi as declarações que me provam,
graças ao Senhor, que meus fracos desejos não vos inteiramente
infrutíferos. Vejo pouco, e de uma maneira certamente imperfeita,
a possibilidade de agir de modo mais perfeito sobre o
espírito e o coração dos outros, sem sinal exterior,
e sem que as distâncias lhes oponham qualquer obstáculo. Esse
conhecimento experimental, por mais fraco que seja, não deixa de
encorajar minhas esperanças, e não podemos agradecer
o suficiente ao nosso mestre sublime que dá auxílio de acordo
com a nossa fraqueza. Compreendo o prazer que a vida da
irmã do Santo Sacramento deve ter-vos feito. Nela encontrastes riquezas
verdadeiras, pois nem todas as idéias transmitidas
por Pordage e Jane Leade consideram todas - longe disso -,a única
necessária. É um luxo espiritual ao qual renunciei
completamente. A vida é tão curta e as coisas indispensáveis
já exigem tanto tempo e tantos combates que é preciso não
perder força e tempo de lazer com objetos menos essenciais. Volto
sempre ao nosso amigo B. Ele é, sem dúvida alguma,
entre Jane Leade, Pordage e Browne, o príncipe por excelência.
Desde minha última carta tive esclarecimentos sobre Jane
Leade dados por um autor contemporâneo, digno de fé, repleto
da verdadeira luz e grande admirador de nosso amigo B.,
uma vez que ele dirigiu a edição de 1682. Era, segundo ele,
uma mulher piedosa, mas comprimida numa esfera limitada. Ele
acha que suas manifestações são apenas um efeito astral,
que não tiveram nascimento no fogo da ansiedade, que esse
gênero não dá força alguma ao homem interior;
que não se pode haurir qualquer fundamento sólido em seus
escritos, que se
encontram até mesmo erros, como por exemplo, a reabilitação
dos espiritual rebeldes, o que é uma antiga opinião de origem.
Esse autor rejeita de modo geral todas as manifestações que
antecedem nossa regeneração e o fato do nosso inteiro
revestimento de Jesus Cristo. Pretende afirmar que o princípio mau,
percebendo que seu reino é curto, trata de reter as
almas no astro exterior para impedir que penetrem mais profundamente e que
ele ainda pode empregar seu jogo na Tinctura
solis. Assim como vossa irmã carmelita, o meu autor tem idéias
sublimes sobre os sofrimentos aos quais ele mesmo ficou
exposto por causa dos pecadores. Também experimentou males físicos
produzidos por uma ação espiritual inimiga que a
atormentava o mais que podia no sentido contrário à ação
da mão divina. De ordinário, curava-se de suas enfermidades,
que
eram ou dores de cabeça ou de dentes, etc., com a magiam fidei [magia
da fé], que, neste sentido, foi uma idéia totalmente
nova para mim. Era um emprego local do que se chama tintura do fogo da alma139;
ele empregava esse remédio para si e
para os outros. Imagino que, para o conseguir, ele se servia dos momentos
em que se encontrava em comunicação sensível
com o elemento puro e o que o anima, e que, por sua imaginação,
conduzia essa substância à parte sofredora. Vossa irmã
carmelita é de uma sublimidade bem rara entre os mortais. Como a
língua francesa tem mais efeito sobre vós do que as
64
outras, tentarei conseguir-vos um volume de nosso amigo B. em francês.
Desde minha última carta, recebi também uma obra
que talvez conheçais, a de Maria de Ágreda140. Ainda não
a iniciei. Ficaria muito feliz se Maria de Ágreda me der a mesma
satisfação que recebeste de vossa irmã carmelita. Sou-vos
muito grato pelos esclarecimentos que dizem respeito a algumas
passagens de O Homem de Desejo. Tanto quanto vós, estou decidido
a suspender minha obra filosófica até que tenha
avançado ainda mais nos trabalhos mais necessários.
Tende a bondade, caro irmão, rogo-vos, de contribuir nisso com vossas
preces. Mateus 18: 19 141. KIRCHBERGER DE
LIEBISTORF
138 Entre parênteses no original.
139 Tincture du feu de l'âme.
140 (1602-1665) Religiosa franciscana, célebre por suas visões.
Seu livro Mística Cidade de Deus é uma vida da Virgem
Maria, composta em parte como fruto de suas revelações pessoais,
foi condenado pela Igreja, que não admite revelações
particulares.
141 "Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós,
sobre a terra, concordarem a respeito de quer cousa que
porventura pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está
nos céus."
Carta 55 25 de frutidor
Tenho a mesma opinião que vós sobre a supremacia de nosso
amigo B. sobre todos os seus confrades. Em todos eles vejo
magnificências do mais alto valor; somente ele me parece verdadeiramente
nascido para esse trabalho. Os outros dão às
vezes a impressão de serem maiores do que seu próprio negócio;
nele, o negócio da sempre a impressão de ser maior do
que ele. É o bom israelita por excelência. Ainda não
terminei Pordage. Quanto a Jane Leade, eu tinha uma tradução
do artigo
em que ela fala da regeneração universal futura. Embora essa
idéia agrade mais ao meu coração, mantinha-me em guarda
porque me parece que, enquanto o mundo existir, os selos não serão
levados a essa profundidade. Amo vosso autor que
redigiu a edição de B. em 1682. Parece-me ter bons e sábios
princípios. Maria de Ágreda é conhecida entre nós.
Ela tem seu
mérito, mas sem em nada prejudicar àquela da qual vos falei
na última carta. Como tendes a intenção de enviar-me
um
volume de B. em francês, devo avisar-vos de que nessa língua
já tenho a Signatura rerum, traduzida por um médico
chamado Jean Mandé, o qual deu á obra o título Miroir
temporel de l'Éternité142, Frankfurt, 1664. O estilo e as
expressões
são quase insuportáveis, e a edição é
bem ruim. Apesar disso, visto o conhecimento que adquiro a cada dia do sistema
do
autor, ainda encontro mais facilidade em remover os obstáculos nessa
tradução do que no texto. Quero pedir-vos, senhor,
que me ajudeis em algumas passagens da minha tradução da Tríplice
Vida. Cap. 5, v. 21, 7! linha: Und sie hat ihn inficiret,
DER hält sie gefangen143. Pareceu-me que o der sublinhado deveria estar
no acusativo. Não é o relâmpago, conforme
penso, que mantém a matriz prisioneira; colocando-se der no acusativo,
seria a matriz quem mantém o relâmpago
prisioneiro. Rogo dizer-me se estou enganado. Mesmo cap., vers. 61, última
linha: Seynd ihr mit Lucifer,144 etc. Não sei
como aplicar o pronome pessoal ihr; é uma interpelação?
Peço que me digais também se a palavra seynd está escrita
de
maneira correta. Encontro, na nova ortografia, seyn, sind, seyd145, mas
nada encontro de seynd. Estaria errado em traduzir
"Foi porque caíste num círculo inteiro com Lúcifer",
o que pode fazer um sentido verdadeiro, mas não constitui uma dicção
adequada? Id. V. 65: Es sitzet so balde ein Furst des Teuffels zu warten,146
etc. Eu pediria que vós mesmo me traduzísseis
essa frase. Eis a minha, com a qual não estou satisfeito, embora
creia ter-lhe captado o sentido: "É possível que um príncipe
governe para servir na obediência do demônio, bem como um simples
camponês." Por fim, mesmo cap. vers. 85, penúltima
linha: Dann ihrer sind, etc., deve-se dizer: "Eles são por eles
três, ou deles três ou eles são três?" Perdão,
senhor, se vos
importuno com essas coisas sem importância, mas sois meu único
recurso nesta ilha deserta. Como vedes, avanço
lentamente, em minha tradução. A verdade é que ela
é para mim um trabalho mecânico do qual não tiro absolutamente
nada
enquanto me ocupo e dele os frutos que dele espero me virão apenas
pela leitura. Para mim, é quase como se fizesse um
cópia. Se não tivesse necessidade de preparar também
os materiais de minha subsistência espiritual, caminharia com mais
rapidez nos outros empreendimentos nos quais também gostaria de prosseguir.
Mas, no estado atual das coisas, tudo deve
estar em suspenso e, sem ter idéias mais piores que os outros, presumo
que esse estado de coerção continuará a crescer, e
eu não gostaria de estar encarregado de traçar-lhe os limites.
Creio ver o Evangelho ser pregado hoje pela força e pela
autoridade do espírito, uma vez que os homens não o quiseram
escutar quando ele lhes pregou com doçura, e que os
sacerdotes no-lo tinha pregado somente com hipocrisia. Ora, se o espírito
prega, ele o faz na verdade e certamente
reconduzirá o homem a esse termo evangélico onde não
somos mais absolutamente nada e onde Deus é tudo. Mas a
passagem de nossas ignorâncias, impurezas e impunidades a esse termo
não pode ser suave. Assim, procuro estar pronto
para tudo. É o que deveríamos fazer, mesmo quando os homens
nos dessem sossego, com muito mais razão quando unem
seus movimentos aos que naturalmente agitam todo o universo desde o pecado
do homem. Nosso reino não é deste mundo,
eis tudo o que deveríamos dizer em todos os momentos, excluindo qualquer
outra coisa, sem exceção. Entretanto, é o que
jamais dizemos, exceto da boca para fora. Ora, a verdade, que anunciou esta
palavra, não pode permitir que seja uma
palavra vã e ela mesma rompe as amarras que nos ligam por todas as
partes a essa ilusória aparência a fim de nos entregar
à liberdade e ao sentimento de nossa vida real. Nossa revolução
atual, que considero sob esse aspecto, pareceme um dos
sermões mais expressivos já pregados no mundo. Oremos para
que os homens o aproveitem. Não oro para não ser contado
no número dos que lhe devem servir de sinal de justiça: oro
para jamais esquecer o Evangelho tal como o espírito quer que
65
nossos corações o concebam, e, em qualquer parte onde esteja,
estarei feliz, pois estou ali com o espírito de verdade. Acabo
de reler, em alemão, minha primeira passagem, nº 21. E creio
que me enganei ao não querer dizer que o relâmpago
mantenha a matriz prisioneira. Parece-me, ao contrário, que é
o sentido dado pelo autor, embora em algumas outras
passagens pareça que reste algo de relâmpago na matriz, uma
vez que a própria tintura e todas as correspondências
superiores aí se encontram também. Mas no momento da explosão,
ou de Schrack, é certo que o relâmpago fica na primeira
posição, e então der estaria no lugar certo, significando
o pronome demonstrativo aquele [celui-là]. Peço-vos julgar
esse
processo. Tenho a soberba tradução inglesa que nosso amigo
comum mandou vir, mas acho-a pouco exata em vários
pontos. Ele tem certeza também de que ela foi feita a partir de um
outro texto, e não da edição de 1682, pois há
passagens
inteiras que não se encontram em alemão, e vice-versa. Por
fim, no caso atual do meu número 21, ela é inteiramente inútil
para mim, porque, como o inglês emprega o gênero neutro na grande
maioria das palavras, essa tradução coloca it neste
caso, sem que eu saiba a quê aplicá-lo, se ao relâmpago
ou à matriz, já que convém igualmente a ambos. Adeus,
senhor,
busquemos Deus com todo o nosso coração, com toda a nossa
alma e com todo o nosso espírito. Eis o verdadeiro reino.
SAINT-MARTIN
142 Espelho Temporal da Eternidade.
143 144 145 Formas do verbo alemão sein (ser). 146
Carta 56 30 de setembro de 1794
Apresso-me, senhor, a responder às vossas perguntas gramaticais sobre
a Tríplice Vida, v. 21. Pelo que vejo, julgastes
perfeitamente vossa primeira dificuldade, na penúltima página
de vossa carta. Der está no lugar certo: é o relâmpago
que
mantém a matriz prisioneira. Para vos convencerdes disso, só
tereis de consultar a nona linha do mesmo número, a qual
apresenta a matriz como que assustada e vencida. V. 61. Seynd não
é desusado, mas provincial regional: numa parte da
Saxônia superior pronuncia-se ainda Seynd em vez de Sind, mas escreve-se
Sind. O impressor deve ter seguido sua própria
pronúncia. Sind ihr, nessa linha, uma apóstrofe; e Ihr, nessa
acepção, não significa vós, mas é simplesmente
um torneio de
frase que quer dizer: "E foi por isso que caiu um governo inteiro com
Lúcifer." Regiment significa aqui o conjunto de todos os
indivíduos que formam a organização de um governo.
Às vezes esse termo também é tomado no sentido abstrato.
Traduzi
essa passagem literalmente, pois em francês o vocábulo hierarchie
talvez seja melhor do que gouvernement. Quanto ao
versículo 65, explico-o através do anterior. Lembrando-nos
que se trata sempre da hierarquia do princípio das trevas, pareceme
que se pode traduzir assim: "É muito possível que um
príncipe do demônio seja obrigado a esperar em obediência
como
um pobre camponês." Para o versículo 85, vossa última
explicação é a verdadeira. "Pois são três
que formam a palavra." É o
sentido literal e estrito. E confio a vós, senhor, o trabalho de
traduzir minhas traduções em francês. Estou bem satisfeito
por
vos ver ocupado com a tradução da Tríplice Via. Talvez
com o tempo outras pessoas ainda venham a aproveitá-la. Enviei a
Basiléia um volume de B. que contém a tradução
do Caminho para Cristo, com seis pequenos tratados de Jane Leade, em
alemão, que ainda não tendes. Esse pacote partirá de
Basiléia a 1º de outubro pela diligência de Paris; assim
recebê-lo-eis
por volta do dia 15. Creio que posso recomendar-vos com toda segurança
o dicionário alemão de Adelung, do mesmo tipo
que o da Academia francesa, exceto pelo fato de que é infinitamente
melhor. Encontrareis nele os diversos dialetos e as
diferentes acepções dos vocábulos detalhadamente. Essa
excelente obra fixa o estado presente da língua alemã. É
volumosa e cara, mas talvez, nesse momento, possa ser eventualmente comprada
em Paris. Penso como vós, senhor, sobre
os grandes assuntos de que me falais em vossa carta. A ignorância
e a hipocrisia dos intérpretes são uma das causas
principais dos males que têm afligido a Europa desde muito séculos
até os nosso dias. Mas entreguemo-nos à divina
Providência com confiança sem limites, e tudo resultará
em bem. Fico encantado, senhor, porque estais contente com o
pouco que vos enviei sobre o redator da edição de 1682 das
obras de nosso amigo. Considero-me bastante feliz por haver
travado conhecimento com ele. Esse homem é ainda mais interessante,
pois colocou em prática toda a teoria de B. Sua vida
é uma demonstração a posteriori de todos os princípios
de nosso amigo. Ele chegou a esse ponto através da leitura reiterada
das obras de nosso teósofos e da perseverança e da prática
de quarenta e cinco anos. Conheceu as manifestações reais
e
as que não o eram, e isso por sua própria experiência.
Pelo fim da vida, viveu com Sophia em perfeita intimidade. Em lugar
algum já vi, como nele, a diferença imensa que há entre
os deleites e as carícias com as quais ela honra os que a buscam
com a união total, a consumação em unidade somente
concedida depois das provas; e pela qual somente a confiança
permanente, a desapropriação e a cruz podem aplainar o caminho.
Ele viveu retirado e em celibato, estado que acreditava
ser necessário para exercer as sublimes funções às
quais se devotara. Os sacerdotes, com suas perseguições, despojaramno
dos bens e da pátria. Passou a vida na maior pobreza, sem que jamais
nada lhe faltasse. Não tinha um propriedade
sequer. Mesmo assim, sempre encontrava a maneira de aliviar seus irmãos.
Temos deles seis volumes de epístolas e um de
seus amigos escreveu sobre sua vida. Embora leigo e luterano, esse homem
raríssimo exercia o sacerdócio no sentido mais
vasto e elevado. Tornou a si próprio anátema para livrar seus
irmãos. Morreu em 1710 em Amsterdam, onde passou a vida
fazendo o bem, sobretudo através de suas preces e o emprego das magníficos
dons que havia recebido, mas que não eram
deste mundo. Seu reino era tão pouco deste mundo que ele recusou
vários partidos milionários. E mais ainda: recusou a
solução do grande problema físico que uma pessoa de
confiança lhe veio oferecer juntamente com a prova, e isso pela
estima por suas virtudes e em consideração do bom emprego
que ele poderia fazer da dessa solução. Como o segundo
princípio era a sua morada habitual, ele via o que se passava em
todas as regiões. Pela experiência dos seres a que isso se
66
referia, teve a confirmação das verdades que se encontram
no fim da vigésima-quarta das Quarenta Perguntas de nosso
amigo B. Depois de um trabalho mantido durante sete anos, ele conseguiu
retirar um de seus benfeitores de um estado mui
penoso e sofredor, no qual o suicídio o precipitara depois da morte.
Em suma, era um homem como houve poucos, daqueles
que atraem a bênção sobre um país inteiro. Adeus,
senhor, concordo de todo o coração com a conclusão
de vossa cara, e
isso em toda a sua plenitude. Roguemos a Deus que nos faça chegar
a esse termo. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
Carta 57 Amboise, 21 de vindimário
Já que sois tão complacente, senhor, por querer responder
às minhas perguntas de escolar, vou tomar a liberdade de dirigirvos
ainda algumas palavras: é sempre sobre a Tríplice Via. Cap.
4, v.44, linha 4: Darumb sind der so viel,147 etc., etc. Não
co mpreendo nada desse der e não sei a que se refere. Idem, l. 13
In Zeit quer dizer, simultaneamente, num tempo, naquele
tempo, ou com o tempo? Cap. 7, vers. 46, l. 16: Den Geist der Luft. Vejo,
por esta frase, que foi o espírito do ar que é
despertado, ora por uma forma, ora por outra. Eu ficaria tentado a crer
que é o espírito do ar que desperta as formas, mas sei
que tanto uma como a outra são verdadeiras. Peço, porém,
que me informeis se não há um erro nessa passagem. Cap. 8,
vers. 24, l. 4: Welches alles wäre hingegangen. Confio-vos inteiramente
essa quatro palavras e peço que me envieis sua
tradução. Poderia deixar para fazer-vos estas perguntas numa
outra ocasião, senhor, e esperar que a lista ficasse mais longa
para vos escrever, mas não quis nem mesmo aguardar a chegada do novo
presente que me fazeis, a menos que vos
escreva vos novamente quando ele chegar. Estou impaciente por agradecer-vos
pelo que me informastes com respeito ao
editor de 1682. Confesso-vos que o que me narrastes sobre ele tocam-me profundamente,
e, se puderdes acrescentar algum
suplemento, assegurai-vos antecipadamente de todo o meu reconhecimento.
Peço pelo menos que me deis seu nome, se o
souberdes. Certamente ele era alemão e deve ter podido beber à
vontade nessa fonte de vida que vós e eu temos nas mãos,
pois a cada dia aumenta minha admiração por ele e sinto que
bastaria um prodígio semelhante bem meditado para
reintroduzir-se no molde naturalmente. Seu editor é uma prova disso,
ao confessar, não obstante, que teve o mérito de
acrescentar a essa leitura o seu trabalho e virtudes pessoais. Fico encantado
por haver existido tais homens na terra. São os
generais de primeira ordem, em torno dos quais o exército pode reunir-se
nas derrotas. Confesso-vos senhor, que uma de
minhas maiores alegrias é a de ter sido, embora bem escassamente,
uma dos órgãos que vos proporcionou o conhecimento
desses tesouros que podeis esquadrinhar com tantas vantagens e delícias.
Jamais tereis tanta satisfação desse tipo quanto
vos desejo e, quanto mais tiverdes, mais aumentarão as minhas. Unamo-nos
nesse espírito de amor divino. Quanto mais
aumentarem as nossas riquezas, mais nossas relações se consolidarão.
Penso como vós, senhor, que tudo acabará bem
nos grandes assuntos que atualmente ocupam as nações. Acreditei
nisso desde o momento em que a revolução começou e
minha pessoa está pronta para todos os sacrifícios. Sinto
mesmo que se sacrificaria com verdadeiro prazer para o progresso
do bem público, mas tenho sido cumulado de tantas bondades que não
posso deixar de crer que quererão dar-me mais ainda
e que um dia me será permitido aproximar-me de meu associado para
nisso trabalharmos juntos pelo nosso destino.
Tomastes um caminho tão bom que posso facilmente calcular o quadro
dos ganhos que serão tidos convosco. Além do mais,
não estou assim tão avançado quanto o nosso editor
com relação à solidão. Creio, como ele, que
a sociedade mundana é
perniciosa, mas creio que a sociedade espiritual é útil, e
costumo ter necessidade dela, sobretudo neste momento, em que
estou totalmente sozinho no campo. Mas acostumemo-nos a agradecer por tudo
aquilo que é o mais sábio e mais seguro. Li
com muito prazer o que J. J. Rousseau diz sobre vós no suplemento
de suas Confissões, que me emprestaram. Éreis bem
jovem, senhor, quando atraístes a atenção de um homem
como ele. Recolheis hoje os frutos cujos germes ele já vira em vós.
Estimulais-me a conseguir o dicionário alemão de Adelung.
Creio que já o vi em Estrasburgo e parece-me que essa obra
serve somente para a correção da língua alemã
e não dá o sentido dos vocábulos em francês.
Ele é para o alemão o que é
para o francês o nosso Dictionnaire de l'Académie, que não
trata de outra língua. Se não me engano em meu julgamento,
essa obra não preencheria meu objetivo. Dai-me a satisfação
de dizer-me se minha memória está boa ou não e, caso
a obra
me convenha, e vos rogaria que me enviásseis seu título e
local de impressão. Adeus, senhor, lembrai-vos sempre de mim
em vossas preces. Embora esteja no campo, meu endereço continua o
mesmo. Estou a apenas meia légua de distância de
Amboise, minha cidade natal, e vou lá com freqüência.
SAINT-MARTIN
147 Que são tantas?
Cartas 58-72 Carta 58 M., 25 de outubro de 1794
Seria para mim um prazer sempre grande, senhor, ser-vos útil em qualquer
coisa e ajudar-vos o mais possível nas pequenas
dificuldades que encontrais na língua alemã. Tríplice
Vida, cap. 6, vers. 44, l. 4, Darumb sind der so viel. Der refere-se aqui
à
palavra Sterne,148 que inicia o versículo, as quais nos parecem incontáveis.
É como se houvesse dito: Darum sind deren so
viel. L. 13: In Zeit. O sentido mais verdadeiro dessa expressão parece
ser com o tempo, mas então seria necessário traduzir
como na continuação, pois duas linhas adiante vê-se
que o desenvolvimento refere-se à eternidade. No entanto, não
nego
que essa passagem suporte uma interpretação diferente. Poder-se-ia
aprofundar ainda mais o pensamento do autor
traduzindoa assim: "Pois de um único sentido podem desenvolver-se
com o tempo vários outros sentidos, tanto quanto há de
estrelas no firmamento. É nisso que podemos conquistar um conhecimento
elevado de nossa eternidade e regozijar-nos
muito por sabermos disso."149 Cap. 7, vers. 36, l. 12150. Das man deme
Kan genug thun , quer d izer: "Para que possamos
67
satisfazer a elas151," ou seja, que a avareza e a falsidade são
necessárias para se satisfazer às necessidades do luxo e do
orgulho deste mundo. Com freqüência, na língua alemã
servimo-nos do singular em vez do plural, como deme aqui (hoje
escreve-se dem). Em francês diz-se o mesmo: "Il faut de l'avarice
et de la fausseté pour satisfaire à cela" [É preciso
avareza
e falsidade para satisfazer a isso - N.T.], mesmo que cela [isso] se refira
a muitos objetos. Vers. 46, l. 16, Den Geist der Luft.
O sentido do autor é manifestamente que é o espírito
do ar, que tanto é despertado por uma quanto por outra. Cap. 8, vers.
24, l. 4, Welches alles wäre hingegangen significa: "Tudo isso
seria passado", ou seja, que nada disso será levado em conta
porque não era nisso que consistia sua queda, mas sua queda aconteceu
porque ele despertou a matriz do fogo e quis
dominar sobre a doçura do coração de Deus. Sabeis que
na língua de nosso amigo o coração de Deus é
sinônimo do Verbo.
O dicionário de Adelung é inteiramente em alemão e
não traz o sentido das palavras de nenhuma outra língua, mas
explica
muito bem os diferentes significados e acepções do mesmo vocábulo,
indicando também os diversos dialetos e os vocábulos
em desuso. Como conheceis a nossa língua o suficiente para tirar
proveito desse livro, creio que ele vos poderia ser útil.
Tenho a ousadia de vo-lo aconselhar, contanto não sejais obrigado
a pagar um preço exorbitantemente caro por essa
utilidade. Seu título é: Versuch eines Vollstandigen grammatisch
Kritischen Wörterbuches, der hochdeutschen mundar152.
São cinco volumes inquarto, impressos em Leipzig. O ultimo volume
surgiu em 1786, editado por Breitbopt. Sinto-me
encantado por ficardes contente com o pouco que vos falei sobre o editor
das obras de nosso amigo B. Seu nome é Jean-
George Gichtel153, nascido em Ratisbona 154 em 1638, de pais piedosos, ricos
e respeitados. Vós o comparastes bem a um
general de exército, pois ele viveu e morreu de armas na mão.
Não combateu somente a si mesmo, combateu pelos amigos,
mas ainda postou-se várias vezes à frente do combate em prol
de nações inteiras. Seu ardor em instruir-se foi mantido por
várias oportunidades favoráveis, de maneira que ele se tornou,
em sua época, um sábio reconhecido. Por causa de um
escrito sobre o mau estado do clero de sua pátria, atraiu o ódio
dos sacerdotes, e, como não quis retratar-se desse escrito,
eles encontraram um meio de o expulsar ignominiosamente e bani-lo de Ratisbona,
depois de o haverem despojado de tudo.
Refugiou-se na Holanda na maior pobreza. Os sacerdotes o perseguiram mesmo
em seu asilo. Foi até aprisionado e sofreu
processo criminal, mas sua fé e sua constância tudo superaram.
Retirou-se para Amsterdam, onde travou conhecimento com
várias casas nas quais o mérito e a piedade eram considerados.
É de se notar que ele teve conhecimento de Sophia e que
gozou de várias manifestações de um tipo sublime antes
que os escritos de nosso amigo B. lhe fossem conhecidos. Foi a
cruz que ele levou por seu divino Mestre e o apego inviolável que
lhe devotara desde a infância que lhe valeram esses
favores. Algum tempo depois de sua chegada a Amsterdam, as obras de B
caíram-lhe nas mãos, sendo que então eram
raríssimas. Os Três Princípios e As Sete Formas da Natureza
detiveram-no por longo tempo e foi somente depois de muitos
exercícios e muitos combates que ele chegou a aprofundar-se nelas.
Gichtel, embora muito sábio, perdeu o gosto de todas
as leituras, exceto a das Sagradas Escrituras e das obras de nosso amigo
B. Foi pondo seus preceitos em prática contínua
que ele por fim chegou, depois de muitas repetições, a compreendê-las
em toda profundidade. Estimava-as tanto quanto ao
Velho e ao Novo Testamento e agradecia à Providência, do fundo
da alma, por haver posto esses escritos sublimes em suas
mãos. Não se cansava de ler a epístola 47 de nosso
amigo. Gichtel chamava a oração de comida espiritual e a leitura
de
bebida da alma. As noites lhe pareciam por demais longas, de modo que só
concedia algumas horas ao sono. Vivia quase
sempre retirado, mas raramente em solidão: travou conhecimento com
uma família estimável que lhe propôs, embora fosse
tão pobre, um casamento bem rico, mas o nosso combatente o recusou.
Os pais, no entanto, continuaram a estimá-lo e a
cumulá-lo de benefícios. Sua permanência em Amsterdam
foi cheia de uma multidão de acontecimentos no gênero sublime
e
teosófico que eu preferiria transmitir-vos oralmente, em vez de fazê-lo
por carta. Conheceu uma viúva, mulher de mérito,
embora enormemente rica. Depois de tê-lo conhecido bem, ela testemunhou-lhe
francamente seu desejo de unir-se a ele de
maneira indissolúvel. Ele a estimava e até sentia uma certa
inclinação por ela, mas não lhe deu resposta alguma
sobre a
proposta. Retirou-se e permaneceu em casa, sem sair, durante quatro semanas,
quando propôs o assunto a Deus. Um dia,
enquanto andava pelo quarto, viu, em pleno meio-dia, descer do céu
uma mão que uniu a sua à da viúva. Ao mesmo tempo,
ouviu uma voz forte e clara que dizia: "É preciso que ela seja
tua." Em seu lugar, qualquer outro teria tomado essa
manifestação como uma manifestação divina, mas
ele logo viu que era apenas o espírito da viúva que, no fervor
das suas
preces, havia atravessado até o céu exterior, penetrando no
espírito astral. Desde então ele se entregou totalmente a
Sophia,
que não queria um coração partilhado. Viu que sua vocação
era o sacerdócio no sentido mais elevado. Sem qualquer
procura de sua parte, recebia cartas de vários senhores da Alemanha,
e mesmo de vários soberanos, que o consultavam,
mulheres de todas as classes buscavam seu conhecimento e sua mão.
É notável que as preces que ele fazia por elas só
atiravam lenha à fogueira155, de modo que Sophia o aconselhou a interromper
a oração por essas mulheres. Em 1672,
quando Luís XIV chegou às portas de Amsterdam, nosso general
serviu-se de suas próprias armas e expulsou as tropas
estrangeiras. Encontrou depois, nos documentos públicos, principalmente
os regimentos de infantaria e os esquadrões que
vira face a face ao persegui-los fora do território da República.
Sophia, sua cara e divina Sophia, que ele tanto amava e que
jamais vira, veio, no dia de Natal de 1673, fazer-lhe a primeira visita:
ele viu e ouviu no terceiro princípio essa virgem
resplandecente e celeste. Nessa entrevista ela o aceitou como esposo e as
núpcias foram consumadas com delícias
inefáveis. Ela prometeulhe, com palavras distintas, fidelidade conjugal,
jamais abandoná-lo, nem suas cruzes nem na
pobreza, na doença nem na morte, e que habitaria sempre com ele no
fundo luminoso interior. Garantiu que o compensaria
amplamente por tudo o que ele sacrificara ao renunciar por ela às
alianças com mulheres ricas que o haviam buscado. Deulhe
a esperança uma progenitura espiritual e, como dote, levou ao eu
coração a fé, a esperança e a caridade essenciais
e
substanciais. As núpcias duraram até quase o começo
do ano de 1674. A partir de então ele arranjou um alojamento mais
cômodo: uma casa espaçosa em Amsterdam, embora não tivesse
um centavo de seu, embora não fizesse trabalho algum
68
para ganhar dinheiro e que jamais houvesse pedido um óbolo a ninguém,
nem para si nem para os outros, mas como vários
amigos vinham vê-lo, exercia a hospitalidade. Sophia tinha também
uma linguagem central, sem palavras exteriores e sem
vibração do ar, que não se assemelhava a qualquer linguagem
humana. Entretanto, ele a compreendia tão bem quanto a
língua materna. Foi o que lhe garantiu que não fora seduzido
pelo astro exterior, e confiou nela de todo o coração. Assim,
sua vocação partia da fonte mais sublime e ele não
trocaria a pobreza de Jesus Cristo, que era parte do dote de Sophia, por
todos os tesouros do mundo. Todos os mistérios mais ocultos lhe foram
desvendados. Sua esposa revelou-lhe uma
maravilha após outra, tanto o mundo luminoso interior quanto a natureza
exterior; assim, vivia ele mais no céu do que na
terra. Em tudo seguia a direção de Sophia e não tinha
uma vontade própria sequer. Desde então deu-se como sacrifício
em
anátema por seus irmãos, mesmo quando eles não o conheciam,
e tudo o que pedia em suas preces, e com freqüência até
mesmo com um simples pensamento, cumpria-se. Sophia insinuou-lhe que, se
ele desejava gozar de seus favores sem
interrupção, deveria abster-se de qualquer gozo e de qualquer
desejo terrestre: foi o que ele observou religiosamente. No
início de sua união com Sophia, ele acreditou descansar nela
e quis simplesmente desfrutá-la. Ela lhe mostrou que isso não
era possível, que era preciso combater também pelos irmãos
e irmãs, que ele devia, enquanto se achava no envoltório
terrestre, empregar o tempo para a libertação daqueles que
não haviam ainda atingido sua herança e o repouso interior.
Então aumentou seu desejo de ter associados nessa guerra espiritual.
Entretanto, jamais buscou fazer novos conhecimentos:
todos os seus meios se concentraram num só, na prece. Várias
pessoas vieram, uma após outra, pedir-lhe conselhos e
auxílio, dentre estas um doutor sábio chamado Raadt, que se
achava temporal e espiritualmente num estado deplorável.
Nosso combatente indicou-lhe a oração, prometendo acrescentar-lhe
a sua. A partir daí, o coração de Raadt abriu-se para
a
graça e, como ele se queixava dolorosamente de que uma dívida
premente de 2400 libras lhe tirava a tranqüilidade
necessária, Gichtel, que de seu nada tinha, fê-lo receber de
maneira miraculosa as 2400 libras. Como Raadt havia percebido
que seu estado de homem casado era-lhe um obstáculo ao progresso,
ele se impôs, de comum acordo com a esposa, a
circuncisão espiritual. Sophia recebeu Raadt e todos aqueles que
vieram ver seu esposo em boas intenções, perfeitamente
bem, ou seja: segundo compreendo, que ela deixou cair alguns raios de sua
imagem nas qualidades terrestres de suas
almas, o que nosso amigo B. chama de Tinctura Solis. V. Três Princípios,
13:9. Essa acolhida causou rumor entre os
conhecidos de Raadt. Cada um gabavase das doçuras de Sophia, querendo
adotar a circuncisão espiritual, de sorte que em
pouco tempo Gichtel teve cerca de trinta adeptos, que prometeram, todos,
mundos e fundos. Nessa ocasião, Gichtel
observou de maneira notável como o espírito astral sente o
desejo de gozar do leito nupcial com Sophia. Essas boas
pessoas acreditavam, apesar de tudo o que vosso amigo combatente pudesse
dizer-lhes, que bastava abaixar-se e pegar.
Foi por essa ocasião que Gichtel concebeu o projeto de redigir uma
nova edição das obras de nosso amigo B., mais correta
que as anteriores. Empregou alguns de seus novos amigos como colaboradores.
Os fundos bastante consideráveis exigidos
por essa empresa foram de início conseguidos fora da sociedade dos
Trinta com um rico magistrado que os destinou
generosamente a essa boa obra. Enquanto os Trinta, espalhados por diversas
cidades, permaneceram unidos em espírito,
obtiveram em suas preces todo o que quiseram. Se um deles não conseguia
fazer tudo sozinho, escrevia aos outros e nada
no mundo resistia aos seus esforços unidos. Podeis imaginar o efeito
causado por essa associação no princípio das trevas.
Do modo como as coisas iam, seu reino arriscava-se a ser abalado. O que
sobretudo o fez espumar de raiva foi o
empreendimento de uma nova edição das obras de B. Ele girou
ao redor dos Trinta como um leão rugindo e buscou aqueles
quem podia devorar. Seus artifícios tiveram êxito espantosos.
Mas os detalhes desse acontecimento e os meios empregados
pelo inimigo para convencer as pessoas não caberiam mais no espaço
de uma carta. Dentre outros, Raadt, o mais adiantado
deles, depois de haver concluído de maneira feliz, em sua obra, as
formas preparatórias, fracassou no fogo da purificação.
Seu espírito vacilante e por demais leve não teve gravidade
nem doçura, nem amor, nem perseverança suficientes para
manter-se na prova. A partir daí, tornou-se inimigo de Gichtel. Os
outros, que só procuravam deleites, abandonaram-no,
chegando mesmo alguns a dizer que ele era mago. Mas apesar de todos os obstáculos,
apesar de todos os esforços do
trono tenebroso, a edição de 1682 foi completada e redigida
por Gichtel, a partir dos próprios manuscritos do autor e as
portas do inferno não lhe conseguiram tirar uma sílaba. Nosso
Gichtel também teve o desejo de que B. fosse algum dia
traduzido um francês. Era um espécie de testamento, e eu não
me daria ao trabalho de encontrar-lhe um executor. A
defecção da sociedade dos Trinta causou muitos sofrimentos
e perseguições a Gichtel. Mas Sophia lhe havia preparado de
longe um amigo e cooperador sólido e fiel que permaneceu unido a
ele até à morte. Era um jovem negociante de Frankfurt,
que recebera um depósito de duzentos exemplares da nova edição
para distribuí-los. Esse jovem chamava-se Ueberfeld e já
conhecia os escritos de B. e, quando os duzentos exemplares entraram em
sua casa, foi a Arca da Aliança que entrou na
casa de Abinadab156. Deus abriu seu templo no coração de Ueberfeld
e no devido tempo ele recebeu Sophia como esposa,
pois foi transportado aos graus mais sublimes. É a ele que devemos
os seis volumes das cartas de Gichtel que possuo em
alemão e considero um tesouro. Veio ver Gichtel em 1683 e encontrou
um São Paulo. Decidiu-se desde então a permanecer
com ele. À sua chegada Sophia manifestou-se no terceiro princípio
aos dois amigos reunidos, da maneira mais gloriosa, e
renovou com eles seus laços que duraram até 1685. Ueberfeld,
de quem colhi essas datas, diz em seu prefácio das cartas de
G. que a boca não pode exprimir as delícias duradouras e permanentes
neles causadas por essa manifestação. Em 1690
tiveram a manifestação do Reparador, com todos os sinais indicativos.
Foram confirmados no estado adiantado em que
então se encontravam. Posteriormente passaram por muito sofrimentos
ainda, mas superaram-nos a todos com fé e
paciência. Combateram também por aqueles que caminhariam nas
pegadas da verdade após eles. Tiveram um
pressentimento da revolução dos impérios nos tempos
vindouros. Rogavam encarecidamente para que Deus despertasse
muitos combatentes espirituais e capazes de levar o fardo dos pobres e dos
fracos em sua fé em Jesus Cristo. O tradutor das
69
obras de Jane Leade era um dos Trinta. Começou a traduzir oralmente
o texto inglês para seus irmãos. Ueberfeld, estando
uma vez presente a essas traduções, sentiu a princípio
que Jane Leade ultrapassava a experiência e, assim sendo,
apreendeu que tudo isso não passava de uma obra astral, tanto mais
que Sophia jamais quis receber as palavras de Jane
Leade e, quando Gichtel lhe solicitou esclarecimentos, Leade mudou completamente
de sistema, embora dissesse ter
recebido a primeira declaração através de uma manifestação.
Então os dois irmãos viram que a declaração
de Leade não
passava de uma opinião piedosa e se esqueceram do assunto. O tradutor,
ao perceber que eles não queriam partilhar a
opinião que ele tinha sobre Jane Leade, disse-lhes que, se quisessem
aderir à postura de Jane Leade, receberiam uma
pensão do barão K., como ele receberia uma de oitocentos libras.
Podeis imaginar que esse meio não era o que deveria
obter sucesso junto a Gichtel. Assim, os dois irmãos lhe responderam
com as palavras de São Paulo, cap. 8. V. 20157. A
partir daí, o tradutor L. J. tornou-se inimigo jurado deles. Chegou
a arrastar a inocente Jane Leade em sua aversão contra os
dois combatentes e o historiador de Gichtel diz que ela foi obrigada a passar
pela prova do fogo antes da morte porque seu
espírito só havia atingido a Tinctura Solis. Pouco antes da
morte de Gichtel, que ocorreu em 1710, Sophia manifestou-se aos
dois irmãos, como em 1683, quando eles e viram pela primeira vez,
e lembrou a ela seu fiel amigo. Em 1716 Ueberfeld teve a
mesma manifestação, que lhe foi renovada a partir de então.
A vida de Gichtel foi escrita por um de seus discípulos fiéis
e foi
por uma circunstância signa denota que esses escritos vieram ter às
minhas mãos, o que prova que a Providência
recompensa magnificamente as mínimas coisas que foram feitas por
ela muitos anos antes. Mas, sem o conhecimento de B.,
eu não teria dado atenção alguma às cartas de
G., e é a vós, senhor, que devo o conhecimento de B. Rogo
ao nosso divino
mestre que vos recompense por isso, neste mundo e no outro. KIRCHBERGER
DE LIEBISTORF
148 Estrelas.
149 "Car d'un seul sens peuvent se developper dans le temps plusieurs
autres sens, autant qu'il ya a d'étoiles dans le
firmament; c'est en quoi nous pouvons acquérir une connaissance élévée
de notre eternité, et de nous réjouir beaucoup que
nous sachions cela."
150 Não se encontra esta citação na carta de Saint-Martin.
151 V. logo adiante: às necessidades.
152
153 Talvez Kirchberger haja traduzido para o francês um nome alemão:
Johann Georg Gichtel. Hoje no Brasil já não se usa
tanto traduzir nomes próprios, exceto os consagrados. V. a nota sobre
Ratisbona.
154 Conhecida hoje por seu nome alemão: Regensburg. Ratisbona foi
deixado por estar figurando num texto antigo.
155 No original: só atiravam óleo ao fogo, ou ao fogos - delas
(ne jettaient que de l'huile dans leurs feux).
156 Habitante de Quiriat-Jearim, em cuja casa a arca da Aliança ficou
guardada depois de retomada dos filisteus até Davi
levá-la para Jerusalém. - O original traz, erroneamente, Aminadab,
nome de outro personagem bíblico.
Carta 59 6 de brumário, ano III
A encomenda chegou em bom estado, senhor, e é nos momentos em que
vos digo sinceramente quid retribuam domino por
omnibus quæ retribuit mihi158, que de vossa parte sempre me advêm
novos benefícios. Quando será então que estarei em
condições de vos testemunhar meu reconhecimento de maneira
mais viva do que através de cartas? A tradução francesa
do
Caminho para se ir a Cristo parece-me estar em bom francês para o
tempo em que foi feita e para o tradutor que, embora
dizendo-se do país, tem, no entanto, uma forte aparência estrangeira.
Essa obra deveria ser para todos o que os ingleses
chamam de pocket-book e os latinos, veni mecum159, e os alemães,
por um nome que eu já soube mas esqueci, porque,
exceto a caríssima companhia de nosso amigo B., não estou
inclinado a fortalecer-me em vossa língua. Os seis tratados de
Jane Leade trazem títulos interessantes, dos quais com toda certeza
terei colheitas úteis a retirar. Reconheci neles as vinte
páginas, ou cerca disso, das quais me enviaram uma tradução
manuscrita. É sobre a comunicação der Heiligen droben
und
denen heiligen hieniden160, página 60. Creio, pelo formato e pela
i mpressão, e mesmo por algumas frases, que é o mesmo
tradutor e editor de Revelação das Revelações
do qual me fizestes presente anteriormente. Assim, devo esperar um pouco
de trabalho para poder acompanhá-lo.
Mas feliz demais ainda por ser admitido em partilhar tais tesouros a esse
preço! Seguramente não devo queixar-me da
raridade das semeaduras. Não devo mais pensar senão em pedir
à Providência a graça de tirar proveito delas. Adeus,
senhor, recebei novamente meus sinceros e ternos agradecimentos por todas
as bondades com as quais me cumulais.
Devereis receber uma carta minha em resposta à vossa ultima. Esta
carta não passa de um aviso, e eis por que não me
estendo mais. SAINT-MARTIN
157 Talvez Romanos ou II Coríntios, as únicas passagens possíveis.
158 Que darei ao Senhor por todas as coisas que me tem dado? (Salmo 116:12.)
159 Forma do imperativo singular (vem comigo). Conhecemos mais a forma vade
mecum (vinde comigo). 160
Carta 60 29 de brumário, ano III
70
Muito vos agradeço, senhor, por vossa amável carta de 25 de
outubro. Vossas soluções gramaticais são-me de grande
utilidade, sobretudo a do cap. 6, nº 44. Darumb sind der so viel.161
Este der, que vem de Deren, trar-me-á grande auxílio,
pois vejo que o amigo B. o emprega dessa maneira com freqüência.
Não tenho outras perguntas a fazer-vos sobre este
assunto no momento. Estou no fim do cap. 2 de minha tradução
e acho que nesse ponto meu jovem cochila um pouco, de
tantas repetições e declamações sobre o clero.
Experimento, no entanto, uma impressão que não o prejudica:
é que, quando
a coisa se apossa dele, ele é sempre grande, sempre surpreendente,
e quando ela o deixa entregue a si mesmo, ele tagarela
um pouco, mas nunca se engana por causa disso e apresenta somente a virtude:
o que não seria sempre dito dos outros,
que, quando entregues a si, apresentam o erro como verdade, deixando assim
transparecer algumas vezes as paixões
humanas. Por enquanto só perlustrei vosso volume de Jane Leade. Minhas
ocupações impedemme de fazer todo o que
desejaria, pois, independentemente de minha tradução, que
me toma muito tempo, fiz um pequeno escrito sobre a época
atual, a pedido de alguns amigos. Vai ser impresso em breve e terá
cerca de 70 a 80 páginas. Tenho intenção de enviar-vos
um exemplar. Informai-me a via, pois a postal será um pouco custosa
e eu não gostaria de vos ser pesado e tentasse
reconhecer, segundo meus parcos meios, todos os presentes com os quais me
vindes cumulando. Meu nome não aparecerá.
Assim, peço-vos o mais absoluto segredo sobre a pessoa, mas não
sobre a produção. Consagro-me pouco a ela, como bem
sabeis, mas nela vereis melhor do que outra pessoa aquilo que não
quero dizer, e conhecereis claramente meu modo de
pensar sobre a grande cena que se passa hoje no mundo, e em meu próprio
terreno. Tende a bondade de escrever-me logo,
se quiserdes que eu receba vossa resposta aqui, pois é possível
que eu parta para passar o inverno em Paris. Eis o motivo;
todos os distritos da República têm ordem de enviar à
Escola normal, em Paris, cidadãos de confiança para serem
postos a
par da instrução que querem tornar geral e, depois de instruídos,
voltarão para seus distritos para formar professores
primários. Deram-me a honra de ser escolhido para essa missão,
e há somente algumas formalidades a preencher para
minha própria segurança, tendo em vista meu labéu nobiliário,
que me proíbe permanecer em Paris até a paz. Como não
prevejo o que isso apresente de dificuldades, presumo que poderei estar
em Paris dentro de três semanas, no mais tardar,
talvez até encontre lá alguma facilidade para passar-vos,
com poucas despesas, o pacote em questão. Mas peço-vos agir
de
modo que eu receba notícias vossas antes de partir. Essa missão
não deixa de desagradar-me em certos aspectos. Vai
sujeitar meu espírito às simples instruções
da primeira idade, vai também lançar-me um pouco na palavra
externa, a mim que
não gostaria mais de ouvir nem proferir qualquer outra palavra que
não a interna. Mas apresenta-me também um aspecto
menos desagradável: o de crer que tudo está ligado nessa nossa
grande revolução em que creio ver a mão da Providência.
Então, nada mais é insignificante para mim. E mesmo que eu
não passe (como não passo) de um grão de areia no vasto
edifício que Deus prepara para as nações, não
devo resistir quando me chamam, pois em tudo isso sou apenas passivo.
Quando me escolheram, temiam que eu não aceitasse e tive a doce felicidade
de ver o presidente do distrito derramar
lágrimas de alegria quando declarei que aceitava. Só isso
já me alivia o fardo. Mas o principal motivo de haver aceitado foi
pensar que, com a ajuda de Deus, possa esperar, com minha presença
e minhas preces, deter uma parte dos obstáculos
que o inimigo de todo bem não vai deixar de semear nessa grande carreira
que vai abrir-se e da qual pode depender a
felicidade de gerações. Confesso-vos que essa idéia
é consoladora para mim e, mesmo que eu não desviasse uma gota
do
veneno que esse inimigo procurará lançar até na raiz
da árvore que deve cobrir com sua sombra todo o meu país,
eu me
acreditaria culpado por recuar e até me sinto honrado por semelhante
emprego: é uma coisa inteiramente nova na história
dos povos, levando-se em conta o caráter anterior e interior que
constitui todo o meu ser e para o qual provavelmente eu não
teria muitos colegas na escola em que vou encontrar-me. Amparai-me, por
vossa vez, com vossas preces, caro irmão, pois
creio que assim fareis uma boa obra. Li com enlevo os novos detalhes que
me enviastes sobre o general Gichtel. Tudo nele
traz o selo da verdade. Se estivéssemos próximos, eu também
teria para contar-vos a história de um casamento em que os
fatos seguiram para mim a mesma marcha, embora sob outras formas, e que
acabou tendo o mesmo resultado. Tenho
também numerosos testemunhos da produção divina com
relação a mim, sobretudo durante a nossa revolução,
que nem
sempre me deixou sem sinais. Mas em tudo isso, sempre fizeram tudo por mim,
assim como fazem pelas crianças, ao passo
que o amigo Gichtel sabia atacar o inimigo de frente, coisa que eu não
saberia cumprir como ele. Em suma, a paz passa por
mim e encontro-a por toda parte. E no famoso 10 de agosto, quando eu me
encontrava encerrado em Paris, e onde passei o
dia todo durante o tempo do maior tumulto, tive provas tão insignes
de tudo o que vos disse que fui humilhado em meu
orgulho; tanto mais que eu não tomava parte em nada e que por mim
mesmo não tinha qualquer força física que pudesse
dar-me o que chamo coragem física. Duvido bastante da pessoa sobre
a qual quereis falar a respeito da execução
testamentária de Gichtel. Se eu fosse vinte anos mais moço
e estivesse ao alcance dos socorros dos quais tenho
necessidade, é certo que faria tudo o que pudesse para responder
às vossas expectativas. Mas, no estado atual das coisas,
só posso responder-vos em parte. E mesmo que não termine a
tradução da Tríplice Vida antes de partir, ela poderá
sofrer
atraso por causa das novas ocupações que vou ter. A vontade
da Providência acima de tudo! Gozais, caro irmão, do vosso
lazer. Por que não poríeis mão à obra de tempos
em tempos? Conheceis o francês muito melhor do que eu conheço
o
alemão e, se vossas traduções precisassem de alguma
revisão, as minhas, com toda certeza, precisariam de muito mais.
Poderíamos, pois, ajudar-nos mutuamente e trabalhar assim de acordo
para o bem comum. Ponderai sobre o que vos
proponho. Logo teremos três obras de nosso amigo em francês,
a saber; o Caminho para o Cristo, a a assinatura das Coisas
e a Tríplice Vida, pois apesar da incorreção do estilo
de todos, eu consideraria como tarefa bem pequena a correção
que
fosse preciso fazer-lhes. Se, por vosso lado, empreendêsseis a tradução
de algumas dessas obras, eu faria o mesmo quando
terminasse a Tríplice Vida e pouco a pouco teríamos condições
de dar à minha nação toda essa fonte de vida, coisa
que me
será provavelmente impossível empreender e completar sozinho,
sobretudo com o enfraquecimento de minha vista, que vai
71
aumentando a cada dia. Adeus, senhor; dizei-me o que pensais de vossas reflexões
e ficarei encantado se minha proposta
não vos desagradar e vos estimular para esse louvável trabalho.
Quando estiver em Paris, irei à procura do dicionário de
Adelung. Não sei ainda onde ficarei hospedado, pois a casa em que
eu morava passou para o Estado. Enviar-vos-ei o depois
de receber vossa primeira carta.
161
Carta 61 M, 29 de novembro de 1794
Recebi ontem à noite a vossa carta de 5 de brumário e, no
tempo aprazado, a do dia 6. Tirei um momento do qual posso
dispor, senhor, para responder a ela, pois estou no meio da confusão
de minha partida para Berna. Como vós, considero o
Caminho de nosso amigo B. para Cristo como um manual, Handbuch162, para
todos. Ficarei encantado em receber vossa
obra sobre a época atual. Escrevei nela o meu endereço normal,
pelo coche de Basiléia para Berna, com um envelope
endereçado ao coronel Oser, em Basiléia, e enviai o pacote
à diligência de Basiléia. Sinto-me encantado por haverdes
aceitado o chamado de vosso distrito. Nessa carreira tereis, incontestavelmente,
ocasiões de fazer o bem. Minhas débeis
preces vos acompanharão. A parte de vossa carta em que me falais
do general Gichtel causou-me grande satisfação.
Conhecestes, pois, pessoalmente, a esposa dele? As cartas desse homem raríssimo
proporcionam-me grande prazer. Há
muitas coisas que não incluí na de 25 de outubro, dentre as
quais que ele e seu irmão Ueberfeld conquistaram muitos êxitos
na guerra de sucessão no início do século. Luís
XVI estava bem longe de imaginar que seus numerosos exércitos tinham
sido batidos em Hochsted (Hostêtt), Ramilies, Oudenarde e Malplaquet
por generais que não saíam do quarto. Quanto à
proposta fraternal do projeto de tradução, aceito-a, contanto
que nela possa contribuir, de todo o coração, porque conto
com
o auxílio da Providência e com o vosso. O que eu poderia fazer
não será muita coisa, porque há tempos que vivo mergulhado
nos negócios, dos quais tenho muito mais a resolver do que meus parcos
meios podem prover e, se não confiasse na
Providência, perderia a coragem. Para começar, depois de haver
chegado em minha cidade natal, diversos reuniões irão
tomar, juntamente com as reuniões do Grande Conselho, todo o meu
tempo. Um de meus princípios é: cada um seguir a
própria vocação, mesmo quando os deveres que ela nos
impõe deveriam parecer minuciosos. Mas, mesmo assim, há épocas
do ano em que os negócios públicos não exigem um trabalho
tão assíduo. Contai então comigo. Creio que estarei
empregando meu tempo de maneira superior ao vos ajudar da melhor forma possível
em vosso louvável projeto. Abraço-vos
de todo o coração e solicito-vos com insistência que
não vos esqueçais de mim em vossas preces. KIRCHBERGER DE
LIEBISTORF Carta 62 Paris, 15 de nivoso (4 de janeiro163, v. est.) Eis-me
de volta ao meu destino, senhor, mas não ainda à
obra, pois nossos empreendimentos de estudo só começarão
dentro de quinze dias. Nem mesmo se sabe que feição eles
irão tomar, pois o projeto maduro já se distancia do alvo
simples de que foi instituído, o que era um atrativo para mim. Assim,
não posso responder-vos nada sobre os resultados e para isso é
preciso esperar que as coisas aconteçam. Enquanto
aguardo, fico gelado aqui, por falta de lenha, ao passo que em minha pequena
aldeia não passava falta de nada, mas não
devemos preocupar-nos com essas coisas. Tornemo-nos espíritos e nada
nos faltará, pois não há espírito sem palavra
nem
palavra sem poder, reflexão que me veio esta manhã em meu
oratório e que vos envio imediatamente. Realmente, creio ter
conhecido realmente a esposa do general Gichtel, da qual me falastes em
vossa carta de 29 de novembro, mas não de
maneira tão particular como ele. Eis o que me aconteceu quando do
casamento do qual vos disse umas palavras na última
vez. Orei com certa freqüência por esse objeto e foi-me dito
de maneira intelectual, mas com muita clareza: "Desde que o
Verbo se fez carne, carne alguma deve dispor de si mesma sem que ele lhe
dê permissão." Essas palavras penetraram
profundamente em mim e, embora não fossem uma proibição
formal, recusei-me a qualquer consideração ulterior. Vossas
ocupações vão atrasar vossos projetos de tradução
e o mesmo vai acontecer comigo. Além do mais, repitovos que esse
tipo
de trabalho é totalmente o inverso do que me seria necessário
e jamais me entrego a ele senão contra a vontade. No
momento estou relendo a minha tradução francesa da Tríplice
Vida. É para mim como que uma região completamente nova
em comparação ao alemão, e mesmo em comparação
com o que nela aprendi traduzindo. Nele encontrei uma passagem
que, por si só, bastaria para nutrir o espírito de todos,
o nº 5, cap. 1º. A pequena obra de que vos falei ficou atrasada
por
causa de minha partida e até as circunstâncias atuais me forçam
a adiar ainda, haja vista as dificuldades dos impressores e a
necessidade de se dar o próprio nome. Assim, ela ficará em
suspenso até nova ordem. Quando estiver pronta, avisar-vos-ei
a fim de saber se será preciso usar o mesmo endereço que me
indicastes. Adeus, senhor, endereçai vossas cartas para a
rua de Tournon, Casa da Fraternidade, Paris. Peço que oreis por mim.
É sempre com prazer que vos ouço falar de Gichtel,
mas sede bem reservado em vossas cartas. SAINT-MARTIN
162 Manual em alemão.
163 1795, último ano da Revolução Francesa.
Carta 63 B., 27 de janeiro de 1795
Eu não teria demorado a responder à vossa interessante carta
de 15 de nevoso, senhor, se depois de minha chegada à
capital tivesse tido alguns momentos para mim. Três vezes por semana
temos sessões do Grande Conselho. Além disso,
assisto ao nosso comitê de saúde pública, que chamamos
de Stands-Commission; a mesma coisa à superintendência de
72
nossas moedas, à superintendência de nossas salinas no governo
de Aigle; à superintendência dos correios, à
superintendência de nossas minas em geral e a um comitê de finanças.
Esses diversos departamentos exigem com
freqüência um trabalho que só pode ser feito em tranqüilidade
e solidão perfeitas. Acrescentai a isso que a execução
do
trabalho das moedas exige algumas vezes a minha presença na própria
casa das Moedas. Além disso, sou ainda presidente
da nossa Sociedade Econômica e Física, que se reúne
uma vez por semana em minha casa, de maneira que resta, ao lado
de meus assuntos particulares, muito pouco tempo à minha disposição.
Agradeço-vos pelo belo pensamento: "Não há
espírito sem palavra nem palavra sem poder." Todos os esclarecimentos
ulteriores sobre o poder da palavra ser-me-ão mui
preciosos e os detalhes da aplicação que disso fazeis em vosso
caso em particular irão interessar-me extremamente. Com
relação à notável passagem do nº 15 da
Tríplice Vida, creio simplesmente que Sophia é a sua base.
Se pudermos obtê-la e
nos unirmos a ela, teremos feito tudo. Ela é o lar, a morada, o templo
e o elemento puro onde reside em toda a sua plenitude
o que podemos imaginar de mais sublime. Depois da última carta, minhas
posses ficaram enriquecidas com os vinte e seis
volumes de cartas edificantes e por um novo resumo das obras de nosso amigo
B., impressas em 1700. Recebi uma carta de
nosso amigo D[ivonne], cujo conhecimento me proporcionastes. Ele é
preceptor de uns jovens. Suas viagens levaram-no até
Londres e ele me encarregou de dar-vos suas lembranças, da mesma
forma que o barão de Silverhyelm, que é sueco, vosso
amigo muito estimado e que se encontra junto dele. Lembrar-vos-ei de que
no último inverno vos falei de uma jovem muito
interessante de Zurique como ela possuía uma terra muito boa, enviei-lhe
o grão através de seu amigo de Basiléia. Seu pai,
que pretende ser jardineiro por contra própria, nada acrescenta a
essa semeadura. Mas, para minha grande satisfação,
recebi, no dia 8 deste mês, uma carta de Basiléia, da jovem
S
Eis o que ela me diz: "Desejo que compartilheis minha
alegria. E quem melhor do que vós poderia compartilhar essa alegria
que semeastes e da qual Deus deu o aumento e o
cumprimento? Pois bem! Sabei que N
tem por si mesma agora a certeza
da bondade da via interior, da qual possui tanto a
realidade quanto o gozo. Não tentarei descrever-vos o prazer que
isso me causou. Não saberia dizê-lo com os lábios e
muito
menos ainda por escrito. Ela me manifestou imediatamente sua felicidade
nos mais cálidos termos e, se fosse possível que
eu estivesse em dúvida até então, certamente teria
sido impossível conservá-la por mais tempo. Ela continua agora,
essa
doce amiga, a ter esse gozo, não se interrompendo a sua felicidade
senão por intervalos. Escrevemo-nos com muita
freqüência, e mesmo agora, mais do que antes, ambas temos necessidade
contínua de falarmos uma com a outra." Podeis
ver por esse acontecimento quão verdadeiro é Providência
poder servir-se de frágeis instrumentos para executar seus
desígnios, uma vez que, sem eu haver jamais visto essa jovem, tudo
sucedeu tão bem. Nem todas as sofisticações do pai,
nem todas as maravilhas que vinham do Norte conseguiram impedir que o grão
germinasse e nem mesmo que produzisse
flores. Eis uma passagem de minha resposta a Mlle S
: "Rogo informardes
à vossa amiga sobre a viva satisfação que tive
com sua felicidade, mas dizei-lhe, de minha parte, que é necessário
que ela vele por sua alma, pelo menos por algum tempo
ainda, até que ela esteja bem longe da fronteira da terra de Edom,
pois o inimigo, quando alguém escapa de seu território,
redobra os esforços e a astúcia para conduzi-lo a ele. A prudência
de nosso amigo a assustará e, se ela permanecer em seu
lugar até que o tentador se afaste, então sua vida estará
segura." Abraço-vos de todo coração e rogo-vos
com insistência
que continueis a orar por mim. Informai-me de vossos sucessos na formação
das escolas normais164. Haveria belas coisas a
fazer, mas tudo depende da base. O amor do Ser supremo, este é o
grande ponto: Timor Domini est initium sapientiæ165.
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
Carta 64 Paris, 5 de ventoso (25 de fevereiro, v. est.)
Não sei, senhor, como podeis atender a todas as ocupações
que me narrais. No entanto, quero distrair-vos delas um
momento para felicitar-vos de todo coração pelo sucesso de
vossa amiga de Zurique. Ela é bem feliz por estar tão adiantada
numa idade tão jovem! Que carreira percorreu! Acho muito sábios
os conselhos que lhe dais e espero que, com a ajuda de
Deus, que essa planta querida só venha a produzir bons frutos. O
essencial é, como dizeis, atravessar a fronteira.
Concedeis-me verdadeiro prazer em dar-me notícias do amigo sueco
Silverhyelm e de seu companheiro. Se lhe escreverdes,
dizei-lhe, de minha parte, tudo o que puderdes pensar de amistoso e gentil.
Dizei-lhe também, por favor, que recebi seu
bilhete no tempo aprazado por intermédio do embaixador da Suécia
e que não respondi porque nossas autoridades
suspeitaram da correspondência e, depois a terem aberto, mandaram
chamar-me para aprestar contas. Embora não tivesse
dificuldades em satisfazê-los e tudo haja acontecido de maneira amigável,
eu, entretanto, não julguei adequado recomeçar
essas cenas desagradáveis e aguardo circunstâncias mais favoráveis
para retomar nosso relacionamento. Se no entanto, por
meio de vós, ele puder fazer com que cheguem a mim alguns dos detalhes
que me contava em seu bilhete, recebê-los-ei
com prazer, mas não lhe prometo ser muito exato nem muito detalhado
em minhas respostas. Quanto às nossas escolas
normais, elas são ainda o puro Spiritus mundi166 e vejo bem quem
é que se esconde sobe esse manto. Farei tudo o que as
circunstâncias me permitirem para cumprir o único objeto que
tive ao aceitar. Mas essas circunstâncias são raras e pouco
favoráveis. Já é muito se, em um mês, consigo
falar cinco ou seis minutos, e isso diante de duas mil pessoas, a quem seria
preciso antes refazer os ouvidos. Mas deixo à Providência o
cuidado de prover à semeadura e à cultura, só farei
o que puder,
e não posso fazer nada, se ela não julgar adequado que eu
faça mais. Não espero mais disso, pois, tudo aquilo que
esperava. Entretanto, sempre pode sair daí qualquer coisa, por pouco
que seja, e não é necessário que eu me recuse ao
trabalho. Entre os meus camaradas há algumas pessoas de Estrasburgo
e valho-me do auxílio deles para que me expliquem
as palavras de nosso amigo B. quando não as entendo. Será
ainda uma vantagem que tirarei de minha viagem. Adeus,
73
senhor, recomendo-me sempre às vossas preces e à vossa lembrança
nos vossos momentos de lazer. Avancemos,
avancemos no interior. Sinto cada vez mais, a cada dia, que é esse
o único pais bom para se habitar. SAINT-MARTIN
164 Escola superiores para formação de professores primários.
165 O temor do Senhor é o princípio da sabedoria. (Provérbios
1:7)
Carta 65 B
, 10 (3 de março de 1795)
Vossa carta datada de 5 de ventoso, senhor, serviu-me não somente
de distração, mas também proporcionou-me, como
todas as outras que me dirigis, um aprazer real. É verdade que a
notícia que recebi de
, no que se refere à nossa jovem
de
Zurique, trouxe-me uma satisfação bem doce, pois vi progressos
tão rápidos e manifestos. Foi Gichtel quem primeiro me
encorajou, dando-me esperanças de agir de longe. Mas quando a Providência
quer uma coisa, é bem fácil ter êxito. Aguardo
uma resposta de nosso amigo comum [Divonne] para escrever-lhe. Então
não deixarei de dar vosso recado a Silverhyelm.
D
informa-me que no país onde mora nada é mais raro
do que encontrar homens de peso e de medida a quem se possa
aderir. Swedemb. é o que tem o maior número de partidários.
Seus discípulos são numerosos; possuem um ofício público
e
um culto e um rito particulares. D
teve a curiosidade de assistir
uma vez a um ofício deles. Nosso amigo B. é em geral um
pouco profundo demais e, ao mesmo tempo, simples demais para eles. Entretanto,
nesse país houve homens que souberam
apreciá-lo, dentre eles um que se chamava Law. Nosso amigo D
está bastante contente com sua obras; acha que é o leite
de B. expresso e tornado apto a ser bebido por todos. Foi esse mesmo Law
quem compôs a maior parte das figuras
encontradas na edição de B
in-quarto que possuís.
O que me informais sobre vossas escolas normais é um começo
e
compreendo bem o que está escondido sobre o manto. Mas, em geral,
parece-me que vossa nação faz alguns progressos
em direção à liberdade. Existe mais segurança
para as pessoas e as propriedades do que um ano atrás. Todos têm
a
liberdade de seguir o culto que lhes convier; e é isso o que Hébert
e Chaumette, ao mesmo tempo que falavam de liberdade,
não queriam. Também acho que, desde 9 de termidor, o segredo
das cartas é mais respeitado, pois desde essa época
nenhuma das minhas foi aberta. Lembrai-vos da passagem de Joachim Greulich,
que me indicastes na História Eclesiástica
de Arnold. Encontrei depois disso, num autor bem mais antigo, uma passagem
que se iguala em importância à de Joachim
Gr. Está na obra de um eleito do qual me falastes em uma de vossas
cartas que recebi em B
Esse homem, que tem as
mais raras qualidades de espírito e de coração, era
primeiro ministro na corte de uma antigo rei cujo nome esqueci. Seu
mérito, como sempre acontece, provocou inveja e, por causa de uma
intriga de corte, caiu em desgraça. Mas sua virtude
recolocou-o no lugar. Esse senhor não apenas via perfeitamente o
presente, mas, o que muitos ministros não sabem fazer,
também previa o futuro. Deixou Memórias interessantes que
encontrareis provavelmente entre os velhos livros da Biblioteca
Nacional de vosso país. Sua obra está dividida em capítulos
e é o parágrafo 23, e mais os seguintes, do cap. 7 que vos
peço
comparar com a passagem de Arnold e dizer-me vossa opinião. Surpreendei-vos
de ver como encontro tempo para ocuparme
das reuniões do Grande conselho e aos nossos comitês, mas um
antigo hábito de trabalho e uma familiaridade com os
objetos de que tratamos facilitam isso: há vinte anos que assisto
ao nosso Grande conselho; há quinze que estou na
superintendência das moedas e dezoito na superintendência das
salinas do governo de Aigle. Além de haver comitês que
não são tão trabalhosos, como por exemplo, a superintendência
dos correios, porque o governo se livrou de todos os
conflitos de um monopólio dando aos correios uma concessão:
de modo que a direção nada mais tem a fazer do que receber
e julgar as queixas contra os responsáveis, se as houver. Quanto
à Sociedade Econômica, que se reúne todas as semanas
em minha casa, serve-me de distração e não deixa de
produzir algum bem à nossa pátria. O que me ocupa mais é
a
superintendência das moedas, porque a maior parte do trabalho e do
cálculos recai sobre mim. É verdade que com o tempo
minha saúde não agüentaria esse tipo de vida, mas no
mês de maio parto para minha terra, que fica a cinco léguas
da capital
e aí ficarei até o dia de Santo André: é lá
que faço repouso, que aproveito o ar do campo e as comodidades da
cidade,
porque minha morada fica no final da cidadezinha de M
[Morat] Durante
esse intervalo só vou a B
para tratar de assuntos
mais importantes e para dar orientações onde minha presença
for necessária. Mas, no turbilhão em que me encontro
atualmente, e onde vivi esse inverno todo, não deixei de passa um
dia sem ler uma passagem de nosso amigo B. ou
algumas cartas do general Gichtel. Fiz até mesmo resumos de ambos
em formas alfabéticas, de modo que, sem o sentir,
pouco a pouco um volume bem grosso, in-quarto, que pode ser considerado
como um dicionário teosófico, pois, para gozar a
leitura de nosso amigo B. e do general G
, é preciso estar familiarizado
com a linguagem deles e sobretudo com seus
sinônimos. Eles velaram sua terminologia, provavelmente para que os
profanos fossem descartados. E quem sabe se o
trabalho que empreendi unicamente para mim poderá servir um pouco
a outrem! Estou cada vez mais satisfeito por haver
conhecido nosso general. Ele tem a seu respeito algumas particularidades
das quais ainda não vos falei, dentre elas que,
depois da morte do esposo, a própria Sophia veio ordenar e dirigir
o arranjo de suas cartas póstumas. Ela refez várias
passagens que estavam indicadas de maneira imperfeita nos rascunhos que
Gichtel enviara a seu amigo Ueberfeld e, à
medida que este último ia trabalhando na redação, Sophia
ia dirigindo-o pessoalmente. Realmente, ela veio ver Ueberfeld
várias vezes. Uma vez permaneceu durante seis semanas. Foi um festim
contínuo, durante o qual ela transmitiu ao redator e
a alguns amigos fiéis do extinto, desenvolvimentos da santa organização,
que ultrapassavam de muito tudo o que o mundo
jamais foi capaz de imaginar. Em 1722 já tinha sido publicada em
Leyde a terceira edição dessas carta póstumas, todas
escritas em alemão. Não podeis imaginar o prazer que ela me
proporcionam. Com um tom bastante simples e um estilo
74
familiar, formam um excelente comentário dos escritos de nosso amigo
B
. Ao lado de verdades essenciais, há várias das
quais não vi vestígio algum nos escritos de B., como, por
exemplo, o efeito de uma tintura espiritual, que Gichtel estimava, na
medicina, em grau mais elevado do que o grande problema físico. Diz
ele que essa tintura fazia na parte doente o mesmo
efeito que se se passasse a mão sobre ela. Examinando-o de perto,
pareceu-me que esse remédio era o nosso magnetismo
moderno, com um nome diferente e qualidade bem superior ao de Mesmer. Mas
não vi vestígio algum de sonambulismo. De
acordo com essas conjecturas, nosso magnetismo teria sido conhecido há
mais de um século. Tenho até algumas suspeitas
de que Jane Leade encontrou um meio de hipnotizar a si própria e
que com isso gozou de manifestações astrais, das quais
nosso general fazia bem pouco. Em alguma parte de suas cartas ele diz "que
as obras de Jane Leade só podem convir às
mulheres que seguem o mesmo caminho". Nada disso impede que o magnetismo
superior, aquele que emana da simples
vontade, possa liga-se a coisas muito grandes. O que me faz crer que o sonambulismo
tem alguma ligação com as
manifestações astrais é o seguinte fato: Há
alguns anos que Monsieur Langhaus, um médico que conheço,
ensinou-me que
havia empregado o magnetismo para tratar uma senhorita minha conhecida,
de uns quarenta anos, que, havia já bem longo
tempo, era atormentada por um tumor e que se tornara sonâmbula durante
o tratamento. Como vi logo que nesse caso não
poderia tratar-se de charlatanismo por parte da enferma, manifestei-lhe
meu desejo de vê-la nesse estado. Ele prometeu
satisfazer-me e, como a magnetizava em horário regulares, indicou-me
o momento em que poderia vê-la na casa dele. Ela
tinha essa singularidade: cada vez que caía no sono magnético,
acreditava ver-se ao pé de uma montanha e somente o
trabalho do magnetizador é que podia ajudá-la a galgar a montanha.
E depois de ter atingido o cume, gozava da
manifestação de uma virtude à qual fazia perguntas
relativas às enfermidades de alguma pessoa. Recebia respostas. Mas
quando fazia perguntas por pura curiosidade, sem ter como objetivo o tratamento
do enfermo, não recebia resposta alguma.
Não faltei ao encontro. A enferma chegou pouco depois de mim, acompanhada
de uma senhora francesa, Mme de Créqui,
que também tinha uma enfermidade crônica e que era magnetizada.
Como ainda havia algumas pessoas da família do
médico no mesmo apartamento, que era bem espaçoso, e o dia
já começava a declinar, vi que a pessoa em crise não
prestava atenção a mim e que, conseqüentemente, não
me reconhecia. O médico começou a magnetizá-la e, alguns
minutos
depois, ela caiu, como de costume, um profundo sono. Quando já estava
adormecida, aproximei-me deles e pedi ao médico
que me pusesse em comunicação com ela, o que ele fez. Tomei
seu lugar e comecei a magnetizá-la. Vi logo que meu fluido
lhe causava mal, aparentemente porque era mais forte do que o de seu magnetizador
costumeiro, que era mais velho do que
eu. Entretanto, ela pouco a pouco foi se tranqüilizando. Perguntei-lhe
como estava e onde se encontrava. Respondeu-me
que estava um pouco melhor e que estava ao pé de uma montanha que
procurava escalar, mas onde encontrava muitos
obstáculos. Continuei a magnetizá-la e, ao fim de um certo
tempo, ela me disse que esperava atingir o cume e, por fim,
chegou a ele. E, primeiramente, viu ao lado a sua virtude, que me descreveu
muito bem. Roguei-lhe que lhe perguntasse o
que era necessário fazer para aliviar uma pessoa que me interessava
e que me viera à idéia naquele momento. A resposta
foi que era preciso empregar a decocção de uma raiz e de uma
erva, cujo nome esqueci atualmente, mas que encontrarei
novamente em M
, caso isso vos interesse. Como ela me disse o termo
técnico, vi logo que a resposta estava além de seu
alcance. Voltando à casa, folheei um velho autor de botânica
e de medicina de grande reputação entre nós. É
Zwinger, e
encontrei minha erva perfeitamente bem descrita, com as propriedades indicadas
pela sonâmbula. Mandei usar o remédio
que a aliviou, mas não a curou. Eis, pois, uma sonâmbula que
gozava de uma manifestação com o auxílio de seu
magnetizador. Talvez Jane Leade tenha caído por si mesma em estado
semelhante. Mas, é sobretudo tratando as grandes e
sublimes verdades de nossa regeneração que Gichtel é
forte e luminoso. Ele se apóia principalmente no princípio
de que
todas as obras devem sofrer a prova do fogo, no presente ou no futuro, e
que vale infinitamente mais que essa prova seja
feita neste mundo do que no outro. Ele chama de oitava forma ao fogo de
prova deste mundo. Vede nisso a figura de nosso
amigo B. em sua Tríplice Vida. Ele revela em termos claros que oitava
forma é a nossa alma naturalmente ígnea: "Unsere
eigne naturliche feuer Seele", e que é por ela que a luz emana
e se manifesta. Apóia-se principalmente sobre a necessidade
de que nosso espírito se revista, durante esta vida, de um corpo
espiritual novo, o único capaz de resistir inteiramente à
prova do fogo, pela qual somos obrigados a passar depois de havermos deixado
nosso invólucro terrestre. Sem esse
revestimento da humanidade santa e do corpo glorioso. Nossa alma permanece
completamente nua e desprovida da defesa
mais essencial. É uma carta bem longa, essa que acabo de vos escrever,
com diversas interrupções. Informai-me, por favor,
se ela vos foi remetida como espero, isto é: com o lacre intato.
Adeus, meu digno e respeitável amigo. Abraço-vos de todo o
coração e recomendo-me encarecidamente que continueis com
vossas preces fraternas por mim. P.S. Aproveito ainda o
espaço que resta nesta carta para informar-vos de que, por acaso,
acabo de encontrar nas obras de nosso amigo B. uma
teoria da vegetação. E o que é que não se encontra
nela? Outrora ocupei-me muito com a cultura e sua teoria. Encontrareis
uma amostra disso no diário do abade Rozier, do ano de 1774. São
experiências que fiz com gesso167, a pedido de nossa S
ociedade Econômica. Mas, apesar de todos os meus esforços,
jamais cheguei a formar uma idéia tolerável da vegetação.
No
momento, vejo que nossa alma explica esse mistério perfeitamente
bem. Mais do que isso, a solução dada por ele estendese
ainda por analogia à vegetação interior. A esse respeito,
vede seu tratado intitulado Clavis168, nºs 110 e seguintes. Neste
momento, acabo de receber notícias interessantes de um amigo que
tenho na corte de Munique, do qual me lembro que já
vos falei. Mas esse assunto exige uma carta à parte. KIRCHBERGER
DE LIEBISTORF
166 Espírito do mundo.
75
Carta 66 Paris, 29 de ventoso (19 de março)
Uma vez que sois capaz de atender a tantas coisa, meu mui caro irmão
em Deus, alongar-me-ei um pouco mais nesta carta
do que na anterior. Começarei dizendo-vos que a vossa última
carta chegou-me perfeitamente intata, o que não impede que
nossos progressos pareçam bem lentos em direção à
Freyheit169 e às coisas necessárias à vida. Mas a Providência
acima
de tudo. Estou a par do fato de que o nosso amigo D
vos informa com
respeito à doutrina de Swedenborg. Fui testemunha
disso no mesmo lugar, exceto no que se refere ao culto, que não vi;
e julguei que esse caminho não os levaria muito longe.
Entretanto, então eu só conhecia a minha primeira escola.
Desde que conheço B., com toda certeza não mudei de opinião.
Esse Law de quem falais sempre me passou pelo espírito como sendo
o tradutor de B., mas vejo que ele á apenas o autor
das gravuras. Lancei uma pedra na testa de um dos Golias170 de nossa escola
normal, em plena reunião e os que riram não
foram a seu favor, por mais professor que 167 À revisão: gipsita?
168 A Chave. Kirchberger dá o título em francês, seguido
do original: la Clef (Clavis). 169 Liberdade. 170 História de Davi
e Golias (I Samuel, cap. 17). fosse. Foi um dever que cumpri
para defender o reino da verdade, não espero outra recompensa que
a de minha consciência. Mas vejo que as nossas
escolas normais não se sustentarão tanto quanto eu esperava.
É preciso que todos os caminhos humanos sejam visitados e
depois destruídos. Instais para que eu me confronte com Joachim Greulich,
um homem do qual dizeis que já vos falei e que
fora ministro de um antigo rei, não tenho a menor lembrança
desse homem e assim não posso fazer a confrontação.
Quanto
aos nossos amigos de Estrasburgo, uso com eles da precaução
que me recomendais; é justificada. A tintura da qual Gichtel
fala parece-me um corolário do que B. diz na Tríplice Vida,
cap. 4, nº 18. Só existe uma lei. Quando a conhecemos pela raiz,
podemos acompanhá-la em todos os ramos, levando em conta as reduções
que ela deve sofrer em seu curso. É isso o que
faz o encanto das ciências espirituais e divinas, pois, com o fio
que nos apresentam é impossível extraviar-se, por mais
complicados que sejam os meandros do labirinto. Com toda certeza a tintura
de que Gichtel fala está acima do grande
problema físico, mas está acima do grande teorema divino,
uma vez que age no tempo. Agradeço-vos pelos novos detalhes
que me destes sobre a história póstuma de nosso general e
sobre seu amigo Ueberfeld, que teve a felicidade de ser seu
executor testamentário. Felicito-vos por terdes condições
de ler as maravilhas por eles deixadas, mas aprendo todos os dias
a ler as maravilhas que tenho em comum com todos os homens. E já
fui suficientemente advertido pelos socorros recebidos,
para ser bem culpado se não me lançasse na carreira. Acompanhai-me,
meu caro irmão, com vossas preces, pois não posso
sê-lo por vossa presença e vosso exemplo. Não rogueis
para que Deus me conceda novas graças; rogai-lhe somente que me
conceda a de bem utilizar tudo o que ele fez para mim até hoje. Fiquei
encantado com o que Gichtel diz, que todas as obras
devem passar pela prova do fogo, quer no presente, quer no futuro. Com isso
ele me dá a fórmula das provas pelas quais
passei algumas vezes e que, desde algum tempo, parecem crescer. Aprendi
a fazer uma grande diferença entre os fogos
empregados nessa operação. Quando sofremos por causa de nossas
próprias obras, falsas e infectadas, o fogo é corrosivo e
ardente, e no entanto deve sê-lo menos do que o que serve de fonte
a essas obras falsas; foi o que eu disse, mais por
sentimento do que por luz (em O Homem de Desejo), que a penitência
é mais doce do que o pecado. Quando sofremos no
lugar dos outros homens, o fogo é ainda mais próximo do óleo
e da luz; assim, embora nos dilacere a alma e nos inunde de
pranto, não passamos por provas sem delas retirar deliciosos consolos
e as mais nutritivas substâncias. Ouso confessar-vos,
caro irmão em Deus e meu respeitável amigo na verdade, que
é essa a espécie de serviço no qual, depois de muitas
experiências, tenho a esperança de ser empregado no exército.
Posso dizer-vos que nesse gênero os padres me movem
campanhas bem rudes; mas cheguei ao fim; assim, não posso mais queixar-me
disso. As ciências, os prodígios da
inteligência que nos são prodigalizados em nossas leituras
comuns, e mesmo em meus favores pessoais, não os comparo à
essa via e peço a Deus que me faça desse ponto um centro de
onde emanem e para onde retornem todos os raios de minha
vida espiritual. Eu lhe diria: "Vejo todos os guerreiros ambicionando
a honra de que seus braços e pernas seja quebrados por
seus mestres humanos, ou seja, de participarem na glória e na recompensa
fantástica que eles podem dar; por que não
ambicionaria eu a honra de servir em vosso exército e dedicar todos
os membros de minha alma ao resultado dos combates
para participar na vida encontrada junto a vós, que sois o primeiro
e o príncipe dos guerreiros do espírito?" E essa doce
idéia
faz-me passar uma noite bem boa. Em suma, não conheço estado
mais belo do que o de estar ocupado, como os Padres da
Mercê, na libertação dos cativos. Mas, voltando aos
fogos de que falávamos, creio, de acordo com o que acabo de vos
esboçar, porque as tinturas ajudam a construir e os fogos devem demolir.
Presumis bem que só falo de tinturas verdadeiras,
pois as falsas seguem a mesma ordem dos fogos, e o último termo dessa
progressão, no sentido descendente, é que a
tintura e o fogo estão totalmente separados, o que é o estado
do demônio, ao passo que, na ordem pura e suprema, eles se
acham sempre em harmonia e na mais íntima união, o que nos
é representado pelo nosso caríssimo B. de maneira tão
maravilhosa em vários pontos de seus escritos, pela aliança
imortal que existe entre o fogo e a luz. Também uma das
magníficas leis que o espírito humano pode contemplar é
a que ele expõe sobre a vegetação, no 110, De Clavi,
que me
recomendais. Eis os sinais evidentes de sua divina inteligência e
gloriosa eleição. Tais passagens bastam para levar um
homem ano somente ao fim do mundo, mas também ao fim de todos os
mundos. Amém. Não tenho as cartas do Abade
Rozier para pôr-me a par do que pensáveis outrora sobre esse
assunto da vegetação; mas eu vos direi, a respeito disso,
que
o abade Rozier pereceu no último cerco de Lyon. Uma noite ele se
oferece a Deus em sacrifício, resignando-se a
permanecer na terra se for preciso, porém pedindo para ser retirado
dela se não pudesse ser útil a nada, e depois se deita. À
noite, enquanto dorme, cai uma bomba em seu leito e o corta no meio do corpo.
Quanto a todos os detalhes magnéticos e
sonambúlicos que me enviastes, digo-vos pouco, porque esses objetos
foram tão comuns e multiplicaram-se tanto entre nós
que duvido de que em qualquer lugar do mundo tenham mais singularidade e
variedade. E como o astral desempenha um
grande papel nisso, eu não ficaria admirado que tivesse jorrado alguma
fagulha desse astral em nossa revolução, o que
76
influiu na complicação e na rapidez de seus movimentos. Informais-me,
caro irmão, que acabais de receber notícias
interessantes de uma amigo que tendes na corte de Munique, do qual realmente
me falastes antes, e que isso será assunto
para uma outra carta. Recebê-la-ei com prazer, como tudo o me vem
de vós. Enquanto aguardo, felicito-vos por irdes
descansar no campo durante o bom tempo. Não sei se terei a mesma
permissão. Tudo dependerá do andamento de nossa
escolas, que considero uma perda de tempo para aqueles que para elas foram
convocados e perda de dinheiro para o
Estado. Mas passo por cima de tudo isso com a idéia que tenho de
que tudo está ligado à demolição de Babel. O
que me
custa mais um pouco a sacrificar é a felicidade que teria em partilhar
de vosso lazer e de vossos estudos na tranqüilidade de
vossos campos. Devo ainda concordar em que nosso bom mestre me ajuda a fazer
esse sacrifício ensinando-me que pode
acudir a todos os socorros dos homens e das circunstâncias. Adeus,
senhor e caro amigo. Ora pro nobis. Quando derdes
com paisagens tão belas como essa sobre a vegetação,
tenha a bondade de recomendá-las. SAINT-MARTIN
Carta 67 B
, 12 de abril de 1795
Demorei tanto tempo, meu mui respeitável irmão, a responder
à vossa interessante carta de 29 de ventoso porque minhas
ocupações ordinárias foram ainda aumentadas com a renovação
do nosso governo, feita de dez em dez anos, que todos os
membros são substituídos em massa Nosso amigo B. conhecia
muito bem os escritos do ministro do qual vos faço menção
em minha última carta. Vede seu Erster Register, em que ele é
citado e nomeado ao pé da 8! página e dizei-me se a
passagem das Memórias, das quais vos falei em minha última
carta, não se refere à manifestação de Joachim
Greulich. A
pedra lançada à testa de Golias deu-me grande prazer: ação
alguma desse tipo cai por terra. Algumas vezes tornam-se
sementeiras no coração dos que a testemunham e sempre são
agradáveis àquele que as ditou. Muito obrigado pelos
detalhes sobre as tinturas e os diversos fogos; tratarei de tirar proveito
disso. A dissertação que compus a pedido de nossa
Sociedade Econômica e que se encontra no diário do abade Rozier,
contém, além disso, experiências seguras e com a
indicação daquelas com as quais podeis ser útil a qualquer
um dos vossos conhecidos que goste de cultivar terras. Temos
certeza, por esse meio, principalmente misturando as partes líquidas
e animais com a gipsita171, de triplicar pelo menos o
rendimento dos prados artificiais. Desde então vi ainda efeitos em
escala notável. Passemos ao nosso amigo de Munique.
Ele é um fenômeno digno de nota na época atual. É
um homem da corte: a uma alma muito bela, une conhecimentos raros
que, por sua extensão, surpreenderam-me. Maneja a língua materna
com superioridade admirável. Porém, mais do que tudo
isso, vai pelo caminho estreito da vida interior. Tudo o que fez e sofreu
pela boa causa ligou-me a ele. Julgareis em que grau
se encontra pela carta que ele acaba de me escrever e que vos copio literalmente,
sem a tradução. Se houver passagens
que vos embaracem, informai-me. Terei uma satisfação muito
grande se a Providência me escolher para uni-lo a vós. Ele
o
merece. Disse-lhe que gozava do privilégio de vossa correspondência
e de vossa amizade e, numa carta anterior, ele
informou-me que, depois de muitos trabalhos e sofrimentos, chegara por fim
ao termo e que estava agraciado por uma
manifestação bem considerável. Parece-me que deve merecer
toda a nossa atenção. Perguntei-lhe como chegara a isso, e
a
carta anexa contém a resposta. Anseio muito pela vossa opinião
sobre esta carta. Será o cumprimento de um voto bem caro
ao meu coração se a providência quiser permitir que
nos encontremos em minha pátria. Enquanto aguardo, não me
esqueçais em vossas preces. P.S. A paz entre a França e a
Prússia foi assinada em Basiléia no dia 5 deste mês,
à cinco
horas da tarde, pelo cidadão Barthélemy e o conde de Hardenberg.
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
München, den 19 marz 1795
Theuerer Freund! Das Sie mit dem Verfasser des Tableau Naturel, in Verbindung
stehan freuet mich sehr, weil ich diesen
mann (dessen Schrften ich gewiss einige funzig mal gelesen habe) sehr verehre,
und ihn als einen wahrem Weisen betrachte,
als einen Agenten der cause active et intelligente. Zu der Manifestation,
von deren ich Ihnen achrieb, bin ech bloss durch die
Libe dieser cause active et intelligente gelanget, denn sie alleine besitzet
den Schlüssel aller Geheimnisse. Seit einigen
Monaten erhiet such verschiedennBelehringen von Oben; - und set dem 15 März
werden diese t:aglich merkwürdiger; ich
habe in unserer Sprache keine Worte su erklären wie das geschicht,
denn die Geheimnisse der pneumatischen Welt können,
durch den Verstand, ohne Anschauung, nicht begrieffen werden. - Der Mensch
denkt nur durch Vergleichung der Ideen, - und
in dieser Welt giebt es neue Ideen und Sprachen; - neue Gegenstände;
neue Arbeiten: - doch da Alles in der reinsten
Vernunft gegründet ist, - kann man enen durch Thatsachen überzeugen
- denn hier ist aller voll Keraft und Wahrheit. Alles
was icn kan ist dass ich Ihnen die Belerung mittheile, die ich erhielt.
Bisher, ward mir die geistige Communication mit oben mit
getheilet; ich fühle eine höhere Gegenwat; mir ist es erlaubt
zu fragen; und ich erhalte Antworten und Anschauungen. - Der
Atuffengang wie ich hiezu durch die Gnade des Herren gelanget, war fur mich
folgender:
171 À revisão: ver nota anterior.
Ich lernte 1e Die Einheit kennen. 2e Die drey Kraft dieser Einheit. 3e Das
ausgesprochene Wort. 4e Den Namen Gottes mir 4
Buchstaben. 5e Die Dery Kraft in der Vier-Kraft,-oder 3 m 4 6e Die cause
active et intelligente. 7e Den heiligen Namen dieser
Cause. 8e Die Art wie man diesen Namen ansprechen müsse. 9e Die 2 Tafeln
des Gesetz. 10e Die Völle des Gesetzes
Und so giens immer weiter und weiter. Mit Ihnen, theuerer Freund, der Sie
über dise Sachen gedacht haben,- der sie auf dem
Weg des Herrn wandeln, kann und darf ich über Gegenstände so reden;
die Welt wurde mich als einen Schwärmer verlachen.
- O Freund! Gott ist so nahe bey uns, und wir suchen Ihn ausser, da er doch
nur in uns ist und sey will. - In unseren Herzen
77
allein komt Er in sen Eigenthum, und wenn wir Ihn aufnehmen, so giebt er
uns Gewalt gottes Kinder su werden. Einige
Aufschlüsse die Ihnen gewiss interessant seyn werden, will ich Ihnen
übersenden, aber enevor bitte ich Sie in Erfahrung
gebracht haben. Eine Aufrichtigkeit erfordet die Andere. Wir nähern
uns einer merkwürdigen Zeit: Und wenn Sie gaz ohne
Ruechaltung für mich sind, so werde ganz eines fur sie seyn.
[Caro Amigo: Munique, 19 de março de 1795
Rejubilo-me de todo o coração por estardes em contato com
o autor do Quadro Natural porque tenho profundo respeito por
esse homem (cujos escritos certamente já li umas cinqüenta vezes)
como um homem verdadeiramente sábio, como um
agente da Cause active et intelligente. É somente através
do amor por essa Cause active que atingi àquela verdadeira
manifestação sobre a qual lhe escrevi, pois somente Ele possui
a chave de todos os segredos. Durante vários meses tenho
recebido diversas instruções do Alto e, desde 13 de março
elas vêm-se tornando mais notáveis a cada dia que passa. Não
tenho palavras em nossa língua para explicar o que acontece, pois
os segredos do mundo dos espíritos não podem ser
concebido pelo entendimento, a não ser que também sejam vistos.
Normalmente o homem pensa por comparação de idéias,
mas no mundo dos espíritos há novas idéias e novas
línguas, novos objetos, novos trabalhos, mas, porquanto tudo se funda
na mais pura razão, podemos convencer os outros através de
fatos, pois aqui tudo está cheio de poder e verdade. Tudo o
que posso fazer é partilhar convosco as instruções
que eu mesmo recebi. Bisher, ward mir die geistige Communication mit
oben mitgetheilet; Até agora, a Comunicação espiritual
com
Sinto um presença mais elevada. Tenho permissão
de fazer
perguntas e recebo respostas e visões. O que se segue são
as etapas segundo as quais, pela graça de Deus, tenho
avançado:
Aprendi a conhecer:
1. A Unidade.
2. Os três poderes que nela existem.
3. O mundo franco.
4. O Nome de Deus com quatro letras.
5. O poder tríplice no poder quadríplice, ou 3 + 4 = 7
6. A Causa ativa e inteligente.
7. O Nome santa desta Causa.
8. Como pronunciar esse nome.
9. As duas tábuas da Lei.
10. A Lei completa.
E assim prossigo cada vez mais. Convosco, meu amigo, que tendes pensado
nestas coisas e estais trilhando os caminhos do
Senhor, posso falar desses assuntos, porém o mundo se riria deles.
- Ó meu amigo! Deus está tão próximo a nós
e nós O
procuramos fora de nós quando Ele está e estará em
nós, é somente em nossos corações que os tornamos
propriedade sua
e, quando O recebemos, Ele nos dá o poder de nos tornarmos seus filhos.
Eu poderia enviar algumas explicações que sei
que seriam interessantes para vós, mas antes de fazê-lo, permiti-me
saber o quanto já experimentastes. Um ato de
sinceridade exige outro. Estamos aproximando-nos de um período admirável
e, se fordes bastante aberto para coigo, sê-lo-ei
para convosco.] VON ECKARTSHAUSSEN
A prece que se segue, anexada à carta de Eckartshausen, foi por ele
mesmo composta:
Ewiges Licht! Das in den Finsternissen leuchtet, und das die Finsternisse
nicht begriffen haben! Das in sein Eigenthum kam,
und von den Seinigen nicht aufgenommen ward! Kir, heiliges Licht! öffne
ich mein Herz zumTempel. Reinige es, und mach es
dir zu einer heoligen Stätte des Wohlgefallen. - Mein eigener Wille
sey von heut an abgedankt, nur dein Wille ey mir heilig. -
Dieser geschehe aur Erden wie im Himmel. Licht der Geister! Sey du meine
Leuchte. - Durch dich, heiliges Wort! soll sich die
Gottheit in mich ausprechen. Nehme mich in dich wieder auf, der ich von
getrennet war - Beseele durch deinen Geist den
todten Buchstaben der in mir liegt; und nach deinem Verheissen gieb mir
Gewalt Gottes-Kind su werden, das aus DIR
GEBOHREN IST; lass dein WORT IN MIR FLEISCHE WERDEN, und in mir wohnen:
damit ich Seine Herrlichkeit sehe, eine
Herrlichkeit des Eingeborhnen Sohns voll der Gnad und Wahreit! Amen.
[Luz Eterna, que brilhas nas trevas, mas que não pelas as trevas
encerrada! Quem foi que não veio por sua própria conta e
não foi recebido
! A Ti, o mais Santa das Luzes, abro meu coração
para ser um templo! Purifica o meu coração e faze dele
um templo para Ti mesma e que dest dia em diante seja negado o meu próprio
eu, e que possas passar a ser a minha regra
santa, seja feita a Tua vontade assim na terra como no céu, Luz de
espíritos, sê minha lâmpada, através de Ti, Santo
Verbo,
possa a Deidade falar em mim. Leva novamente para Ti a mim que tenho vivido
separado de Ti. Pelo teu Espírito, apressa a
letra morta em mim e, de acordo com a Tua promessa, dá-me o poder
de tornar-me filho de Deus, que PARA TI NASCEU.
Que tua PALAVRA SE TRANSFORME EM CARNE EM MIM, e que habite em mim, que
eu possa ver a Tua glória como a o
Filho unigênito, cheio e graça e de verdade. Amém.]
Carta 68 Paris, 9 de floreal
78
Não encontro como vós, meu caro irmão, qualquer relação
entre a passagem o ministro Daniel172 e Joachim Greulich, a não
ser na morte de dois personagens do qual falam, pois o assunto, o núcleo,
o desfecho e as seqüências dessas duas
tragédias são inteiramente diferentes, sem contar a diferença
dos papéis secundários. Mais isso seria longo demais para
se
tratar por escrito. Nossas escolas normais estão agonizando: vão
enterrá-las no dia 30 deste mês. Provavelmente voltarei
para minha casa, a menos que eu me aloje nas cercanias de Paris, o que sempre
foi a minha vontade. Mas, na agitação em
que estamos, pode alguém ainda formar algum projeto? Tendes tempo
de escrever-me antes de minha partida, contanto que
vos apresseis. E sobretudo, informai-me novamente para onde posso endereçar
o pequeno escrito que vos prometi e que
será impresso quando vossa resposta chegar. Não tenho comigo
o endereço de Basiléia que me havíeis enviado e não
sei
se ele continua o mesmo. Quando eu puder dispor de mais tempo, procurarei
as memórias do abade Rozier, onde se fala
das vossas experiências. Destes-me um verdadeiro prazer com o retrato
e a carta que me enviastes a Munique. Entendi-a
razoavelmente e ela deu-me a melhor impressão de seu autor. Praza
aos céus que eu possa aproximar-me de vós e dele em
vosso bom país a fim de aí podermos caminhar juntos numa estrada
tão suave e fecunda como esta que seguimos! Mais
refreio sempre os meus desejos, como sabeis, tal é o medo que tenho
de colocá-los no lugar da vontade da Providência.
Além do mais, nossas finanças, no estado em que estão,
são desfavoráveis aos pequenos proprietários como eu
e, na
verdade, talvez fosse preciso vender todos os meus bens para poder viver
um ano ou dois nos países estrangeiros. Se a
Providência me destina esse consolo, ela saberá aplainar bem
os caminhos. Um de vossos compatriotas, que conhece muito
a vossa família e também o vosso amigo de Munique, foi-me
apresentado nesses últimos dias por um conhecido comum.
Falou-me bem do autor da carta de Munique, embora não esteja em condições
de vê-lo no grau em que ele se encontra hoje,
pois viu-o outrora em posições bem inferiores. Só conversei
com ele resumidamente e não lhe mostrei a carta nem lhe dei a
conhecer onde está a pessoa que a escreveu, pois não gosto
de indiscrições. Esse compatriota viveu na sociedade e ficou
um pouco impregnado de suas futilidades, mas não o achei estragado,
tanto quanto se pode sê-lo pela sociedade, quando
alguém se deixa gangrenar pelos sistemas filosóficos e destruidores
que nele reinam. Ele quer o bem, busca-o, leu e lê com
freqüência as minhas obras, mas tratei-o como a vós, remetendo-o
logo de início ao nosso caríssimo B., cujo nome ele
sequer conhece e que, creio, é um pouco forte para ele. Mas é
Deus quem semeia, que irriga e que faz crescer onde lhe
apraz e como apraz. Ele pôs-se a procurar as obras de nosso amigo
e, como foi em vão, pedevos, por meu intermédio, o
favor de procurá-las para ele e consegui-las, se puderdes. Certamente
esperais que eu dê seu nome: é o barão de
Krambourg. Perdeu a mulher, a quem era ternamente unido. Permanece na França
pela razão dos assignats, pois no
momento da revolução ele transferiu toda a sua fortuna do
banco da Inglaterra para o da França e, apesar da carestia de
tudo aqui, vive melhor ainda do que viveria em vossa terra, tendo em vista
os terríveis sacrifícios que precisaria fazer para
conseguir numerário. Ele conhece perfeitamente o vosso nome, mas,
como sois vários, encarregou-me de perguntar-vos se,
independentemente do sobrenome Liebistorf, tendes o de Gothzhal, se não
desposastes uma senhorita de Diesbach e se a
terra de Morat, que possuís, não vos vem dessa aliança.
Desincumbo-me de minha missão. Quanto ao mais, ele tem por vós
toda a estima que lhe inspirei ao traçar-lhe o vosso retrato. Adeus,
meu caro irmão, recomendo-me às vossas preces e
abraço-vos de todo o coração. SAINT-MARTIN
172 Refere-se ao profeta, na corte de Nabucodonozor, e citado antes de maneira
velada. V. o livro de Daniel.
Carta 69 M., 11 de maio de 1795
Foi ontem, meu caro irmão, que recebi vossa carta de 9 de floreal.
Encontrei-a, passando por Berna, no regresso de uma
viagem a serviço da república. O endereço para a obra
que tendes a gentileza de me enviar é o mesmo, pelo coche que vai
de Berna a Morat, aos cuidados do coronel Oser, pela diligência de
Basiléia. Nunca tereis uma opinião boa demais do meu
amigo de Munique. Quanto ao desejos sobre os objetos que nos interessam,
é aí que eles se encontram do modo melhor..
Então vos encontrastes como senhor Krambourg? Desejo do fundo da
alma que seu retorno ao bem seja sincero, e
sobretudo permanente, e que suas resoluções não se
assemelhem ao caprichos de um homem desiludido que, depois de se
haver saciado do vinho que o mundo lhe ofereceu, quer ainda beber os licores
fortes do maravilhoso. Ele jamais esteve em
condições de apreciar o meu amigo de Munique, apesar de sua
permanência nessa terra, e fico-vos muito grato pela
discrição que fizestes com relação à
carta. Tudo o que ele me conta, confiou a um amigo e o que vos escrevi sobre
isso, foi
escrito para vós, inteiramente para vós e nada mais do que
para vós. Monsieur de Krambourg teve, e não sei se ainda as
tem, relações fortes com pessoas que são exatamente
antípodas nossos. Essas pessoas sabem que eu as sigo por toda
parte e que, se a ocasião o exigir, não recearei confessar
que sou o discípulo de nosso mestre. Monsieur de Krambourg
poderia facilmente, e até mesmo sem outras intenções
que não as de espalhar uma notícia, contar-lhes tudo o que
descobriu
sobre a nossa ligação: podeis imaginar que prato excelente
seria para esses senhores. Seriam bases bem boas para se
erguer um edifício de calúnia, de entusiasmo, de fanatismo
e de ridículo, etc., etc., e sabeis o que é a maioria dos
homens,
etc., etc. Embora eu saiba apreciar esses senhores, a prudência ordena
entretanto, que nós mesmos não estorvemos nossas
próprias operações com desconfianças precipitadas,
sobretudo quando se tem uma vocação de trabalhar para o público.
Nos
tempos atuais não poderíamos todo cuidado seria pouco para
aprender a conhecer e escolher aqueles que nos cercam antes
de entrar em detalhes que possam comprometer nossos amigos por causa do
abuso que os curiosos geralmente fazem do
depósito a eles confiado. Quero supor, por um momento, que Monsieur
de Krambourg esteja bem intencionado: quem pode
garantir-nos que ele sempre o será? É preciso pelo menos fazer
com que ele passe por um noviciado antes de confiar-lhe os
79
nomes de vossos amigos. Embora Monsieur de Krambourg, neste momento, não
seja meu compatriota, porque, por uma
inabilidade enorme, ele perdeu todos os direitos em sua pátria, para
onde não voltará antes de obter graça, que no momento
não lhe aconselho pedir, isso não atrasaria, de modo algum,
o meu empenho em conseguir-lhe as obras de nosso amigo, se
eu tivesse a certeza de fazer-lhe assim algum bem. Mas, além de sua
raridade, visto que as pessoas que as possuem não as
cedem por temerem dissabores, pois o inimigo tão bem tomou as suas
providências que, na Alemanha e na Suíça toda
pessoa que apenas deixa entrever que conhece as obras de nosso amigo é
logo inundada por um dilúvio de calúnias. Há
ainda uma outra razão que torna o pedido de Monsieur de Krambourg
completamente inútil para ele: é que ele estaria a mil
léguas de distância para poder compreendê-las; não
compreenderia nem mesmo uma obra séria comum escrita em alemão,
de um estilo um pouco concentrado e reflexivo. Se suas intenções
são verdadeiras, é preciso que ele leia o Novo Testamento
e O Homem de Desejo: terá bastante com que se ocupar se quiser pôr
em prática o conteúdo desses dois livros. Lembrai-vos
algumas vezes de nosso amigo, do general Gichtel e de seus trinta discípulos.
O doutor Raadt, quanto à sua versatilidade,
bem que poderia assemelhar-se um pouco a Monsieur de Krambourg. Se quiser
tratar nossas idéias como uma diversão,
está perdido. Para saber se ele é de boa fé examinei
se realmente deseja apenas sua conversão, toda a sua conversão
e
nada mais que a sua conversão; se tem horror de si mesmo e de seus
desvarios. Enquanto aguardamos, o que há de melhor
para se fazer com relação a ele, pareceme, é jamais
falar-lhe da Obra e o menos possível do meu amigo e de mim. E isso
sempre em termos bem gerais, se ele desejar tornar-se cristão, Deus
o queira. Mas aguardai que ele se tenha tornado cristão
antes de abrir-vos com ele. Adeus, meu caro e respeitável Irmão,
não deixeis de rogar por mim, sobretudo agora, para o
socorro e o sustento de nosso D. M.173 KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
173 Divino Mestre.
Carta 70 Paris, 3 de prairial
Vosso silêncio inquietava-me, meu caro irmão, e eu começava
a temer que minha carta se houvesse extraviado. Quanto ao
nosso amigo de Munique, ficai tranqüilo sobre a minha ligação
com ele; o que dele soube por meio de vós é favorável
demais
para que eu não me sinta inteiramente atraído por ele e para
que nossos laços não sejam indissolúveis, mesmo que
não nos
víssemos jamais aqui na terra. Minha intenção, ao imprimir
o meu pequeno escrito, foi a de fazer passar-vos, por meio dele,
um exemplar. Assim, recebereis dois nos endereços que me destes.
Não será pela diligência de Basiléia, pois a
encomenda
é muito pouco volumosa para não ser aceita pelo correio de
cartas. Será por intermédio do embaixador da Suécia
aqui, o
qual se encarregará de juntá-lo à primeira mensagem
que tiver de enviar a Basiléia. Se eu tivesse recebido vossa carta
mais
cedo, a encomenda já teria partido, porque o embaixador estava então
fazendo um envio. Tenho esperança de que logo se
lhe apresente uma outra e que não tereis muito que esperar. Quanto
a Monsieur de K
, vejo-o pouquíssimo, dada a
distância de nossos alojamentos e a diferença de nossas ligações
sociais. Disse-vos o que pensava desses meios
intelectuais, o que não me impediu de falar-lhe de Böhme, salvo
para que tirasse dele o que pudesse. Congratulo-me mais
do que nunca por não lhe ter permitido ver nem conhecer uma idéia
ou uma palavra da carta em questão, que foi e será, isso
eu vos juro, inteira e exclusivamente para mim. Mesmo assim, reprovo-me
sinceramente por não haver levado mais longe a
discrição calando nomes que não teriam utilidade para
ele, e meu coração sofre da mágoa que eu poderia ter
causado ao
vosso por causa leviandade pela qual me condeno e pela qual peço
com sinceridade o vosso perdão. Não obstante, para que
minha graça seja menos difícil de ser conseguida, afianço-vos
que minhas conversas com Monsieur de K
jamais versaram
um só instante sobre o maravilhoso, que não revelei a ele
as minhas ligações convosco e as vossas com o amigo de
Munique, a não ser com relação às riquezas e
profundidades filosóficas que o caminho simples revelaria a todos
os homens
que soubessem estudar a si mesmos. Conheceis minhas opiniões sobre
o maravilhoso e o distanciamento que mantenho
dele, assim mostrei-me a Monsieur de K
da mesma forma como me mostrei
a vós, exceto que sua pouca instrução não me
permitiu raciocinar tão profundamente com ele nem de fazer-lhe tantas
aberturas como fiz convosco. Também nada me
parece mais cômodo nem mais natural do que seguir com ele a rota que
me traçastes com vossa resposta e, para dar-vos
uma idéia precisa de tudo o que eu lhe disse, e absolutamente tudo
o que diria sobre vós, é que só me respondestes mui
rapidamente por estardes ocupado com os negócios públicos
de vosso país e de vosso posto, que vos ocupais com zelo em
conseguir para ele a obra em questão, mas que ele não deve
contar com um êxito tão pronto nem tão garantido, dada
a
raridade da obra e as dificuldades daqueles que a possuem de se desfazerem
dela. Repito-vos caro irmão, que, além dessas
palavras, não sairá nenhuma outra palavra de minha boca com
referência a vós, a vós e ao vosso amigo, e menos ainda
algo
que vos comprometa. Em conseqüência, dir-lhe-ei o que me dizeis
do Evangelho e de O Homem de Desejo, como se fosse
vindo de mim. Para todas as perguntas sobre vossa família e vosso
nome direi, como acima, que não me dissestes mais do
que uma palavra e que nem me falastes deste assunto. A esse preço,
caro irmão, espero que vossa boa amizade por mim
dissipe todas as nuvens que minha precipitação possa ter provocado
em vosso espírito. Esta lição me servirá para
o resto de
meus dias e eu vos agradeço de todo o coração pelas
boas verdades que me dissestes sobre esse assunto. Parto o mais
cedo possível para minha terra. Não é sem pesar, pois
lá não tenho ligação alguma em meu tipo e aqui
tenho muitas, embora
de natureza bem diferente. Mas escuto tudo e vejo tudo o que se apresenta,
experimentando, segundo o preceito, todos os
espíritos. Houve quem me retratasse antecipadamente, e quase ao natural,
o abalo que acabamos de sofrer e no qual vi
novamente o império da ditosa e poderosa estrela que preside à
nossa revolução. Há outros que me retratam coisas de
ordem superior, cuja confirmação se demonstra com tanta freqüência.
Todos estão animados pela fé mais viva e pela mais
80
inteira confiança nas virtudes do espírito do nosso divino
Reparador, o que torna suave e salutar o meu relacionamento com
eles. Mas partindo, prometi aos meus amigos que voltarei quando houver terminado
alguns negócios meus e quando houver
uma colheita menos fraca. Um deles até me facilitará, de acordo
com um arranjo entre nós, o meio de ter aqui uma existência
menos penosa do que a que levo há cinco meses e que me desvie menos
de minhas tarefas. Isso eu vos contarei no devido
tempo. Também não disse nada a ninguém sobre os assuntos
acima que acabo de vos confiar. Não gosto de confiar tais
assuntos senão aos que estão acima; ora, a maioria dos homens
está mesmo abaixo. Adeus, meu caro irmão. Amai-me
ainda e rogai por mim. Meus endereço, de agora em diante, é:
Amboise, praça da República, departamento de Indre-et-
Loire174. É tudo isso, até a minha volta. Dissestes-me para
endereçar meu pacote para Basiléia, de onde vos será
remetida
a Morat pelo coche. Mas não me dais instrução alguma
quanto às minhas cartas. Assim, endereçarei esta a Berna,
como de
costume. Há em vossa carta uma expressão que não compreendo.
É quando me dizeis no penúltimo parágrafo: "Lembrai-vos
algumas vezes de nosso amigo, do general Gichtel e de seus trinta discípulos.
O doutor Raadt, etc." É esta última palavra
que não compreendo e cuja aplicação e explicação
vos peço. SAINT-MARTIN
Carta 71 Morat,
de junho de 1795
Temo, caro irmão, haver-vos causado um sentimento incômodo
com minha última carta. Podeis ter a certeza de que essa
ocorrência não diminuiu meu apego para convosco. Tive ocasião
de ficar sabendo de um estado de coisas que torna
verdadeiramente urgente a reserva sobre o assunto de nossas idéias.
A incredulidade formou atualmente um clube muito
bem organizado: é uma grande árvore que lança sombra
numa parte considerável da Alemanha, produz frutos bem maus e
estende suas raízes até a Suíça. Os adversários
da religião cristã tem suas afiliações, observadores
e correspondência bem
estabelecidos. Têm, para cada departamento, um provincial que comanda
os agentes subalternos; controlam os principais
jornais alemães, que são a leitura predileta do clero que
não gosta de estudar. Nesses jornais, preconizam escritos que
corroboram suas idéias e maltratam todas as outras. Se um escritor
quiser erguer-se contra esse despotismo, tem dificuldade
em achar um editor que queira encarregar-se de seu manuscrito. Eis os meios
para a parte literária. Mais eles ainda têm
muitos outros para afirmar seu poder e rebaixar os que sustentam a boa causa.
Quando há uma vaga qualquer no ensino
público, ou quando há um nobre que esteja precisando de um
preceptor para os filhos, eles têm três ou quatro pessoas já
prontas, que mandam apresentar-se ao mesmo tempo por vias diferentes, mediante
o quê, estão quase sempre certos de ter
êxito. É assim que está composta a Universidade de Göttingen,
a mais célebre e mais freqüentada da Alemanha, à qual
enviamos nossos jovens para estudar. Eles também urdem intrigas para
colocarem seus afiliados nos gabinetes dos
ministros, nas cortes alemãs. Têm esses afiliados até
mesmo nas administrações comunais e nos conselhos dos príncipes.
Um segundo grande meio que empregam é o de Basílio
a
calúnia. Esse meio tornou-se ainda o mais cômodo para eles
porque, infelizmente, a maior parte dos pastores protestantes são
os seus mais zelosos agentes. E como essa classe tem mil
maneira de se imiscuir por toda parte, podem, ao seu bel prazer, provocar
rumores ofensivos antes que se tenha
conhecimento do fato e tempo de se defender. Essa coalizão monstruosa
custou ao seu chefe, um velho letrado de Berlim e
ao mesmo tempo um dos mais célebres editores da Alemanha, trinta
e cinco anos de trabalho. Desde 1765 ele vem redigindo
o primeiro jornal desse país. Chama-se Frédéric Nicolaï175.
Essa Biblioteca Germânica também apoderou-se, através
de
seus agentes, do espírito da gazeta literária de Iena, que
é mui bem feita e se vende nos países em que a língua
alemã é
conhecida. Além disso, Nicolai influi no jornal de Berlim e no Museu
Alemão, duas obras de grande reputação. A organização
política e as sociedades afiliadas foram estabelecidas quando os
jornais já tinham espalhado suficientemente o seu veneno.
Nada iguala a constância com a qual essas pessoas seguiram os planos
deles. Caminharam lentamente, mas com passo
firme, e atualmente seus progressos são tão assustadores e
sua influência tão enorme que não há esforço
algum que possa
resistir-lhes. Somente a Providência tem o poder de livrar-nos de
tal peste. A princípio, a marcha dos nicolaítas era muito
circunspecta, tinha como associadas da sua Biblioteca Universal as melhores
cabeças da Alemanha, os artigos científicos
eram admiráveis e os relatórios das obras teológicas
ocupavam sempre uma parte considerável de cada volume. Esses
relatórios eram compostos com tanta sabedoria que nossos professores
na Suíça os recomendavam aos nossos jovens
eclesiásticos em seus discursos públicos. Mas, pouco a pouco,
passaram a destilar peçonha, embora com muito cuidado. A
peçonha foi reforçada com habilidade. Mas no fim, deixaram
cair a máscara e em dois de seus jornais afiliados os celerados
ousaram comparar nosso divino Mestre ao célebre impostor tártaro
Dalai Lama (V. o art. de Dalai Lama, em Moreri). Tais
horrores circulavam entre nós sem que negligência, em toda
a Suíça, apresentasse o menor sinal de descontentamento.
Então, em 1790, eu tomei da pena e, num periódico político,
ao qual vinha anexa uma página de assuntos variados,
despertei a indignação pública conta esses iluministas,
Aufklärer, ou esclarecedores, como se chamavam. Apoiei-me na
atrocidade e na profunda estupidez dessa blasfêmia. As desordens eclesiásticas
referentes à religião, nos Estados do rei da
Prússia, haviam se tornado tão grandes que o atual rei foi
obrigado a dissolver o consistório de Berlim e confiar a escolha
dos
candidatos ao ministério a um de seus favoritos, Monsieur de Wöllner,
e a dois homens fidedignos, Monsieurs Hilmer e
Woltersdorf. Em 1788 o rei havia publicado um edito pelo qual nenhum eclesiástico
ousaria pregar ou ensinar outra religião
além da que era tolerada, mas esse edito foi arrastado na lama por
todos os jornalistas afiliados e escarnecido numa peça de
teatro escrita para esse fim. O doutor Bahrt, um dos autores da peça,
foi detido e, enquanto corria seu processo, Monsieur
Wollner, o mais maltratado na sátira, enviou-lhe dinheiro para alimentar
sua família. O rei contentou-se em mandá-lo encerrar
por algum tempo em Magdeburgo. Atualmente já é falecido. Era
um escritor fecundo e um dos mais ferozes divulgadores da
doutrina do nicolaítas. Como então eu tinha um pouco mais
de tempo do que agora, acompanhei a marcha dessas pessoas e
81
principalmente o seu progresso em nossa terra. Pouco mais ou menos nessa
época, entrei em correspondência com nosso
amigo de Munique, cujos conhecimentos, e sobretudo o seu amor à religião,
deram-me a mais grata satisfação. Ele conhecia
física muito bem e, com suas experiências novas e adaptadas
ao gosto do príncipe, ganhou-lhe a benevolência. Transmiti-lhe
minhas observações sobre a grande liga que se formava contra
a religião cristã. Ele ficou atento e fez observações
por sua
vez. Descobriu tanta coisa que pegou em armas. Compôs um relatório
para despertar a atenção dos governos. Aconselheilhe
uma audiência secreta com o Eleitor. Ele a obteve, foi aprovado e
seu relatório passou a Viena sob a proteção da corte.
Reatei relações com o cavaleiro de Zimmermann, em Hannover,
um velho leão, que era uma das melhores penas176 da
Alemanha. Ele concordou com todas as minhas idéias e redigiu um relatório
que fez chegar ao Imperador por intermédio de
um de seus amigos. Esse amigo era um professor de Viena, admitido com freqüência
na residência do Imperador. Leopoldo
aprovou nossa vigilância, deu um presente muito bonito a Monsieur
Zimmermann e queria tomar medidas sérias em conjunto
com a corte de Berlim quando, subitamente, morreu. E quem sabe de que maneira?
Os iluministas soltaram gritos de alegria
por ocasião de sua morte e confessaram ingenuamente, nos jornais
afiliados, que haviam escapado por pouco. Nicolai e sua
Biblioteca Germânica foram expulsos de Berlim, mas ele continua com
ela, no momento, em outra província da Alemanha.
Desde então, as coisas vão de mal a pior. Entretanto, descobri
que em vários locais as pessoas honestas estavam unindo-se
contra esses bandidos. Em Basiléia, onde o clero ainda está
intato, há m centro de reunião de uma sociedade espalhada
por
diversos países que publica uma obra feita com cuidado para manter
o cristianismo. E há seis semanas recebi uma carta de
um professor da universidade no Hesse, contando-me também que fora
formada uma numerosa sociedade de homens
instruídos de todas as classes para resistir aos esforços
dos iluministas. Neste momento, essas pessoas fazem menos mal
com seus escritos do que com suas afiliações, intrigas e monopólios
de lugares, de modo que a maior parte do nosso clero,
na Suíça, está gangrenada até a medula dos ossos.
De minha parte, faço tudo o que posso para pelo menos retardar a
marcha dessa gente. Algumas vezes consigo, mas em outras meus esforços
são impotentes porque eles são muito hábeis e
seu número se chama legião. Peço-vos que, depois de
vosso regresso a Paris, faleis a vossos novos amigos sobre essa
aflitiva situação de coisas, tomar sua opinião e de
informar-me dos resultados. Foi para mim uma satisfação bem
grande
saber que encontrastes verdadeiros adoradores de nosso divino Mestre. Respeito-os
do fundo de minha alma. Estou
atualmente em Morat, mas recebo todas as cartas endereçadas a B
.
assim, continuai como o mesmo endereço, até novas
instruções. Adeus, meu caro e respeitável irmão.
Não duvideis jamais de minha amizade inalterável por vós
e jamais vos
esqueçais de mim em vossas preces. Que achais dos nºs 5 e 8
da marcha gradual, Stuffengang, do nosso amigo de
Munique, que se encontra na carta que vos enviou? Não achais que
receberam o melhor cunho possível? Quem iria buscar
tais conhecimentos com um conselheiro eletivo da corte do eleitor paladino
e com o secretário de seus arquivos?
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
174 Amboise, place de la République, département d'Indre-et-Loire.
175 O nome está citado em francês, embora seja alemão.
A tradução americana traz Frederick Nicola.
Carta 72 30 de prairial
Agradeço-vos, caro e respeitável irmão, pelas instruções
que me destes sobre a sociedade em questão. Há muito que esse
sistema busca estender-se e por sessenta anos os nossos filósofos
o fizeram multiplicar na França. Estou convencido de que
nossas escolas normais, sem se ligarem a essa sociedade, tinham o mesmo
alvo. Assim, já o disse e repito, vejo como efeito
da Providência o fato de essas escolas terem sido destruídas.
Não tenho dúvida alguma de que a sociedade da qual me
falais acabe por ter a mesma sorte, e não creiais que a nossa revolução
francesa seja uma coisa indiferente na terra.
Considero-a como a revolução do gênero humano, tal como
o vereis em minha brochura, uma miniatura do juízo final, mas
que deve oferecer todos os traços dele exceto pelo fato de que as
coisas só devem acontecer de maneira sucessiva, ao
passo que no fim tudo ocorrerá instantaneamente. A França
foi a primeira a ser visitada, e foi-o de modo severo, porque foi
muito culpada. Os países que não valem mais do que ela não
serão poupados que chegar o tempo de serem visitados. Creio
mais do que nunca que Babel será perseguida e derrubada progressivamente
em todo o globo, o que não impedirá que ela
brote novamente em novos rebentos que serão desarraigados no juízo
final. Na época atual, ela não será visitada até
o
centro, visto que, felizmente para nós, seu centro ainda está
oculto, e ai daqueles que estiverem presentes quando esse
centro espalhar sua infecção! Quanto ao procedimento a observar
contra essas doutrinas informais que se espalham pela
Alemanha, creio que a que observais é o melhor, textos e conduta
são os únicos remédios para se opor a essa peçonha.
Quando ela se desenvolver mais, a Providência certamente suscitará
meios equivalentes para fazer-lhe contrapeso. Sobre
isso ocorre-me uma idéia que vos submeto: é que, depois que
tiverdes lido a minha pequena brochura, rogo que vos
recolhais ao vosso interior e que vos consulteis para saber se poderíeis
crer que ela fosse capaz de concorrer em qualquer
coisa para o bem que gostaríeis de fazer aos vossos cantões
germânicos. Se assim for, eu ousaria propor-vos a tradução
e a
publicação em vossa língua. Será fácil
para vós: alguns dias de lazer bastariam. As despesas não
seriam consideráveis em
vosso país. No meu essa insignificância, que em outros tempos
me teria custado cinco ou seis luíses177, custou-me mais de
mil escudos178. E embora eu não conte compensar as minhas despesas,
visto que esses assuntos são bem fúteis para a
leviandade de meu concidadãos; embora deva esperar mais apupos que
aplausos, minha consciência instou-me a lançar
essas idéias a público. Então não hesitei e
me regozijo de todo o coração, estando bem certo de que aquele
para quem o fiz
poderá um dia dar-me uma recompensa que valerá mais do que
a dos homens. Dizei-me o que pensardes da idéia que vos
82
transmito. Acreditarei que qualquer decisão vossa será a melhor.
Quanto a Monsieur de K., se foi com relação à essa
sociedade germânica que vos causou qualquer ressentimento, creio ele
não tem fundamento, não lhe creio qualquer relação
desse tipo. Creio-o muito pouco inclinado ao trabalho da pena para estar
à altura daquilo que semelhante correspondência
exigiria de sua parte. Ele pertence simplesmente à classe do mundo
frívolo e ignorante, um pouco empedernido pelos
sistemas dos filósofos, mas havendo, entretanto, adquirido há
alguns meses (não através de mim), alguma crença sobre
alguns pontos importantes. Se eu o vir quando voltar a Paris, como ele me
manifestou muita vontade de que eu o
encontrasse, agirei de modo que nutri-lo na senda da fé e de sua
geração. Quanto ao mais, confiai em minha palavra de que
jamais vos comprometerei, nem ao vosso amigo e muito menos à Obra.
Os números 5 e 8 de vosso amigo impressionaramme
como a vós, ainda mais porque [números
]179 concorda
maravilhosamente com meus números, de segundo minha
primeira escola. O número 8 é seu desenvolvimento ativo, no
sentido de que ele a fez realmente reencontrar a palavra
perdida. O espírito de Deus sopra onde quer. Não me surpreende
que essa luzes tenham germinado no coração de um
príncipe; Isaías era de sangue real. Não fico mais
surpreso de que essas altas doutrinas tenham sido encontradas num
sapateiro como nosso amigo B., e no profeta Amós, que era apenas
um pastor. Tenho certeza de que esse simples pastor foi
um dos mais adiantados no conhecimento da palavra. Deus não faz acepção
de pessoas, apenas os nossos amigos são de
seu reino. Todas as caricaturas e patuscadas com as quais nos enfeitamos
neste mundo são estranhas aos olhos da
Providência, formando como que um reino à parte, como fantasmas
sobre os quais sua vista não se foca. Lede os números
13 e 14 da carta 47 de B., tão cara ao general Gichtel, e vereis
e que consiste a vida e onde se encontra realmente a Fonte
da Juventude, ou o conhecimento do nome de Deus e da palavra que vo-lo pode
transmitir. Estou passando algum tempo no
campo em casa dos poucos parentes que me restam. Aqui restauro, com repouso
e alimentos sadios, a saúde física, que
sofreu consideravelmente por causa de minha estada em Paris. Aqui restauro
ainda mais a saúde espiritual através da leitura
de nosso amigo e das Sagradas Escrituras e da prece. Quanto à minha
escrivaninha, deixo-a descansar um pouco, tal é o
medo que tenho de caminhar sem meu guia e a vontade de nunca separar-me
de minha base e de minha fonte, nem por
pensamento, nem por palavra, nem por ações. Enfim, gostaria
de não ter mais vontade e sinto como ainda estou distante.
Não deixa de ser verdade que esse é o alvo. Ajudemo-nos mutuamente
a nos chegar a ele o mais que pudermos; eis a
verdadeira fraternidade. As pessoas de Paris a quem me sugeris falar de
vossos negócios da Alemanha quando de meu
retorno não podem fornecer nenhum um remédio para eles a não
ser com suas preces. São pessoas simples e iletradas e
até mesmo os favores de que gozam estão bem longe de ter a
minha confiança irrestrita. O astral parece desempenhar nisso
um grande papel. E isso afeta apenas objetos muito secundários. Os
altos conhecimentos e a bela lógica espiritual lhes são
estranhos, mas elas têm virtudes, vêm procurar-me e não
rejeito ninguém, tudo experimento de acordo com meu parcos
meios. Adeus, meu caro irmão. Não me causastes aborrecimento
algum com vossa última carta. Jamais um irmão poderia
fazê-lo, somente a minha fragilidade e minha insegurança. Quanto
a vós, sempre me destes prazer. Recomendo-me às
vossas preces. Tão logo minha brochura estiver em vossas mãos,
não deixeis de acusar-me sua recepção. Temo a demora
das pessoas que encarreguei da comissão junto ao embaixador da Suécia
e acabo de escrever-lhes por causa disso.
Continuai endereçando vossas cartas a Amboise, embora esta esteja
sendo remetida de Tours, a cidade mais próxima da
região campestre em que me encontro. E mais ainda, tende a precaução
e colocar as palavras: Praça da República no
endereço. Na vossa última carta, haviam-nas colocado acima
da palavra Amboise, junto com as que indicavam o
departamento. Os funcionários do correio, que são umas máquinas,
não vendo senão o nome da cidade, enviaram vossa
carta a um de meus concidadãos no campo, a duas léguas de
Amboise, o qual tem o mesmo nome que eu, mas que não tem
comigo parentesco algum, nem de sangue nem de idéias. A carta não
foi aberta por ele, porque ele leu melhor o endereço
dos carteiros, mas isso provocou um atraso enorme. SAINT-MARTIN
176 Escritor.
177 Antiga moeda de ouro ( louis d'or), surgida no tempo de Luís
XIII (séc. XVII). Na época em que estas cartas são
escritas,
valia 20 francos.
178 Antiga moeda francesa de prata (substituída pelo franco) valendo
3 libras (havia também o escudo de 6 libras).
179 À Revisão: a tradução inglesa traz 3 m/7
4.
Cartas 73-87
Carta 73 Morat, 1º de julho de 1795
Acabo de receber, meu caro e respeitável irmão, vossa interessante
carta de 30 de prairial. Nosso amigo B. acredita, como
vós, que Babel será perseguida e destruída, e, o que
é de se notar, predisse que seus escritos ficariam e que chegaria
um
tempo em que neles seria buscada a pérola. Atualmente, conheço
vários livreiros em B. que afirmam que esses livros são
muito procurados e com urgência. No entanto, há quase dois
séculos que foram compostos. Onde está a obra de teologia,
ciências e filosofia da qual se possa dizer o mesmo? Eu faria com
muito prazer o que me pedis quanto à vossa obra. Tenho
grande desejo de recebê-la e, quando a houver recebido, não
deixarei de vos responder em detalhe sobre esse assunto.
Quanto a Monsieur de Krambourg, cujo verdadeiro nome é Frisching,
de uma família patrícia e consular nossa, faríeis uma
boa obra se acendêsseis nele a centelha do bem que parece luzir em
sua alma. Na juventude ele se desviou por causa de
sua própria figura, que era elegante, e pela fortuna que, se bem
gerida, teria sido mais do que suficiente para todas as suas
necessidades razoáveis. Foram as mulheres quem o estragaram, principalmente
a mãe, que era louca par ele. Ele passou
83
uma parte da juventude na França. Concentrou então todas as
suas faculdades em tornar-se um homem que dá sorte com
as mulheres e uma pessoa agradável. Assim, as mulheres apequenaram
seu espírito, pois creio que ele teria podido ter-se
tornado qualquer coisa melhor. Seu primeiro preceptor era um homem de bem
que acreditava na religião. Talvez lhe tenha
deixado algumas sementes que no presente, como ele só pode estar
desgostoso do mundo, começam a germinar. Sua
infeliz inclinação pelas mulheres fê-lo tomar um desvio
que excedia qualquer limite, mas com o qual no momento é inútil
importunar-vos. Tenho certeza de que não apenas ele não mantém
correspondência sobre o assunto dos negócios da
sociedade germânica, mas que até mesmo lhe ignora a existência.
O que eu presumia era uma correspondência de negócios
de interesse que outrora ele manteve com um eclesiástico daqui, o
qual possui o que se chama de vivacidade de espírito, e
que, não obstante, é um indivíduo de mau caráter
e ao qual ele poderia dar informações sobre nossa ligação
em troca de
uma notícia, para preencher um canto de sua carta. Concordo perfeitamente
convosco em que as cruzes, fitas, pergaminhos,
elmos e brasões com que enfeitamos este mundo são ornamentos
de teatro que logo se tornam ridículos os olhos dos sábios
desde o instante em que aquele que com eles se orna atribui-lhes um valor
intrínseco. Nenhum dessas frivolidades têm outra
utilidade real senão a de manter, no meio da multidão, uma
certa subordinação mecânica que algumas vezes se volta
em
proveito da ordem, mas que com freqüência pode tornar-se fonte
de muitas desordens. Quanto aos conhecimentos e às
eleições superiores, supõe-se que não são
regulamentados pelo absurdo de nossa posições. O que eu queria
dizer da corte
onde o nosso amigo vive era relativo à ordem ou, para falar de maneira
mais clara, à desordem moral que nela domina. Um
homem como esse meu amigo, nessa corte, é quase o mesmo fenômeno
que um ananás que lançasse raízes no alto do São
Gotardo180, onde não apenas não existe vegetação,
mas nem mesmo terra para enterrar os mortos, ou seja: que só há
rochedos e neve. Com isso, o príncipe que reina nessa corte é
um homem gentil, que ficaria muito satisfeito se todos os seus
súditos fossem felizes. Quanto ao nosso amigo, não deixo de
preocupar-me com ele, e isso por causa de um trabalho que é
uma nova prova da excelência. Por amizade a mim - ou, para exprimir-me
mais corretamente - pelo desejo de contribuir na
glória da causa ativa e inteligente, ele resolver ter uma conversa
de dois ou três dias comigo; queria transmitir-me
verbalmente o conhecimento da palavra perdida. Marcamos um encontro numa
cidade próxima. Ele saía de um indisposição
bastante séria e, no caminho, entre Munique e a Suíça,
caiu enfermo, de modo que foi preciso levá-lo para casa sem que eu
tivesse o prazer de vê-lo. Ele me escreveu sobre esse incidente, na
esperança de restabelecer-se logo e com o desígnio de
retomar seu projeto de conversa o mais cedo possível. Ao mesmo tempo,
enviou-me uma obra de autoria sua, que acabava
de sair do prelo. Sua carta datava de 6 de junho. Mas desde então
não recebi mais uma palavra de sua parte, de modo que
não deixo de inquietar-me sobre o seu estado atual de saúde.
Seu livro é a obra mais espantosa que já apareceu na
Alemanha desde os escritos de nosso amigo B. Ele executou, mas com meios
bem mais superiores aos meus, um projeto
que eu concebera aos dezenove anos, a partir de algumas passagens esparsas
nos escritos de Leibnitz e de Wolf, quando
ainda a serviço das armas: sempre lembrarei com prazer os momentos
agradáveis que passava no forte de Saint-Pierre, a
meia légua de Maestricht, para onde fora destacado, com os escritos
e um de vossos compatriotas181, também nascido na
Touraine182, onde encontrei em seu Tratado sobre o Método , que seu
espírito sentia as mesmas necessidades que o meu.
Com a idade de vinte e quatro anos, vi Daniel Bernouilli183 em Basiléia,
o qual me encorajou; e, um ano depois, Lambert
publicou seu Novum Organum, que me confirmou ainda uma vez as lacunas percebidas
por pensadores de diversos países
na estrada que conduz à verdade. Desde então passei a empregar
minhas horas de lazer nesse trabalho e creio que já vos
falei dele em uma de minhas cartas. Mas eis o meu amigo que, com um assiduidade
impar, atinou, em muito menos tempo,
com toda a estrutura de uma dezena de caminhos que nossos filósofos
e nossa corrupção humana construíram umas sobre
as outras para nos ocultar a verdade. Ele emprega também um instrumento
novo, ou pelo menos pouco conhecido, e esse
instrumento, que não era o meu, são os números. Depois
de haver estabelecido os princípios, emprega publicamente seu
instrumento para a solução de muitos problemas em gêneros
completamente diferentes. Esse conjunto está revestido da
roupagem da filosofia moderna para melhor confundir os pretensos preceptores
deste século, dentre os quais um, chamado
Kant, de Könisgsberg, produz há dez anos uma espécie
de revolução metafísica que causou um tumulto prodigioso
na
Alemanha. Creio que o Quadro Natural o colocou no caminho certo. Além
disso, ele encontrou em De Secretis Numericis184,
de Marsilio Ficino 185, e em muitos outros mais antigos ainda, vestígios
que o confirmaram, dos quais só citarei quatro
passagens: "Paucissimi in terris qui profunda numerorum intelligunt
arcana186." Platão. "Mirantur profunda, nescientes quibus
pirncipiis nosin operatione mirandorum utamur. Derident nos; nos autem hæc
de nobis judicantes propter eorum ignoratiam
non miramur." Mars. Fic., De Secretis Numericis. "Numerio ratio
contemnenda nequaquam est, quæ in multis sacrarum
scripturarum locis quam magis sit æstimanda elucet diligenter intuentibus;
nec frustra in laudibus Dei dictum est: Omnia,
mensura, pondere et numero fecit." St? Agost., Civ. Dei187. II. "Numerorum
imperitia, multa fecit non intelligi translate et
mystice posita in scriptura." Id, in Doctr. Christ.188 L. 2. Estando
a caminho da fronteira, tive um encontro do qual é
necessário falar-vos de passagem. Encontrei num albergue um francês
anteriormente estabelecido em Lyon, chamado
Gabriel Magneval. Ao ficar sabendo que eu tinha relações com
um de seus amigos mais íntimos em Basiléia, o qual estava
presente, tornou-se mais aberto. Falamos de Lyon em 1784 e 1785. Ele era
um dos primeiros diretores e contribuintes dessa
espécie de templo que lhes custou 130.000 francos. Não lhe
escondi minhas dúvidas no tocante à solidez de seus pontos
de
vista, dúvidas que se fundavam principalmente na imoralidade e a
falta de fé cristã do mestre deles. Ele concordou de bom
grado sobre a nulidade e principalmente sobre o orgulho desenfreado do professor,
mas argumentou que a verdade podia,
como os dons do sacerdócio na Igreja Romana, passar por canais impuros
sem nada perder de seu valor, que eles eram de
boa fé e cheios de respeito pelo nosso divino Reparador. Descobri,
em seu discurso, que o mestre deles, não obstante a
abjeção de seu estado moral, havia operado pela palavra e
até mesmo transmitido a seus discípulos o conhecimento de
84
como operariam da mesma maneira durante sua ausência. Observei-lhe
que eles tinham, talvez, produzido formas que eram
apenas a efígie, e não a realidade dos objetos. Perguntou-me
então com que razões eu cria que se pudessem distinguir as
manifestações reais das que eram apenas imitações?
Respondi-lhe que achava que o melhor guia era o aperfeiçoamento
das disposições interiores. Nossa conversa foi interrompida,
mas um fato a ser sempre notado é que um impostor como Cagl.
tenha estado de posse da palavra. Conheceis pessoalmente o cidadão
Magneval? E que pensais dele? Atualmente estais
lendo as epístolas de nosso amigo B
, e eu também. Estava
lendo-as quando recebi vossa carta. Acho que nosso autor
nelas manifesta principalmente a beleza de sua alma. Li na carta 47, nºs
13 e 14, o que me recomendais. Parece-me que a
base desses números consiste no preceito de nada querer sem a vontade
de Deus. Creio também que a doce inclinação que
nos atrai para ele é a atração do Pai, que confirma
o que foi dito por Jesus Cristo: "Ninguém pode vir a mim se
o pai que me
enviou não o trouxer189." Mas dessa atração ao
conhecimento da palavra ou do nome sagrado vai ainda uma grande
distância. Nosso autor sabe dar uma virtude particular à pronúncia
desse nome, como se a vibração do ar, provocada pela
voz ao pronunciar as quatro grandes letras do santo nome de J. H. V. H.,
trouxesse consigo um virtude ou uma força sensível
que, unindo-se à virtude e à força que não é
sensível, produzisse os efeitos que devem realizar nossos desejos!
Confesso
que isso é para mim um mistério impenetrável e, conforme
o revelado por meu amigo de Munique, deve haver ainda uma
maneira particular de pronunciar esse nome: é uma nova profundidade
na qual minhas idéias se perdem. Segundo a doutrina
do nº 13, linhas 6 e 7, ficaríamos tentados a crer que a vontade
divina se serve da voz humana como um órgão para conduzir
a luz através de fogo. Se tiverdes permissão de me abrirdes
vosso pensamento sobre esse assunto em termos claros e
distintos, eu vos agradecerei; caso contrário, dizei-me, com a mesma
simplicidade, que não o podeis. Adeus, meu caro e
respeitável irmão. Espero que a estada no campo e o regime
de que me falais fortaleçam vossa saúde. Aguardo sempre as
vossas cartas com impaciência e rogovos não me esquecerdes
em vossas preces. Participei ao nosso amigo de Munique as
coisas agradáveis que me havíeis encarregado de dizer-lhe.
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
180 Monte dos Alpes.
181 Descartes.
182 Região de Tours, França.
183 Fundador da hidrodinâmica.
184 Sobre o Segredo dos Números.
185 Ficino.
186 Há poucos na terra que entendem os profundos arcanos dos números.
187 A Cidade de Deus.
188 A Doutrina Cristã.
189 Evangelho de João, 6:44
Carta 74 27 de messidor
Em nada me surpreende, meu caro irmão, a procura das obras de nosso
amigo conforme ele previu, mas duvido de que os
frutos delas retirados sejam muitos, visto que, apesar de sua simplicidade,
são tão profundos que poucas pessoas
prosseguiriam na leitura ou os tomariam num sentido que não lhes
degradasse a dignidade. Eu próprio duvido de me
houvesse comprazido nelas como o faço se não tivesse sido
preparado durante vinte e cinco anos de maravilhas, tanto nas
obras como na compreensão. Acabei de ler suas cartas. Na última,
nº 8, lin. 4, há: "Als schosse man ein Kohr ab",190
que
não consigo entender porque meu dicionário não traz
a palavra korh e não tenho quem ma explique. Ficaria grato se me
suprísseis essa falta. Agora que percorri todas as nossas obras,
tomo-as novamente como fundamentos e estou estudandoas.
Esses dias li os caps. 13, 14 e 15 dos Três Princípios, ou
seja: estudei-os. Meu espanto estende-se a um grau
inexprimível quando vejo que há semelhantes prodígios
no mundo. O espírito do homem corre atrás da chave das pequenas
verdades de sua atmosfera restrita ou do universo físico limitado,
e no desenvolvimento e bases oferecidas por nosso amigo
encontrar-se-iam as chaves de todos os universos e o princípio de
todas as chaves. Quando permitirá a Providência que eu
me encontre junto de pessoas a quem possa transmitir esses tesouros! Mas
seja feita a sua vontade! Esse estudo em que
me empenho irá interferir um pouco em meus projetos de tradução,
pois encontro muito mais utilidade para mim nesta tarefa
do que na outra. Além disso, meu egoísmo encontra até
mesmo desculpas pelas circunstâncias, visto que, mesmo que eu
houvesse traduzido toda a obra, seria preciso hoje pelo menos cem mil escudos
para imprimi-la e eu não teria esses meios.
Limitar-me-ei, pois, provavelmente até nova ordem, a traduzir para
mim os assuntos mais importantes, e ainda isso só
aconteceria caso eu me visse condenado pelo estado das coisas, a viver,
conforme faço, sem ter quem me ajude no que diz
respeito a línguas estrangeiras, pois minha visão diminui
rapidamente, como creio já vos haver dito não sei mais quando.
E
se com o tempo ela acabar de todo, como pode acontecer, e eu me achasse
rodeado somente de franceses, poderia pelo
menos pedir que me lesem alguma coisa de nosso amigo em minha língua,
sem o quê tudo estaria perdido para mim. Vede
que cálculos sou obrigado a fazer. Agradecei pois à Providência
por estardes num país livre, numa posição tranqüila
e
cercado de homens de desejo. Sinto, através da privação
dessa vantagens, o quanto elas são preciosas. A comparação,
que
fizestes para descrever-me o vosso amigo na corte, agrada-me muito e explica
perfeitamente a vossa idéia. Eu sentiria muito
se o acidente que lhe aconteceu tivesse conseqüências ruins.
Quando tiverdes notícias suas, avisai-me, por favor, pois ele
me interessa mais do posso dizer-vos. Se puderdes conseguir-me sua obra,
não tenhais dúvida de quão ansioso ficarei por
85
lê-la. Quanto à minha, estou surpreso de que não vos
tenha chegado ainda. Vou escrever a Paris pela terceira vez. A dele,
como dizeis, emprega um instrumento estranho a um empreendimento semelhante
constituído por vós na juventude: os
números. E credes que o Quadro Natural o colocou no caminho. Era
o que eu pensava outrora e o que penso hoje, mais do
que nunca, sobre os números. Eles me forneceram e me fornecem, de
vez em quando, algum tipo de compreensão, mas
jamais deixei de crer que exprimissem apenas superficialidade e que geralmente
não davam a própria substância do assunto.
Senti esse vazio nos primeiros passos em minha primeira escola. O amigo
Böhme veio justificar esse pressentimento ao darme
concretamente a própria substância de todas as operações
divinas, espirituais, materiais e temporais de todos os
testamento do espírito de Deus; de todas as Igrejas espirituais antigas
e modernas; da história do homem, em todos os seus
graus primitivos, atuais e futuros; do poderosos inimigo que, através
do astral, tornou-se rei do mundo, etc. E, sob esse ponto
de vista, digo que ele me deu mais do que os números me teriam dado,
embora os dois ramos se liguem perfeitamente um
ao outro e sejam como que inseparáveis. Ontem reparei com grande
prazer, diga-se de passagem, que, ao que me parece,
ele apoiava o ponto de doutrina admitido em minha primeira escola sobre
a possibilidade de resipiscência do demônio
quando da formação do mundo e da emanação do
primeiro homem191. É no cap. 15 dos Três Princípios,
nº 7, lin. II : "In
Hofnung sie würden 192, etc.," Acrescentai-lhe o nº 12 do
mesmo capítulo, em que o homem é posto no lugar desse
demônio, lugar para o qual ele só devia ser o portador do mesmo
espírito do fiat que o estabeleceu nesse lugar e vereis
como essas duas doutrinas estão relacionadas. Não estenderei
as outras reflexões que esse estudo fez surgir em mim, o
papel não bastaria. Conheço apenas de nome o cidadão
Magneval. Nem mesmo tenho qualquer noção de sua posição
na
carreira que seguiu. Quanto ao poder da palavra nos órgãos
impuros, é um fato que não podemos negar, mesmo que só
tivéssemos o exemplo do profeta Balaão, pois não levo
em conta a pretensa transmissão da Igreja de Roma que, na minha
opinião, nada transmite como Igreja, embora alguns de seus membros
possam transmitir às vezes, seja por virtude pessoal,
seja pela fé das ovelhas, seja por uma outra vontade particular do
bem. Mas esse poder não torna mais respeitável o
instrumento que lhe serve de órgão. Nas mãos dele,
é um poder casual e que mais se torna nos outros quando ele o quer
transmitir às mãos deles. Assim, não deixa de ser uma
necessidade absoluta o recorrer-se unicamente à verdadeira fonte
quando se tem conhecimento dela, e isso me leva a vossa pergunta sobre a
pronúncia do grande nome. Meu hábito é não
ficar pensando muito nesse assunto porque, com a certeza de que essa fonte
deve tirar de si mesma todo seu valor, não
podemos tocar suas águas com nossas frias e humanas especulações
sem turvar-lhe a limpidez. Não creio que seja isso o
que fazeis no momento e vou, como irmão, dizer-vos simplesmente todo
o que me vem à mente a respeito disso. Vejo que a
palavra foi sempre transmitida diretamente e sem intermédio desde
o início das coisas. Ela falou diretamente a Adão, a seus
filhos e sucessores, a Noé, a Abraão, a Moisés, aos
profetas, etc., até i tempo de Jesus Cristo. Falou pelo grande nome
e
queria tanto ela mesma transmiti-lo diretamente que, segundo a lei levítica,
o sumo sacerdote encerrava-se sozinho no Santo
dos Santos para pronunciá-lo. E que até mesmo, segundo algumas
traduções, na orla de sua roupa havia campainhas para
encobrir a pronúncia aos ouvidos daqueles que permaneciam nos outros
recintos. Creio que a transmissão feita nas
ordenações sacerdotais, quando o sumo sacerdote as pronunciava
sobre os candidatos, era mais para que despertasse
neles essa fonte adormecida em todos os homens pelo pecado do que para ensinar-lhes
a pronúncia material. Esse método
vivificador estava protegido de qualquer erro e profanação,
e foi à medida que os sumos sacerdotes se desviaram dele deles
que o método mecânico tomou-lhe o lugar. Assim, creio firmemente
que nesse primeiro método de ordenações o grande
nome podia ser pronunciado em voz baixa sobre os candidatos e que foi somente
nas ordenações posteriores que se decidiu
transmitir a pronúncia em voz alta. Quanto a isso, lembrai-vos das
abóbadas de aço e do bater de pés em certas cerimônias
maçônicas. Quando o Cristo veio, tornou a pronúncia
dessa palavra ainda mais central ou mais interior, já que o grande
nome expresso pelas quatro letras, era a explosão quaternária
ou o sinal crucial de toda vida; ao passo que Jesus Cristo,
trazendo do alto o c dos hebreus, ou a letra S, uniu próprio o santo
ternário ao grande nome quaternário, do qual o três
é o
princípio. Ora, se o quaternário devia encontrar em nós
sua própria fonte nas ordenações antigas, com muito
mais razão o
nome do Cristo deve também esperar dele exclusivamente toda sua eficácia
e toda sua luz. Assim, disse-nos ele para nos
fecharmos em nosso quarto quando quiséssemos orar193, enquanto na
lei antiga era absolutamente necessário adorar no
tempo de Jerusalém. E aqui eu vos remeteria aos pequenos tratados
de nosso amigo sobre a penitência, a santa prece, o
verdadeiro abandono, intitulados: O Caminho para Cristo. Nele vereis, a
cada passo, se todos os modos humanos não
desapareceram e se é possível que alguma coisa nos seja transmitida
verdadeiramente, se o espírito não é criado em nós
como é criado eternamente no princípio da natureza universal,
onde se encontra em permanência a imagem na qual temos
nossa origem, e que serviu de moldura a Encarnação. Há
certamente uma grande virtude ligada à pronúncia verdadeira,
tanto central como oral, do grande nome e do de Jesus Cristo, que é
sua flor. A vibração do nosso ar elementar é uma coisa
bem secundária na operação pela qual esses nomes tornam
sensível aquilo que não o era. Sua virtude consiste em fazer
hoje, e a todo momento, aquilo que eles fizeram no começo de todas
as coisas para dar-lhes origem; e, como criaram todas
as coisas antes que o ar existisse, na certa estão ainda acima do
ar quando desempenham as mesmas funções, não sendo
mais impossível que essa divina palavra seja audível até
mesmo para um surdo e no lugar mais privado de ar, que não é
difícil à luz espiritual tornar-se sensível aos nossos
olhos, mesmo físicos, ainda que estivéssemos cegos e encerrados
no
mais tenebroso calabouço. Quando os homens fazem as palavras saírem
de seu lugar verdadeiro e as entregam por
ignorância, imprudência, ou impiedade, às regiões
exteriores ou à disposição dos homens da torrente do
mundo, elas
certamente continuam conservando sua virtude, mas também lhes retiram
muito porque não se acomodam às combinações
humanas. Assim, esses tesouros tão respeitáveis não
sofreram ouras perdas ao passarem pelas mãos dos homens, sem
contar que não deixaram de ser substituídos por ingredientes
nulos ou perigosos que, produzindo também seus efeitos,
86
acabaram por encher de ídolos o mundo inteiro, porque ele é
o templo vivo de Deus, que é o centro da palavra. Eis, caro
irmão, um resumo do que me provocastes com vossa pergunta. Sinto-me
tão inclinado ao culto interior da palavra que se um
homem viesse oferecer-me agora a verdadeira pronúncia dos dois grandes
nomes que são a base dos dois Testamentos,
creio que a recusaria, tão certo estou de que ela não me pode
ser realmente apropriada, a não ser que nascesse em mim
naturalmente, saindo de seu próprio caule ou de sua própria
raiz, que é a de minha alma. Isso não me impediria de
encontrar-me na melhor companhia do mundo, junto de um homem que teria chegado
por sua própria conta a esse alto grau
de graça, nem de aproveitar, com alegria indescritível, da
ditosa influência que semelhante atmosfera deve espalhar em torno
de si. Assim, sabe Deus o quanto eu pagaria pela ventura de estar junto
ao vosso amigo de Munique. Mas limitar-me-ei a
unir-me humildemente ao seu espírito e a nutrir-me com muito cuidado
da unção que deve exalar de toda a sua pessoa, e me
empenharia exclusivamente em não colocar obstáculo algum para
que os salutares adubos fermentassem de maneira útil na
minha terra, deixando-a em condições de produzir seus frutos
por sua vez e tornar-se, como a sua, uma terra viva, coisa que
jamais conseguiríamos, repito-o, a não ser pela comunicação
direta e sem o intermédio do homem. Vejo bem como os
apóstolos transmitiram o espírito através de suas ordenações,
e até mesmo de suas simples pregações, como São
Pedro,
mas não vejo, pela história da época deles, que qualquer
de seus candidatos haja levado bem longe a maravilha dessa
transmissão. O mesmo não posso dizer da transmissão
direta feita por Jesus Cristo aos seus apóstolos, principalmente
a que
foi feita diretamente a São Paulo no caminho de Damasco, embora em
seguida ele se tenha sujeitado à operação de um
homem, que, como órgão do espírito, deveria purgá-lo
das substâncias estranhas para que ficasse em condições
de cumprir
a eleição que acabava de ser nele semeada. Todos esses testemunhos
me confirmam cada vez mais em minha opinião.
Submeto-a a vós, mas não vos escondo que creria ter feito
alguma coisa para vossa saúde, e, como conseqüência, por
vossa felicidade, se chegasse a fazer com que a adotásseis. Acrescentaria
ainda um pequeno testemunho em favor desse
princípio. Tomai o livro do Êxodo, cp. 3:14, 15 194, etc.,
e vereis como o grande nome é transmitido diretamente a Moisés,
e
em seguida por ele a todo o povo, e até mesmo ao rei dos egípcios,
a saber: a Moisés, como poder; aos israelitas, como
instrução; e ao Faraó, como julgamento. Vede em seguida
ainda em Êxodo, 6:3195, etc., como Deus se comunicou com
Abraão, cumulou-o de promessas e fez uma aliança com ele sem
que, no entanto, lhe transmitisse seu grande nome, embora
fosse somente por esse grande nome que essa eleição foi feita
em segredo. Comparai-o com a solidão do sumo sacerdote
no Santo dos Santos, quando foi estabelecida a lei levítica. Comparai-o
com São Mateus, 13:17196, onde se faz ouvir do alto
a voz sobre o salvador em seu batismo, e onde o oficiante apenas fez, com
sua cerimônia, abrir a base de atração envolvida
no homem-Deus, e vereis com que variedade, mas, ao mesmo tempo, com que
sabedoria esse grande nome se modula a si
mesmo em suas diversas operações e, por conseqüência,
como seríamos imprudentes se não nos entregássemos
cegamente à sua administração. A maior perda que experimentamos
por causa dessa falsa conduta é que não existe uma
fórmula que não seja em detrimento da lei e que, ao contrário,
a fé exigiria o lugar de todas as fórmulas. Assim também
essa
espécie de fé é o último termo da lei sendo,
em conseqüência, a única coisa que nosso divino mestre
dedicou-se a pregar e a
inculcar no coração do homem, porque sabia bem que, ao lhe
inculcar essa virtude, inculcava-lhe todas as outras. Detenhome,
caro irmão, porque prometi não me deixar levar pela pena e
sinto que, neste momento, ela me arrastaria para mais longe
do que mo permitiria minha idade espiritual. Encerrarei com alguns fatos
pessoais relativos a alguém que me é próximo e
que, tenho quase certeza, serão para vós como que o café
do pequeno banquete que vos envio, pois ainda estais um tanto
apegado ao sensível e disso não vos acuso, contanto que essa
afeição se mantenha nos limites. Sabei pois que alguém
que
me é próximo conhece a Coroa, de maneira sensível,
há dezoito anos, e não apenas ainda não a possui, mas
também só a
compreende há poucos anos, isto é, em suas verdadeiras relações
substanciais, embora a compreenda por suas relações
numéricas desde que a conheceu. Sabei, além disso, que há
quase vinte e cinco anos ele conhece a voz da cólera e a voz
do amor e que somente há poucos meses ele as distingue pelo som,
ou pela impressão, ou pelo lado; mas ainda está longe
de ter atualmente a clareza que espera obter dela cada dia mais. Essa pequena
narrativa, unida a tudo o que a precede,
pode ajudar-vos a formar uma idéia sólida e sábia das
gradações e da única mão respeitável
que deve dirigi-las: vigila et ora.
Eis tudo o que devemos fornecer ao contrato; o contratante se encarrega
do resto. Há muito tempo também que me falastes
das senhoras de Zurique. Sabeis como tenho interesse nisso e creio, em sã
consciência, poder pedir-vos uma longa carta em
troca do in-fólio que vos envio hoje. Assim, não receeis multiplicar
os assuntos nem estendê-los. Tudo o que me vem de vós
e tudo o que me vem sobre esses objetos é sempre muito precioso para
mim. Adeus, meu caro irmão. Recomendo-me às
vossas preces. Nada vos digo do B de K., a não ser que, exceto por
seu histórico, que eu não podia conhecer, tinha de sua
moral quase a mesma idéia que me destes. Quando o vir, levarei em
conta o vosso conselho e nada terei a dizer-lhe de
agora até meu regresso a Paris, pois não mantenho correspondência
com ele. Além do mais, o regresso nem está marcado.
E mesmo está tudo tão indefinido aqui e meu gozo pecuniário
tão atrasado pelo estado das coisas, que nós, franceses,
quase que só podemos viver um dia de cada vez. Se eu calculasse apenas
humanamente, poderia também enxergar tudo
sombrio em nossos negócios públicos neste momento, mas tenho
sempre in petto minha confiança de que a revolução
é
conduzida pela Providência e que assim ela não pode deixar
de chegar ao fim. Não obstante, isso não é cômodo
para
aqueles que se encontram no caminho dela. SAINT-MARTIN
190
191 Resipiscência: Arrependimento de um pecado com o propósito
de correção. N.T. Ou seja: a possibilidade de que o
demônio reconhecesse a falta cometida quando da formação
do mundo e da emanação do primeiro homem [e dela se
arrependesse].
87
192 : "In hope that they would,"
193 "Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e fechada
a porta, orarás a teu Pai que está em segreto, e teu Pai que
te vê em segreto te recompensará." Mateus, 6:6 (Sermão
da Montanha.)
194 "Disse Deus a Moisés: EU SOU o que SOU. Disse mais: assim
dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós
outros. Disse Deus ainda mais a Moisés: Assim dirás aos filhos
de Israel: O SENHOR, o Deus de vossos pais,
o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó, me enviou
a vós outros; este é o meu nome eternamente, e assim
serei lembrado de geração em geração."
195 "Aparecia a Abraão, a Isaque, e a Jacó, como o Deus
Todo-Poderoso; mas pelo meu nome, O SENHOR, não lhes fui
conhecido."
196 O correto é Mateus 3: 17: "E eis uma voz dos céus,
que dizia: Este é o meu filho amado, em quem me comprazo."
Carta 75 Morat, 29 de julho de 1795
Agradeço-vos muitíssimo, caro e respeitável irmão,
pela excelente carta de 29 de messidor. Os cuidados que tomastes para
me escreverdes de maneira tão detalhada foram a causa de toda a minha
gratidão. Nada é mais verdadeiro do que o que
dizeis sobre a profundidade dos escritos de nosso amigo B.; mas, felizmente,
eles têm em comum com nossos livros
sagrados o fato de que os mais simples, contanto que lhes dêem a atenção
necessária, encontram neles passagens que
podem servir para nutri-los e fortalecê-los. Mas, para penetrar completamente
nesses escritos, é preciso um auxílio
extraordinário, muito tempo e uma grande pureza de espírito.
Gichtel, embora muito esclarecido, trabalhou muitos anos antes
de chegar ao fundo. Falta muito para que eu atinja esse grau. Devo, não
obstante, render graças à Providência porque várias
partes que me pareciam enigmas indecifráveis, há um ano ou
dois, parecem-me hoje não somente claras, mas também
luminosas e próprias a lançar luz sobre aquilo que as rodeia.
Quanto ao nº 8 da última carta, que vos causa tropeços,
e que
não passa de um acessório, estou em muito boas condições
de resolver vossa dificuldade, porque possuo um desenho da
cidade de Görlitz, onde está indicada a casa do nosso amigo.
Uma das extremidades da cidade termina num rio, o Neiss; a
margem oposta desse rio é margeada por um subúrbio que se
liga à cidade por uma ponte e é nesse subúrbio que,
junto à
ponte, morava o nosso amigo. Viu ele, segundo o nº 8 de sua carta,
que um dos pilares e uma parte da ponte tinham sido
levados pela água com a rapidez de um raio. Compara ele esse derrubada
pelas efeito de um tiro de fuzil. Em vez de Kohr
deve-se ler Rohr, e Rohr significa às vezes caniço e às
vezes cano de fuzil. É neste último sentido que se deve tomar
esta
palavra. Ninguém deseja mais que eu o fim feliz do grande drama que
se desenrola em vosso país e, assim como vós, estou
certo de que terminará da melhor maneira, vendo as coisas de modo
geral: o estado da França, segundo minha pobre visão,
é atualmente tão penoso para seus habitantes que me parece
impossível que dure por mais tempo. E vi com satisfação
bem
viva, que o espírito de vosso governo atual deu grandes passos para
melhorar: os socorros num mar tão tempestuoso são
também inevitáveis, mas a Providência saberá
tomar conta dos seus. Enquanto esperamos a paz, cuja necessidade se faz
sentir em todas as pessoas sensatas em vossa terra (e vossos comitês
que estão na direção dos negócios não
sentem falta
delas), peço-vos que não deixeis de comunicar-me por escrito,
como acabais de fazer, vossas observações sobre os nossos
objetos de estudo. Há uns vinte anos que percebi, como vós,
que meus olhos estão enfraquecendo. De acordo com o
exemplo e o conselho de nosso grande médico Haller, bebo somente
água e não tenho mais trabalhado à luz de velas, e
quando forçado, por minha vocação, a ler ou escrever
à noite, sirvo-me de uma vela com um quebra-luz: lavo a cabeça,
no
inverno e no verão, com água fria e não como carne
salgada. Com essas precauções tão simples, das quais
a mais essencial
é certamente a de não beber vinho nem trabalhar à noite,
meus olhos voltaram ao que eram. Quanto à jovem de Zurique, não
recebo mais notícias diretas dela. É sua amiga, Mlle S
,
nascida e residente em Basiléia, que às vezes me traz algumas.
Mlle L
[Lavater] casou-se; tenho a impressão de ela foi formada
em bons princípios. Mlle S
, há pouco tempo, para minha
grande satisfação, também entrou experimentalmente
no bom caminho. Além disso, ela envioume um notícia que me
deu
grande prazer e que serve para confirmar o que já conjecturamos a
priori sobre a escola do Norte. Eis o que me escreveu:
"Uma senhora de Cop
(a condessa de Rowenslow), discípula
da escola do Norte, como L
[Lavater], havia dito a ele que,
desgostosa com as contradições encontradas nessa escola, deixara
tudo; que ela que se considerava bem feliz por haver
buscado e encontrado um caminho mais simples. Espero que essa opinião
tenha aberto um pouco os olhos de L. Também
serviu para confirmar nossas duas jovens no bom caminho." Voltemos
agora ao nosso amigo de M. [Munique], que tão
justamente vos interessa. Tive notícias suas posteriormente. Sua
saúde vai um pouco melhor, embora ele me ainda escreva
cartas sempre curtas demais para mim. Ele considera e emprega os números
como degraus para subir mais alto. Pareceume
que em suas mãos eles são um instrumento intermediário
para comunicar-se com as virtudes. Ele os indica em seu livro
para resolver problemas de todo tipo. Creio até que, através
deles, recebe respostas articuladas que traduz em nossa língua
popular. Ao que me parece, não é que, de tempos em tempos
ele não goze de alguns favores mais imediatos e que não veja
diretamente, sem intermediário, no mundo aéreo, o que corresponde
ao segundo princípio de nosso amigo B. Em uma de
suas cartas ele chama a isso de "véu erguido". Então
as idéias e a língua não se assemelham mais às
nossas idéias e à
nossa língua popular. Passar-vos-ei seu livro com prazer, porém
antes cevo advertir-vos de que são dois grossos volumes inoitavo,
escritos deliberadamente no estilo e nas expressões da filosofia
alemã mais moderna, ou seja: com a nomenclatura
de Kant, que não se encontra em nenhum dicionário e que custa
aos próprios alemães pelo menos um ano de trabalho para
poder compreendê-la. Essa terminologia é posterior a todos
os nossos dicionários e meu projeto era, na minha obra da qual
vos falei, fazer com o livro fosse precedido de um volume de definições
e explicações da língua empregada hoje pelos
88
pensadores na Alemanha. Estais vendo que a leitura da obra do nosso amigo
de M
vos tomaria um tempo imenso e bem
precioso e que, ao final dessa penosa carreira, somente aprendereis o que
já sabeis. Se, na obstante, desejais receber a
obra do nosso amigo de M
, eu vo-la enviarei pela via costumeira. Eu
próprio não prevejo que possa comprar seu livro este
ano. Em vossa última carta, dissestes-me, com relação
ao assunto de 3-4/7, que esses algarismos estão muito de acordo
com os números que aprendestes em vossa primeira escola. Talvez cada
desses números 3, 4, 7, represente uma idéia, mas
sabeis que um mesmo número tem vários significados diferentes
e, , para ter ao menos uma noção daquilo que o meu amigo
de M
[Munique] quer dizer, eu vos pediria que me informásseis
qual é o sentido que ele atribui aqui a cada número em
particular, e qual é a vantagem do modo pelo qual ele os combina.
No mais, sem querer depreciar os números de maneira
alguma, porque não me cabe julgar uma coisa que não conheço,
ainda assim espero chegar ao fim de minha carreira sem
eles. A principal vantagem que meu amigo de M
parece tirar deles é
que, depois de haver atribuído certas idéias a cada
número, faz somas com mesmos números, como um cálculo
aritmético, e o resultado de sua soma é ainda simplificado
por
uma redução, isto é: quando consegue, por exemplo,
2.7.2 somando, reduz esse número, com uma nova soma, a 11 e o 11
a 2, o qual lhe indica reposta que procura, ou seja: a idéia primitiva
por ele atribuída ao numero 2. Vamos agora à parte de
vossa excelente carta que trata da pronúncia do grande nome. "Nada
pode ser transmitido verdadeiramente por qualquer
meio humano se o Espírito, a Palavra (Logos) e o Pai não nascerem
em nós." Eis uma verdade fundamental que tem toda a
minha aprovação. É a base da doutrina de nosso amigo
B. A única surpresa, a única admiração em que
meu espírito se
perdia, como vos disse na última carta, versava unicamente sobre
a importância que nosso próprio amigo B. parecia atribuir à
pronúncia material do grande nome, pois, como que vos escrevi a 1º
de julho, nessa pronúncia o sensível unia-se ao
insensível para agir em concordância, encontra-se indicado
e expresso claramente na terceira questão teosófica de nosso
amigo B., e cada palavra pronunciada torna-se substancial e age como substância,
deixando de ser somente a expressão de
nosso pensamento. Vede seu Myst. mag., cap. 22. Esta é a única
doutrina que pode explicar o poder da pronúncia do grande
nome: Quando o pensamento, que no-la ditou, sai do princípio segundo.
Em compensação, os pensamentos que se tornaram
substanciais pela pronúncia saindo dos dois outros princípios,
têm, cada um, efeitos marcantes que denotam sua origem.
Nosso amigo B. indica também, nos nºs 32, 24 e 25 da quinta
pergunta teosófica, o poder enorme das palavras pronunciadas
por nossa boca, comparadas com a epístola de São Paulo ao
Romanos, 10:8. Acrescentai a isso uma vontade bem
disciplinada, para a qual tudo é possível, se empregarmos
a natureza em sua ordem par produzir uma obra (Myst. mag., cap.
9). Reunindo esses dados, não restam mais dificuldades para explicar
o mistério. Ei-lo, segundo a doutrina de nosso amigo
B.: "Se o fogo sagrado do amor divino se unir ao fogo do movimento
natural do homem, manifestado pela ação da voz e da
palavra na qual sua vontade se encaminha e se torna como que substancial,
será então que ele atingirá a pronúncia
verdadeira." V. Perg.. Teos., 3:31.32, como suplemento de minha opinião.
Lede novamente, por favor, a p. 260, lin. 14 e
seguintes, da chave particular que se encontra em seguida à grande
chave de nosso amigo B. A sexta forma indica a
pronúncia e a sétima produz a obra, que é uma seqüência
dela. Embora o meu amigo de M[unique]. jamais haja dito que leu
os escritos de nosso autor predileto, estou certo de que essa é também
a sua doutrina, e não foi para o ensino dos atos
puramente materiais que marcamos encontro na fronteira. Para meu grande
pesar, faltei a ele, mas nosso amigo B. acaba de
remediar essa falta com as passagens que vos indico e que só encontrei
no momento em que vos escrevo esta carta. Espero
que meus princípios, com fundamento nessas bases, se aproximem de
vossa opinião, a qual tivestes a bondade de me
transmitir, e me felicitarei por isso. Uma palavra ainda sobre a adesão
ao sensível, por ocasião do qual tivestes a bondade de
citar-me um fato pelo qual vos agradeço. Como sabeis, eu nada conhecia
das relações numéricas, e a língua francesa,
como
o pequeno número de outras que conheço, tem uma dificuldade
em comum: a de confundir às vezes o gênero com a
espécie. Só podemos evitar isso determinando a espécie
da qual queremos falar. Há uma espécie de sensível
para a qual
não tenho inclinação alguma, ao passo que existe uma
outra que considero como a fonte de água viva. Por exemplo: o
sensível material só tem para mim alguma atração
quando me serve de meio; desde que seja considerado como alvo, creio
que seja nocivo. As pessoas, por exemplo, que só comem para saborear
o prazer da boa comida jamais seriam companhia
agradável para mim; só me sirvo do ananás para minhas
comparações, mas jamais em minha mesa; não bebo outro
café
além daquele que meus amigos me enviam em suas cartas, pois o do
Levante me queimava o sangue: deixei-o há mais de
trinta anos. Os deleites materiais que me fazem as vezes de descanso são
os prazeres da visão e algumas vezes da
audição. Os locais variados de nosso país e o espetáculo
da natureza vegetativa, que oferece tantas maravilhas, fornecemme
os primeiros, e os ensaios, embora muito imperfeitos de minha filha, que
toca cravo, fornecem-me os outros. Mas, há o
sensível espiritual, cuja busca presentemente ocupa e atrai tanta
gente. Deveria eu confessá-lo? Não há mais encantos
para
mim do que o primeiro e, para falar francamente, muito menos ainda. Mas
expliquemo-nos. Entendo, por essa espécie de
sensível, o espiritual que oferece tantos atrativos estimulantes
para o nosso século, o maravilhoso subalterno, ou seja: a
manifestação exterior e física das potências
produzidas pelos meios ou sem meio. Conheci adeptos em ambos os gêneros.
Teria dependido apenas de mim entrar nessa carreira, vários anos
antes que a Providência me fizesse travar conhecimento
convosco e com nosso amigo B., mas o possuidor deste arcano, que se oferecia
para introduzir-me nesse domínio, e que era
não apenas meu compatriota mas também membro de nosso governo,
tinha uma conduta tão leviana e costumes tão
inconseqüentes que evitei até mesmo as conversas que me levavam
a esse assunto. Além de que a coisa em si parecia-me
sair de uma fonte bem equivocada, percebeis bem que a leitura dos escritos
de nosso amigo fortaleceu-me mais ainda no
meu distanciamento desse gênero. Mas há um terceiro sensível,
que eu chamaria de sensível central, que é o encanto de
minha vida e que muitas vezes me traz prazeres deliciosos. Ele está
no meio dos três princípios: não é Sophia, mas
se a
alma permanecer fiel, essa tintura torna-se a morada de Sophia: talvez essa
potência seja a mesma que chamais de
89
COROA
Mas chega de balbuciar sobre esses mistérios. Termino
e rogo que continueis sempre a rezar por mim e a terme
amizade fraterna. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
Carta 76 2 de frutidor, ano III
Sinto como vós, meu caro irmão, como é preciso estudar
e perseverar para compreender nosso amigo B. Porém ele próprio
nos adverte bastante sobre o alvo para o qual devemos tender para dispensarmos
os livros. Entretanto, se estivéssemos
nesse alto grau, eu seria ainda a favor da receita do general Gichtel, de
que a prece é o alimento da alma e que a leitura é
sua bebida, e seguramente a melhor bebida que poderíamos tomar é
o tesouro que nosso amigo B. trouxe ao mundo.
Agradeço por vossos esclarecimentos sobre a última carta dele.
Mal acabei de despachar a minha, dei-me conta de meu erro
quanto à palavra Rohr, que havia lido errado. Isso vos mostra que
sou o aluno mais estouvado que há. Agradeço-vos
também pelos detalhes sobre a escola do Norte e sobre as produções
de vosso amigo. De acordo com o que me dizeis do
tamanho de sua última obra e de seu conteúdo, creio ser inútil
para mim encetar sua leitura. Quanto aos seus números, que
ele considera com razão como uma escala, creio que, se ele os manipular
apenas por adição, priva-os de sua maior virtude,
que se encontra na multiplicação. Não posso estender-me
sobre esses procedimentos, desconhecidos para mim. Os meus,
dos quais só me ocupo quando necessário, ensinam-me que cada
número exprime uma lei, divina ou espiritual, boa ou má,
ou elementar, etc., como podeis ver no livro das dez folhas (alegoria impressa
em minhas obras) que o que distingue os
mesmos números nas diferentes classes são as raízes
das quais derivam; que as raízes só são conhecidas
pela
multiplicação, porque nelas desempenham o papel de fator,
enquanto a soma, dando somente um resultado, deixa-nos na
incerteza sobre a classe à qual ele deve pertencer. Por exemplo:
na ordem divina, o 3 e o ternário santo, o 4 é o ato de sua
explosão, e o 7 o universal produzido e a infinita imensidade das
maravilhas dessa explosão. Nessa classe, os números
recusam-se a qualquer operação pela mão do homem; e,
se eu chegasse a qualquer um deles pelo resultado de minhas
manipulações, com isso não descreveria esses números
divinos porque suas raízes nascem de seu próprio centro e
devem
expandir-se em vez de se ajuntarem através de somas. Na ordem espiritual,
particularmente na ordem do homem, esses
números já se afastam da esfera divina. Assim podemos manipulá-los
e eles nos mostrarão sempre a representação das
mesmas maravilhas; mas simplesmente como imagens e como os Akarim197 dos
hebreus, isto é, vindo depois. Falo aqui
somente dos direitos do homem, pois, sendo a sua essência a obra contínua
da Divindade, também não ousaria calculá-la, o
que me fez dizer que tínhamos com Deus alguma afinidade no número.
Mas, quanto aos nossos direitos, o número 3
pertence-nos apenas pelo número 12 reunido ou somado; o número
4 só nos é conhecido através de sua própria
explosão,
ou multiplicação, que dá 16; e o número 7, que
é a reunião ou a soma desse 16, mostra-nos nossa supremacia
temporal e
espiritual, ou a imensidade do nosso destino de homem, sem que com isso
mereçamos a acusação de nos igualarmos a
Deus, uma vez que, em que pese nossa soberba semelhança com ele,
no entanto diferimos dele consideravelmente,
diferença que não poderíamos simular se nos descrevêssemos
simplesmente como ele, através de números que
consideraríamos primitivos, mas que não passam de resultados.
Esta pequena amostra pode dar-vos uma idéia da vasta
carreira dos números, uma vez que sua propriedades, virtudes e diferenças
estendem-se e multiplicam-se tanto quanto as
classes onde eles podem ser aplicados. Mas tendes razão em dizer
que podeis chegar ditosamente ao termo de vossa
carreira sem esses conhecimentos: apenas esforço-me para mostrar-vos
que, como diz o provérbio, Nem tudo o que reluz é
ouro. Reli todas as passagens que me citais com respeito à da pronúncia.
Não há nenhuma que eu não aprove de todo o
coração, assim como não há nenhuma que destrua
o que vos informei sobre este assunto. Ao contrário, encontro nelas
uma
que a meu favor, a do Myst. Mag., cap. 2, nº 9, onde se diz que o fiat
está sempre em criação. Se isso é verdadeiro
para o
fiat temporal, sê-lo-á com muito mais razão para o fiat
espiritual; e quanto mais sua atividade está em permanência,
tanto
mais me sinto levado a esperar diretamente dela a minha atividade pessoal.
Embora o que me fosse transmitido por um
homem pudesse ser substancial, uma vez que o princípio dos nomes
deve ter um privilégio que pertença na verdade a tudo o
que sai de nós, no entanto, eu não creria que devesse esperar
tantos frutos quanto se esse nome rompesse por si mesmo o
selo que ainda o encerra, 5! perg., nº 25. Enfim, Natureza! Natureza!
eis o que amo em todos os gêneros e não cesso de
recomendar a todos. Além disso, não sei se cometeríamos
um erro para com esse grande nome reduzindo-o a uma
pronúncia uniforme. Talvez ele varie segundo os dons que deve desenvolver
em nós, uma razão a mais para apoiar minha
idéia. Mas isso não passa de simples conjectura sobre que
qual nada tenho de resolvido. Tudo o que o homem tem a fazer é
nutrir em si e reanimar nos outros o Starke Begierde198, que é todo
o segredo da magia. Myst. Mag., cap. II, n ? 9 e essa
chave abrir-lhe-á todas as portas. Pela bela passagem que me enviastes:
Se o fogo sagrado do amor divino, etc., podeis ver
como B., vós e eu temos sobre isso a mesma idéia. Quanto aos
diversos tipos de sensível, admito de bom grado as vossas
descrições. O sensível, do fato que vos citei, é
de dois gêneros que caminham sempre de conformidade. O sensível
interior,
ou amor, e além disso, o sensível visível, mas ainda
interior, não pertence ao terceiro princípio. O que impede
que uma
pessoa descreia do sensível visível, embora não elementar
misto, é:1º, que ele veio naturalmente e sem busca humana; 2º,
que se tornou o regulador e como que o termômetro do primeiro sensível
interior, a tal ponto que a retidão ou inclinação
visível de um está sempre perfeitamente de acordo com o bom
ou o mau estado do outro. Considero o segundo como o
produto da ramificação do primeiro e, se o homem lhe houvesse
posto a mão, eu não lhe teria tanta confiança. O mesmo
acontece com a voz do amor e da cólera: ela também veio naturalmente;
também é regulador exato para o espírito e para a
inteligência, como o outro o é para o coração.
Ela é também sensível sem ser o fruto dos elementos
e muitas vezes serve
para confirmar exteriormente a opinião, ou antes, o tato da pessoa
sobre os pensamentos que lhe vêm e sobre as palavras
90
que emite. É tão breve e simples que não a fatiga muito.
O lado, a espécie de som dessa voz e a maneira de ser dessa
pessoa são três pontos que se correspondem sempre. Nada mais
direi sobre essa voz, mas talvez vos dê algum prazer
dizendo-vos que a figura da COROA em questão encontra-se, exceto
os ornamentos, na página 184 do Myst. Mag., com o
triângulo como fundo. Imaginai a alegria da pessoa que, depois de
dezoito anos de gozo, encontra-o assim em nosso amigo
B. com desenvolvimentos tão interessantes. Assim, se Deus continuar
a lançar sobre essa pessoa um olhar de misericórdia,
ela deve esperar ter um dia grandes consolações. Amém.
Agradeço-vos de todo o coração, meu mui caro irmão,
pela boa
receita de vosso grande doutor Haller para os olhos. Exceto quanto à
água na cabeça, que não adoto, obedeço a quase
todas as recomendações que me transmitis. Nos últimos
trinta anos não trabalhei mesmo dez vezes à luz de velas,
quase
nunca como carne salgada, ou pelo menos em quantidade tão pequena
que nem vale a pena falar, mui raramente tomo café,
e mesmo assim, afogando-o numa tigela de leite, de que gosto muito. Quanto
ao vinho, faz-me mal, mesmo que o beba
como os que bebem pouco, mas a água pura também não
me cai bem e, desde que me entendo por gente, minha bebida é
exatamente água com uma gota de vinho. Se devo atribuir o enfraquecimento
de minha visão a algumas violações do regime
acima, posso também imputar uma parte à debilidade de meu
físico, que, embora tenha boa aparência, está, no entanto,
abaixo do de uma criança quanto à força e, por essa
razão, não consegue suportar, tanto quanto as outras pessoas,
o
esforço corrosivo do tempo. Não posso deixar de considerar
como mais um fator a minha última estada em Paris, e desde
meu retorno, levando uma vida menos restrita e tendo uma alimentação
melhor, percebo que meus olhos, assim como toda a
minha pessoa, retiram disso algum proveito tanto quanto possível.
Felicito-vos por terdes sob vosso teto uma imagem de vós
mesmo que recreia vossos ouvidos com sua harmonia. Se a sorte permitir que
um dia nos encontremos, talvez eu tenha a
audácia de me oferecer para acompanhá-la com meu violino,
pois ocupei-me com isso na juventude e, embora o que me
resta seja pouco, entretanto ainda arranho um pouco de vez em quando e não
nenhuma ocasião me animaria mais do que a
de contribuir em vossa recreação. Avisam-me de Paris que a
encomenda partiu para Basiléia há muito tempo e que, por
receio de que se haja perdido, vão expedir uma segunda. Creio que
seria bom se prevenísseis o coronel Oser para que
desse fizesse pesquisas e tomasse providências junto às pessoas
enviadas pelo embaixador da Suécia a Nápoles. Adeus,
meu caro irmão. Recomendo-me sempre às vossas preces. Refletistes
sobre o oitavo planeta, descoberto por Herschell199º
Ficaria bem satisfeito se me désseis vossa opinião sobre a
maneira de conciliar essa descoberta com o sistema quinário200
dos planetas seguido por todos os sábios e também por nosso
amigo B. SAINT-MARTIN
197
198 Cobiça negra
?
199 Astrônomo alemão, descobridor de Netuno em 1781.
200 Aqui surge uma dúvida: o original traz, que poderia ser 5º
(quinto). Interpretei-o como quinário. A tradução para
o inglês
apresenta 5ry e lança a pergunta: Qy. 7ry? Acreditva-se que só
havia sete planetas. Netuno é o oitavo. Mas veja-se a
explicação dada pelo autor.
Carta 77 M
, 9 de setembro de 1795
Vossa carta detalhada de 2 de frutidor causou-me uma satisfação
muito real. Uno-me também a vós, meu caro irmão, e
ao
general Gichtel, que considerava a leitura como a bebida da alma. A leitura
dos livros ditados pelo bom espírito é um bom
meio empregado pela Providência para o nosso progresso: aproveitemos
esse favor. Nosso amigo encontrou-se numa
posição diferente, embora o sol não brilhasse nem sempre
para ele, pois em certos momentos ele tinha dificuldade em
compreender suas próprias obras. Vede Ep. 12, 11. Agradeço-vos
também pelos detalhes sobre os números que tomaste o
trabalho de me enviar. Vós me confirmais em minhas idéias:
o general G. jamais soube uma palavra sobre os número; e
nosso amigo B. adquiriu seus conhecimentos antes de haver ouvido falar dos
números. Ep. 12, nº 6, lin. II. Quanto ao meu
amigo de M
, eu poderia um dia escrever-vos algumas linhas sobre suas
idéias principais, porém confesso-vos de bom
grado que não sinto nenhuma inclinação para o estudo
dos números. Suponhamos, por um momento, de acordo com seu
modo de considerar as coisas, que o conhecimento dos signos primitivos,
havendo-o conduzido a formas, a meios, um
desses meios (medium) lhe tenha fornecido uma manifestação.
Mas o inimigo não tem também um medium? Esse medium
não é o espírito do mundo? E não se junta este
último de mui boa vontade ao medium do operador, etc., etc., etc.?
São
essas as minhas conjecturas. Informai-me se estiver enganado. Além
de essas vias ainda darem de ordinário o que não lhes
é pedido, o com o qual não se sabe o que fazer, sei que há
também pessoas que trabalham de maneira totalmente
elementar, deixando cair uma raio de sol em dez vidros de cristal dispostos
de maneira misteriosa: então conseguem, com a
refração desse raio, de acordo com o que elas pretendem, a
manifestação das verdades e das virtudes imutáveis.
Já ouvistes
falar desse caminho? Há quinze anos uma experiência assim teria
provocado toda a minha curiosidade. No momento, não
sei o que me aconteceu, provoca toda a minha indiferença. Todas as
coisas parecem estar distanciadas do verdadeiro
caminho: longe de querer operar fora, é até necessário
que renunciemos a operar dentro, ou seja: devemos dizer a nós
mesmos que, para ter êxito, é preciso que o bem seja feito,
não por nós, mas por aquele que habita em nós; que
para nos
dirigirmos bem, não é necessário que nos dirijamos
por nossa vontade e por nós mesmos, mas unicamente pela vontade
daquele que reside em nós; que as verdades cujo conhecimento é
necessário para operar nossa salvação não sejam
encontradas e pensadas por nós, mas por aquele que aperfeiçoa
e corrige nosso pensamento; que até nossas preces, por
mais assíduas que possam ser, não têm força alguma,
eficácia alguma, agindo somente na fonte da qual derivam, se não
91
desejarmos, se não pedirmos para obter, pela vontade pela força
do Todo-Poderoso, e não de acordo com nossa vontade e
nosso poder. Como e até que ponto as preces de uma pessoa, embora
ardentes, são ouvidas, é o que vemos em dois
exemplos bem surpreendentes e que várias pessoas poderiam tomar,
antes de tudo, como fatos miraculosos, embora no
fundo elas não derivem senão de um maravilhoso muito subalterno.
Encontra-se o primeiro exemplo na vida do general
Gichtel, da qual vos transmiti um resumo: foi a prece ardente da viúva,
prece que subiu tão alto quanto a fonte da qual
desceu e que produziu a manifestação que fazer o general decidir-se
a desposar a viúva. Mas ele logo viu que nada disso
descia de um ponto bastante elevado e não se deixou desviar. O segundo
exemplo é um fato conhecido de todos os homens
instruídos na Inglaterra e que se encontra registrado numa excelente
obra que Leland201 publicou contra os deístas. O fato
aconteceu a Lord Herbert de Cherbury, adversário célebre da
Religião Cristã; ele próprio o contou. Lord Herbert
estava em
dúvida sobre se devia publicar sua obra favorita, seu livro De Veritate202.
Sozinho em seu quarto num dia de verão, não
estando o horizonte coberto por qualquer nuvem nem ao ar agitado por vento
algum, sua janela achava-se aberta para o sul
e a natureza estava em perfeita calma. Tomando nas mãos o livro De
Veritate, Herbert põe-se de joelhos e roga a Deus,
caso a publicação de seu tratado não possa servir à
sua glória, que lhe dê um sinal de aprovação,
caso contrário ele não a
publicaria. Mal acabara de pronunciar essas palavras, ouviu sons claros
de suaves que vinham do céu, de um ponto que ele
podia localizar perfeitamente. Herbert ergueu-se acreditou que sua prece
fora ouvida e atestaeq diante de Deus, em sua
obra, a verdade desse fato. Leland não o negou, mas não soube
explicá-lo e acreditou que fora uma produção da imaginação
exaltada de um autor ciente da boa qualidade de sua obra. Mas eu creio que
se o general Gichtel tivesse tomado
conhecimento desse fato, tê-lo-ia explicado de maneira diversa. O
ponto supremo na obra de nossa regeneração é, pareceme,
o de chegar a dominar, com a ajuda de Deus, tudo o que não vem dele.
Mas acautelemo-nos bem para não destruirmos
sua obra; e nossa razão, aclarada aos poucos por ele, é também
obra sua. Chego ao ponto de vossa carta onde tivestes a
gentileza de me comunicar vossas reflexões sobre a pronúncia.
Concordo de todo coração e toda alma com o trecho em que
dizeis: "Eu não creria que devesse esperar tantos frutos quanto
esperaria se esse nome rompesse por si mesmo203 o selo
que ainda o encerra." Isso corresponde perfeitamente ao meu axioma.
Para que uma coisa, neste gênero, seja bem feita. É
preciso que o própria Deus a faça. As criaturas não
devem esquecer-se de que não passam de instrumentos, pois, já
que
querem tornar-se fazedoras, a obra então leva-lhes a marca.204 O
que me dizeis sobre o sensível visível é bem diferente
daquele do qual vos falei em minha última carta sob o nome de maravilhoso
subalterno. Ele veio,205 naturalmente, sem ser
buscado pelo ser humano, e acompanha sempre o sensível interior.
Falai-me novamente, por favor, dessa pessoa e de seu
estado. Desde o princípio e desde os anos de seu primeiro desenvolvimento
o sensível interior foi sido acompanhado pelo
sensível visível? Dizei-me também, por favor, como
foi que essa pessoa chegou a essa coroa. Certamente a origem era o
aniquilamento; esse nada não foi conduzido na representação
do prazer ligado à visão interior; dessa representação
basta
um passo para querer fruir desse prazer; esse querer teria produzido desejos
e os desejos teriam produzido as formas. Tudo
isso merece não somente a atenção daqueles que refletem
sobre esses assuntos, mas ainda o conhecimento da pessoa que
goza desse favor. Die Starke Begierde, da qual me falais, terá talvez
tido a melhor parte na formação desse tesouro. Desejo
do fundo da alma todas as consolações de nosso benfeitor,
às quais ele naturalmente deve esperar. Seria um extremo prazer
para mim se a sorte permitisse uma vez que pudéssemos vernos, e minha
filha ficaria bastante feliz de vos acompanhar com
seu cravo. Escrevi ao coronel Oser. Respondeu-me ele que não tinha
podido descobrir até agora qualquer sinal de um
pacote enviado a ele de Paris. O mais seguro, talvez, seria enviar o pacote
de Monsieur Oser desde Paris, endereçado à
embaixada francesa em Basiléia. A descoberta de Urano por Herschel
não me causou grande sensação. Suponho que essa
descoberta será confirmada, ou seja: que Urano pertence ao nosso
sistema planetário e a nenhum outro, o que talvez exija
ainda algum tempo antes de podermos então afirmar, com certeza, que
é mais um planeta. Nosso amigo, não havendo ele
mesmo feito observações, tomou o número observado por
seus contemporâneos. Esse número não me parece tão
importante para haver merecido uma revelação superior, tão
pouco o sistema de Ptolomeu e o de Tycho206. Para se
fazerem compreendidas, as Sagradas Escrituras falam de acordo com aquilo
que atinge os sentidos, de acordo com o
empírico, e não de acordo com o científico, que, no
entanto, era o verdadeiro, mas que ninguém de nossa época
havia
compreendido. Abraço-vos de todo o coração, meu caro
e respeitável irmão, e rogo-vos não vos esquecerdes
de mim em
vossas preces. P.S. Há um assunto sobre o qual gostaria muito de
ter vossa opinião. Credes que, como os princípios de
nosso amigo B. se possa, não digo conjecturar, mas provar que as
almas, depois de se separarem do corpo, se
correspondam entre si e que as do mesmo tipo continuem as ligações
que tiveram no mundo? É uma opinião geralmente
estabelecida de que reveremos os amigos num outro mundo. Mas, até
agora, só encontrei verossimilhanças, sem qualquer
outra prova, nem nas Escrituras nem nas obras de nosso respeitável
amigo B., que teria podido emitir essa opinião com
certeza. Naturalmente a época da qual falo é a que precede
o juízo final e que começa após nosso decesso. Como
a certeza
dessa opinião se prende a muitas coisas, peço que reflitais
sobre isso com seriedade. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
201 John Leland, ou Leyland, (1506-1552). Bibliotecário de Henrique
VIII, catalogou e recolheu numerosos manuscritos nos
mosteiros em vias de dissolução.
202 Sobre a Verdade.
203 Grifo de Kirchberger de Liebistorf.
204 Nota para o editor : no original, as aspas fecham aqui, mas na carta
de Saint-Martin a citação pára em "qui le selle
encore" (que ainda o sela).
205 À revisão: usar essa vírgula? Sua retirada altera
o sentido da frase.
92
206 Tycho Brahe, astrônomo dinamarquês.
Carta 78 Amboise, 26 de frutidor, ano III
Escrevo-vos às pressas, e no primeiro pedaço de papel que
encontro, caro irmão, para vos avisar de que Monsieur de Wit,
ministro plenipotenciário dos Estados Gerais junto aos cantões
helvécios, está encarregado, pelo embaixador da Suécia,
dos
dois exemplares de minha brochura e que ele partiu para Berna, onde se dirige
diretamente. Tomai agora as vossas
providências para conseguirdes o pacote. Faz algum tempo que vos escrevi
enviando-vos alguns detalhes sobre os números,
sobre os diversos sensíveis e sobre a COROA. Ficaria satisfeito em
saber se os recebestes. Voltei à minha terra natal para
assistir à assembléias primárias. Mesmo que eu possa
ter dito e feito qualquer coisa para evitar ser eleitor, sou um deles, o
que me diverte um pouco, mas se há alguns inconvenientes nesse assunto,
pelo menos posso dizer que não foi por minha
vontade, o que me consola de tudo. Além do mais, ser eleitor não
é ser representante e não estarei ocupado por mais do que
oito ou dez dias. Desde meu regresso não pude deixar de visitar a
biblioteca na qual trabalhei no ano passado e saudar a
irmã Marguerite do Santo Sacramento. Essa pessoa é verdadeiramente
um prodígio de virtude, assim como nosso amigo B.
é um prodígio de luzes. Até perdôo de mui bom
grado a essa boa religiosa por todas as carolices de seu estado quando vejo
a pérola e o ouro puro no fundo do crisol. Ela também já
foi general de exército, como nosso amigo Gichtel, e rechaçou
os
exércitos inimigos que haviam penetrado na Borgúndia ameaçando
a cidade de Beaune, onde se situava seu mosteiro. Além
disso, numerosas comunicações do mais alto tipo, cujos raios
atravessam toda a obra, que é apenas um resumo, são
conformes a todos os nossos grandes princípios. Na ordem executiva,
creio que essa pessoa esteja no grau mais sublime,
assim como o nosso amigo está para a ordem instrutiva. Adeus, meu
mui caro irmão, oremos e tornemos a orar. Se
soubésseis como nós, os eruditos, estamos longe de progredir
na prece como estava nossa boa Marguerite! Coro de
vergonha por causa disso. Busquei essa obra em todas as livrarias de Paris
e não consegui encontrá-la. SAINT-MARTIN
Carta 79 Veuilly, 10 de outubro de 1795
Espero, caro e respeitável irmão, que tenhais recebido minha
carta de 9 de setembro, na qual acusava o recebimento da
vossa de 2 de frutidor, acrescentando-lhe algumas perguntas sobre as quais
espero vossos esclarecimentos, com o desejo e
a ansiedade que antecede sempre a recepção de vossas cartas.
Na carta de 26 de frutidor falais de dois exemplares de
vossa obra, com a chegada de Monsieur de Wit aqui. Desde que soube de sua
chegada a B. encarreguei a uma pessoa de
confiança de pedir-lhe meu pacote, Monsieur de Wit, tendo terminado
sua missão, partiu para a Holanda ao fim de três dias,
antes que meu mensageiro lhe houvesse podido perguntar o que eu queria saber
dele. Assim, minha espera já teve de
suportar vários contratempos. A via do embaixador da Suécia
para a da França em Bade e, de lá, pelo coronel Oser até
chegar a mim, parece-me ainda mais segura, pois nem todos os embaixadores
concluem seus negócios no prazo de três
dias. De tempos em tempos recebo sempre cartas do meu amigo de M
[Munique],
que está tão contente com seus números
que será preciso, quer eu queira, quer não, pôr-me a
par do mais significativo gênero para poder falar sua língua.
Se tiverdes
alguns momentos de lazer, tende a bondade de dizer-me o que ele entende
exatamente por 3 in 4/7. Ele ama os números
porque, aparentemente, lhes deve muito. O que há de bem certo é
que o nosso amigo de M
é um homem raro, seja qual
for o caminho pelo qual a Providência o haja conduzido. Se eu não
estivesse sobrecarregado de negócios, tentaria fazer um
resumo de sua doutrina sobre os números para vo-la enviar; é
infinitamente mais complicada do que a que vos mandei. Ele
me garantiu recentemente que jamais aprendera nada de ninguém sobre
os assuntos concernentes à pneumatologia. O que
me dissestes sobre a COROA, em vossa carta anterior, causou-me impressão,
fazendo nascer em mim o desejo de saber
por qual caminho a pessoa da qual me falais chegou à posse desse
tesouro. Foi por uma vontade forte e permanente de
conseguir essa vantagem ou pelo abandono sem vontade clara que ele o conseguiu?
A notícia da escolha feita por vossa
comuna causou-me verdadeira satisfação. Isso é um bom
sinal do espírito público que reina entre vós. Dos
corpos eleitorais
depende a salvação de vossa pátria; e sou informado
de que em vários locais os eleitores foram muito bem escolhidos.
Assim, podemos esperar representantes sábios e moderados, pois, se
desejamos a paz, como o creio, não há dúvida de que
a moderação encerre a única probabilidade para concluí-la.
Mil agradecimentos pelo que ainda me dizeis sobre a admirável
irmã Marguerite. Ficaria encantado de conhecê-la um pouco.
Estou aqui para a vindima à beira do lago, que fica defronte a
Morat, completamente sozinho com meu contador e um doméstico. A vida
de Antoinette Bourignon caiu-me por acaso nas
mãos. Vinha acompanhada por um de seus tratados; apesar da má
tradução feita por alguém que não conhecia nada
da
língua alemã, os raios do fundo atravessaram todas as nuvens
e vi, contrariamente ao que ouvira dizer em detrimento dessa
jovem, que tratava-se de coisa muito boa. Farei perquirições
para ter suas obras em francês. Ela era uma grande admiradora
de nosso amigo B. O general Gichtel viu-a em Amsterdam, mas não pôde
entrar em entendimento. Descobri o pequeno
ponto que os separava e que não passava de um malentendido. Nosso
general acreditou que a vocação dessa jovem devia
assemelhar-se à sua e foi nisso, creio, que ele se enganou. Vede
que a li com bastante imparcialidade, uma vez que a
autoridade do general não alterou minha opinião sobre ela.
Adeus, meu respeitável irmão, lembrai-vos sempre de mim em
vossas preces. Orai juntamente comigo para que a Providência faça
com que todos os homens de desejo atinjam o porto,
93
fazendo com que consigam a única coisa que lhes pode dar vida. Nisi
manducaveritis carnem Filii hominis, et biberitis ejus
sanguinem, non habebtis vitam in vobis.207 KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
207 Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes
o seu sangue, não tendes vida em vós me smos. (João
6:53.)
Carta 80 Tours, 28 de vindimário, ano IV (18 de outubro, v. est.)
Aguardo vossa segunda carta, senhor, para responder à anterior. É
necessário tomar uma decisão sobre mus pacotes. Para
remediar isso, não vejo outra medida a tomar senão a de enviar
uma ordem de pagamento para o impressor, e fareis isso de
modo a encontrar alguém em Paris que receba o dinheiro e se encarregue
de vo-lo remeter envio. A ordem segue em anexo.
Os princípios que expondes em vossa carta de 9 de setembro são
quase todos reconhecidos e aprovados entre nós dois.
Assim, não tornarei a falar sobre os meios mecânicos que desdenhais
com razão, nem sobre as experiências enganosas de
tantas pessoas, como a aventura de Lord Herbert. O que foi decidido deve
ser mantido. Vosso gosto perquiridor vos leva a
querer sondar a origem da COROA. Acho que lhe faríamos mal se a buscássemos
em outro lugar além dela mesma. É um
caso em que a ciência prejudicaria a verdade; e estejamos certos de
que, quanto mais simples um ciência, maior ela é.
Admito, se o quiserdes, essa genealogia de nada, de representação,
de querer, e de formas; para mim, tudo isso não passa
de acessório, talvez mesmo dos envoltórios com a coisa vela
sua operação. O que há de verdadeiro, de profundamente
verdadeiro, é que essa COROA está semeada em todos os homens
e que, como todo grão dá fruto, não é de admirar
que
ela produza o seu na época certa. E a forma desse fruto deriva simplesmente
da natureza da raiz, sem que a ação de nossos
desejos tenha tomado parte nela, a não ser para deformá-la.
Vede a resposta na primeira das 40 perguntas. Desde o começo
a COROA foi designada tal como é em várias outras passagens
de nosso caro B. eis a raiz eterna de nossa eterna planta, da
qual devemos nutrir-nos na eternidade. Amém. Não creio que
nosso amigo B. tenha sido indeciso como vós sobre o nosso
sistema planetário. Ele propôs o número dele tantas
vezes que sobre isso não deixou dúvida alguma, e, se lembrardes
os
Sieben Eingeschaften208 da natureza eterna, de onde deriva o sistema, concordareis
comigo. Eu mesmo só posso livrar-me
da dificuldade admitindo, como ele, apenas sete princípios de operação,
mas sem limitar com isso o número de órgãos de
operação. Não passa de uma hipótese lançada;
um dia será esclarecida. Quanto à vossa pergunta sobre a correspondência
das almas antes do juízo final, talvez vos lembreis do que foi dito
pelo nosso amigo sobre aquelas que se apresentam ainda
durante algum tempo após a morte corporal, enquanto ainda não
se dissipou a substância sideral da qual estão
impregnadas. Não sei em qual passagem ele expõe esse princípio
e não posso encontrá-lo aqui, pois não trouxe suas
obras
numa viagem curta, na qual nem mesmo teria tido tempo de usá-las,
mas creio que nos Três Princípios encontrareis alguma
coisa que vos satisfaça. Além disso, trata-se aqui somente
dos amigos segundo o espírito do mundo, e não é isso
o que nos
importa, uma vez que, ao contrário, é uma infelicidade que
esses relacionamentos se prolonguem no além-túmulo. E não
é
menos verdade que, com muito mais razão, os outros devem prolongar-se
da mesma forma. Assim, vede o que nosso amigo
B. diz das sociedades dos santos no paraíso; vede o que as Escrituras
ensinam sobre isso quando nos dizem, quando da
morte de cada patriarca, que ele se reunia ao seu templo; vede, também
no capítulo 15 do segundo livros dos Macabeus
(acrescentando-lhe, entretanto, somente o grau de fé que puderdes),
o sonho de Judas Macabeu, em que o sumo sacerdote
Onias e o profeta Jeremias, ambos já mortos, apresentam-se, no entanto,
numa santa união de zelo pelo povo judeu, etc.
Dou-vos, senhor, todas as provas testemunhais que tenho sobre esse ponto.
Quanto ao fundo da questão, não podemos
depois de refletirmos um pouco sobre os princípios; e se não
se refletimos de maneira bem madura, as provas testemunhais
têm peso medíocre. Vamos à vossa segunda carta. Enviei-vos,
antes de minha penúltima carta, um pequeno resumo de
minha idéia sobre 3-4/7. Nosso amigo B. disse tudo isso ao nos expor,
conforme o fez, o eterno ternário surgindo no quatro, e
agindo em concordância com ele na universalidade da manifestação
setenária que, por esse meio, não é outra coisa senão
ele mesmo, e jogo vivo da eterna aliança, pela qual a eterna liberdade
se encontra ao mesmo tempo dentro e fora. Nada
posso dizer-vos sobre a idéias de nosso amigo B. com relação
a essa imensa base, uma vez que não a conheço. Se, não
obstante vossas ocupações, tiverdes tempo de lançar
no papel, mesmo intermitentemente, alguns trechos desses princípios
sobre esse assunto, eu teria proveito com isso e vos daria minha opinião.
Não fico nada surpreso de esses conhecimentos
lhe tenham advindo naturalmente. Voltais ao assunto da origem da COROA;
não foi a vontade forte de consegui-la, pois com
toda certeza a pessoa nem sabia que essa COROA existia. Nem direi que isso
aconteça pelo abandono sem vontade
distinta, pois a vida toda essa pessoa teve um profundo desejo de sair do
abismo, sempre colocando Deus acima de tudo.
Mas eu vos remeto à primeira página de minha carta, repetindo-vos
que isso é uma frutificação natural. Nessa pessoa o
sensível interior existiu por muito tempo antes do sensível
visível. Mas cresceu desde então e todos os dias continua
crescendo para ela. Ela espera, antes de morrer, um desenvolvimento mais
considerável ainda. Seja feita a vontade de Deus.
Amém. Nossa tarefa eleitoral acabou, para satisfação
geral. Volto imediatamente para casa, mas não sem projetos para
alguns outros pequenos cursos. porém continuai a escrever-me para
o mesmo endereço, até nova ordem. Acreditei que
poderia colocar Marguerite ao menos na mesma linha do general Gichtel. Ele
rechaçou os inimigos, ela anunciou
antecipadamente a derrota dos seus, notadamente a do exército austríaco,
comandado pelo general Galas, em 1636. Ele
dormia muito pouco; ela não dorme nem um pouco. Quanto à Bourignon,
de quem falastes, creio como vós que era mui
excelente, e tentarei também consegui-la, se pudermos conseguir alguma
facilmente. Mas neste momento é impossível. É
preciso aguardar a restauração prometida de nossos negócios,
que me agrada esperar de nossa nova constituição e da
94
atividade de nosso governo. Felicito-vos por poderdes caminhar em paz e
com vagar nas margens tranqüilas de vossos
lagos. Nós, seis anos há que caminhamos nas margens do fogo,
com o temor contínuo de cair dentro dele. Mas já aprendi
bastante que Deus está por toda parte para ter a felicidade de não
o ter perdido de vista de modo algum durante as
tempestades permanentes; e gosto de pensar que elas serão coroadas
para nós com doces consolações. Digamos sempre,
no entanto: Seja feita a sua vontade. Amém. Adeus, meu caro irmão,
apoiai-me em minha obra com vossas preces. SAINTMARTIN
208
Carta 81 M
, 7 de novembro de 1795
Nada de mais verdadeiro, meu caro e respeitável irmão, de
que a COROA esteja semeada em todos os homens e que, no
tempo apropriado, produza seu fruto. Talvez a mão de nossos desejos,
que tendem diretamente a possuir o fruto dessa
COROA, em nada contribua para consegui-lo. Entretanto, sem termos uma vontade
forte, sem toda a nossa energia e toda a
nossa perseverança, jamais chegaremos até ele. Isso, à
primeira vista, parece um paradoxo, mas não o é. Concordo
inteiramente convosco, embora no fundo minha opinião sobre esse ponto
signifique bem pouca coisa, "que o sete princípios
de operação de nosso amigo B. não limitam de maneira
alguma o número de órgãos da operação"209.
Quanto à minha
pergunta sobre a correspondência, ela só será resolvida
de maneira prática quando tivermos rasgado o véu que separa
um
princípio do outro; mas isso exige energia. 15, Perguntas, 26, 13.
Muito vos agradeço pelos resumos da explicação do
hieróglifo 3-4/7. Vejo agora que isso quer dizer em francês
que Deus está no homem e com o homem produz todas as
verdadeiras manifestações. É um princípio que
nenhum de nós jamais pôs em dúvida. O meu amigo de M
torna-se mais
interessante a cada dia que passa, sobretudo a partir do momento em que
ele me responde em belo e bom alemão, e que
não se envolve mais em enigmas. Em sua última carta diz-me
ele, dentre outras coisas, "que o nome que está acima de
todos os nomes é diferente do nome do Tetragrama e do de J. H. V.
H." A propósito da citação desses grandes nomes,
ele
louva muito a passagem de vosso Quadro Natural, t. II, pp. 98, 99 e 143,
que neste momento não está comigo. Quanto a
mim, em minha estreita esfera, creio que o nome do qual se faz menção
no livro do Êxodo, 6:3 e o que meu amigo me faz
entrever são os mesmos; e que encontramos esse nome sublime nos livros
sagrados, uma vez que São Pedro o pronuncia
com todas as letras. Atos, 3:6, Item 4:10-12. Talvez, dentro de bem poucos
dias, eu trave conhecimento com a interessante
irmã Marguerite. Não imaginais como, já desde algum
tempo, as riquezas desse tipo se acumulam em meu escritório. Há
bem pouco tempo descobri os escritos de um homem do mesmo poder do nosso
general. A confrontação dessas diversas
testemunhas que, cada uma do seu lado, iluminam um novo canto da grande
doutrina, é para mim tão útil quanto satisfatória.
Felicito-vos por haverdes terminado vosso trabalho eleitoral. A França
não tem nada de mais na reunião de energia de todos
os membros bem pensantes e moderados da Convenção. Como após
sua partida Monsieur de Wit talvez se tenha lembrado
de que ainda tinha um pacote para mim, acabo de receber e de ler com igual
satisfação a vossa obra a que chamais de
brochura: é o livro mais profundo que já foi escrito sobre
a revolução francesa; uma página desse livro contém
mais verdades
importantes do que seis mil volumes que talvez fatigaram a imprensa por
ocasião desse acontecimento. Destes a solução
das maiores dificuldades na teoria da ordem social; deste-la sobretudo com
a sabedoria necessária para não ferir demais os
preconceitos. E quanto aos grandes princípios religiosos, também
admirou-me o não haverdes empregado os livros sagrados
como provas fundamentais: era muito mais conveniente apresentá-los
como confirmações necessárias. A parte política
de
vossa obra contém verdades grandes e luminosas. É sobretudo
para o estado presente da França que se encontram nela
consolações e remédios admiráveis. Mas após
um reflexão madura e sólida, eu não poderia, de maneira
alguma, aconselharvos
escolher a época atual para que ela seja traduzida em alemão.
O mundo é certamente um grande hospital em que cada
nação ocupa um quarto, mas, embora todos os apartamentos estejam
infectados de doenças do mesmo tipo, essas doenças
e os indivíduos por elas atormentados não são, no entanto,
da mesma espécie; e sobretudo essas doenças não se
manifestam com o mesmo grau de intensidade: assim, o mesmo remédio
que produziria maravilhas numa parte da
construção provocaria um efeito inteiramente oposto em outro
canto dessa casa de inválidos. É preciso que haja muita
circunspecção antes de se dar o conselho para se usar o bisturi
num abcesso mortal. Um Estado em crise precisa de um
regime diferente daquele que é necessário a um país
que não está ainda. Mas, tomando as coisas como um todo, e
reunindo
todos os raios da circunferência no centro, aonde provavelmente chegarão
com o passar do tempo, admiro, assim como vós,
os decretos da Providência. Enviarei, na primeira ocasião,
um exemplar ao meu amigo de M
Adeus, meu caro e respeitável
irmão. Oremos sempre uns pelos outros. Para mim, é um dever
que se tornou mui caro à minha alma. KIRCHBERGER DE
LIEBISTORF
209 Diz a carta (n ? 80): "apenas sete princípios de operação,
mas sem limitar com isso o número de órgãos de operação".
Carta 82 Amboise, 7 de frimário, ano IV
Não, meu caro irmão, não há paradoxo em vossa
primeira proposição. Sem os nossos desejos, nada poderíamos
conseguir,
mas os nossos desejos dever ter como objeto exclusivo a nossa união
com Deus e o cumprimento de sua vontade. Quando,
em seguida, ele julga oportuno servir-se de nós ou conceder-nos algum
favor, não é embaraçado por seus meios. Assim, é
95
com esses meios que devemos inquietar-nos. Lede nos Três Princípios,
cap. 27, nº 20. Parece-me que neles encontrareis
qualquer coisa que vos ajudará sobre as correspondências e
que me pareceu vir em apoio daquilo que vos disse em minha
última carta. O hieróglifo 3-4/7 é o texto dessa proposição,
da qual dizeis que nenhum de nós jamais duvidou e acho que é
prazeroso poder ler nos textos dessas altas verdades que tanto perderam
por estarem encerradas nas nossas línguas
vulgares e nas simples regiões das idéias comuns. O vosso
amigo de M
[Munich] também interessa-me muito segundo
vossos relatos. O que ele diz sobre os nomes divinos vai, talvez, mais longe
do que pensais. O nome de que fala o Livro dos
Atos está acima do Tetragrama, disso não tenho dúvida
alguma, mas também estou certo de que existe um que nos espera e
que estará ainda acima do que o que está nos Atos. O nome
citado nos Atos é o caminho exclusivo da libertação.
Precisaremos em seguida do nome do gozo; é este que está prometido
no Apocalipse, é somente ele o nome que ninguém
conhece, exceto aquele que o recebe. Caminhemos com muito respeito, meu
caro irmão, nessa alta carreira. Aí é que se
dissipam nossa razão e nossos conhecimentos: diante dessa grande
luz. Confesso-vos que experimento ardorosos desejos
de ver esse amigo de Munique, tal como vós. Talvez a França
se esteja aproximando do termo de suas terríveis provas e
talvez a boa Providência me forneça meios para me satisfazer,
pois, quanto a mim, não vejo nenhum meio par sair disso,
haja vista a ruína total de nossos assignats, o que faz com que eu
mesmo, que tenho bens bastante consideráveis para um
modesto indivíduo, tenha dificuldades para ter uma vela e sapatos.
Mas enfim, se o sol raiasse para nós, com toda certeza
meus primeiros passos se dirigiriam para os vossos cantões, pois
a conversa com pessoas instruídas me seria de maior
proveito do que minhas leituras solitárias. Dizei-me, por favor,
se vosso amigo de M
fala francês. Conheço tão
pouco do
alemão, e sobretudo do alemão necessário para falar,
que considero como nada o que sei. Felicito-vos pelas descobertas
que fazeis todos os dias. A irmã Marguerite com toda certeza vos
interessará por causa de suas virtudes, quando for seus
conhecimentos. Quanto ao meu escrito sobre a política, ele jamais
recebeu tanta honra como a que lhe fazeis; em meu país
mal olharam para ele. Minha nação não está mais
madura do que as outras para as noções profundas; assim, expus
as
minhas apenas por consideração para com um amigo que me instava
a escrever, mas eu sentia que, ao propor a pedra
angular, era necessário que ela fosse rejeitada210. Nem por isso
deixo de acreditar que fiz uma boa obra da qual o grande
mestre irá lembrar-se, e é tudo o que preciso. Aprovo vossa
reserva sobre a tradução em alemão. Creio, assim como
vós,
que não é a hora, e isso seria mais perigoso em vossa terra
do que na nossa onde, como conseqüência de nossa revolução,
tudo poderemos dizer, não tendo outra punição a sofrer
senão a de não sermos lidos, se não gostarem. Embora
tenhais
recebido o pacote, podeis servir-vos ainda do dinheiro que vos enviei, se
o desejardes, e se encontrardes em vosso caminho
alguma pessoa a quem convenha essa leitura. Esta manhã eu pensava
na pessoa de Zurique [Lavater], mas não sei se isso
lhe agradaria Pensava também na mão alheia da qual vos servis
para me escrever, pois várias de vossas cartas,
principalmente a primeira, não apresentam a mesma caligrafia. Conheceis
o grau de inteligência dessa mão alheia para
empregá-la? E credes, sem inconveniente, fazê-la participar
das maravilhas com que ambos nos ocupamos? Compete à
vossa sabedoria decidilo. Peço-vos meu caro irmão, que me
digais se a palavra Schiemen, 40 Perguntas, I, 216, quer dizer
sombra. Não a encontro em meu dicionário e é esse o
sentido que recebe no inglês. Adeus, meu caro irmão, que Deus
cos
cumule cada vez mais com suas bênçãos. SAINT-MARTIN
210 Referências a Salmo 118:22: "A pedra que os construtores
rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular.";
Mateus, 21:42 e Marcos, 12:10. Algumas traduções dizem: cabeça
de esquina.
Carta 83 13 de dezembro de 1795
Eu teria respondido imediatamente, meu caro e respeitável irmão,
à vossa carta de 4 de frimário se não tivesse sido
impedido. Estou de volta à capital e os negócios chovem em
cima de mim. Nosso amigo B., nos Três Princípios, cap. 27,
nº
20, fala da impossibilidade de comunicação entre almas heterogêneas,
das quais uma, após o despojamento terrestre,
encontra-se no seio do Eterno, e a outra, que é imperfeita e ainda
rasteja na terra, et vice versa. Mas, a comunicação dada
pelo assunto de uma de minhas cartas considerava a possibilidade de uma
comunicação entre duas almas homogêneas,
ternas e amorosas, das quais uma passou para um mundo melhor sem que a parte
restante tenha diminuído sua ligação com
ela e sem que o tempo tenha produzido seu efeito costumeiro; pelo contrário,
parece haver estreitado esses laços. Nosso
amigo B. tem um forte pendor para afirmar as comunicações
do último tipo. Os princípios gerais parecem vir em seu apoio,
pois, se entrarmos no que ele chama de segundo princípio, então
ergue-se a tela que nos furta à visão dos habitantes desse
princípio, permitindo liberdade às comunicações.
Assim minhas dúvidas não versavam sobre esse ponto da questão
mas
sobre a possibilidade de uma comunicação entre uma alma em
seu envoltório terrestre - a qual ainda não atingiu a um grau
suficiente de desenvolvimento para ver a tela erguida - e uma alma desligada
de seu envoltório terrestre e que, por
conseqüência, encontra-se em região diferente. Não
vejo outra possibilidade de êxito para o habitante desse mundo, exceto
no estado de sono. Essa questão interessa ao meu coração,
mas esforço-me por suprimir essa vontade, como todas as
outras, para submetê-las somente àquele que deve ser dela o
único árbitro. Mesmo que eu devesse, pelo resto da vida, não
dar um passo a mais em nossa carreira, creria haver tudo obtido se conseguisse
submeter minhas vontades, desejos e
repugnâncias a respeito de todos os acontecimentos da vida. Mas ainda
sou um aprendiz bem pequeno nessa escola. Do
lado de fora tudo me ri, enquanto sofro desgostos domésticos pungentes.
Além do que, por um encadeamento da
circunstâncias, a revolução em vosso país deu-me
um golpe terrível, do qual jamais me recuperarei. Meu amigo de Munique
é ainda um enigma para mim, certo é que ele é extremamente
lido: já leu as obras mais raras e as mais preciosas sobre os
96
números e sobre o emprego do grande nome; considera muito a Sanckoniaton211.
Mas não encontro nele a previsão, a
limpeza e a precisão de espírito à qual eu estava acostumado
com vossas cartas, e tenho dificuldade em persuadir-me de
que ele esteja tão adiantado como imagina estar. Não me compete
julgar, mas não é impossível que, por falta de purificação
interior, ele ainda esteja atrasado na prática. Talvez também
ele se tenha apressado a escrever e a ser publicado, pois é de
uma demasiadamente fértil nesse tipo; não se contentando em
escrever sobre esse assunto, escreve em vinte tons, muito
diferentes uns dos outros. Tem um facilidade sem igual e com isso tornou-se
um dos autores mais prolíficos da Alemanha.
Atualmente, parece ter boa opinião da escola do Norte, da qual tomou
conhecimento. Dizia-me que tinha estima por nosso
amigo B. Mas eu não percebi que o haja estudado, pelo contrário.
Faz também perguntas sobre as quais obtém repostas que
considerada vindas da mais alta fonte. Repito que para mim ele é
um enigma. Nessa incerteza, suspendo meu julgamento e
me encerro em minha concha. A cada dia me torno menos curioso das ciências;
só me dedico àquelas que me ensinam a
renunciar a mim mesmo, a me despojar, e o resto virá quando nosso
grande Benfeitor o quiser. Não preciso dizer-vos que
desejo tanto quanto vós que a boa Providência nos reúna.
O fim das provas de vossa pátria não pode estar muito distante.
Enquanto esperamos, apesar do que desejo, compreendo que não podeis
deixá-la neste momento. Como o ouro está
altamente cotado em vosso país, fiz uma tentativa pelo presente correio
de vos enviar dez luíses numa carta em separado.
Ficarei encantado se puderdes, por esse meio, proporcionar-vos algumas comodidades.
Mostrei hoje a vossa obra a um
magistrado amigo meu, que tem condições de apreciála.
A pessoa de Zurique não entenderia nada dela. Ainda não vi
a irmã
Marguerite, mas possuo a obra de uma grande testemunha, que surgiu na Alemanha,
logo depois de nosso amigo B. Traz
todos os caracteres de autenticidade e sua obra encerra coisas interessantes.
Ele se chama Engelbrecht. Ficai tranqüilo
quanto à mão alheia e lembrai-vos do pato de Vaucanson212,
que certamente não sabia o que comia, além do fato de que
vossas cartas não são vistas por ninguém; assim, podereis
escrever-me com toda clareza que achardes adequada. A palavra
arcaica Schiemen significa, na primeira Pergunta, nº 216, simplesmente
WiederscheinI [reflexo], ou reflexo de um objeto na
água. Adeus, meu caro e respeitável irmão, meu coração
muitas vezes sente necessidade de vossa presença. Enquanto
espero, não vos esqueçais de pensar em mim em vossas preces.
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
211 Citado no Quadro Natural como Sanchoniaton.
212 Mecânico francês (1709-1792), que criou o primeiro tear
inteiramento automático. Também criou diversos autômatos,
entre os quais o Pato, que fazia digestão. Um de seus autômatos,
o Clarinetista, pela fiura de movimentos dos dedos, foi o
precursor do robô moderno.
Carta 84 Amboise, 8 de nevoso, ano IV
Recebo neste momento, meu caro irmão, os dez luíses de ouro
que vossa atenta benevolência achou por bem fazer chegar
a mim, e isso sem esperar saber se esse honesto procedimento me conviria.
É a primeira vez que aparece dinheiro
estrangeiro em minha casa, embora eu muitas vezes tenha estado outrora em
dificuldades. Assim, meu primeiro impulso foi o
de devolver-vos imediatamente essa soma, não somente porque não
tenho realmente necessidade dela, mas porque no
mesmo dia em que chegou vossa carta de aviso um de meus fazendeiros pagara-me
uma parte de sua fazenda em dinheiro,
o que me é suficiente para as primeiras necessidades. Um segundo
impulso me deteve. O orgulho de vosso velho amigo
Rousseau, em circunstância semelhante, ter-me-ia parecido mais apropriado
se tivesse sido fundado na alta fé evangélica,
que dá e cria os meios de não se conhecer necessidade alguma.
Mas embora sua firme filosofia me pareça sempre mui
digna de consideração, sem elevar-se até esse ponto,
não me pareceu conseqüente, pois, se ele prega tanto o exercício
das
virtudes quanto o da beneficência, é preciso então deixá-las
fluir livremente quando elas se apresentam, sem o quê sua
doutrina tornarse- ia nula. Foi isso o que me deteve. Recebo, pois, o vosso
dinheiro, que não pedi e com toda certeza jamais
teria pedido. Recebo-o, certo de jamais ter necessidade dele e minha alma
encontra satisfação em deixar-vos gozar dos
frutos de vossa boa ação. Foi isso o que meus escrúpulos
me sugeriram; para bons movimentos como os que vos dirigiram,
senti que era necessário uma recompensa do mesmo tipo e meu reconhecimento
vos permite recolher esta justa retribuição.
Envio-vos em seguida, para vossa segurança, o recibo necessário,
e em papel timbrado, segundo as formas legais de meu
país. Pudesse eu ir logo retirá-lo em pessoa e levar eu mesmo
o reembolso do precioso penhor que hoje me dais de vossa
amizade! Mas Deus sabe quando chegará esse feliz momento. Enquanto
aguardo, ajunto a esta uma pequena imagem de
minha figura material. Embora pouco me agradasse a idéia de mandar
pintar um retrato meu, um parente exigiu-me há
quinze anos que condescendesse nisso, e eu cedi. Ultimamente um amigo fez
duas cópias desse último retrato, e desde
então sempre tive o projeto de enviar-vos uma. Ela está um
pouco mais idosa do que o retrato, mas muito mais jovem do que
minha figura natural; no entanto, ainda se parece muito comigo para que
todos possam reconhecer-me. Vede nela somente o
que há, a vontade de abrir caminho com um amigo como posso e não
vos detenhais na obra em si, apenas o trabalho de um
troca-tintas em pintura. Se vossas ocupações vos permitirem
retribuir-me com um retrato vosso, ficarei encantado de ter esse
meio de antecipar o conhecimento que tenho tantos motivos para desejar travar
pessoalmente convosco. Passemos ao que
nos interessa. Creio que encontrareis a solução de vossa dificuldade
sobre as comunicações na 26! das 40 Perguntas. Existe
aí muito a respigar. Acrescentai-lhe o que vos disse em parte sobre
a relação entre os vivos; acrescentai-lhe a observação
de
que os buscamos nos princípios sensíveis onde não mais
estão, e de que eles nos buscam no princípio divino e espírito
onde
ainda não estamos. Por fim, acrescentai-lhe o que disse Jesus Cristo:
"Quem são meus irmãos, minha mãe, etc.? São
aqueles que fazem a vontade de meu pai213." E aí aprenderemos
onde é preciso buscar aqueles que amamos. Vosso amigo
97
de M
é, como dizeis, um enigma para vós? Talvez haja
nele uma mistura; mas também, por essa razão, deve haver coisas
boas. Espero, para opinar a esse respeito, que me envieis o resumo de suas
opiniões, que vos pedi. Perguntei-vos também
se ele falava francês e nada dizeis sobre isso em vossa carta. Vós
me falais de desgostos domésticos e do golpe terrível que
a revolução vos trouxe, meu caro irmão. Se julgais
que minha alma é digna de vossa confiança, abri-vos ainda
mais; talvez
encontreis nisso algum consolo. O nome de Engelbrecht não me é
desconhecido, mas não conheço suas obras. Há quinze
dias iniciei a tradução dos Três Princípios de
nosso amigo B. É um esforço para mim esse tipo de obra, mas
a condição de
meus olhos e a incerteza do futuro levaram-me a fazer isso. E além
do mais, é um dos seus escritos mais importantes e no
qual meus compatriotas poderão, talvez, um dia, haurir algumas luzes,
se eu não tiver coragem de traduzir-lhes todas as
outras produções de nosso caríssimo autor. Percebo
que ele é às vezes um pouco prolixo, mas não reclamemos
de seus
defeitos: agradeçamos à Providência por haver permitido
que ele nos falasse. Adeus meu mui caro irmão. O correio vai partir
e eu vos deixo, abraçando-vos de todo o coração. Uma
palavra sobre a tradução dos Três Princípios.
No título Beschreibung
der Principien214, etc., lê-se uma vida durch uns. Eu vos perguntaria
se é necessário traduzir como para nós.215 Isso é
audacioso e forte, mas não sei o que usar em seu lugar. SAINT-MARTIN
213 Mateus, 12:48, 50: "Quem é minha mãe e quem são
meus irmãos? [
] Porque qualquer que fizer a vontade de meu
Pai
celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe."
214 Descrição dos Princípios.
215 Durch significa, geralmente, através de.
Carta 85 B., 28 de janeiro de 1796
Recebei, amável e respeitável amigo, todo o meu reconhecimento
pela maneira amiga com a qual recebestes a
insignificância que tomei a liberdade de vos enviar. Minha intenção
era fazer uma tentativa para sondar essa via e, como vejo
que é segura, queria pedir-vos que me permitísseis chegar
até vós, pouco a pouco, como adiantamentos, meios para resistir
às circunstâncias presentes, às quais todos os proprietários
que não sejam eles próprios agricultores devem estar atualmente
expostos em vossa terra. Mesmo que em vossa pátria se auferisse neste
momento de 20.000, ou mesmo de 30.000, libras
de renda, já que elas só são pagos em papel-moeda,
não há como prover-se do necessário. Considerai-me
como vosso
arrendatário, e sobretudo como vosso irmão, o que, entre vós
e mim, não é um título vão, como os distribuídos
pelas pessoas
do mundo. Peço que vos lembreis sempre, como tão bem o fizestes
em vossa última carta, do sentimento agradável que me
proporcionais, sendo-vos útil em alguma coisa. Recebei também
meus agradecimentos pelo encantador retrato que me
enviastes. Não tentarei descrever a satisfação que
senti ao recebê-lo. Ajunto a esta um desenho a lápis que mandei
fazer,
um pouco às pressas, dos traços desse vosso amigo. Embora
o tempo passe, este retrato será ainda semelhante a mim
daqui a algum tempo. Certamente há coisas excelentes na 26! das 40
Perguntas sobre o objeto das comunicações. A nº 16,
principalmente, é muito consoladora, porque estabelece a possibilidade
de as almas, desligadas do envoltório terrestre,
poderem ver-se, participar nos sentimentos que lhe são dirigidos
pelos habitantes desse mundo e se regozijarem com eles.
Meu desejo, se me fosse permitido tê-lo e ao qual renuncio de bom
grado, não recebeu qualquer desenvolvimento ou
revelação científica como alvo; a certeza do estado
de bem-aventurança do qual essa alma deve gozar atualmente, realizaria
todos os meus desejos Quanto à parte enigmática de meu amigo
de M
, ela não considera, de maneira alguma, as
qualidades de seu coração nem sua ligação com
a religião. Disso tenho provas que me dão quase a mesma certeza
que
aquela pela qual sei que os três ângulos de um triângulo
são iguais a dois ângulos retos. Minha hesitação
recaía
propriamente na natureza, no gênero e no grau dos seus conhecimentos
teosóficos. Desde a obra sobre os números, que ele
próprio afirma não ser suficientemente clara para tornar-se
útil de maneira geral, ele publicou um outro tratado, do qual ainda
só li alguns trechos, mas que me agradam muito mais porque são
muito mais claros e mais detalhados. Ele até propõe
refundir seu livro sobre os números: participou-me seu plano para
saber se seria inteligível. Admiro sua infatigabilidade e
creio que dessa maneira ele será mais útil. Se credes que
nossa via habitual ainda seja adequada para fazer chegar a vós
um pequeno pacote, eu vos enviarei sua última obra, da qual só
conheço alguns trechos, mas que nos darão condições
de
julgar o encadeamento de suas idéias principais: está escrito
de forma clara e nítida. Seguirse- á a edição
sobre o números.
Em sua última carta ele me informa que só conhece nosso amigo
B. através de um resumo. Existem vários desses resumos,
uns melhores do que outros. Ele me parece desgostoso com a corte. Fizeram
manobras para magoá-lo. Ele é membro de um
tribunal de censura e, apesar disso, chegaram a proibir seus livros. No
momento, ele os manda imprimir em Leipzig e não é
impossível que um dia procure retirar-se para a Suíça.
Suponho que fale francês porque freqüentou a corte por muito
tempo,
mas não tenho certeza alguma. Na Alemanha não se acostuma,
como entre nós, as crianças destinadas aos negócios
a falar
francês. Aqui, ou bem ou mal, todos o falamos. Para dar-vos uma amostra
de Engelbrecht, ajunto a esta um pequeno resumo
de uma obra sobre a qual ele se apóia de preferência. Se nele
houver passagens que vos causem dificuldade, dizei-me quais
são. E para que conheçais os princípios de Antoinette
B., acrescento-as aqui com suas próprias palavras. Vereis como essa
jovem surpreendente, tão pouco letrada que nem mesmo tinha lido as
Sagradas Escrituras, segundo o costume dos católicos
de hoje, preencheu as lacunas deixadas por Engelbrecht em sua doutrina.
Comparai seus princípios com os de nosso amigo
B. É lendo os escritos dos eleitos de épocas diferentes e
comparando-os que se obtém o desenvolvimento de vários pontos
essenciais sobre os quais todos passaram em silêncio, porque supuseram
que fossem conhecidos, ou apenas tocaram neles
ligeiramente, sem neles se apoiarem o suficiente para uso prática
do leitor. Pelo trechos que acrescento aqui vereis de uma
98
vez toda a doutrina de Antoinette. Estou surpreso de que essas obras não
me tenham impressionado, há uns quinze anos,
quando me caíram nas mãos pela primeira vez. Estou encantado
por ver-vos ocupado com a tradução dos Três Princípios.
Vossa tradução é muito boa. Durch uns dignifica o mesmo
que através de nós [par nous]. Fiz com essa passagem o que
fiz
com muitas outras: não me detive por não havê-la compreendido.
Se tivesse de traduzir os Três Princípios, dar-lhe-ia um
título bem mais curto porque, essencialmente, ele nada faz para a
obra e porque não se deve afastar o leitor do primeiro
contato. Vós me pedistes gentilmente mais detalhes a propósito
de uma passagem de minha última carta, em que falo de
reveses sofridos. Espero poder um dia dizer-vos pessoalmente os detalhes
referentes à primeira parte da passagem de
minha carta. Quanto à influência da revolução,
seria preciso entrar em detalhes por-vos a par do fato, e a chaga ainda
não
está bem cicatrizada par suportar essa narrativa, mas no devido tempo,
prometo dizer-vos tudo, se vos interessar. Antes de
tudo, é preciso informar-vos que isso não se refere ao estado
atual das finanças francesas. Se amanhã vosso governo
declarasse que não está em condições de satisfazer
à dívida pública, essa declaração não
me causaria qualquer
aborrecimento, porque estou preparado para ela e porque a Providência,
há seis anos, ela houve por bem prover a isso. Mas
eu ficaria muito contrariado por meus concidadãos, dos quais um grande
número seria posto na rua por um decreto ou, o que
dá na mesma, por uma operação semelhante. O choque
que sofri é de natureza bem diferente. É cumprindo o meu dever
de
cidadão, contribuindo para acalmar o espírito público
no momento em que as cabeças eram as mais exasperadas do dia 2 de
setembro de 1792216, exaltação que teria podido mudar o curso
dos grandes acontecimentos da guerra atual, que eu infligi a
mim mesmo o golpe mais sensível permanecendo na capital e ausentando-me
de meu domicílio. Mas toda essa matéria
exigiria ser submetida à confiança de uma conversa pessoal,
e não aos limites de uma carta. Aguardo e espero sempre o
momento em que vossa pátria torne a entrar na calma tão desejável,
o que me causará a doce satisfação de ver-vos na
minha. Adeus, meu respeitável amigo, oremos sempre uns pelos outros.
P.S. Fiz passar pelo nosso amigo de Munique a
vossa última obra sobre a revolução francesa. KIRCHBERGER
DE LIEBISTORF
Segue-se um trecho das obras de Engelbrecht, T. II, ed. de 1783. Havendo
um amigo lhe perguntado como se poderiam
conseguir respostas divinas sobre o que era necessário fazer ou não
fazer, eis o que lhe foi comunicado sobre esse assunto
em 1636: Wollt ihr wissen was ihr thun217, etc. E um trecho da obra de A.
Burignon, intitulado: La Lumière du monde [A Luz
do Mundo]. Ed. de Amsterdam, 1679. "Somente as almas depuradas de si
mesmas e de todos os objetos terrestres é que
ouvem a voz de Deus, etc., etc."
216 217 Fato?
Carta 86 8 de ventoso, ano IV
E eu também, meu caro irmão, agradeço vosso presente.
Vossos traços denotam a maturidade e a sensibilidade que
preenchem vossas cartas e me dão ainda mais vontade de conhecer pessoalmente
o modelo, mas quando chegará essa
época? Meus anos avançam e as enfermidades me acompanham,
sobretudo para mim, de constituição muito mais débil
do
que qualquer outro. Não falo dos golpes que a revolução
trouxe à minha sorte e que se agravam ainda mais pela perda
recente de um sobrinho, cuja mãe vai ficar aos meus cuidados para
o resto de sua vida ou da minha. Se viesse a paz e os
caminhos fossem livres, eu teria meios de atender a tudo e, a partir do
que acabais de ler, não vos decidais a enviar-me mais
dinheiro porque não tenho necessidade alguma. O que me enviastes
está inteiro e eu assim o deixarei religiosamente como
um monumento de vossa amizade. Mas vejo com pesar que nosso horizonte público
se desanuvia com muita lentidão e que
o espírito deste mundo só deixará que as potências
beligerantes se conciliem depois de as haver esgotado completamente.
Não deixo de crer por isso menos assegurado o resultado de nossa
revolução que se liga, como expus em meu livreto, a
bases desconhecidas daqueles que, neste grande drama, foram ativos ou passivos.
Até novo aviso, também não me envieis
mais as obras de vosso amigo de M
. Neste momento acho-me por demais
ocupado para entregar-me a elas. Além do
mais, como elas tratam principalmente dos números, tenho, nesse gênero,
uma ampla provisão que me permite esperar
tempos de lazer. Sinto, como vós, que o título dos Três
Princípios é longo, sobretudo porque o que ele contém
está repetido
cem vezes na obra, mas eu me dedico a não deixar passar nada disso
para minha tradução, salvo por emendas na revisão.
O próprio durch uns aí tem seu lugar e creio que poderia dar
conta dele, mas o público não o poderia. Meu coração
estará
sempre aberto para receber confidências de vossa amizade sobre os
prejuízos que a revolução vos causou: deixo que vossa
sabedoria escolha o momento e o modo. Entendi perfeitamente a passagem alemã
de Engelbrecht que me enviastes. Sua
doutrina é pura. Não parece profunda à primeira vista,
sobretudo para aqueles que desejam guias sensíveis que, através
de
marcas exteriores e fixas, os dispensem de qualquer outro trabalho além
do de consultar uma fórmula sem coerência com
seus seres. Mas aqui é o desenvolvimento de nosso próprio
ser que deve servir de fórmula e, quando temos a felicidade de
abri-lo o suficiente para isso, encontramos fórmulas e guias muito
mais seguros do que tudo o que há de mais sensível,
porque essa fórmulas e guias são a coisa em nós e elas
no-la mostram pelo mesmo ato, ao passo que os outros se
contentam no-la mostrar, e depois disso o todo ainda fica por fazer. Fiquei
também bem contente com o trecho de A.
Bourignon. Somente eu preferiria que ela houvesse substituísse a
palavra material por natural, que aplica às coisas
posteriores à regeneração. Teria repugnado menos às
inteligências delicadas e teria falado de maneira mais verdadeira.
Quanto a mim, revelo-lhe tudo isso porque estou bem certo de que não
passa de um defeito de expressão que ela própria
retificou ao dizer que nada disso será feito pela mão do homem,
mas elaborado pelo poder de Deus. Além do mais, nem a
99
carne nem o sangue podem possuir o reino de Deus. Eu bem que gostaria de
ter a obra dessa interessante jovem, que não
tinha instrução nem sabia ler ou escrever. Procurei a obra
em Paris no inverno passado, como já vos disse; em vão.
Proponho-me a recomeçar minhas tentativas. Não vos disse que
em minha terra natal tenho, de tempos em tempos,
condições de exercer meu ofício de filósofo
religioso. Há alguns frangotes que vêm, de tempos em tempos,
pedir-me alimento
e não creio que lhes devo recusá-lo, de acordo com meus meios.
São almas novas em comparação com as almas
gangrenadas da sociedade e das grandes cidades e, a esse respeito encontro
uma vantagem dupla: a de ter algo a destruir e
mais a esperar da colheita. Foi um deles que pintou o pequeno desenho que
vos enviei. Ele me disse que temia que a
viagem estragasse o desenho, feito somente a lápis. Dizei-me se aconteceu
o que ele temia, que ele se oferece para
recomeçar tomando precauções contra esse inconveniente.
Adeus, meu caro irmão em Deus, e unamo-nos sempre a ele de
coração e espírito, e a pz estará entre nós.
Amém. SAINT-MARTIN
Carta 87 B
, 5 de abril de 1796
Foi com bastante pesar, meu caro irmão, que fui obrigado a adiar
de um correio para outro o prazer de escrever-vos. Mas,
além de minhas ocupações costumeiras, que já
conheceis, encarregaram-me ainda de um outro comitê, formado apenas
para um trabalho particular e que não será permanente, como
espero. Penso em voltar logo a Morat para gozar do ar do
campo e ocupar-me com meus estudos. Fiquei encantado de que o pequeno desenho
tenha chegado bem ao seu destino.
Esqueci-me de acrescentar-lhe o nome. Ei-lo: Nicolas-Antoine Kirchberger
de Liebistorf. Antigo bailio de Goldstadt, nascido
em Berna, a 13 de janeiro de 1739. O vosso chegou em condições
perfeitas e, a não ser que eu esteja muito enganado,
quem o fez tem não somente bom-gosto, mas também precisão
e sensibilidade. Fiquei encantado por vossa causa e por ele
saborear as grandes verdades tão consoladoras e tão conformes
ao nosso grande destino. Estou bem contente por haverdes
apreciado o trecho de Engelbrecht, e a distinção que fazeis
entre sua doutrina e a que deriva do emprego dos números (aos
quais nada quero tirar de seu mérito), parece-me muito justa. Mas,
em última análise, as grandes perguntas sempre se
concentram naquela que indaga qual é o caminho mais curto, ou antes,
os meios de seguir esse caminho, que conduz à
abertura, ao desenvolvimento de nosso ser. Ando impaciente por sacudir todos
os laços que me prendem aos assuntos
temporais para ocupar-me com o único necessário. Conquistei
ainda novos territórios desse tipo; e só tenho que trabalhá-los
para valorizá-los. No entanto, espero, com submissão e resignação,
chegar o dia em que não somente serei rico em
propriedades, mas em que também gozarei de meus rendimentos. Antoinette
é verdadeiramente uma jovem interessante. Ao
ler sua obras, ficareis surpreso com seu profundo conhecimento dos homens,
de sua firmeza e da elevação de seu caráter.
Ela seguiu seu caminho com precisão e inflexibilidade raras. Tinha
nosso amigo B. em alta conta, bem como Engelbrecht,
dos quais certamente seus amigos lhe terão falado, pois não
encontrei qualquer indicação de que ela lesse alguma coisa.
Seus amigos tinham verdadeira adoração por ela, mas ela permaneceu
a vida toda acima de qualquer ligação carnal e
terrestre e, a partir do instante em que, na alma daqueles que dela se aproximavam
ela lia movimentos desse tipo, rompia
para sempre o relacionamento com eles. Poiret, o célebre Poiret,
terminou seus dias na Holanda unicamente para poder vêla
e ouvi-la. É mais provável que encontreis suas obras em Lyon
do que em Paris. Possuo várias delas, mas ainda estou à
procura de algumas que me faltam. Quanto à passagem em questão,
penso como vós que se trata de um defeito de
expressão, tanto mais que estou persuadido de foram suas idéias
e sentimentos, e não suas palavras, que lhe foram
inspiradas.: em vez de material ela quis dizer corporal, o que estaria de
acordo com a idéia que tenho de que há corpos
celestes e corpos terrestres, corpos espirituais e corpos materiais. I Cor.
15:40,44 218. Quanto à sua certeza sobre o reino do
nosso divino Mestre, tomado no sentido literal, vejo que tem fundamento
em muitas passagens das Sagradas Escrituras,
dentre outras, Cor. 15:23;28 219; Sabedoria 3:8220; Atos 1:6-7221 e 3:19-21222;
Apoc. 20:2,10223, 5:10224; 11:15225,
21:1,4226 e 22:1,5227; Lucas 1:32-33228; Isaías 11;7229. Omito uma
grande quantidade de outras passagens. Uma vez
contei até cento e sessenta e quatro. Felizes aqueles que, começando
nesta vida, se deixam governar inteiramente por ele e
que se nutrem substancialmente de seu corpo glorificado para que possam,
por seu poder, sobrepujar todos os inimigos. Não
podemos, caro irmão, tratar de assunto mais importante do que o caminho
que conduz sem desvios àquele cujo reino não é
deste mundo. Lamento não poder esperar que essas conversações
logo se tornem verbais, em vez de ficarem restritas a
vestígios que não exprimem minhas idéias senão
de maneira imperfeita, assim como os sentimentos de apego e respeito que
tenho por vós. P.S. Acrescento aqui uma pequena amostra dos números
de Monsieur d'E
que se achava no fim de sua
última carta. Informa-me ele que se eu acrescentasse o número
9 aos algarismos do ano em curso, de acordo com a doutrina
dos números, símbolo da sensualidade, obteria então
o seguinte quadro: (Quadro com números.) Compreendo como,
através de do cálculo, ele tenha chegado ao número
5, mas não vejo de onde derivou os dois algarismo próximos
do 14, ou
seja: 11 e 18 Ele acrescenta as seguintes palavras: "5 ist eine fürchterliche
Kreutz-Zahl; die Zahl der moralischem Faülniss
und inneren Gährung der Gemüther, eine zahl rigoris divini judices.
Wer Rühe unter den Stürmen sucht, setze der Zahl. 59-
62, entgegen."230 [O 5 é um n úmero temível e
que indica sofrimento; é também o número da corrupção
moral e do fermento
universal das mentes, um número do rigoris divini judices (rigor
do julgamento divino). Aquele que busca descanso e paz
para si mesmo em meio às tempestades que oponha a 59 o número
62.]231
(Quadro com números.)
Por qual razão ele opôs 62 ao algarismo 59 é o que ignoro
completamente. 3 pps; cap. 20, v. 93 Ein solch fromm Kinf u.s.w.
fromm deve ser erro. id. Sie Kanten 91, em baixo. id Gelffen 121 KIRCHBERGER
DE LIEBISTORF
100
218 40: "Também há corpos celestiais e corpos terrestres;
e, sem dúvida, uma é a glória dos celestiais e outra
a glória dos
terrestres."
Na tradução da carta de Paulo é empregado o termo natural:
44: "Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual.
Se
há corpo natural, há também corpo espiritual."
219 23: "Cada um, porém, por sua própria ordem: Cristo,
as primícias; depois os que são de Cristo, na sua vinda."
28:
"Quando, porém, todas as cousas lhe estiverem sujeitas, então
o próprio filho também se sujeitará àquele que
todas as
cousas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos."
220 "Julgarão as nações, dominarão os povos,
e o Senhor reinará sobre eles para sempre."
221 "Então os que estavam reunidos lhe perguntavam: "Senhor,
será este o tempo em que restaures o reino a Israel?
Respondeu-lhes: Não vos compete conhecer tempos ou épocas
que o Pai reservou para sua exclusiva autoridade."
222 "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os
vossos pecados, a fim de que da presença do Senhor
venham tempos de refrigério, e que envie ele o Cristo, que já
foi designado, Jesus, ao qual é necessário que o céu
receba
até aos tempos da restauração de todas as cousas, de
que Deus falou por boca dos seu santos profetas desde a
antigüidade."
223 "2: "Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é
o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos. 10: "O diabo, o
sedutor
deles, foi lançado para dentro do lago do fogo e enxofre, onde também
se encontram não só a besta como o falso profeta; e
serão atormentados de dia e de noite pelos séculos dos séculos."
224 "E para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes;
e reinarão sobre a terra."
225 "O sétimo anjo tocou a trombeta e houve no céu grandes
vozes, dizendo: O reino do mundo se tornou de nosso Senhor
e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos."
226 1: "Então vi descer do céu um anjo; tinha na mão
a chave do abismo e um grande corrente." 4: Vi também tronos,
e
nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. Vi ainda
as almas dos decapitados por causa do
testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus, tantos quantos
não adoraram a besta, nem tão pouco a sua
imagem, e não receberam a marca na fronte e na mão; e viveram
e reinaram com Cristo durante mil anos."
227 1: "Então me mostrou o rio da água da vida, brilhante
como cristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro." 5: "Então
já
não haverá noite, nem precisam eles de luz e de candeia, nem
da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e
reinarão pelos séculos dos séculos."
228 "Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo;
Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará
para
sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá
fim."
229 230 "A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias junta
se deitarão; o leão comerá palha como o boi."
231 Sr. Editor: ver no livro a disposição da figura.
Cartas 88-97 Carta 88 12 de maio de 1796
Felicito-vos, caro irmão, por irdes imediatamente gozar do prazer
de ficardes com vós mesmo em vossos campos. Também
vos felicito por vos encontrardes inteiramente livre dos assuntos deste
mundo para vos ocupardes somente do grande
assunto, como é vosso desejo e projeto. Enfim, como eu mesmo me felicitaria
se pudesse participar em alguns momentos do
vosso lazer. Mas o rei deste mundo, que não tem senão um cetro
de ferro, ocupa-se somente em quebrar seus súditos, ou
de preferência aqueles que não querem sê-lo; e somos
continuamente obrigados a nos refugiarmos em outro reino que não
seja o seu para encontrarmos a paz e a liberdade, mesmo em todas as privações.
Nossas potências temporais, que não
passam de fantoches seus, não me parecem muito próximas de
uma conciliação. Quero crer que elas não acham
enaltecedor para si mesmos descansar de suas pilhagens antes de se exaurirem
completamente, e a paz me parece
impossível, a menos que nossos últimos sucessos na Itália
não os façam refletir. Seja feita a vontade de Deus. Sua bondade
me traz tantas graças que não devo queixar-me, seja qual for
o preço que me tenha de pagar por elas. Escrevi a Lyon
pedindo as obras das quais me falastes, mas, sejam quais forem as nossas
previsões sobre esse gênero, sabeis, tanto
quanto eu, a solução do enigma de hoje, que consiste, como
dizeis, na abertura e no desenvolvimento de nosso ser. Amém.
Passo logo em seguida aos números de vosso amigo de M
e creio
ter encontrado a solução das dificuldades que vos
embaraçam. Diz ele que, de acordo com a doutrina dos números,
se acrescentardes 9 a 1796, etc., tereis, etc. Descobri que
a adição de 9 não é necessária: 1º,
porque ele mesmo não a faz, uma vez que se contenta em dispor 1786
em coluna sem
lhe acrescentar 9 e que também não o acrescenta à soma
que faz dessa coluna; 2º, porque, se o acrescentasse, nada
mudaria no resultado final, porque o número 9, que ele chama de símbolo
da sensualidade, é, em nossa escola, o da
aparência; assim, sua propriedade é tão nula que não
faz diferença alguma acrescentá-lo a quaisquer outros números
ou
retirá-los deles. Como poderá ser divertido vos convencerdes
disso, vou copiar-lhe o exemplo para responder às duas
perguntas:
(Quadro com números.)
Não compreendeis como foi que ele chegou ao 11 e ao 18. Foi unicamente
remontando de 5 até as duas filas de algarismos
que lhe estão acima e fazendo em seguida o 5 entrar nas duas somas.
Desse modo, temos:
(Quadro com números.) Eis a minha resposta à vossa primeira
pergunta. Ele tem razão em apresentar o 5 como um número
temível e tão terrível como o da corrupção;
mas, segundo as leis da grande sabedoria, do mal sempre se tira o bem e
o
101
remédio está na própria chaga. Assim, é por
esse mesmo número 5 que nosso divino Reparador pensou232 todas as
nossas
feridas, pois foi no qüinquagésimo dia d epois de sua ressurreição
que sua promessa foi cumprida e o consolo do Espírito
jorrou sobre os apóstolos em toda a abundância de sua plenitude.
É verdade que ele compôs o quinário curativo com outros
elementos além dos que haviam entrado pelo pecado na formação
do primeiro quinário, e é nisso que se vê e se admira
a
indústria divina. E eu tive a felicidade de receber sobre isso magnificências
que gostaria muito de partilhar convosco, mas
que não podem ser expostas de maneira adequada nos limites de uma
carta, nem mesmo, talvez, por escrito. Vamos à
vossa segunda pergunta. Não compreendeis por que motivo ele opôs
62 a 59 desta maneira:
(Quadro com números.)
A razão dessa oposição é que o número
8, dado por 62, é o número corretivo de toda irregularidade,
é em nossa escola, o
número da dupla potência quaternária; é o resumo
do denário, a concentração da unidade universal e,
se quiserdes que eu
vos diga, provamos que esse octenário é numericamente o mesmo
que abriu tudo aos apóstolos, e é essa prova que exigiria
a facilidade de mostrar-se verbalmente. Vosso amigo a opôs, pois,
com justiça a 59, que é ao mesmo tempo a abominação
e
a aparência. Mas vede que, para realizar essa retificação,
ele combinou através de um acréscimo, que é o núcleo
de todas
as coisas, os elementos respectivos desse dois números diferentes.
Assim, o 5, que em 59 não passa de abominação, tornase
um número espiritual; o 7, somado ao 2, dá 9, que não
passa de aparência neutra no modo ativo de operação
universal,
que é 5, assim como ele o restabelece 15/6; com isso, tudo se acalma
e renasce a ordem. Eis, meu caro irmão, o que tenho
para responder à vossa segunda pergunta. Não é que
o 8 não tenha elementos bem melhores do que o 62, e eu mesmo
jamais me permitiria empregá-lo como vosso amigo o fez. O mesmo digo
do número 7, que está bem longe de não ter outra
origem senão aquela que ele lhe dá, o que me faz crer que,
se ele tem percepções sobre os números, não
os puxa ainda por
sua verdadeira raiz. Mas estou conformado com sua linguagem e sempre podereis
usar a pequena exposição que vos
apresento. Quanto ao mais, meu caro irmão, todas essas maravilhas
numéricas nada mais são que a casca das coisas; é
pelo nosso interior que podemos e devemos trabalhar virtualmente para estabelecer
em nós a sua substancialidade. No
momento, por favor, uma palavrinha sobre gramática. Três Princípios,
p. 5, cap. 20, nº 93, 1! linha: Ein solch fromm Kind233.
Creio que fromm aqui é um erro, pois significa piedoso, e não
é esse o caso. Id., nº 21, 4! linha: Gelffen. Não consigo
encontrar essa palavra. Vinde em meu socorro, caro irmão, nessas
duas dificuldades. Adeus, meu caro irmão. Ora pro nobis.
Ia-me esquecendo de falar-vos sobre meu jovem pintor. Vós o caracterizastes
perfeitamente: é uma alma gentil e sensível;
toma gosto nos nossos assuntos; divide seu tempo entre esse estudo e os
estudos municipais, pois é funcionário público. O
tempo que lhe resta emprega-o no cultivo de seus campos e de sua casa: é
casado e pai de uma criança bem nova. Acha-se
tão feliz que só fala dela chorando de alegria. Somos parentes
bastante próximos. SAINT-MARTIN
232 No sentido de fazer curativos.
233 Uma criança tão piedosa?
Carta 89 12 de maio de 1796
Apresso-me, caro irmão, a responder à vossa carta de 2 de
maio antes de minha partida para o campo que, felizmente, está
marcada para o dia 17 deste mês. Infelizmente receio que julgastes
corretamente demais os motivos que fazem continuar
guerra sanguinária; no entanto, restam-me ainda alguns raios de esperança
da paz. Cremos aqui na paz que o rei da
Sardenha vai fazer com a república francesa; talvez ela traga após
si a paz com o Imperador. Se vossos jornais públicos
falarem de uma tentativa que será feita pelo exército de Condé
para entrar na França através do cantão de Basiléia,
não
acrediteis em nada. Não somente a natureza do terreno não
permite isso, mas temos ainda garantias superiores oficias e
positivas do contrário, e o exército de Condé não
pode dar um passo sem as ordens do general austríaco Wurmser. No
entanto, não tenho dúvida alguma de que essa idéia
não tenha germinado em algumas cabeças desmioladas desse exército
de Condé. Mas passemos às vossas perguntas gramaticais, meu
caro irmão. É sempre uma grande satisfação para
mim
quando posso contribuir para remover alguns obstáculos que vos causam
embaraços na tradução. Três Princípios,
cap. XX,
nº 93. Fromm significa, conforme dizeis, piedoso, o que não
combina, e no entanto não é um erro. Eis o enigma; uma
construção comum em nossa língua, sobretudo na conversação
familiar, é colocar um adjetivo precisamente no sentido
oposto ao verdadeiro quando as outras qualificações indicam
de maneira suficiente as más disposições do interlocutor.
Essa
forma irônica torna a coisa que mais se destaca e que mais serve para
despertar a atenção. Também evita os adjetivos que
poderiam ultrapassar o mal que nos daria fundamento para falarmos de outra
pessoa. Id., nº 121, 4! lin. Gelffen é uma
palavra antiga que significa o som produzido por um cachorro pequeno quando
quer latir. É sinônimo de glapir, japper [latir,
ladrar]. Interessa-me muito o que dizeis do jovem pintor. Estou encantado
por terdes o suave consolo de fazer bem à sua
alma. Dizei-lhe que lamento por estarmos a cento e cinqüenta léguas
distantes um do outro. Muito obrigado pela boa vontade
com a qual me explicastes os números de Eckarthausen. Começo
a considerar a ciência dos números como uma espécie
de
álgebra, que tem às próprias de cálculo, pelas
quais chegamos a fórmulas que exprimem uma verdade geral. Se as fórmulas
não fornecem aquilo que se deseja, no entanto indicam mais ou menos
o caminho que se deve seguir para se obtê-la. A
grande questão é fixar bem o verdadeiro significado e o valor
dos algarismos empregados para não se fazer um cálculo falso;
e o cálculo, se for justo, tem como fator interesse o fato de nos
indicar uma conformidade entre as fórmulas mais importantes
e algumas combinações dos algarismos arábicos. Tanto
quanto já pude perceber, atribui-se a cada algarismo um sentido
102
diferente, segundo a classe dos objetos que submetemos a esse cálculo.
Os objetos físicos, intelectuais e divinos formam
cada um deles uma classe em separado.
O número 1, na primeira classe, é, segundo minha pobre concepção,
o tipo do grande princípio;
2, uma emanação do grande princípio;
3, o ternário sagrado;
4, o homem; o que está de acordo com uma pequena descoberta que fiz
sem pensar; reduzi o número 145867 aos seus
elementos e obtive 4.234 (Soma lateral.)
5 é a abominação;
6, o modo ativo de operação;
7, o espiritual tornado Wesentlich235, como diz nosso amigo B;
8, o número corretivo da unidade universal, a dupla potência
quaternária, um número benéfico que deve encerrar grandes
coisas. O número 9 é o das ilusões causadas pelos sentidos,
o da aparência.
Informais-me que o 8º é, numericamente, o mesmo que 50. Gostaria
de receber, a esse respeito, esclarecimentos que
possam ser feitos através de uma explicação escrita.
Parece-me que o número 50 só pode tornar-se interessante para
os
elementos de 6 vezes 8, e da adição de 2. Tomado coletivamente,
oferece apenas um 0 à abominação; assim, o objeto
principal nesta explicação seria, segundo suponho, uma análise
completa do número 8. Perdoai-me, caro irmão, por minha
importunidade. A atenção que destes aos números excitou
o interesse que atualmente tenho por eles. Como terei um pouco
mais de tempo em Morat, tentarei, se puder, esclarecer minhas idéias
sobre essa questão, pois confesso-vos que quase não
vi a vasta obra de Eckartshausen. Certamente ele reuniu sobre esse assunto
muitos conhecimentos, mas é preciso que eles
ainda não tenham adquirido nele o grau de maturidade necessário,
pois ele defendeu junto a mim aplicações de sua doutrina
que são magnificamente errôneas. Ao lado disso, algumas vezes
há idéias sublimes, mas essa mistura me chamou a
atenção de modo que não continuei, impedindo-me de
encetar um estudo seguido desse objeto que exigia tempo livre além
disso. Se a ciência dos números se funda, como presumo - embora
não lhe tenha visto ainda qualquer base sólida - na obra
de Eckartshausen, ela se apresenta sob um ponto que se tornou importante;
provaria que a Providência permitiu que várias
verdades maiores e ocultas ao vulgo tenham sido depositadas numa língua
geral, ao alcance e todas as nações; mais do que
isso, elas provariam que existe uma língua que, pela combinação
de signos que a compõem, pode conduzir a novas
descobertas. A primeira pergunta sobre a solidez dessa ciência versa
sobre a autenticidade dos significados de cada número.
Sobre o quê repousa ela? A segunda versa sobre o modo de calcular
e sobre os objetos submetidos ao cálculo: Por que
esse modo, e não outro? E qual é a razão que os autoriza,
por exemplo, a submeter os anos da era cristã ao cálculo feito
por
Eckartshausenº A terceira pergunta é a mais importante, talvez.
Ela considera os resultados, as fórmulas obtidas: através
da
ciência dos números foram encontrados resultados que a lógica
ou a razão ordinária não teriam encontrado, ou verdades
de
um grau mais alto que não foram reveladas nas Sagradas Escrituras?
Ou com essas fórmulas foram produzidos, no mundo
físico e intelectual, efeitos que ultrapassam as forças ordinárias
do homem? Houve jamais uma manifestação pura produzida
segundo as direções de uma fórmula? São reflexões
que se apresentam logo de saída e que vos transmito com minha
costumeira franqueza. Eckartshausen ainda me informou, em uma outra carta
que o físico, o espiritual e o divino têm, cada
um deles, seu 3-4/7; que podemos conhecer os dois primeiros e crer que conhecemos
o último com isso e nos enganarmos;
e que, sem o conhecimento do último, os outros dois são imperfeitos,
porque o mal pode introduzir-se pela imaginação. Mas
quando é acrescentado o terceiro 3-4/7, é então que
se atinge o ápice da perfeição 7.7.7/21/3236, que só
pode ser
conseguida através do Reparador. É somente por ele que recebemos
os sete dons da mais pura luz ou da razão; os sete
dons do amor ou da vontade e os 7 dons do Espírito Santo. É
então que recebemos o verdadeiro 3-4/7; é então que
se
erguem as sete igrejas em nosso interior e se abrem os sete selos, manifestam-se
sete inteligências, sete cornucópias
derramam do alto o óleo e sete lâmpadas ardem em nossos interior.
O Reparador coberto com a veste branca da pureza
caminha então em seu templo no meio desses dons, e esse templo é
o coração do regenerado o verdadeiro 3-4/7 17/14 14/5
pela separação entre o mal e o bem, com isso, X=5 dividido
por 3-4/7, nasce o grande símbolo da cruz com seus mistérios.
Até esse ponto, Eck., pela última figura que ele iguala e
compara ao 5, parece fazer alusão ao duplo algarismo romano V,
que compõe o X. Fiquei sabendo pelo meu correspondente de Lausanne
que a irmã Marguerite está por fim a caminho para
me encontrar; tenho bastante vontade de travar conhecimento com ela. Mas,
quaisquer que sejam as nossas provisões
nesse gênero, sempre resta o trabalho e o resultado da solução
do enigma, a abertura e o desenvolvimento de nosso ser.
Em minha pequena esfera, não vejo senão dois meios que, reunidos,
devem conduzir-nos a esse sucesso; por um lado,
desligar-nos e por outro, ligar-nos: a maior ou menor quantidade de energia
(Ernst237) que levarmos para essa operação
parece-me ser a medida de nossos progressos nessa carreira. É fora
de dúvida que o germe, o princípio mais sublime, está
em nós mesmos. Trata-se apenas de penetrar, de destruir e de remover
os obstáculos que nos ocultam sua deslumbrante
luz. Para cumprir essa tarefa é necessário que às virtudes
superiores se apresentem de maneira visível ao homem e que
venham em seu socorro para ajudá-lo com sua influência e seus
conselhos? Não parece mais que as manifestações puras
sejam, não precursoras, mas uma seqüência do desenvolvimento
da própria luz? Há uma terceira posição possível;
é que o
homem, quando já desenvolveu seu ser até um certo ponto, encontra
então os guias, que o levam mais adiante e o ajudam a
completar a obra. Mas, nessa suposição, quem poderia sufocar
o desejo de conhecer o tipo, a fórmula universal pela qual
podemos comunicar-nos com os agentes particulares e benfeitores capazes
de nos ajudar a terminar a obra? Se todas as
virtudes benfazejas são ordenadas pelo grande princípio somente
para cooperar na reabilitação dos homens; se estão
separadas apenas para nós, se estão expostas à nudez,
ao frio e a fome apenas por amor do homem, não há uma vocação
103
direta, um dever impositivo de revestir as que são despojadas por
causa dele, de fazer entrar as que estão fora e dar de
comer e beber aquelas que sofrem fome e sede? E uma vez que nada fazemos
sem tê-las por testemunhas, sem sermos por
elas vistos, ouvidos e tocados, o que é que nos impede de vê-las,
de conhecêlas tão bem e de maneira tão íntima
que elas
nos vejam e nos conheçam a nós mesmos? Seria unicamente falta
de uma vontade firme e contínua ou falta de conhecer o
grande nome que rasga o véu que as cobre? Mas paro aqui. Receio sair
da profunda humilhação e resignação, que é
o
estado que mais convém ao homem. Adoremos a divina Providência
e que sua vontade seja feita assim na terra como no
céu: quer sejamos esclarecidos, ou quer permaneçamos cegos,
não importa, contanto que nosso coração esteja ligado
a ela
e que nosso primeiro cuidado seja o de não ter outra vontade senão
a sua. Adeus, meu caro irmão, não vos esqueçais
jamais de mim em vossas preces. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
234 Sr. Editor: Ver no livro a soma na lateral do paragrafo.
235 Essencial, substancial.
236 Sr. Editor: para todos os números e cálculos, ver o livro
original.
237 Seriedade.
Carta 90 7 de junho de 1796
Os números não são uma álgebra, caro irmão:
foram os homens que os rebaixaram a isso: não passam da expressão
sensível, visível ou intelectual das diversas propriedades
dos seres provenientes todos da única essência. A instrução
teórica
tradicional transmite-nos um parte dessa ciência, mas com o perigo
de vermos nela tanto o falso quanto o verdadeiro,
segunda medida na qual se encontra a postura do mestre: somente a regeneração
nos desvenda as bases e aí, sem
mestres, recebemos a chave pura, cada um, contudo, no grau que lhe é
próprio. Vede o nosso amigo B. quem foi que lhe
ensinou as sete formas da natureza universal? Quem foi que lhe ensinou o
número do Ternário manifestado pela cruz no
meio da vontade reconhecida? Quem foi que lhe ensinou os dez espelhos, no
final dos quais o fim busca o começo, etc.,
etc.? Esses conhecimentos lhe foram dados pela própria fonte, que
nele entrou nele ou ele subiu até ela. Aí ele deixou o
homem terrestre, que vê apenas erros e trevas, apesar de suas ciências
e de sua razão; não procurou viver senão em seu
homem divino, que deve, naturalmente, refletir todas as luzes, porque elas
não se movem e por ele ser delas o espelha por
nascimento e adoção. Sendo 7 o número das formas universais
do Espírito, conforme me atestam milhares de razões,
podemos segui-lo sem seu curso, que chamo de curso vegetativo, porque tudo
deve ser vivo a partir dele. Ora, é somente
pela elevação das raízes à sua potência
que tenho uma imagem da vida das propriedades: assim, é multiplicando
essa raiz
que descobrimos os frutos, que são 49, produto de 7x7. Mas, embora
eu chegue assim a esse produto, a raiz que o gera não
muda de natureza por causa disso; ela nada mais faz do que estender-se e
multiplicar-se, conservando sempre seu caráter
radical. Assim, 49 é sempre 7 para mim, mas 7 em desenvolvimento,
ao passo que em sua raiz, só é 7 em concentração.
Não obstante, precisa do desenvolvimento para chegar a 8, que é
o espelho temporal do denário invisível e incalculável
para
nós. Ora, ao mesmo tempo que passa de 7 para 8 no meio da grande
unidade à qual se une, passa também de 49 para 50
por intermédio dessa mesma unidade, arrastando nessa união
o 4º, ou a alma humana, fazendo-o passar diretamente e
abolir o 9º da aparência, que é nosso limite e causa de
nossa privação. Eis, caro irmão, uma pequena esquisse
da maneira
pela qual 5 vale 8 e 8 vale 5, na grande maravilha que o divino Reparador
operou para nossa regeneração. É uma coisa
determinada diretamente à minha inteligência e que não
recebi de homem algum. Desejo que ela vos conceda o que me
concedeu. Não podeis formar 50 de 8+2 porque empregaríeis
como elemento o número 8 que ainda não existe e que só
deve ser encontrado após a operação; o número
6, que não é um número ativo, mas somente o órgão
por onde passa a vida;
por fim, o número 2, que é o número da iniqüidade
e não pode ser encontrado nos números constitutivos do Reparador,
pois
já foi dito que ele aprendeu tudo do homem, exceto o pecado. Não
entro em todas as outras perguntas que me fazeis dobre o
significado de cada número, sobre o modo de calcular, sobre as fórmulas
e os resultados. Além de esses volumes não
bastarem para preencher convenientemente uma tarefa semelhante, eu já
vos disse tudo ao repetir que é na regeneração, e
somente na regeneração, que descobrimos nesse gênero
alguma coisa de seguro. Nessa regeneração há vários
degraus e
também há vários nos caminhos tenebrosos da razão
humana. Minha vida inteira não bastaria para sondar todos esses
limites e, se eu me entregasse de por minha conta a essa empresa, correria
o risco de só colher resultados duvidosos. Ignoro
por que é que vosso amigo submete o ano da era cristã ao seu
cálculo; sem ter os dados dele, não posso dizer se ele está
certo ou errado. Há, nessa ordem de coisas, uma imensurável
imensidade de pontos de vista que são dados a cada um, e é
somente nas explicações recíprocas que e pela confrontação
dos princípios que podemos ficar certos da natureza da árvore,
assim como da natureza de seus frutos. Conheceis o verdadeiro alvo, caro
irmão. Ao dizerdes que por um lado é preciso nos
desligarmos e, por outro, nos ligarmos, e toda utilidade que posso ter junto
a vós é encorajarvos, pois ainda estou bem longe
de poder instruir-vos. Sim, só nos falta, conforme dizeis, uma vontade
firme e sair como Ló de nossa Sodoma, digna somente
da cólera e do espírito do enxofre para entrar novamente no
ar livre e puro da proteção divina. E antes que o grande nome
possa ensinar-nos tudo, é preciso que comecemos pelos nossos esforços,
nossa fé e nossa constância, para nos
reaproximarmos desse grande nome, que, embora aja e fale sem cessar, não
é, sentido nem entendido pelo ser bestial que
nos encerra. Lede B. a respeito disso; é o doutor dos doutores. Espero
que vossas conjecturas políticas se realizem, tendo
em vista os espantosos acontecimentos na Itália. Jamais me inquietei
com o exército de Condé; sempre o acreditei muito
pouco temível para formar grandes projetos. Considero-o como uma
formação de exército com a qual se gostaria de fazer
104
pelo menos um espantalho. Adeus, meu caro irmão, recomendo-me às
vossas preces. Minha carta partirá de Tours porque
durante os próximos cinco ou seis dias estarei no campo, que fica
mais perto de lá do que de Amboise. Meu endereço é
sempre o mesmo. Fiz novas pesquisas sobre Antoinette Bourignon e nada pude
descobrir ainda. Se tiverdes mais condições
de êxito do que eu, rogo que não vos esqueçais de mim.
Teria chegado o tempo de vos dedicardes às traduções
de que
havíamos falado? Terminei a dos Três Princípios e a
da Tríplice Vida. Tenho uma, embora ruim, da Signatura Rerum, e a
do
Caminho para Cristo, que me destes. Escolhei dentre o resto o que mais vos
agradar. Tenho alguma vontade de começar
imediatamente os Seis Pontos e os Nove Textos que se seguem a estes, e deles
eu bem poderia passar às Quarenta
Perguntas. Perdão se faço essa escolha: acreditei que nela
haveria menos fadiga para mim e na verdade sou obrigado a
reconsiderá-la. Não poderia de modo algum encarregar-me da
tradução das cartas porque elas não se acham incluídas
em
minha tradução inglesa, e porque recearia nem sempre sair-me
bem sem esse apoio. SAINT-MARTIN
Carta 91 M
, 18 de junho de 1796
Cheguei aqui, mui caro irmão, como vos informei em minha última
carta, no dia 17 do mês passado. Mas, mal me tinha
começado a instalar-me e começava a gozar minha tranqüilidade
quando precisei partir para visitar nossas salinas situadas
perto das fronteiras do Valais. Essa viagem tomou-me doze dias. No entanto,
tirei proveito de cada quarto de hora que ficava
à minha disposição para ocupar-me com nosso grande
negócio. Dir-se-ia que o rei deste mundo não perde de vista
aqueles
que querem escapar de seu reino e que ele é fértil em recursos
para desviá-los de seus projetos: no mesmo dia em que voltei
a M
recebi vossa excelente carta de 7 de junho. Fiquei muito satisfeito
com o que me dizeis sobre os números; eles
exprimem e denotam as relações e as propriedades dos seres.
A origem de todas as coisas que existem, a origem de suas
relações e de suas propriedades é, indubitavelmente,
o grande princípio, o ser dos seres, a unidade invisível;
tudo decorre
dessa fonte e tudo se apóia nessa base. Mas a maneira pela qual os
seres criados procedem dessa fonte, a maneira
segundo a qual se desenvolvem, a maneira através da qual podem aperfeiçoar-se
e se perverter, e a ação e reação entre
eles está estabelecida sobre leis constantes e invariáveis
e, para a felicidade dos homens, sobre leis análogas. De modo que,
já que eles possuem bem o conhecimento da ligação de
alguns elos, mesmo que esse conhecimento tivesse só tivesse como
objeto algumas partes da natureza elementar, servir-lhes-ia de imagem, guia
e regra para descobrir a ligação dos outros elos.
Assim, a verdadeira ciência encontra-se, segundo as noções
que tenho, no conhecimento das leis do mais sublime
Legislador, para o qual língua alguma tem um nome que possa exprimir
suficientemente a elevação, a sabedoria e a
bondade; e se pensarmos nele, só nos resta cobrir nosso rosto e prosternar-nos
diante dessa fonte deslumbrante de luz e de
poder. Ora, afigura-se-me que os eleitos que habitualmente se dessedentaram
nessa fonte e que com seus desejos e pureza
atraíram sobre si os raios dessa luz, aprenderam a conhecer essas
leis e que apreenderam as relações que existem entre a
sabedoria e o homens, assim como as relações do homem com
os seres intermediários que, no encadeamento da criação,
existem para estabelecer e formar a ligação dos extremos.
Para exprimir essas relações e leis através de signos
visíveis, eles
se terão servido provavelmente dos números, terão exprimido
a unidade invisível, fonte de todos os seres, pela unidade
visível, fonte de todos os números. Terão exprimido
todos os outros seres segundo as relações que têm com
a unidade
invisível através de números para os quais terão
encontrado relações semelhantes com a unidade visível;
terão escolhido
alguns números para exprimir seres e outros números para exprimir
apenas propriedades e relações; terão talvez dado a
alguns o nome de números ativos e a outros o de números passivos,
mas de minhas noções resulta que a ciência dos
números propriamente dita é a mais a seqüência
do que a introdução à obra. Esses números exprimem
os nossos
conhecimentos, mas não os dão. Essa ciência só
é verdadeira e sólida à medida que vamos conquistando
luzes prévias da
própria fonte. Ao iniciado e ao possuidor que conquistou suas riquezas
intelectuais com o suor do rosto os números servem
de inventário de sua fortuna, mas para o homem pobre eles nada mais
são do que o rótulo aplicado a um cofre forte para
indicar seu conteúdo. O necessitado pode ler essa inscrição
e mesmo compreendê-la até um certo ponto, continuando pobre
da mesma forma. Assim, concluo que aquele que quiser fazer progressos na
nossa careira não deve começar pelo estudo
dos números, e isso pela razão muito simples de que não
podemos inventariar riquezas que ainda não possuímos. Mais
do
que isso, creio que é mesmo muito perigoso inverter a ordem de nossa
marcha e querermos servir-nos dos números como
degraus, pois temos necessidade de luzes e das forças diretas e reais
sem as quais as mais admiráveis fórmulas, que não
passam de reflexo seu, correriam o risco de nos extraviar porque ainda não
possuímos essas forças e luzes em si mesmas.
Suspeito que era esse o tropeço de Eck. Ele recolheu muitos detalhes
teóricos e tradicionais sobre os números e quis aplicálos
para resolver questões sobre todos os objetos, não importa
quais fossem. Vi logo de início que ele se enganara e foi isso
o que me impediu de estudar sua obra. No entanto, ele não deixou
de provocar minha admiração por seu imenso trabalho e
através de dos traços de luz que aqui e ali repontavam em
suas cartas. Embora suspendendo o estudo, esse atraso de
maneira alguma diminui o meu reconhecimento para com esse que tivestes a
bondade de revelar-me recentemente. Como
guardo todas as vossas cartas com cuidado, chegará um tempo, se a
Providência o permitir, em que poderei servir-me dela
de maneira útil. Eu bem sabia, meu caro irmão, que sofríeis
alguma inquietude por vossa pátria por causa dos rumores que
corriam no tocante à passagem do exército de Condé
pelo cantão de Basiléia. Mas, se estais tranqüilo acerca
disso, vosso
governo não o estava e eu esperava que, caso tivésseis falado
a alguns de vossos amigos sobre a notícia oficial que eu vos
enviava, que ela tivesse podido passar de boca em boca até ele e
contribuído, talvez, para tranqüilizá-lo, pois a inquietude
do
Diretório quanto a esse assunto apenas conseguiria reunir um exército
suíço nas fronteiras e esse exército destruiria o cantão
de Basiléia, que já sofreu demais as desditas do nosso tempo.
Eu bem desejaria não haver conjecturado em vão em favor de
105
uma paz próxima. Mas se deixarmos escapar a oportunidade presente,
não mais crerei que ela seja feita tão cedo. Somente
se propõe melhor a paz do que quando se é vitorioso. Os exércitos
são pagos por dia e eu não confio inteiramente num êxito
permanente na Itália. Assim que recebi vossa carta, mandei escrever
ao meu correspondente de Lausanne para que faça
novas pesquisas concernentes aos escritos de Antoinette. Tende a certeza
de que não nada pouparei para conseguir-vos os
textos dessa excelente jovem. Por fim, tive o prazer de travar conhecimento
com a irmã Marguerite. Essa jovem é um anjo
em forma humana. Acho que sua vida é muito instrutiva, seja pela
confirmação das verdades conhecidas, seja fazendo
nascer idéias novas. Admiro a diversidade dos gêneros entre
os próprio eleitos. Antoinette em nada se parecia à irmã
Marguerite: são duas belas flores do mesmo jardim mas bem diferentes
uma da outra. Também fiz provisões para o inverno.
Consegui obter uma ed. de B. in-quarto, impressa em caracteres grandes,
segundo a ed. de 1682 do general G. Quanto ao
meu tipo atual de lazer, é apenas provisório até que
a paz seja feita. Enquanto aguardo, resguardo os de momentos de
minha vida tanto quanto possível, e, no fim do ano, esses momentos
subtraídos não deixam de somar-se. De boa vontade eu
faria uma tentativa para traduzir as cartas. Num sentido, é a obra
mais fácil, e noutro, a mais difícil de nosso autor. Fácil
porque seu estilo é claro, e difícil porque supõe o
conhecimento de todo o sistema de nosso B., de quem ele é aprendiz.
Assim, quantos preparativos são necessários para se empreender
essa tarefa de maneira tolerável! Considero as obras de
nosso amigo em duas partes distintas: um, ascética e a outra, científica.
A primeira é a mais necessária; é a chave da
segunda e o sine qua non para a obra. A segunda também tem sua utilidade:
provê à primeira uma reação de luz. E é
preciso
que o autor a tenha julgado recomendável e que não a tenha
considerado como somente como uma seqüência imediata da
primeira, que decorreria necessariamente da regeneração sem
qualquer socorro humano, pois, assim supondo, ele não a
teria escrito, contentando-se com ensinar a parte ascética em todos
os seus detalhes. Parece também que a Providência
tenha adotado essa via de instrução para os livros, uma vez
que existem o seu livro, e vários outros desse tipo, que trazem o
caráter da bondade e da verdade. Para descobrir as verdades contidas
nesses livros, é preciso estudá-los, e, para estudá-los
com proveito, é preciso começar pelos mais claros e mais fáceis.
Ora, pelo meu modo de ver e apreender as verdades desse
tipo, não encontro introdução melhor na parte teóricas
das obras de nosso amigo B. do que os preceitos de vossa antiga
escola. Acabo de passar os olhos no livro Dos Erros e da Verdade e no Quadro
Natural, onde vi uma infinidade de coisas que
me escaparam há cinco ou seis anos. Foi o que me fez tomar a decisão
de me preparar para a leitura do nosso amigo com
as duas obras que acabo de vos citar. Encontrei entre outros um preceito
digno de nota no segundo volume do Quadro, p.
109 238, que diz: "É um dos maiores segredos que o homem pode
conhecer: o de não ir logo à sabedoria239, mas de
ocupar-se longamente com o caminho que conduz a ela." (Compreendeis
facilmente o verdadeiro sentido das palavras
sublinhadas.) Mas antes de prosseguir nessa com um pouco mais de cuidado
do que outrora, preciso perguntar-vos se as
passagens entre aspas no Quadro, ed. de Edimburgo, 1782, são de uma
mão que adotais como vossa. Além disso, eu ficaria
muito satisfeito por saber se na nomenclatura dessas duas obras encontra-se
uma denominação sinônima com duas
palavras bem essenciais no sistema do nosso amigo. Refirome a Sophia e ao
Rei deste mundo; ou esses dois seres
escaparam completamente da vossa escola? Tenho alguma razão para
suspeitar deste último, pois nosso amigo D., a quem
me apresentastes e que me parecia bem orientado nessa parte, não
conhecia uma sílaba sequer sobre Sophia; não sei se
ele teve alguma noção do Rei. É possível que
em alguma escola da França não se haja pronunciado esses dois
nomes, mas
isso não impede que essas escolas tenham gozado brilhante magnificências.
Certamente conhecestes outrora um teósofo
português chamado Martinez Pasqualis240. De acordo com o que ouvi
dizer, era um homem profundo e muito adiantado:
entretanto, suspeito de que jamais haja conhecido Sophia, mesmo de nome;
teria ele confundido Sophia com a causa ativa e
inteligente e o Rei com o princípio mau? Com tudo isso, estou decidido
a familiarizar-me com os preceitos de vossa antiga
escola: mas, como estou com relação à língua
francesa mais ou menos na mesma relação em que vós
na língua alemã,
permiti-me dirigir-vos de tempos em tempos algumas questões gramaticais.
Por exemplo, no Quadro, T. 2, p. 61, l. 11: "para
servir de órgão às virtudes superiores que nela devem
descer"241. Não compreendo o significado da palavra órgão
tomada
neste sentido. Será que as virtudes superiores teriam necessidade
de um órgão para descer? E qual é ele?
P. 108 do mesmo vol., § 2, l. 3: "e não quando lhe penetramos
as virtudes." 242 Ignoro em que sentido a palavra virtudes é
tomada aqui. Trata-se das propriedades da natureza elementar ou então
de uma substância intelectual diferente da matéria?
Idem, p.223, § 3, l. 4: "prestai atenção ao fato
de que, a exemplo da ação universal da vida
"243
Em que sentido é a palavra
vida tomada aqui? Idem, p.235, § 3, 1! l.: Quando todos os agentes
sensíveis, etc."244 Certamente há vários, mas
ignoro
quais sejam aqueles de quem o autor quer falar nesta passagem. Uma outra
palavra importante que não compreendo é a
que se encontra no t. 2, p. 239. L. 5: "à medida que cerceamos
os canais intelectuais".245 Dar-me-íeis grande prazer se me
informardes o que entendeis por canais intelectuais que podemos abrir e
fechar à vontade. Adeus, meu caro irmão.
Desculpai-me pela longa carta, transmitir-me vossas idéias e lembrar-vos
de min em vossas preces. (Confrontar Três
Princípios, cap. XIII, v.2, 13 e 15. Sur les os d'Adam [Sobre os
ossos de Adão], cap. XV, v. 13, als dann. (no fim, 6, p. c. 1. V.
58. Gerieht.) KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
quando lhe penetramos nas virtudes." p.?
238 Sr. Editor: V. a tradução brasileira.
239 Cap. 17. Segundo a tradução do Quadro Natural feita por
mim para esta editora, o original traz "a Deus", sem itálico:
"C'est un des plus grans secrets que l'homme puisse connaître
que de ne pas aller à Dieu tout de suite, mais de s'occuper
longtemps du chemin qui y mène." Na carta, Liebistorf sublinha
aquelas palavras, como ele mesmo explicará a seguir. - As
demais citações do Quadro Natural são tiradas da tradução
lançada por esta Casa.
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240 Nota da tradutora para o Editor : Então ele era português?
Nesse caso - mera curiosidade - seu nome deve ter sido
Martins de Pascoal.
241 "O Oráculo envolvido e coberto pelas asas dos Querubins;
a coroa, ou círculo de ouro, que o encima e parece colocada
assim, como o anel de Saturno, para servir de órgão às
virtudes superiores que nela devem descer; as mesas preparadas
nas diversas regiões; os doze pães da proposição
colocados em fileiras de seis para mostrarnos as duas leis senárias,
fontes
de todas as coisas intelectuais e corporais." p.? Órgão
foi sublinhado pelo missivista; virtudes vem em itálico no original.
(Para o Editor: citar as pp. Da tradução brasileira em todas
as citações de rodapé do Quadro Natural.)
242 "Se a Natureza elementar nos é nociva, é quando nos
deixamos escravizar por ela e não 243 "Mas, para reanimar nossa
esperança no meio das privações que sofreis, prestai
atenção ao fato de que, a exemplo da ação universal
da vida, todos
qualquer fluido, aquático, ígnea, magnético ou elétrico,
tende sempre a recuperar o equilíbrio e a se dirigirem aos lugares
em
que fazem falta." p.?
244 "Quando todos os Agentes sensíveis de que acabo de falar
houverem consumido com sua atividade as substâncias
impuras que maculam vossos órgãos materiais" p.?
245 Assim, o que experimentamos com mais freqüência é
que a base da qual acabo de falar diminui para nós à medida
que
cerceamos os canais intelectuais, que são como que os sentidos de
nosso espírito; e quando interceptamos inteiramente a
comunicação, nosso centro intelectual, não recebendo
mais a substância que deveria formar-lhe a base, vacila sobre si
mesmo e tomba, ficando exposto à revolução das circunferências
inferiores e horizontais que o arrastam, deixando-o errar
segundo suas leis desordenadas: "é o que as justiças
humanas têm representado pelo costume de lançar aos ventos
as
cinzas dos criminosos". p.?
Carta 92 11 de julho de 1796
Sinto-me bem contente, caro irmão, porque vedes que os números
exprimem as verdades, mas não no-las dão. Desejo que
acrescenteis a isso que os homem não escolheram, mas perceberam os
números nas propriedades naturais das coisas. Não
devem ter tido outros guias para terem certeza de seus passos, pois as verdadeiras
ciências são aquelas em que o homem
nada coloca de seu. Os próprios algarismos, meras expressões
materiais dos números, não se ligam primitivamente ao
arbitrário e à convenção humana tanto quanto
poderíamos crer segundo o uso fantástico para o qual as artes
e as ciências
exteriores os conduziram. Eles têm várias fontes, seja na via
das línguas que empregaram letras como números, seja na via
da natureza que nos deu os algarismos arábicos. Pois, enfim, está
bem claro que desde a queda, nada temos e, por
conseqüência, é preciso que tudo nos tenha sido dado.
Em seguida, passamos a abusar de tudo e abusamos todos os dias
crendo que somos grandes doutores, sobretudo em nossas tenebrosas academias,
pois a qualidade de abusadores é a
nossa qualidade eminente e desde Adão não temos feito outra
coisa. Mas esse assunto é vasto demais para uma carta.
Como teríamos haurido noções se tivéssemos podido
ver-nos por alguns momentos desde que escrevemos um ao outro! Em
vosso campo, principalmente, onde teríamos ficado sem sermos perturbados!
Sabeis melhor do que eu quando as
circunstâncias serão oportunas e deixo esse assunto por conta
de vossa sabedoria. Tudo o que sei é que atualmente os
passaportes não são, de modo algum, difíceis de conseguir
do nosso governo para visitar vossa pátria. Enquanto
aguardamos, fazeis bem em suspender esse estudo, uma vez que vós
mesmo sentis por onde o conhecimento deve vir a vós
para terdes certeza. Vossa confidência política assustou-me
outrora, mas como em minha pátria não tenho correspondência
alguma desse tipo, estando a mais de cinqüenta léguas no nosso
Diretório, passar-se-ia algum tempo antes que eu pudesse
fazer com que vossa opinião chegasse a ele, se todavia meus movimentos
quanto a isso tivessem podido chegar até ele. E
nessas delongas nossos planos teriam tido mais do que o tempo necessário
para serem formados e executados: vedes isso
claramente pelas nossas últimas operações militares
em vossa vizinhança. Se eu tivesse estado em Paris, teria agido mais
para ajudar vossa pátria, do mesmo modo que, ao mesmo tempo, teria
sido, creio, para ajudar a minha. Dizeis-me que vosso
lazer atual é apenas provisório enquanto aguardais que a paz
seja feita. Pode haver sob essas palavras qualquer coisa
importante que ignoro e que me revelareis quando o quiserdes. Tive uma idéia
e praza aos céus que se realize. Ficaria muito
feliz se vosso país enviasse um embaixador ao meu e que fôsseis
vós esse embaixador! Talvez vejais nisso um delírio de
minha imaginação, mas é também o da amizade.
Vamos às minhas obras. Nossa primeira escola tem coisas preciosas.
Fico
mesmo tentado a crer que Martinez de. Pasq.246, de quem me falais (e que,
já que é preciso dizê-lo, era nosso mestre),
possuía a chave ativa de tudo o que o nosso caro B. expõe
em suas teorias, mas que não nos acreditava em condições
de
sermos portadores dessas altas verdades. Havia também pontos que
nosso amigo B. ou não conheceu ou não quis mostrar,
tais como a resipiscência247 do ser perverso, à qual o primeiro
homem estaria encarregado de trabalhar, idéia que me
parece anda digna do plano universal, mas sobre a qual entretanto, não
tenho ainda qualquer demonstração positivo, exceto
através da inteligência. Quanto à Sophia e ao Rei do
Mundo, ela sobre eles nada nos desvendou, deixando-nos nas noções
comuns de Maria e do demônio. Mas eu não garantiria que ele
não conhecesse sobre eles e estou certo de que acabaríamos
por chegar a esse conhecimento se ele tivesse ficado conosco por mais tempo,
mas, mal havíamos começado a caminhar
juntos, a morte o tirou de nós. Assim, o silêncio de nosso
amigo D[ivonne]. sobre esse ponto nada provará, tanto mais que
esse amigo nunca passou por nossa escola e jamais conheceu nosso mestre.
Só conviveu com alguns de seus discípulos,
caminhou pela leitura dos livros desse tipo, pelas vias sonambúlicas
e magnéticas, onde tinha virtualidade, e conseguiu
alguma luz apesar das nuvens que o cercavam; enfim: pela bondade de sua
alma e pelos ditosos dons de sua natureza.
Resulta de tudo isso que é um excelente casamento a ser feito, esse
de nossa primeira escola com nosso amigo B. é para
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isso que trabalho e confessovos francamente que acho ambos os cônjuges
tão bem de acordo um com o outro que não
conheço nada de mais perfeito. Assim, tomemos daí o que pudermos.
Eu vos ajudarei em tudo o que puder. As passagens
entre aspas do Qdr. N., Edimb. 82 são minhas. O editor achou que
não via nelas coerência suficiente com o resto da obra e
quis evitar as inquietudes que os leitores pudessem ter. Deixei que o fizesse.
Não podemos negar que na época da lei antiga,
ou de rigores, as verdades superiores não estivessem sujeitas a localidades,
a fórmulas, sacrifícios cruentos, etc., e que
todas as partes e cerimônias do Templo lhe servissem realmente de
órgãos. A lei da liberdade está sem qualquer dúvida
acima disso, mas nesse tempo não se estava; é preciso não
confundir as épocas. Eis aí a resposta à vossa pergunta
sobre o
Órgão, p. 61. Em geral, a palavra Virtudes, sublinhada248
em toda a obra, quer dizer Eigenschaften249. A palavra
Propriedade serve para tudo, seja no elementar, no espiritual, no demoníaco,
no divino, etc. A Vida, p. 223, quer dizer aqui,
como em todo lugar, o centro e o coração de Deus, cuja possessão,
na doçura da alegria, faz a felicidade de todos os seres,
segundo nosso amigo B. Os Agentes sensíveis, p 235, significam aqui
os agentes elementares realmente encarregados de
nossa primeira purificação ou iniciação, o que
experimentamos pelo batismo e pelo fogo que, por fim deve tudo provar e
purgar, sem contar também os direitos que a terra exerce sobre nós
durante nossa vida e em nosso túmulo. Nos canais
intelectuais, p. 239, são as portas de nossa alma que abrimos e fechamos
segundo a nossa vontade, através de nossos
desejos, nossa imaginação, o trabalho interno mais ou menos
forte ou negligenciado, nossa boa ou má conduta, etc. Agora,
a minha vez: Três Princípios, cap. 13, nº 2, l. 5. Zu
dieser Stunde wurd sein himmlischer Leib Zu Fleisch, und sene strake
Kraft Zu Beinen250. E no mesmo capítulo, n ? 13 completo, e nº
35 no fim. Parece-me ver aí uma contradição sobre os
ossos
de Adão, que, no primeiro exemplo, transformam-se inteiramente e
nos seguintes tem outro andamento. Dai-me o prazer de
me ajudardes nisso. Rogo-vos dizer-me também como se deve traduzir
a palavra Gericht, que se encontra nos Seis Pontos.
Erst Puncte251, cap. 1º, nº 50. Adeus, meu caro irmão.
SAINT-MARTIN
246 Este M. provavelmente é uma abreviatura de Monsieur, mas também
pode significar Martinez.
247 Arrependimento de um pecado, com propósito de correção.
Emenda moral. (Aurélio 2001)
248 Conforme o original. Na verdade, na impressão a palavra vem sempre
em itálico.
249 Qualidade, propriedade, característica, atributo.
250 251 Primeiro Ponto.
Carta 93 M., 27 de julho de 1796
Mil agradecimentos, caro irmão, pela comunicação sobre
a maneira geral de considerar os números. Eles eram os guias dos
homens de desejo, mas guias não escolhidos por si mesmos; encontrei
vestígios disso nas obras escritas mais de 550 anos
antes da era cristã. Meu amigo de M. informou-me recentemente que
acabava refundir sua grande obra sobre os números:
sua infatigabilidade merece-lhe algum êxito. Ninguém, caro
irmão, sente mais do que eu quantos assuntos teríamos
esgotado se nos houvéssemos conhecido desde o início de nossa
correspondência; assim, espero que haja realmente
chegado o momento em que provavelmente se cumpra um de meus mais caros desejos.
A notícia sobre a facilidade com a
qual o vosso governo concede passaportes para vir à minha pátria
causou-me a mais viva satisfação: não demoreis em vos
aproveitardes dela, caro irmão; vinde, a convite da amizade, gozar
em paz do prazer falar sobre vossas idéias favoritas.
Ignoro a forma que vosso governo dá aos passaportes, mas tomai cuidado
para que vossa condição indicada de homem de
letras demonstre claramente que não sois emigrante, e que o propósito
de vossa viagem à Suíça é o progresso das ciências
físicas, econômicas e matemáticas. Primeiro, assim que
recebi vossa carta, escrevi ao nosso governo. Anunciei-vos dessa
maneira para que pudésseis viajar ainda com mais conforto. Indiquei
vosso nome e local de nascimento e o tribunal
encarregado da vigilância de estrangeiros respondeu com muita gentileza
aos meus desejos. Nos tempos atuais é necessário
ter uma opinião segura; e da mesma forma espero conseguir em nossos
encontros um progresso nos conhecimentos
relativos às visões físicas, à economia da obra
e à aritmética de Pitágoras. Como sou presidente da
Sociedade Econômica e
Física de Berna, seria oportuno, sob diferentes aspectos, que tentásseis
obter do Comitê de Instrução Pública ou do
ministério que concede passaportes uma recomendação
para as sociedades físicas da Suíça. Buscaríeis
esse pedido pela
facilidade que tereis em prosseguir vossos estudos em nosso país,
que é realmente interessante, seja por sua cultura, seja
por suas produções que são da competência da
história natural. Tenho então uma ordem do comitê de
nosso governo, que
acabo de mencionar, de informar-lhe os atestados e os documentos relativos
ao objeto de vossa viagem. Essa medida de
prudência é o resultado de uma requisição do
vosso Diretório, que insistiu através de seu embaixador, Monsieur
Barthélemy,
par que imigrantes franceses saíssem de nosso território,
mediante o quê, aqueles para quem os motivos de humanidade
não fazem exceção, são obrigados a partir, e
o nosso governo está muito vigilante para não conceder direito
de entrada a
pessoas que não sejam aprovadas pelo vosso. Assim, não se
exige somente um passaporte, mas também que a indicação
dos objetivos dos viajantes que permanecem por qualquer tempo conosco seja
atestada por algumas de vossas pessoas
encarregadas de tal mister. Mas nada vos será mais fácil do
que tomar essas precauções com as quais vivereis também
com
bastante tranqüilidade em minha casa, em Morat ou em Berna, como se
estivésseis na mais perfeita solidão. E embora a
minha casa em Morat esteja encerrada dentro das muralhas dessa cidadezinha,
nela estareis no meio do verde e gozareis da
vista do lago sem sair de casa, como se tivésseis penetrado vinte
léguas no campo. Nosso amigo D., que eu acreditava estar
na África, na comitiva de um enviado do país onde vivia, proporcionou-me
(pouco tempo depois de minha última carta) um
surpresa bem agradável, entrando em minha casa em Morat por ocasião
de sua passagem em Lausanne, onde ia ver seus
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pais. Minha alegria foi bem maior quando vi, ao fim de cinco minutos de
conversa, que a semente que espalhastes ao
recomendar as obras de nosso amigo B., etc., e que passou por minhas mãos,
não apenas germinou, mais ainda deu frutos
nesse excelente jovem. Embora não conheça alemão, por
sorte ele sabia inglês e a providência pôs também
em suas mãos
um resumo do sistema do nosso amigo feito por Law, de quem ele me falou
muito bem. Em suma, durante sua ausência ele
só se ocupou quase que inteiramente desse estudo. Também teve
um encontro com um grande discípulo de nosso antigo
mestre. Se na pressa com que conversamos, entendi bem o seu nome, era o
abade Fournier. Podeis supor que nosso amigo
aproveitou isso ao máximo. Eles falaram muito de nós e o apego
que Divonne tem para convosco aumentou mais. Como ele
tem alguma pretensão de traduzir em francês o resumo de Law,
encorajei-o a empreendê-la. Ele prometeu ver-me
novamente ao fim de algumas semanas, mas, alguns dias depois de sua partida
de Morat surgiu a proclamação de nosso
governo contra os emigrados franceses. Entretanto, como sua família
saiu da França antes da revolução, espero que ele
consiga uma isenção e nada negligenciei a fim de conseguir-lha.
- O assunto foi remetido a uma comissão que, por causa da
multiplicidade das reivindicações e das férias atuais,
só fará seu relatório no mês de setembro. Quanto
à minha confidência
política, que na época de minha primeira carta teria chegado
a tempo, o governo de Basiléia teve as mesmas idéias que eu
e, para colocar diante do Diretório as provas materiais que poderiam
tranqüilizá-lo, enviou seu grande tribuno a Paris. Sua
missão teve todo o êxito desejado, havendo ele dissipado as
nuvens que uns intrigantes queriam erguer entre o governo
francês e a república de Basiléia para chamar novamente
Monsieur Barthélemy, em cuja probidade temos plena confiança.
A
passagem do Reno pelas tropas francesas conseguiu tornar então impossíveis,
moral e fisicamente, os supostos projetos do
exército de Condé. Quanto à passagem de minha carta
na qual digo que meu lazer não passa de provisório e que vos
deu
idéias bem lisonjeiras sobre mim, porque trazem a marca da vossa
amizade, referia-se a outras distrações, embora do
mesmo tipo. Na idade em que estou, não ambiciono nada mais do que
o repouso, porque todos os momentos que me restam
são-me infinitamente preciosos. Encanta-me saber que tendes a mesma
opinião que eu sobre a união das duas escolas.
Recentemente consegui ainda ajuda quanto a esse objetivo: não somente
possuo uma obra rara e bem lúcida de um eleito
do século XIV, Rusbrock, mestre de Taulerus, mas também descobri
nas passagens das obras de Schwenkfeld e de Weigel,
que precederam ambos ao nosso amigo B., vestígios notáveis.
Assim, a verdade teve uma seqüência de testemunhas nos
tempos mais recuados. Mais o que acima de tudo me causou prazer com relação
à vossa primeira escola é que vosso O
Novo Homem veio finalmente dar à minhas mãos; espero fazer
uma boa colheita nessa obra. Sabeis como sou rico em
terras; se a providência o permitir, sêlo- ei um dia em rendas.
Eu seria a ingratidão em pessoa se não reconhecesse todas
as
dádivas com que ela me cumula, cercado como estou em meu escritório
pelas instruções que os livros podem oferecer-me. A
comunicação do segredo nº 2, p. 6, última linha
de O Novo Homem, é verdadeiramente consoladora e encorajadora.
Conheceis alguma passagem nas obras de B. que apóie essa comunicação?
Ele a teria ignorado ou transportado os ofícios
do espírito para as funções de Sophia? Gostaria muito
de ter uma palavra vossa sobre isso. Agradeço-vos muito pelas
explicações sobre o Quadro Natural. As virtudes sublinhadas
certamente significam propriedades, mas não casos também
em que significam substâncias? Ou então, quando as virtudes
se manifestam não seriam essas manifestações apenas
propriedades, substâncias, e não as próprias substâncias,
tornadas sensíveis aos nossos órgãos, sejam eles intelectuais
ou
externos? Vamos agora ao nosso caro B., Três Princípios, cap.
13, nº 2. L. 5; nº 13 completo e nº 35, do mesmo capítulo,
até
o fim. A contradição dessas passagens é apenas aparente,
dissipando-se quando se considera a gradação da metamorfose.
No nº 2, estava apenas esboçada, embora esse passo fosse imenso
desde o corpo espiritual e glorioso até o corpo material;
mas os ossos, na época da mudança, não haviam recebido
ainda a dureza adquirida depois, não se achavam ainda
inteiramente consolidados, mas continham ainda uma parte das forças
de da virtude do invólucro glorioso que nosso primeiro
pai acabara de perder. Eva foi criada com o resto dessa força concentrada
que posteriormente formou as costelas, mas essa
ossificação material só se deu no momento em que Eva
comeu a maçã, dando-a a Adão. Foi no momento em que
os dois
esposos caíram em pecado que acabou de manifestar-se a materialização
cujo germe já estava neles: antes desse
momento, ainda eram seres mistos, entre o estado glorioso e o estado humilhante
em que nos encontramos atualmente.
Mesmo depois da queda, Adão não perdeu totalmente sua virtualidade
corporal, já que viveu novecentos e trinta anos. No nº
13 e no fim do 35 encontrareis a confirmação desse modo de
ver isso. Vamos aos Seis Pontos. 1º ponto, cap. 1º, nº 50.
(Quase não podemos abordar esses seis pontos sem ficarmos ofuscados
pela majestade que os ditou.) A primeira vontade,
chamada de pai pelo autor, quer livrar-se dos tormentos que as trevas, com
sua acrimônia, fazem a alma sofrer. Essa
vontade quer ser livre, quer sair das trevas, quer uma revelação
que possa tirá-la de sua prisão, mas não encontra essa
revelação em si mesma, não podendo consegui-la senão
com a ajuda das virtudes; assim ela deseja as virtudes. Se então
a
vontade muda e escolhe as virtudes que se encontram ca circunferência,
então essa vontade extraviada gira, como uma
roda, de um objeto a outro. Não aumenta bem-estar, sua vida é
uma vida de ansiedade e de amargor: quanto mais ele bebe
da água barrenta, mais necessita bebê-la. Mas a segunda vontade,
que faz uma escolha melhor, busca a luz no centro. Essa
segunda vontade possui a palavra da vida em si mesma; está postada
e dirigida ao centro da natureza. Nosso amigo B.
exprimiu a palavra dirigir como Gericht. Hoje dizemos Gerichtet, que vem
do verbo richten252. Seine Gedanken auf etwas
richten quer dizer: dirigir os pensamentos a algum objeto. Dou-vos detalhes
de minhas idéias sobre esses números dos Seis
Pontos para me corrigirdes, caso esteja enganado. Espero, caro irmão,
que vossa próxima carta me informe sobre vossa
resolução de vir à Suíça. O caminho mais
curto para vir aqui não é entrar em nosso país por
Genebra ou de Neuchâtel, mas
pela estrada Pontarlier, de onde seguireis para Yverdun e Payerne, que não
fica a mais de quatro leguazinhas de Morat.
Adeus, meu caro irmão. Aguardo vossa próxima carta com ansiedade.
Como vosso sinete me priva algumas vezes do final
de vossas linhas, dai-lhe, por favor, um pouco mais de espaço para
que ele não invada meu prazer de ler. Esqueci-me de vos
109
dizer que um astrônomo alemão declarou a Herschel que Urano
não era um planeta, mas uma estrela fixa ainda não
descoberta antes. O tempo esclarecerá este fato. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
252 Neste sentido, dirigir(-se). Também significa julgar, pronunciar
uma sentença.
Carta 94 15 de agosto de 1796 (25 de termidor, ano 4)
Os passaportes conterão todas as observações de que
me falastes, meu caro irmão. Além disso, espero ter recomendações
de algumas pessoas de destaque e cartas particulares para nosso embaixador,
de modo que todas as nossas opiniões a
esse respeito sejam cumpridas. Não é o próprio governo
quem dá os passaportes: são as administrações
departamentais, de
acordo com o critério e os vistos das administrações
municipais. Tento de todos os modos utilizar os recursos de que
disponho, mas isso exige um pouco de tempo. Além disso, depois de
minha última carta, assumi o compromisso de ir visitar
alguns amigos que não vejo há quatro anos, especialmente a
respeitável prisioneira de Marselha que, depois de ter sido
encerrada em Moulins, desde sua prisão, está enfim perto de
Paris, não em sua terra, mas na casa de antigos amigos onde
está feliz e contente, e onde me será impossível não
me deter por alguns momentos, o que me faz temer que não poderei
aproximar-me de vossos cantões antes do início de outubro,
e talvez mais tarde. Ora, pessoas que habitaram neles durante
dois anos garantiramme que não é este o momento favorável
para fazer semelhante viagem, e todos instam comigo para
adiá-la até a primavera, principalmente porque então
terei mais meios pecuniários do que no presente e porque aproveitarei
para começar o meu percurso por Estrasburgo, onde tenho uma grande
amizade, indo de lá até vossa terra, e depois
entrando novamente na França por Lyon, onde também terei amigos
para ver antes de regressar a Paris, voltando em
seguida para casa. Se eu não fizesse essa linha circular e fosse
diretamente para a Suíça, teria, na volta, de multiplicar
demais os meus trajetos para cumprir os outros objetos. A esperança
de ver em vossa terra o amigo Divonne me estimula
muito, mas, de acordo com as leis do momento, sua sorte será decidida
antes que eu possa ter chegado, senão eu partiria
neste momento: assim, se ele partir, eu o perderei e, se ele ficar, eu o
encontrarei na primavera como agora. Ao demais,
pegarei meus passaportes e outros documentos quando estiverem prontos, por-me-ei
a caminho e farei uma pausa, em
minha região rural, a umas vinte léguas daqui, em casa de
uns amigos com quem devo doravante permanecer em Paris. Daí
me dirigirei para junto da ilustre prisioneira de quem vos falei, ficando
pronto, seja para partir para a Suíça, se minhas
observações não tiverem fundamento, seja para esperar
na capital o fim do inverno para começar minha peregrinação,
se
meu plano vos parecer razoável. Podeis continuar escrevendo para
aqui até novo aviso. Vossas cartas me serão remetidas
para o lugar onde eu estiver. Se meus documentos caducarem, será
fácil renová-los. O que me faz pender ainda para a
primavera é que esperarei que então esteja menos indigno de
me apresentar diante de vós. Ficaria bem contente se Divonne
traduzisse a passagem de B. feita por Law: garantovos que isso diminui um
pouco a minha dedicação às traduções
que havia
empreendido, porque creio que isso será mais do que suficiente para
o público, o que me ocupava um pouco; e, além disso,
acontece que tenho ter tantas outras ocupações que a de tradutor
me é verdadeiramente bem difícil sob vários aspectos.
O
exemplar do meu O Novo Homem que tendes não é o que vos será
de mais proveito; é uma ninharia em comparação com
outras riquezas que possuís. Lede outra vez minhas cartas antigas
e vereis que o que vos disse sobre isso na época.
Entretanto, nada conheço em B. que exprima de nodo positivo a comunicação
da qual falais, página 6. Última linha. Não
creio que com isso ele a haja condenado, mas sua grande idéia da
via exclusiva da regeneração e de nosso renascimento na
fonte do segundo princípio muitas vezes o manteve acima de algumas
verdades secundárias e mais próximas do estado
comum dos homens. Além disso, se a Divindade não exige senão
repousar a cabeça em nós e sinta por não poder conseguilo
(o que é, creio-o, o verdadeiro sentido do Evangelho) não
seria de admirar que os espíritos estivessem no mesmo caso: a
única diferença é que só nos busca para trazer-nos
sua luz e os outros, para virem buscá-la, mas não há
menos sofrimento e
desejo de cada lado. Em suma, B. nos diz que o universo só existe
para manifestar as maravilhas de Deus, que, sem ele,
não seriam conhecidas pelos anjos. Diz ele, além disso, que
o homem é quem deveria abrir essas maravilhas. Parece-me
que isso é falar de maneira tão clara como nós, uma
vez que os anjos devem esperar que o homem abra A palavra Virtudes
pode também significar existência, se o quisermos, mas isso
sempre será, conforme dizeis, com relação às
propriedades e
manifestações dessas substâncias, uma construção
lingüística língua: a palavra Virtudes diz tudo e em
todas as classes.
Agradeço-vos pelo que me dissestes sobre os Três Princípios
e os Seis Pontos, pois muito me convém. Eu já ouvira falar
da
opinião do astrônomo alemão a respeito de Urano. Creio
também que os nossos astrônomos lhe fazem algumas objeções,
mas sobre isso nada sei de certo. Quanto ao mais, non hic opus253. Enquanto
aguardo o prazer de abraçar-vos, seja neste
ano ou no próximo, envio-vos uma pequena peça em versos que
já fora impressa há quinze anos, mas com muita falhas,
quanto à forma e ao fundo. Faz algumas semanas que tentei consertá-la
do melhor modo e vos participo esse fato como a
qualquer pessoa que ama tudo o que o reconduz ao seu princípio. Vede
somente o alvo e tolerai as imperfeições do artista.
Adeus, meu caro irmão. Recomendo-me às vossas preces. Espero
que a paz que, dizem, se prepara para nós, também
influirá na tranqüilidade e no bem-estar de vossa pátria.
Não acrediteis que meu plano pecuniário da primeira página
signifique que esteja passando necessidades e não penseis de modo
algum em virdes em meu socorro. Não passo falta de
nada, mas espero em seis meses ter menos falta ainda. E os caminhos a tomar
permitem tais cálculos e reflexões. Seguemse
estâncias sobre a Origem e o Destino do Homem. V. Obr. Post. SAINT-MARTIN
253 Não é aqui que está a dificuldade.
110
Carta 95 M., 27 de agosto de 1796
Embora o tempo que reste de minha carreira seja incerto e curto, meu caro
irmão, e eu espere ver-vos ainda este outono,
não sou, no entanto, bastante egoísta para não sentir
a conveniência de vosso plano. Além de ser verdade, ainda,
que
geralmente a passagem do outono par o inverno não é favorável
às viagens à Suíça, não obstante essa
regra sofre
exceções. O que me consola um pouco é que desfrutarei
de prazer maior na primavera do que no mês de outubro. Durante o
trajeto que projetais tereis condições de dar uma olhada nos
progressos do edifício nas diferentes regiões que ides visitar.
Eu, sem sair de onde estou, de tempos em tempos descubro algum novo obreiro.
Além de nosso amigo de Munique, há um
professor em Marbourg que possui a autorização necessária
para conseguir ser lido por um público numeroso e que, através
de ficções engenhosas, dá boas sacudidelas nos leitores.
Suas produções são disputadas. Ele se chama Jung e
escreve
com o nome de Stilling. Acaba de completar uma alegoria picante, uma história
em quatro volumes, som o nome de
Heimweh, saudade do lar, bem própria para provocar em nós
uma verdadeira Heimweh. Além disso, encontrei ainda obreiros
subcontratados, os quais me informam que há obras interiores traduzidas
em italiano e espanhol, na própria Roma, e creio
que já disse que existe em Basiléia uma sociedade secreta
para propagar o cristianismo. Estimo muito que possais ver vossa
ilustre amiga. Sabeis como há quatro anos ela me despertou interesse,
mas suas desditas ainda aumentaram mais esse
interesse. De modo que faço não apenas desejo seu desenvolvimento,
mas faço ardentes votos para ele e, se não temesse
de parecer-vos excêntrico, dir-vos-ia que um movimento imperioso me
prende à sua alma. Nosso amigo Divonne, cuja sorte
política do momento ainda não foi determinada, está
atualmente em viagem pela Suíça na companhia de um inglês
a quem
pouco a pouco vai transmitindo seus princípios. Mas como durante
longo tempo essa vida ambulante o impedirá de fazer sua
tradução, encarrego-me de empreender por ela a versão
de meu trecho: mas não preciso acrescentar que, dadas as minhas
circunstâncias, esse empreendimento exigirá tempo. Vosso O
Novo Homem, assim como os escritos que compusestes
segundo vossa primeira escola, servir-me-ão para a confirmação
de muitas coisas. A confrontação de nossos autores
favoritos, sobretudo a comparação das cartas de nosso general
com o texto de B., proporciona-me esclarecimentos
freqüentes. Além dessas vantagens, acabo de fazer uma descoberta
importante: trata-se nada menos do que de um tratado
de nosso amigo B., que não se encontra na edição de
1682, pois o general recebeu manuscritos ainda depois de 1682: foi o
que o lhe permitiu reunir uma edição mais completa, publicada
depois de sua morte, em 1715. Esse novo tratado é um
segundo livro muito interessante sobre o batismo. Se escreverdes ao vosso
conhecido de Estrasburgo, informai-o de que
existe uma excelente introdução às obras de Pordage
no inicio de sua Metafísica e que essa introdução,
teosófica e muito
clara, que enche um volume inteiro, foi escrita pelo conde de Metternich,
aluno de Madame G
, e pai espiritual de Saint-
George de Marsais, do qual tendes um tratado. No coleção das
cartas de Madame G
, em cinco volumes, há várias
endereçadas ao senhor Metternich, ministro e enviado do rei da Prússia,
quando se tratava de conseguir a soberania do
condado de Neuchâtel. Estimo muito que aproveis as notas que vos enviei
juntamente com os documentos necessários.
Todos os dias tenho ocasião de confirmar a minha crença, detesta
e abominada pela maior parte dos filhos de nosso infeliz
século, que, guiada por seu mestre, tenta demolirlhe o edifício.
Para chegar a isso, não encontram um caminho mais seguro
do que caluniar os obreiros e suspeitar deles. Se alguma vez o preceito
de nosso sublime professor já foi tão necessário, é
realmente na época presente: "Ego mitto vos sicut oves in medio
luporum: estote ergo prudentes sicut serpentes, et simplices
sicut columbæ.254" O inimigo tem foi longe que deu a uma corja
horrenda uma denominação respeitável que só
devia ser
empregada para designar o eleitos, e ela trabalha para destruir a religião
cristã e todos os governos civis; são os anarquistas
e desorganizadores da Alemanha, que também têm afiliações
entre nós. Esses homens criminosos, sendo mais
desenvolvidos do que o comum, atacam os homens com fatos, ao passo que,
até o presente, não foram atacados senão com
discursos. Esses envenenadores, que espalham uma doutrina de palavras, nada
odeiam tanto quanto aos verdadeiros
eleitos.
Tive até a idéia de que não seria inútil unir
o nome de um de vossos campos ao vosso e esse nome territorial vos serviria
então como traje de viagem, sendo o vosso por demais belo para ser
usado todos os dias. Muito vos agradeço pelos
detalhes sobre a minha pergunta no tocante à sexta página
de O Novo Homem. A grande massa dos homens, da qual uma
parte bem considerável nem sequer ouviu falar do regenerador, tem
necessidade de uma ajuda, de um guia, que esteja
sempre à mão para ser consultado, e esse guia é perfeitamente
indicado em O Novo Homem. Creio que seu nome vulgar se
chama Consciência. A existência desse espírito não
é certamente condenada por B. Vede no Myst. Magn. o início
da
segunda linha do nº 9, cap. 8. Recebei meus agradecimentos pelo belo
presente que inseristes em vossa carta. Certamente
compusestes essas estâncias sublimes de acordo com uma visão
física, cujo espírito, esplendor e marca elas trazem. A
elevação de nossa origem é uma idéia tão
bela que é surpreendente ser ela em geral tão desconhecida.
É a respeito disso
que nosso amigo B. me deu grandes esclarecimentos, dentre outros, na Aurora,
cap. 22, nº 46, item, cap. 23, nº 4. Se os
homens fossem capazes de atenção, teriam sido despertados
nesse ponto pelos Atos dos Apóstolos 19:27-28. Os próprios
pagãos já tinham noções disso, como do espírito
do Novo Homem, página 6. Sêneca tem sobre ambos uma bela passagem
em sua epístola nº 42: "Prope est a te Deus. Tecum est
et intus est. Ita dico Lucili, sacer inter nos spiritus sedet, malorum
bonorumque nostrorum observator et custos; hic prout a nobis tractatus est,
ipse tractat. Bonus vir sine deo nemo est.255"
Mas vossa estâncias exprimem cessa bela idéia com muito mais
força; não é somente o Tecum, mas a identidade que
torna
a idéia inteiramente sublime. E os esforços para reconquistarmos
nosso primeiro lugar não poderiam estar mais bem
figurados na estância dezesseis. Nada de mais tocante do que a estância
quinze sobre os meios, os únicos que existem para
111
elevar-nos ao nosso grande destino. A dezesseis encerra o êxito, o
cumprimento de nossos desígnios, o fim da obra. Adeus,
meu caro irmão. Uni vossas preces às minhas para que todos
os vossos amigos possam alcançar esse fim glorioso.
Terminais a carta com uma observação que se refere a uma expressão
da primeira página. Espero, caro irmão, que todas as
vezes que as circunstâncias retardarem a marcha dos socorros ordinários,
devereis advertir-me sobre isso. Confio
completamente em vossa amizade a esse respeito. Tudo o que depender de mim
está sempre ao vosso serviço. Antes de
encerrar minha acarta, permiti-me ainda uma pergunta gramatical. Há
uma expressão que embaraça no segundo volume do
Quadro Natural. Página 230, linha 22. Tratase da terra. Tende a bondade
de dizer-me o que entendeis pela expressão: "Ela é
o crisol das almas tanto quanto dos corpos.256" Fiquei tocado pela
beleza de todo o n ? 21, que começa à página 204257.
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
254 "Eis que vos envio como cordeiros em meio aos lobos: sede, portanto,
prudentes como as serpentes e simples como as
pombas." (Mateus, 10:16.)
255 "Deus está perto de ti. Está contigo e dentro de
ti. Assim, pois, te digo, ó Lucílio, dentro de nós
habita um espírito
sagrado, que observa e vigia nossos males e bens; segundo é por nós
dirigido, assim nos dirige. Um homem bom sem Deus
não é ninguém."
256 P na tradução?
257 P na tradução?
Carta 96 26 de setembro
Sois mais sábio que eu, meu caro irmão, por permanecerdes
assim em vosso lugar. Assim todas as novidades vêm à vossa
procura. O Heimweh é um belo assunto. Essa doença atormenta
há muito tempo, aumentando a cada dia e com toda
certeza, se eu não fosse ainda um pouco francês, ficaria no
meu cantinho e trabalharia de maneira frutífera em minha obra.
Entretanto, como não tenho outro desejo senão o de ver boas
almas com quem possa tratar do progresso da verdade, eu me
permitiria ainda essa pequena escapada, voltando em seguida a concentrar-me
em minha região com alguns amigos.
Encontro doçura na perspectiva de proporcionar alguns raios pequenos
da vida espiritual à terra natal que me deu a vida
temporal. Não é para minha amiga258, mas para o público
que desejaria a tradução de quem me falastes, a qual insisto
que
empreendais. Aliás, confesso-vos que creio ser o alimento de B. um
pouco forte para ela. As virtudes morais, da piedade, é
que são o seu gênero. Quanto às instruções,
ela as teve todos os tipos, mas sem qualquer sistematização
para pô-las à
obra, e creio que hoje seria um pouco tarde para tentar ensinar-lhe B.,
que exige, por assim dizer, pessoas destinadas a esse
fim e que tenham sido preparadas de maneira diferente da dela, tanto pela
sua educação de corte como pela espiritual. Nem
por isso deixa de ser o melhor coração que se possa conhecer
e não fico surpreso com as relações que o vosso sente
para
com o seu. Informei a Estrasburgo o que me dissestes de Madame G. quando
nos virmos, tomarei conhecimento de todas as
vossas riquezas. Enquanto aguardo, esforço-me por enriquecer-me em
minha raiz e através de minha raiz, sem deixar de
pensar que esses são os únicos meios que nos são verdadeiramente
próprios e para sempre proveitosos. Refletirei sobre a
questão do nome necessário para o local. Mas em meus documentos
eu nada poderia mudar nem acrescentar ao meu
verdadeiro nome. As conseqüências disso seriam importantes, tanto
para os meus bens quanto os meu direitos de cidadão.
Nossas leis são severas neste ponto. Dais-me um verdadeiro prazer
ao citar-me os antigos que falaram com tanta dignidade
do princípio e do espírito que está entre os homens;
em todos os tempos a verdade esteve junto deles. Ela não conhece
tempo nem espaço; foram eles que fizeram ambos com suas imprudências
e crimes. Agradeço-vos novamente por vossas
ofertas gentis. Não necessito fazer uso delas, pois tenho todo o
necessário filosófico. A passagem citada: "a terra é
o crisol
das almas tanto quanto dos corpos" quer dizer que, sendo a terra o
nosso teatro de expiação, é passando por ela que
purgamos nossa alma, assim como recuperamos nosso corpo glorioso, se seguirmos
as leis da sabedoria que devem ser o
guia e a bússola de nossos outros pobres viajores aqui neste mundo.
Embora seja provável que eu não demore a pôr-me a
caminho, podeis, enquanto isso, escrever-me até novo aviso. Vossas
cartas virão encontrar-me onde quer que eu esteja,
enquanto espero poder dar-vos meu endereço em Paris. Adeus, meu caro
irmão, abraço-vos de todo o coração e
recomendo-me às vossas preces. Reli esses dias a resposta à
primeira das quarenta perguntas e vi como seria preciso
conhecer o ofício para tirar proveito de todas as maravilhas nelas
contidas. Quanto a mim, que tenho caminhado em tudo
isso há trinta anos, preciso de todas as minhas faculdades para poder
acompanhar nosso amigo na profundidade de sua
obra, e confesso-vos que algumas vezes sou obrigado a não me arrastar
para muito longe dele. SAINT-MARTIN
258 A duquesa de Bourbon.
Carta 97 M
, 8 de outubro de 1796
Deixando de lado todo interesse pessoal, meu caro irmão, continuo
concordando com o fato de que vosso projeto de viagem
é bem respeitável, pois o bem que podeis fazer com vossas
conversações e vossa presença pode estender-se além
do
pequeno espaço de tempo no qual vegetamos: uma única palavra
pode algumas vezes ter conseqüências incalculáveis.
Assim, cuidar de não de mudardes vossa resolução e
de chamar-me de sábio porque permaneço em meu lugar. Se eu
estivesse no vosso, faria exatamente o mesmo. Além da felicidade
de trabalhar na vinha do nosso Mestre, provavelmente
112
tereis várias ocasiões de verdes por vós mesmo se nas
diferentes regiões prossegue a obra do Templo, uma vez que eu, que
não me mexo par sair de casa, apercebo-me disso, mas em geral é
apenas por ouvir dizer, exceto quanto a um pequeno
número de exemplos que tenho diante dos olhos. Vós, ao contrário,
podeis, enquanto viajais, contemplar o edifício num
horizonte mais extenso, podeis ajudar a vós mesmo a erguer algumas
colunas, etc. Por toda parte, meu respeitável irmão,
seja na vossa pátria ou alhures, tenho certeza de que será
caro ao vosso coração lançar raios de luz nas almas
dispostas a
recebê-los. Concordo em que nem todos os terrenos são igualmente
próprios para a cultura dessa rara semente, mas em
todos os lugares em que essas sublimes verdades podem deitar raízes,
em todos elas já germinaram, mas, onde elas se
arriscam a se ressecarem e serem pisoteadas pelo inimigo, é iminente,
urgente mesmo, semeá-las, irrigá-las e fortalecê-las;
preciso até mesmo tentar deixar os bons e laboriosos agricultores
junto de nós. Possuo a obra de Law, graças à bondade
de
nosso amigo Divonne. Não é propriamente um extrato de B.,
mas um excelente tratado de piedade, escrito no espírito de B. e
com grande conhecimento dele. meu plano seria um pouco diferente: gostaria
de fazer um resumo de toda a doutrina de B.
gostaria de colocar essa doutrina ao alcance de uma número maior
de leitores. Quem não se passou por uma escola
semelhante à de vosso primeiro mestre, é preciso ter uma perseverança
rara para se chegar somente a um conhecimento
medíocre dos escritos de nosso amigo; além do que ele mesmo
desejaria que seus diversos tratados fossem unidos em
apenas um. Meu alvo seria também dar à minha obra uma forma
que pudesse induzir à leitura os que de ordinário não
se
ocupam com estudos tão abstratos. Nosso amigo B. contém verdades
tão essenciais, e que hoje pareceriam tão novas, que
seria uma grande infelicidade, parece-me, se não conseguíssemos
que elas fossem lidas. Meu projeto é dar-lhes uma
apresentação histórica, de parábola mesmo: o
que Telêmaco259 é para a moral e a política eu gostaria
que meu livro fosse
para a vida espiritual, mesmo que essa forma estivesse abaixo de seu modelo,
não importa, contanto que seja suficiente para
despertar e manter a curiosidade do leitor. Esforçar-me-ei para somente
no fim do livro que ele perceba que acaba de ler um
resumo de J. B., pois há milhares de homens que não conhecem
nosso amigo, nem mesmo de nome. Farei um esboço de
tudo isso e gostarei de ter vossa opinião, seja sobre o fundo, seja
sobre a forma, quando tiver o prazer de palestrar convosco
inteiramente à vontade. Nosso amigo Divonne tornou a partir para
a terra natal260 de seu companheiro de viagem. Antes de
sua partida, recebi vossa carta que continhas as estâncias e entreguei-lhas.
Ele ficou encantado com elas e quanto a isso
escreveu-me de Berna as seguintes linhas: "Agradeço-vos por
me haverdes enviado a peça em versos de Monsieur de Saint-
Martin. Peço-vos de dizer-lhe que, ao ler esses versos, senti na
alma algo de tão marcante e especial que quero
simplesmente expor-lha. Parecia-me que minha amizade por ele revelava-se
de maneira mais viva, enquanto ao mesmo
tempo parecia que se alguma coisa se colocava entre mim e ele, ou melhor,
o arrancava de mim, de maneira a causar-me
um sentimento verdadeiramente doloroso." Ele termina essa passagem
com as seguintes palavras enigmáticas: "Ó verdade!
Ó luz! Ó vida! Somente a morte ouviu o ruído de vosso
renome." Ele me encarrega também de rogar-vos que digais mil
coisas ternas de sua parte ao vosso amigo B. e que ele lhe ficará
ligado mesmo além dos limites desta vida. Ele também
desejaria muito ter notícias de C. J. e fazer com que ela saiba que
ele a ama de todo o coração. Como ele me escreverá
assim que chegar ao seu destino, poderei fazer chegar a ele tudo o que vós
e vossos amigos julgardes adequado. Estou
muito contente com o volume de Law que ele me deixou. Para dar-vos um amostra
do modo de pensar desse autor, insiro
aqui uma passagem de seu livro, por ele intitulado Spirit of Prayer, escrito
em forma de diálogo. Depois de enumerar o vícios
e defeitos comuns dos homens, diz ele: "This is the fallen human nature,
and this is the old man, which is alive in every one,
tho' in various manners, till he is born again form above. To think therefore
of any thing in religion or to pretend to real
Holyness, without totally dying to this old man, is building Castles in
the air, and can bring forth nothing but Satan in the form
of an Angel of light would you know, whence it is that so many spirits have
appeared in the world, wo [who] have deceived
themselves and others with false fire and false light, laying claims to
inspirations, illuminations, and openigs [openings] of the
divine life, pretending to do wonders and extraordinary call from God. It
is this they, have turned to God, without turning from
themselves, would believe in God, before they were dead to their own nature,
a thing as impossible in itself as for a grain of
wheat to be alive before it dies." ["Esta é a decaída
natureza humana e este é o velho homem, que está vivo em todos,
embora de maneira diversas, até que ele renasça do alto. Pensar,
portanto, em alguma coisa em religião ou pretender à real
Santidade sem morrer totalmente para esse velho homem, é construir
Castelos no ar e, saiba que a única coisa que poderia
trazer apenas Satã na forma de uma Anjo de luz, sendo dessa forma
que apareceram muitos espíritos falsos no mundo, os
quais enganaram a si mesmos e aos outros com falso fogo e falsa luz, pretendendo
inspirações, iluminações e aberturas da
vida divina, fingindo executar maravilhas e chamados extraordinários
de Deus. Foi assim: eles voltaram-se para Deus sem se
afastarem de si mesmos, acreditariam em Deus antes de estarem mortos para
sua própria natureza, uma coisa tão
impossível em si mesma como um grão de trigo estar vivo antes
de morrer."- N.T.] As riquezas literárias que possuo são
um
benefício da Providência. Foi ela quem me inspirou o bom pensamento
de vos escrever e fostes vós em, em uma palavra, me
deste vontade de conhecer Böhm; e foi B. quem me deu conhecimento do
general G. e todos os nossos outros amigos.
Essas riquezas, na verdade, não passam de materiais completamente
inúteis, que voltarão ao nosso encargo se não os
colocarmos em ação. Mas, ao mesmo tempo, são graças
da Providência, pois ele se compraz em instruir os homens às
vezes mediatamente, às vezes imediatamente. Sobre esse assunto, lede
a última linha da primeira página do prefácio que
está no início das Quarenta Perguntas. O primeiro capítulo
dessa perguntas é certamente mui profundo e não compete a
um
pequeno aprendiz como eu falar dele; está ligado a todo o sistema
do autor. Acho que esse sistema, à medida que nos
aproximamos dele, apresenta tesouros, relações analogia ligações
e sustentações recíprocas admiráveis. É
à medida que
vamos caminhando nas sendas de B. que elas vão ficando mais simples.
Um distinção muito delicada, e ao mesmo tempo
muito importante e muito verdadeira é a que o autor faz em toda parte
entre a vontade e o desejo. Uma verdade nova que ele
113
nos ensina é que, em toda a extensão do domínio pneumático261,
sem qualquer exceção, o desejo faz substância
"Wesenheit"262. Uma verdade bem importante ainda é que
todos os seres inteligentes desejam unir-se a uma substância
natural para terem com ela habitação e alimento. Vosso amigo
aplica todas essa primícias (i.e., todas as suas premissas) à
obra de maneira marcante. Desde que voltemos nossa vontade e nossos desejos
em direção ao Reparador, temos a fé e, se
resistimos à antiga vontade terrestre, recebemos o espírito
do regenerador. Mas como todos espíritos atraem ou produzem
um substância natural que lhes é análoga, o espírito
do regenerador atrai e se cerca do corpo glorioso, composto do
elemento puro oculto nos outros elementos, o qual, animado pelo espírito
de Jesus Cristo, torna-se o sangue e a carne
sagrados, tão necessários e indispensáveis à
nossa nutrição [espiritual - N.T.]. Desde o momento em que
a alma prova
desse alimento, ela rompe a escuridão de sua morte e acende o fogo
da eternidade em si mesma. Desse fogo brilha a luz da
caridade, da doçura e da resignação. Essa mesma doçura
atrai então o fogo da alma, absorvendo-o, tragando-o,
mortificando-o. Mas dessa morte ressuscita a vida, o espírito glorioso,
a imagem da Santíssima Trindade. O grande objeto
consiste em, ao que me parece, que a alma humana se nutra e se revista do
elemento puro e em que evitemos ser
revestidos pelo corpo espiritual impuro, produzido pelos desejos e imperfeições
terrestres, pois os desejos são substâncias
análogas à natureza delas; a doutrina do elemento puro parece-me
uma pedra angular na doutrina de nosso amigo. Em tudo
isso, não poderíamos admirar bastante como B. desenvolveu
a grande verdade de são precisos meios para se passar de um
estado a outro. Uma outra parte de Böhme que me enche de admiração
são as suas analogias. Ninguém, ao que me parece,
provou melhor que o que está em baixo é como o que está
em cima. Já pensei algumas vezes que, se quiséssemos
comparar B. aos autores comuns, não encontraríamos nenhum
que tivesse a ousadia e o gênio de tratar ao mesmo tempo, e
com as mesma palavras, a grande obra divina e a grande obra física
de maneira tão profunda como o fez nosso amigo B. na
Signatura Rerum. Quanto mais me familiarizo com seus escritos, tanto mais
aumenta o meu espanto por encontrar nela
riquezas incontáveis com a plena convicção, todavia,
de que ainda não estou senão à porta de alguma antecâmara.
Vossa
observação no tocante ao nome a dar ao lugares não
pode deixar de ser mais justa porque não implica em mudança
alguma
nos documentos e no entanto vos garantirá contra a importunidade
de vossos compatriotas e do ódio dos falsos irmãos, a
peste do nosso século, que tem apenas a seu favor um nome de empréstimo
e que são os mais cruéis adversários e
perseguidores de nossas verdades. As pessoas honestas nem sempre têm
conhecimentos suficientes para deixarem de
confundir o strass com o diamante, assim como é preciso evitar, no
exterior, tudo o que posa causar equívocos funestos.
Muito vos agradeço pela passagem citada do quadro natural263. Acho
coisas bem elevadas e bem consoladoras na
seção264 dezenove do quadro natural. Sob uma nomenclatura
diferente, observo nele uma grande conformidade com as
idéias de nosso amigo B., mas, como não tive a vantagem de
passar pela mesma escola preliminar como vós, meu caro
irmão, nele encontro de vez em quando alguma expressão que
me parece ainda um pouco mais obscura, por exemplo: em
baixo, na página 171, t. II, encontra-se a seguinte frase: "e
que, se quisessem sê-lo, bastaria que falassem."265 Há
muitos
sentidos que podemos atribuir à palavra falar, mas eu gostaria de
ter o vosso: entendeis isso como um nome único ou uma
seqüência de desejos expressos por palavras? Ambas as explicações
podem ter seus lados verdadeiros. Enquanto aguardo
vossa resposta, lembrarei o que foi escrito por um eleito no início
da Igreja Cristã: "Sine inetermissione orate."266 Continuai
sempre sendo meu amigo, meu caro irmão, e suplico que não
vos esqueçais de mim em vossas preces. KIRCHBERGER DE
LIEBISTORF
259 Obra de Fénelonº
260 Inglaterra.
261 Do Espírito.
262 Essência, ser.
263 Assim mesmo, sem maiúsculas
264 Capítulo.
265 P.?
266 "Orai sem cessar." Paulo, I aos Tessalonicenses. 5:17.
Cartas 98-116 Carta 98 1º de outubro
Aprecio muito vosso projeto à imitação do Telêmaco,
meu mui caro irmão, e tenho certeza de que só resultará
em bem.
Também aprecio muito a passagem de Law: "Voltaram-se para Deus
sem se voltarem de si mesmos." [They have turned to
God without turning from themselves.] Deve ser um tesouro, essa obra. Vos
observações sobre as diferentes passagens de
nosso amigo B. são também muito justas. Era uma luz universal,
esse grande homem, e não é surpresa que ele ilumine
todas as regiões por onde passa. Quanto à passagem de meu
Quadro Natural, "bastaria que ele falasse"267, é, confessoo,
uma espécie de jogo de palavras que talvez não seja muito
digna da grave matéria de que trata. A palavra falar nada mais
quer dizer do que verbalizar268, fazer uso do Verbo, que não busca
senão unir-se a nós e a encher-nos dele mesmo para
aplanar diante de nós todos os obstáculos. Essa maneira de
exprimir-me poderia ser uma véu para essa verdade que
nenhum ouvido entende e está sempre pronto a profanar. Mas isso poderia
ser também um tributo que pago à alegria, para
não dizer à leveza, de minha nação, que brinca
com tudo. Entretanto, confesso-vos também de que me lembro muito
bem de
que, quando o escrevi, o primeiro motivo me influenciava mais do que o segundo.
Vamos às minhas estâncias. As poucas
palavras escritas pelo amigo D. me tocaram. Vi nelas o estado do mundo morto
que em vão espera que as verdades
114
ressoem em torno dele, mas vi também meu estado de pecador, que impede
as mesmas verdades de entrarem em tão
profundamente quanto eu deveria fazer com que entrassem, e é nesse
último sentido que me detenho para exercer vigilância
sobre mim com mais cuidado ainda no que antes. Agradeço ao amigo
D. por essa advertência e recomendo-me às suas
preces. Rogo-vos a gentileza passar-lhe a carta anexa a esta quando lhe
escreverdes, e de me passar a sua resposta. Sereis
o nosso emissário, o que é um serviço que me prestareis,
pois estou sinto-me muito ligado a ele. Conto partir para Paris em
dois dias, par aonde me dirigirei no fim da semana, isto é, dia 5,
salvo as ocorrências tão casuais deste mundo, mas não
prevejo nenhuma ocorrência que me impeça de tomar uma decisãoa
esse respeito. Assim, podeis, a partir de agora,
endereçar vossas cartas para: Maison Corberon, rua Barbette, nº
473, Marais, Paris. Não me deterei no caminho, conforme
vos informei, porque as pessoas em cuja casa eu deveria passar alguns momentos
estarão também em Paris mais cedo do
que contavam, motivo pelo qual vou encontrar-me com elas diretamente. Adeus,
meu caro irmão. Recomendo-me sempre
cada vez mais à vossa lembrança às vossas preces. Vossas
reflexões encorajam-me com relação às minhas
viagens, no
entanto, minha idade e os desenvolvimentos, com os quais a Providência
me gratifica todos os dias, ensinam-me também
que não seria insensato ficar em minha casa. Assim, terminado esse
trajeto, é provável que eu regresse ao abrigo para não
mais sair. SAINT-MARTIN
267 "No original, bem como na citação anterior, a frase
está no plural."
268 Verbalizar? Talvez não.
Carta 99 M
, 16 de novembro de 1796
É com grande prazer, caro irmão, que serei o emissário
entre vós e nosso amigo D., sabendo antecipadamente lhe com isso
lhe darei grande prazer. Ele prometeu dar-me seu endereço assim que
chegasse; então enviar-lhe-ei vossa carta sem
qualquer demora. Continuo esperando que, quando for feita a paz, ele venha
à minha pátria. Então tenho certeza de que
passará um boa parte do tempo comigo. Estou inteiramente decidido
a empreender a obra em questão. No entanto, é preciso
prevenir-vos de que não tenho a presunção de querer
lutar com o autor de Telêmaco. Considero esse livro uma obra-prima,
independentemente de seu mérito moral. E mesmo assim, certamente
não teria tempo de apenas expressar esse interesse
histórico, o encanto dos quadros, a riqueza das imagens, o conjunto
da narração e a decoração exterior à
minha obra que o
poema de Monsieur de Fénelon possui em grau tão elevado. Quanto
a esse ponto, ele se aproximará, salvo quanto ao estilo,
que está fora de meu alcance, mais da Viagem do Jovem Anacharsis
do que do Telêmaco, ou seja: que terá,
necessariamente. Muitas passagens despidas de enredo e interiormente didáticas,
mas, quanto à utilidade, elevação e
importância do assunto, ultrapassará a ambos. Neste momento,
a obra de Law proporciona-me uma satisfação muito grande
e, para que possais partilhar de meu prazer, vou transcrever-vos ainda uma
passagem que se segue imediatamente à que se
encontra em minha última carta.269 "You may now see, Academians
with what great reason I have called on you at your first
setting out, to this great point the total owing to self, as the only foundations
of our soul. Prety [our solid Piety. All
- N.T.] all
the fine things you heard or read of an inward and spiritual life in God,
all your expectations of the light an holy spirit of God,
will become a false food to your soul, till you only seek for them thro'
Death to self. Observe, Sir, the difference which cloaths
make in those, who have it in their Power to dress as they please: some
are all for shew colours and glitter; others are quite
fantastical and affected in their dress; some have a grave and solemn habit;
others are quite simple and plain in the whole
manner. Now all this difference of dress is only an outward difference that
covers the same poor carcase, and leaves it full of
all its own infirmities. Now all the truths of the Gospel when only embraced
and possessed by the old man, make only such
superficial difference, as is made by cloaths. Some put a solemn formal,
prudent outside carriage; other appear in all the glitter
and shew of religious colouring, and spiritual allaniments [attainments];
but under all this outside difference, there lies the poor
fallen soul, imprisoned, unhelped, in its own fallen state. And thus it
must be, it is not possible to be otherwise, till the spiritual
life begins at the true root, grows out of Death, and is born in a broken
Heart, an Heart broken of from all its won natural life.
Then self-hatred, self-contempt, and self-denial, is as suitable to this
new born spirit, as self-love, self-esteem, and selfseeking,
is to the unregenerate man. Let me, therefore, my friend, conjure you, not
to look forward or cast about for spiritual
advancement, till you have rightly taken this first step in the spiritual
life. And your future progress depends upon it: for this
depth of religion goes no deeper, than the depth of your malady; for sin
has its root in the bottom of your soul, it comes to life
with your flesh and blood, and breathes en the breath of your natural life;
and therefore till you die to nature, you live in sin;
and whilst this root of sin is alive in you, all the virtues you put on,
are only fine painted fruit hung upon a bedtree [dead tree].
Acad. Indeed, Theophilus, you have made the difference between true and
false religion as plain to me, as the difference
between light and darkness. But all that you have said, at the same time,
is as new to me, as if I had lived in a land, where a
religion had never been named.
But, pray, Sir, tell me how I am to take this first step, which you so much
insist upon. Theop. You are to turn wholly from
yourself and to give up yourself wholly unto God in this or the like twofold
forms of words of thoughts. O my God, with all the
strength of my soul, assisted by the grace, I desire and resolve to resist
an deny all my own will. Earthly tempers, selfish
views, and inclinations; every thing that the sprit of this world, and the
vanity of fallen nature, prompts me to. I give myself up
wholly an solely to thee, to be all thine, to have, and to do, and be, inwardly
and outwardly according to thy good pleasure. I
desire to live for no other ends with another design but to accomplish the
work which thou requirest of me. And humble,
obedient, faithful, than full instrument in the hands, to be used as thou
pleasest. You are not to content yourself, my friend,
115
with now-and then, or even many times, making this oblation of yourself
to God. It must be the daily, the truly exercise of your
mind; till it is wrought in to your very nature, and becomes an essential
state and habit of your mind, till you feel yourself and
habitually turned from all your own will, selfish ends, and earthly desires,
as you are from stealing and murder; till the whole
turn and bent of your spirit points as constantly to God, as the needle
touched with the loadstone does to the north. This, Sir,
is your first and necessary step in the spiritual life; this is the key
to all treasures of heaven; this unlocks the sealed book of
your soul, and makes room for the light and spirit of god to arise upon
it. Without this, the spiritual life is but spiritual talk, and
only assists nature to be pleased with an holyness that it has not."
["Podeis ver agora, Acadêmicos, com que grande razão eu
vos visitei em vossa primeira saída, a este ponto importante do total
dever a si mesmo, como o único alicerce de nossa sólida
piedade. Todas as coisas boas que ouvistes ou lestes sobre uma vida interior
e espiritual em Deus, todas as vossas
expectativas da luz e do espírito santo de Deus tornar-se-ão
uma alimento falso para vossa alma, até o irdes procurar n
Morrer para si mesmo. Observai, senhor, a diferença causada pelos
trajes naqueles que têm em seu Poder vestirem-se como
lhes apraz: alguns gostam de aparência, cores e brilho; outros bastante
espalhafatosos e afetados no modo de se vestirem;
outros têm um hábito grave e solene; outros são bem
simples e modestos em toda a sua maneira. Ora, toda essa diferença
de roupagem é apenas uma diferença exterior que cobre a mesma
pobre carcassa, deixando-a cheia de suas próprias
enfermidades. Todas as verdades do Evangelho, quando somente abraçadas
e possuídas pelo velho homem, fazem apenas
uma diferença superficial, como a que é feita pelos trajes.
Alguns adotam uma postura formal solene e prudente; outros se
mostram em todo o brilho e exibição de cores religiosas e
conquistas espirituais; mas, sob essa diferença externa jaz a pobre
alma decaída, aprisionada, desajudada, em seu próprio estado
de queda. Assim deve ser, e não pode ser de outra maneira,
até que a vida espiritual desponte na verdadeira raiz, procedendo
da Morte, nascendo num Coração quebrantado, um
coração quebrantado de toda a sua própria vida natural.
Então o ódio e o desprezo a si mesmo bem como a abnegação,
são
tão adequados ao espírito recém-nascido como amor a
si mesmo, auto-estima e a busca de si o são para o homem não
regenerado. Vamos, portanto, meu amigo, conjurar-vos a que não olheis
para adiante nem lanceis o olhar em volta à procura
de progresso espiritual até que tenhais dado esse primeiro passo
na vida espiritual. E todo o vosso progresso futuro depende
dele: pois essa profundidade religiosa não vai mais fundo do que
a profundidade de vossa enfermidade; pois o pecado tem
suas raízes no fundo de vossa alma e vem à vida junto com
vossa carne e sangue e respira na respiração de vossa vida
natural; e assim, até morrerdes para a natureza, viveis em pecado;
e enquanto essa raiz de pecado estiver viva em vós,
todas as virtudes que envergardes serão apenas finos frutos pintados
que pendem de uma árvore morta. Acad.
Verdadeiramente, Theophilus, tornaste-me tão clara a diferença
entre a religião falsa e a verdadeira como a diferença entre
as luz e as trevas. Mas, ao mesmo tempo, tudo o que dissestes é tão
novo para mim como se eu houvesse vivido numa terra
onde uma religião nunca fora mencionada. Mas, rogo-vos, senhor, dizer-me
como é que devo dar esse primeiro passo, no
qual tanto insistis. Theop. Deveis voltar-vos completamente de vós
mesmo e dar-vos inteiramente a Deus nessa ou nas
formas dúplices parecidas de palavras e pensamentos. Ó meu
Deus, com toda a força de minh'alma e assistido pela tua
graça, desejo e resolvo resistir ao meu próprio desejo e renegá-lo.
Humores terreais, visões e inclinações egoístas;
todas as
coisas que o espírito deste mundo e a vaidade da natureza decaída
me incentiva a fazer. Dou-me por inteiro e unicamente a
ti, para ser todo teu, para ter e fazer e ser, interior e exteriormente,
de acordo com o que mais for de teu agrado. Não desejo
viver para outras finalidades, sem outro propósito senão o
de cumprir a obra que de mim requeres, e ser instrumento
obediente e fiel, inteiramente nas mãos, para ser usado como te aprouver.
Não deveis contentar-vos, meu amigo, em fazer
esta oblação de vós mesmo a Deus de vez em quando,
ou mesmo muitas vezes. Ela deve ser o exercício diário e verdadeiro
de vossa mente; até que tenha trabalhado dentro de vossa verdadeira
natureza, tornando-se um estado essencial e um
hábito de vossa mente, até sentirdes a vós mesmo e
habituado a vos afastardes de toda a vossa própria vontade, propósitos
egoístas e desejos terreais, assim como vos afastais do roubo e do
homicídio; até que a propensão de vosso espírito
esteja
apontando constantemente para Deus, assim como a agulha tocada pelo ímã
aponta para o norte. Isto, senhor, é o vosso
primeiro e necessário passo na vida espiritual; é a chave
de todos os tesouros do céu; revela o livro selado de vossa alma,
dando espaço para que a luz e o espírito de Deus se ergam
sobre ela. Sem isso, a vida espiritual não passa de conversa
espiritual, e somente ajuda a natureza a se contentar com uma santidade
que não possui." Com esta amostra, caro irmão,
podeis julgar o que Law ensina sobre a prática. Ele não é
menos interessante quanto à teoria. Ensina, por exemplo, do
mesmo modo que nosso amigo B., que era preciso haver um elemento primitivo
e intermediário entre a potência criadora e as
coisas temporais. Pelo que suponho, percebestes essa grande verdade há
muito tempo, caro irmão, que é de uma
fecundidade maravilhosa, antes de haverdes lido os escritos de B. Julgo
isso por uma bela passagem que se encontra à
página 60 do 1º volume do Quadro Natural. Mas ficareis sobretudo
contente com a maneira pela qual Law explica, de acordo
com nosso amigo B., todas as dificuldades do assunto tratado nos primeiro
parágrafos do nº 6 do Quadro. De acordo com a
bela e luminosa explicação de Law, nossas idéias da
bondade permanente de Deus permanecem, com relação a esse
acontecimento, em toda a sua integridade. Não é uma tentação
nem uma punição arbitrária que se seguiu à transgressão
da
lei: essa lei era uma advertência paterna e a punição
uma seqüência prevista e inevitável, mas a bondade divina
derramou
logo o óleo salutar nessa chaga: By the seld [seed] of the Woman
[Pela semente da Mulher]. Todas as medidas dessa
redenção espantosa, a única possível, foram
tomadas no mesmo momento para tirar o homem dessa queda, sobre a qual
língua alguma tem qualquer expressão forte o bastante para
exprimir-lhe a grandeza. Nesse mesmo nº 6 do Quadro Natural
há uma passagem notável, à p. 94, onde no último
parágrafo se fala da identidade das leis entre a luz elementar e
a luz
intelectual. Essa descoberta é clara, mas o que não é
tão claro é a passagem que lhe segue: "Não é
sem razão que a luz
elementar está no nível dos mais admiráveis fenômenos
da natureza material, uma vez que ela não pode ser completa em
116
sua ação e efeitos sem exercer e pôr em ação
os quatro pontos cardinais da criação universal. Estou encantado
por terem
tomado a decisão de ir à Paris diretamente, pois com isso
evitastes viajar durante o inverno e, embora minha impaciência em
ver-vos tenha sofrido com o adiamento de vosso projeto, acho, no entanto,
que agi bem por não vos ter encorajado a viajar
no mês de outubro. Aqui, neste ano, brumário, frimário,
ventoso e pluvioso aconteceram todos de uma vez. Além disso,
recebi ordem de comandar um regimento de infantaria, no caso em que fossem
aumentadas as tropas mantidas pela
república ao longo de nossas fronteiras no Reno para fazer com que
fosse respeitada a neutralidade helvética durante a
retirada do general Moreau. Mas espero que nada possa desviar-vos de vosso
projeto de viagem para a próxima primavera.
Confio na vossa resolução sobre esse assunto, tanto mais que
vejo, através de vossa carta, que não houve ocorrência
de
desenvolvimento algum que vos tivesse feito determinar o contrário.
Além disso, tenho certeza de que uma viagem
empreendida no tempo bom é mais útil do que nociva à
saúde, fortificando-a quando se fazem paradas no caminho, como
fazeis; e rogo-vos mesmo, com esse fim, que não tomeis a resolução
de mais fazerdes viagens além daquela de que
tratamos. Eu, que sou mais velho do que vós, prometo que iria ver-vos
se fosse tão livre quanto vós. Adeus, meu caro irmão,
não vos esqueçais de mim em vossas preces para me ajudardes
a terminar meu percurso; peço-vos isso. KIRCHBERGER
DE LIEBISTORF
269 Neste trecho foi usado no diálogo o pronome pessoal vós
por tratar-se de inglês antigo, em que a forma you era apenas
plural. O singular (encontrado nas linguagens literária e religiosa),
hoje em desuso, apresenta thou (pronome sujeito) thee
(caso objetivo, o nosso pronome oblíquo), thy (adj. poss.), thine
(pr. poss.), e thyself (pr. reflexivo). Alguns destes surgirão na
prece, com a desinência verbal est: pleasest, requirest.. Também
se notarão algumas formas antigas: cloaths (clothes), shew
[show], carcase [carcass], holyness [holiness].
Carta 100 1º de novembro de 1796
Quando escreverdes ao nosso amigo D., meu caro irmão, podereis dizer-lhe
que vi aqui uma de suas duas amigas, a mais
ilustre e a que foi mais infeliz, que me encarregou de mil coisas. Ela veio
a Paris para tratar de seus assuntos, que são
sempre desorganizados e bastante incertos. A outra amiga permaneceu em Meaux
e não a vi, mas sei que vai bem e que ele
é tão caro a uma quanto a outra. A passagem de Law que me
enviastes me toca por sua correção e sua verdade. Em
Mademoiselle Morignon encontro várias semelhantes a ela. Todos os
dias vou ler alguns trechos de suas obras na nossa
Biblioteca Nacional, não consigo achá-las em parte alguma
em Paris e já encarreguei um livreiro de escrever para a Holanda
a fim de que as consigam para mim. Em vão escrevi sobre esse assunto
para Lyon e Estrasburgo. Se em vossos cantões
eles fossem encontrados com mais facilidade, eu vos encarregaria de fazê-lo
para mim. Nosso amigo B. me parece útil às
nossas luzes tanto quanto Bourignon me parece útil à nossa
salvação. Ultimamente, procurando num "sebo" num
dos
cais270, encontrei um volume desinteirado de suas obras contendo a metade
da luz nascida em trevas. O volume custou-me
apenas um vintém; não valia a pena ficar sem ele e, com toda
certeza, por mais desinteirado que fosse, o comerciante não
me logrou e, se ele ficou contente, eu também fiquei. O mesmo não
digo de minha estada em Paris. Não posso descrevervos
a sufocação experimentada por meu espírito ao chegar
aqui e, desde que aqui estou, encontro o ânimo tão alterado
que
me parece estar vendo o cumprimento do capítulo 13 de Isaías
sobre Babilônia. Os homens que vejo correndo nas ruas e
enchendo a cidade parecem outros tantos dragões, pássaros
noturnos e animais selvagens. Apesar de meu desejo de vervos
e de vossas reiteradas inteligências, devo dizer-vos que razões
provindas das reflexões mais profundas ainda do que
meus desejos parecem suspender esse projeto, ou pelo menos adiá-lo.
Eu me afligiria mais com isso se não conhecesse
vossa intenção de retirar-vos dos negócios e a possibilidade
conseqüente de cumprir a resolução que tendes de virdes
encontrar-vos comigo, se estivésseis livre. Continuo à espera
do prazer de vos ver e esse prazer será bem vivo para mim.
Provavelmente não estarei mais em Paris então, porque aqui
sofro muito, parecendo-me que o próprio ar está infectado
em
comparação com as margens tão puras do meu Loire. Assim,
que houver terminado alguns compromissos que aqui me
trouxeram, retornarei bem depressa para minha terra natal, onde já
saboreei alegrias bem agradáveis e bem vivas, segundo
o espírito. Mas, embora lá tenha somente um abrigo, meu desejo
de receber-vos me fará tomar providências para que nada
vos falte. Fazeis muito bem em persistir no vosso projeto de obra, creio
que ele será útil. Quanto a mim, sinto dificuldades a
cada dia no tocante à escrita: sinto-me arrastado a uma outra linha
de ocupação, limitando-me a tomar anotações.
O que me
perguntais com respeito à luz que só acontece como concurso
dos quatro pontos cardeais liga-se ao desenvolvimento ativo
do grande quaternário que é o ponto central de todas as coisas.
Voltai ao princípio do amigo B. sobre a quarta forma que é
a
explosão do fogo e vereis que ele e eu dissemos exatamente a mesma
coisa, exceto que ele leva sua idéia à própria região
radical, ao passo que eu não descrevi esse fenômeno senão
na ordem física. Mas fica bem claro que não há uma
simples e
única lei para todas as regiões, e como essa luz é
uma oscilação alternativa com as trevas, isso vos mostra a
sístole e a
diástole da natureza, que é, ela própria, a imagem
da aliança indissolúvel. Cada uma de suas idéias seria
uma mina
inesgotável e eu deixo ao vosso espírito o cuidado de pesquisá-la
mais. Apesar do projeto de voltar para minha casa, podeis
continuar a escrever para aqui até novo aviso. Não partirei
antes de algumas semanas. Adeus, meu caro irmão, continuo
recomendando-me às vossas preces. Embora eu não simpatize
com Paris, simpatizo com os amigos que reencontrei aqui e
com os quais passo agradáveis momentos. E só uma força
mais poderosa ser pode obrigar-me a abandonar essas alegrias.
SAINT-MARTIN
117
270 Os cais são os locais onde se encontram livros antigos. Diz o
original: "em bouqu inant ici sur un quai". Os proprietários
dos "sebos" parisienses são chamados bouquinistes, de bouquin,
alfarrábio, livro velho.
Carta 101 17 de dezembro de 1796
No dia seguinte à partida de minha última carta, que vos enviei
de Paris, meu caro irmão, recebi uma carta de nosso amigo
Divonne, que, depois de uma penosa navegação, Chegou perfeitamente
bem a L[ondres] Sua carta está cheia daquilo que
Law chama the spirit of love. Ele solicita que lhe vos dê notícias
vossas e das pessoas que lhe interessam na França. O
verdadeiro sentida da passagem de sua antepenúltima carta: "Ó
verdade, ó luz, ó vida, etc.,", é explicado por
ele pelo
capítulo 28 de Jó, v. 22. Vede a explicação
do livro de Jó, de Madame G
, fácil de se achar em Paris.
Respondi-lhe
imediatamente, inserindo vossa carta na sua, que ele já deve ter
recebido. Sou infinitamente apegado a ele. Fiquei
encantado por terdes travado conhecimento com Mademoiselle Bourignon. Essa
excelente jovem nos dá conselhos muito
bons e a salvação merece as luzes271, e embora nosso amigo
B. com toda certeza não negligencie uma nem outra, já tomei
as providências necessárias para obter para vós o seus
escritos e reiterarei minhas buscas: com tempo e paciência espero
conseguir. O que me informais sobre estado atual de vossa capital está
inteiramente conforme à idéia que eu fizera dela:
essa cidade inclina-se numa progressão assustadora par o seu grau
de plena maturidade. A propósito, encontrareis esse
quadro de Paris em Mademioselle B
, e também no nosso amigo
B., mas não com tantos detalhes. Espero que vosso
projeto de viagem esteja apenas adiado, e não suspenso, pois não
ouso nutrir a esperança de ver-vos em vossa terra. Faço
tudo o que posso para liberar-me de meus negócios. Todavia, provavelmente
sempre os terei em número suficiente para
forçar-me a ficar em casa. Além do mais, confio em que a Providência
encontre os meios de nos aproximar se quiser
conceder-me esse prazer que desejo tão vivamente. Muitos agradecimentos
pela explicação dos quatro pontos. Estou a cada
dia mais contente com a obra de Law. Lembro-me e que nosso amigo D. me dizia,
antes de partir de M
: If you desire God
you have him272. Eis como Law desenvolve essa máxima: "The spiritual
life is a[s] truly a vegetation as that of plants; and
nothing but its own hunger can help it to the true food of life; this hunger
of the soul ceaseth, if contained dies [it withers and
dies], tho' in the midst of divine Plenty, our Lord, to shew us that the
new Birth is really a state of spiritual vegetation,
compares it to a small gum [grain] of unstaid [of mustard
] seed, from
whence a great Plant arises. Now every seed has life
in itself, or else it could not grow. What is this life? It is nothing else
but a hunger in the seed, after the air and light of this
World, Which hunger, being met and fed by the light and air of nature, changes
the seed into a living Plant. Thus it is with the
seed of heaven in the soul: it has a life in itself, or else no life could
arise from it. What is this life? It is nothing else but an
hunger after God and heaven; Which no sooner it stirs, or is suffered to
stir, but it is met embraced ad quietened [quickened]
by the light and spirit of God and heaven, as a new plant from a seed (is)
in the earth." ["A vida espiritual é uma vegetação
tão
verdadeira como a das plantas; e nada, a não ser sua própria
fome pode ajudá-la a encontrar o verdadeiro alimento da vida;
essa fome da alma cessa, murcha e perece, embora em meio à divina
Abundância. Nosso Senhor, para mostrar-nos que o
novo Nascimento é realmente um estado de vegetação
espiritual, compara-o a um pequeno grão de semente de mostarda,
do qual brota a grande Planta. Ora, toda semente tem vida em si, pois de
outro modo não poderia crescer. Que é esta vida?
Nada mais é do que a fome da semente, pelo ar e pela luz deste Mundo,
fome a Qual, quando é encontrada e alimentada
pela luz e pelo ar da natureza, transforma a semente em Planta viva. Assim
acontece como a semente de céu na alma: tem
vida em si, pois de outro modo nenhuma vida brotaria dela. Que vida é
essa? Nada mais do que fome de Deus e do céu; a
qual mal começa a mexer-se ou é mexida, mas é encontrada
abraçada e ativada pela luz e o espírito de Deus e do céu,
como uma nova planta que nasce de uma semente está na terra"-
N.T.] Procurai, meu caro irmão, conseguir esse livro, cujo
título é: The Spirit of Prayer273, etc. Antes de terminar
minha carta, preciso citar-vos ainda uma passagem: "No creature can
be a child of God, but because of the Goodness, of God is in it; now [nor]
can it have any union or communion with the
Goodness of the Deity till his life is a spirit of love. This is the one
only Band of Union betwixt God and the creature. All
besides this, or that is not this, call it by what name you will, is only
so much error, fiction, impurity, and corruptions into the
creature; and must of all necessity be entirely separated form it, before
it can have that purity and holyness which alone can
see God, or find the divine life. For as God, is an immutable Will to all
goodness, so the divine Will can unite or work with him
only which is good, pure: the necessity is absolute; nothing will do instead
of this Will; all contrivances of holyness, all form[s]
of religious Piety, signify nothing with out this will to all Goodness."
[Criatura alguma pode ser filha de Deus, exceto pela
Bondade, de Deus que nela existe; nem pode ter qualquer união ou
comunhão com a Bondade da Deidade até que sua vida
venha a ser um espírito de amor. Esta é a única Faixa
de união entre Deus e a criatura. Tudo o mais além disso,
ou que não
seja isso - dai-lhe o nome que quiserdes - é apenas muito erro, ficção,
impureza e corrupção na criatura; e é preciso que toda
necessidade seja inteiramente separada dela antes que ela possa ter aquela
pureza e santidade que é a única que pode ver
a Deus ou encontrar a vida divina. Pois como Deus é um Desejo imutável
para todo bem, assim o divino
Desejo pode unir ou trabalhar apenas com aquele que for bom e puro: a necessidade
é absoluta; nada substituirá seu
Desejo; todas as artimanhas da santidade, todas as formas de Piedade religiosa,
nada significam sem esse desejo de toda
Bondade."- N.T.] Abraço-vos de todo o coração,
meu caro irmão, e solicito que continueis a orar por mim. KIRCHBERGER
DE LIEBISTORF
118
271 Alusão irônica ao rei Henrique IV, huguenote, que ao adotar
o catolicismo para poder reinar, dissera: "Paris vaut bien
une messe." [Parece merece uma missa. - ou: "vale bem uma missa",
conforme outras traduções.] Também poderíamos
ter
dito; as luzes valem a pena pela salvação.
272 Se desejardes Deus, tê-lo-eis.
273 O Espírito da Prece.
Carta 102 Paris, 8 de janeiro de 1797
Tenho certeza, caro irmão, de que se recebêsseis as cartas
de nosso amigo D. para mim, não tardaríeis em mas enviar,
e de
que também recebestes minha resposta à vossa última
carta de 17 de dezembro. Eis o motivo pelo qual não apressei em vos
escrever, sem contar que minhas ocupações habituais me forçam
algumas vezes, contra a minha vontade, a dar detalhes
mesmo em minhas mais agradáveis correspondências. Se escreverdes
a esse bom amigo, podeis dizer-lhe que depois de
minha última carta, vi sua segunda amiga, a Condessa Julie, que ainda
gosta muito dele e a quem proporcionei grande
satisfação ao lhe dar notícias suas. Aceito de boa
vontade a sua explicação sobre as palavras em questão,
pelo capítulo 88
de Jó, v. 22, mas estou pouco satisfeito com a explicação
dada por Mademoiselle G
a essa passagem de Jó: isso me
parece forçado e possivelmente salta alguns graus intermediários
entre a letra da passagem e a profundeza que
Mademoiselle G
lhe empresta. Em geral sou mais levado por Mademoiselle
B
do que pela outra. Sua raiz talvez não seja
tão tenra, mas é mais pronunciada, e isso no sentido que me
convém. Agradeço-vos antecipadamente por vossas buscar
para conseguir-me suas obras. Minha idéias sobre Paris mantém,
confirmando tudo o que aprendo de diversas fontes sobre
a sorte que espera essa grande Babilônia. Assim, insisto no propósito
de afastar-me dela, não que deixe de reaproximar-me
um dia e de lançar-me em seus arredores, projeto que acalento há
muitos anos e que realizarei quando meus meios
pecuniários forem restabelecidos. Com isso, poderei aproveitar os
recursos que esta capital oferece em vários aspectos, e
sem ficar mergulhado em sua atmosfera que, tanto no moral quanto no físico,
não me parece própria senão para espalhar a
infecção. Apraz-me também acreditar que minha viagem
à vossa terra só foi adiada, mas ignoro totalmente quando
me será
possível satisfazer-me este gosto. As passagens de Law que me enviastes
parecem-me cada vez mais verdadeiras e
importantes, e embora o amigo B. nos dê essas grandes verdades em
bloco, embora eu próprio haja dela recebido traços
sensíveis pessoalmente, sempre causa um grande bem vê-las descritas
em outros contextos, onde tomam nova cor e outro
caráter. Bem que gostaria de ter condições de conseguir
essa excelente obra, mas vejo que para isso ainda teria de recorrer
a vós. Creio que é ao amigo D
que é preciso dar
esse encargo; ele está no local e nada deixará de fazer para
prestar-me
esse serviço. Gostaria também de que ele me obtivesse as obras
de Böhm que não constam da tradução de Law e que
foram traduzidas por outros, especialmente suas cartas. Ser-lhe-á
fácil conseguir o que falta na tradução inglesa de
Law
Ficar-lhe-ei grato se ele as acrescentar ao Spirit of Prayer, e enviar tudo
através de vós, tendo o cuidado de cobrir
imediatamente a todas as despesas, pela via que quiserdes indicar-me. Já
me ia esquecendo de dizer-vos que, entre as
diversas sendas que se apresentam em grande quantidade à minha volta,
encontro alguns vestígios das sociedades
destrutivas de que outrora me falastes em vossas cartas. Não é
que estas ofereçam os mesmos projetos nem a mesma
maldade, mas, por seu fanatismo parecem-me atingir o mesmo fim: assim, mantenhome
à parte desse rudes cristãos que
nada aprendem além da fúria numa escola que só ensina
indulgência e amor. Não terminaria se vos contasse todos os
diferentes anúncios, profecias e revelações que me
inundam de todos os lados. Escuto tudo, mas atenho-me ao meu tema,
de que estamos seguramente aproximando-nos de uma grande época, mas
que é preciso ficar em guarda contra todas as
asserções que nos fazem, tanto sobre o mundo quanto sobre
o tempo de sua execução. Quanto à época, é
anunciada de
uma maneira por demais geral para que lhe creiamos, quanto à forma
e à hora, é anunciada com variedades demais para
que a possamos ter como base. Ainda não vi o Barão de Krambourg
e não sei se o verei: ele não sabe que estou aqui e é
possível que eu parta antes que fique sabendo. Entretanto, confessar-vos-ei
que ainda fico aqui por uns momentos e
provavelmente terei tempos de receber notícias vossas. Tive tantas
novas sobre o núcleo radical da associação humana para
não deixar de resistir a colocá-las por escrito. Meus amigos
me pressionaram em seguida para publicá-las e deixei-me levar
pela vontade deles. Neste momento, estamos ocupados com a impressão
desse escrito, que será quase tão volumoso
quanto a minha Carta a um Amigo sobre A Revolução Francesa,
mas não abrange tantos assuntos quanto essa carta que,
talvez, abrangia demais. Haverá, talvez, um outro inconveniente,
o de não atingir com bastante força os olhos do vulgo.
Quanto ao mais, só faço essa obra para satisfazer à
minha consciência, que se sente levada a propagar da melhor maneira
possível o reino e a soberania de Deus e, seja qual for a opinião
dos homens e os frutos que colherem de meus pobres
esforços, terei cumprido minha tarefa quem apraz-me acreditar, ser-me-á
creditada junto ao nosso Soberano Mestre. Isso
basta para encorajar-me e dar-me paciência para com os acontecimentos,
sejam eles o que forem. Adeus, meu caro irmão,
tende sempre amizade por mim e orai por mim. Pagar-vos-ei de volta com todo
o meu coração e de acordo com todos os
meios que tiver. SAINT-MARTIN
Carta 103 Berna, 22 de janeiro de 1797
Apresso-me, caro irmão, a dirigir-vos uma carta que acabo de receber
de nosso amigo Divonne. Temia que ele não houvesse
recebido a vossa que eu fizera chegar às suas mãos e fiquei
muito contente quando ele me livrou de apuros. Vi, por sua
carta, que travou conhecimentos muito bons em Londres, dentre os quais um
homem que conhece Law a fundo, o qual me
119
enviou algumas passagens desse excelente autor. Nosso amigo atualmente reúne
o que pode de Law, e irei encarregá-lo
das comissões que me destes em vossa última carta. É
fora de dúvida que a época atual traz um caráter distintivo
impossível
de desconhecer. Percebo, mais do que nunca, por minha própria experiência,
que os bons se buscam e procuram unir-se,
enquanto os maus fazem o mesmo entre si. Também bastante fácil
o zelo transformar-se em arrebatamento, sobretudo numa
nação tão viva quanto a vossa, mas essa disposição
está for distanciada do verdadeiro espírito do Cristianismo:
The spirit of
love is the only bond of union bit wixt [betwixt] god [God] and the creature.
All beside this, or that is no this, call it by what
name you will, is only so much Error, Fixion, Impurity, and Corruption[s],274
diz nosso amigo Law. Uma vez que recebestes
tantos quadros e pré-cognições sobre a época
atual, é necessário que eu lhe aumente o número com
o trecho de uma carta
que acabo de receber de nosso amigo de Munique: "Das Kommende 1797,
Jahr wird ein merdwürdiger Iahr werden, es
werden grosse Zusammemtretungen, Coalitionen: Verschwörungen entstehen:
die Bösen werden sich zusammenrotten, die
Güten werden die guten antsuchen. - Alles was getheit war wird suchen
eine Wesenheit zu erhalten. - In den mittagegen
gegend wird besondress vorfallen. Man wird Bauen und Sturmwinde werden die
gebande einiwerfen; Fundamente wird man
legan und die Erde wird unter den Steinen weichen. Wunderbare Reformationen
werden in project seyn; und binnen der Zeit
de Babylon bauet, im aussern bauet, wird der Geist des Herren im Innarein
sein gorsses Werken vollenden. " [O ano entrante,
1797 revelarse- á digno de nota. Ocorrerão muitas reuniões,
coalizões, e conspirações. Os maus correrão
juntos e os bons
procurarão o bem. Tudo o que foi dividido lutará por coalesce.
Nas regiões do sul, especialmente, ocorrerão coisas
extraordinárias. Os homens construirão e os furacões
derrubarão as construções; lançar-se-ão
alicerces, somente para
serem destruídos, pois a terra tremerá sob eles. Grandes reformas
serão tentadas e, enquanto Babilônia estiver construindo
do lado de fora, do lado de dentro o Espírito do Senhor concluirá
sua grande obra.]
[Quadro com algarismos] "Dieses is das Zahlenbild des 1797 Jahrs."
[Esta a a Figura do Horóscopo do ano 1797:]
24
26
46
18
85
21
91
120
98
96
"Diese Zahlen sind merk wurding." [Estes algarismos são
impressionantes.] Espero que me envieis passar um exemplar de
vossa nova obra sobre a origem da associação humana. Ela poderá
passar em Basiléia, pela diligência que vai de Basiléia
para Berna, pelo coche, ao meu endereço, aos cuidados de: Senhor
Coronel Oser, Basiléia. Tenho os mesmos sentimentos
que vós, no tocante ao nosso trabalho. Adeus, meu caro irmão,
abraço-vos de fundo de meu coração, e confio na promessa
que me fizestes no final de vossa carta; confiai também na minha.
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
274 Veja Carta 101, p.
Carta 104 26 de fevereiro de 1797
Talvez estejais inquieto, meu caro irmão, pela carta que me escrevestes
no mês passado e que continha a de nosso amigo
D., mas foram somente a minha preguiça e minhas numerosas ocupações
que me mantiveram por tanto tempo em silêncio.
Rompo-o, por fim, para agradecer-vos o envio que me fizestes. Esse digno
amigo é realmente o espírito do amor. Espero, de
agora em diante, poder escrever-lhe sem tomar um caminho tão longo
como este, que representa um grande desvio. Pelo
menos, gabo-me disso, mas se não for possível, recorrerei
então à vossa vontade, como de costume. Agradeço-vos
também
pela nota em alemão que me enviastes. Não podemos duvidar
de que encerre verdades, pois que, mal começou o ano, já
vemos muitas delas confirmadas: julguemos a partir delas, julguemos o que
devemos esperar no resto de seu curso. Eu bem
poderia, a rigor, encontrar um sentido para cada um dos nove números
associados, com os quais vosso amigo explica a
tábua numérica que vos envia, mas também poderia não
encontrar seu verdadeiro sentido: assim, detenho-me. Todavia, o
que percebo parece-me ligado aos princípios, casando-se muito bem
com minhas idéias pessoais, porém conheceis minha
reserva nesse tipo de especulações, é porque não
vos falo disso mais amplamente. Um banqueiro desta região encarregouse
de fazer chegar a mim em Basiléia, ao coronel Oser, o exemplar da
associação humana 275 que vos destinei. Não sei se
partiu ou não. Nele nada vereis que vos seja importante conhecer,
já que conheceis as bases em que me apóio. Assim, não
é para aqueles que estão bem que formulei esse remédio,
mas para os doentes. Seu número é grande e o hospital é
vasto.
Percebo isso cada vez mais na Babilônia em que habito: a tarefa é
vasta e, apesar de todos os projetos de retornar à minha
terra, é possível que meu dever me retenha aqui mais tempo
do que eu contava. Como isso me vem naturalmente e eu não
dê, nesse particular, um só passo por minha vontade humana,
creio que deva deixar-me guiar pelas circunstâncias,
sobretudo, quando elas se apresentarem de maneira a empregar-me de acordo
com o que sou e para a utilidade de meu
próximo. Sob esse ponto de vista, tenho tido, já faz algum
tempo, percepções agradáveis, sentindo grande inclinação
para
entregar-me a elas. Assim, podeis continuar a enviar vossas cartas a Paris,
para o mesmo local, até eu vos enviar um novo
endereço, pois em breve terei de deixar a casa em que estou por circunstâncias
de negócios da família que a possui. Eu bem
gostaria de que me fosse possível satisfazer o desejo que tenho de
visitar-vos, mas, apesar de todo meu empenho para esse
encantador encontro, ainda não vejo quando, nem como ela poderá
acontecer. Enquanto espero, recomendo-me à vossa
amizade & às vossas preces. SAINT-MARTIN
274 Veja Carta 101, p.
275 Em minúsculas no original.
Carta 105 Berna, 13 de abril de 1797
Há muito tempo já, meu caro irmão, eu teria respondido
à vossa carta de 16 de fevereiro se não houvesse sido inundado
por
uma torrente de negócios de todo tipo, e sobretudo por uma multidão
de assuntos públicos que era preciso redigir e preparar
para serem relatados ao nosso Grande Conselho. Embora eu tenha podido livrar-me
de três comitês, restam-me ainda
quatro, dentre os quais o de uma revisão de nossos procedimentos
criminais e de uma nova organização dos tribunais
relativos a esse assunto, porque o aumento rápido de nossa população
tornou-a necessária. Durante essa demora, Monsieur
Oser fez chegar às minhas mãos o "Éclair sur l'association
humaine276 Permiti, caro irmão, que eu vos agradeça pelo belo
presente que me fizestes dessa excelente obra, não somente a mim,
mas também aos nossos amigos, os homens. Felicitovos
pela forma que sobrestes dar a essa obra, que considero uma obra-prima:
Tornastes claras as coisas mais abstratas;
embelezastes uma extensão imensa com uma dicção brilhante
e uma multidão de imagens; conseguistes isso sem vos
desviardes da mais rigorosa lógica e sem estenderdes vosso trabalho
para além dos limites de uma dissertação; mesmo
caminhando nas pegadas de Rousseau, vós o ultrapassastes; mas o que
me impressionou acima de tudo é que dissestes
coisas novas inteiramente opostas à maneira comum de pensar; remontastes
à fonte de melhor governo e da mais sublime
religião sem ferir qualquer opinião formada. Eis aí,
meu caro irmão, como seria preciso escrever par despertar e atngir
os
homens. Mas vamos à essência de vossa obra. Dizeis muito bem
o que jamais foi dito por qualquer escritor: que um homem
que nada possuísse jamais poderia, segundo os sistemas comuns, tornar-se
membro de qualquer sociedade. Em seguida
ergueis o véu que cobria o núcleo do pacto social, indicais
o verdadeiro defeito dos sistemas comuns, o de que quererem que
a ordem moral derive somente da região das sensações
animais. Fizestes ver o absurdo do princípio do qual partiram todos
os escritores, de que o próprio homem tinha de fazer as leis segundo
as quais deveria viver. Reabilitastes uma idéia principal
121
que subscrevo de todo coração e que nenhum dos governos jamais
deveria perder de vista, ou seja: a de que não há
verdadeiro governo a não ser o teocrático. Certamente isso
é uma grande verdade, mas não vos detenhais num caminho tão
belo, caro irmão, e continuai a mostrar aos homens como é
que eles podem ver com clareza através dos escombros que os
cercam e os subjugam; em nome do que há de mais sagrado, ensinai-lhes
como é que eles podem rasgar o véu que lhes
encobre a luz que poderia ainda dirigi-los em seu abismo. Na página
38 mostrais que nosso amigo B., que jamais leu
qualquer dos escritores, sabia mais do que eles sobre os princípios
que devem servir de base à teoria das associações
humanas. Mas, repito-o, caro irmão, continuai com vossos escritos
a afastar e a destruir os obstáculos que os impedem de
ver a luz resplandecente que pode e deve servir-lhes de guia. Dir-me-eis
que isso eu já fiz. É verdade, mas o livro das
essências que contém verdades admiráveis é um
livro enigmático, ao alcance apenas de um pequeno número de
leitores:
um impostor forneceu a chave dele, que é quase a seqüência
publicada por um escroque. O Quadro Natural, muito mais
claro e minha obra predileta, repousa em bases alegóricas e escondidas;
e chegou o tempo em que não é preciso mais nos
servirmos de alegorias, mas de pregar do alto dos telhados e revelar as
coisas mais secretas, quando elas tendem à
reabilitação da espécie humana. O Novo Homem é
um livro, mas a época atual só exige uma dissertação,
escrita com a
eloqüência rápida que fere como o raio. Dir-me-eis que
não se deve atirar pérolas aos porcos. É verdade, mas
os profanos
não vos lerão, quer sejais claro ou obscuro, prolixo ou conciso.
Somente os homens de desejo vos lerão e tirarão proveito de
vossa luz; dai-lhes a luz tão pura quanto possível, e também
tão desvelada quanto possível: a própria novidade dessa
luz
espalhará em vossos escritos um encanto que arrastará os indecisos
com um poder irresistível. Indicai aos homens, em cada
página, como eles podem aproximar-se do pensamento universal e divino
que deve ser o alimento do homem-espírito e que
deve dirigi-los em todas as sendas tortuosas desta vida. Vosso "Éclair"
veio muito a propósito, num momento em que as
novas eleições podem contribuir para terminar, deter essa
torrente de sangue que inunda a Europa. Dizeis perfeitamente
bem em que consiste a soberania do povo: não reside, com toda certeza,
na quimérica vontade geral e é por isso que nós,
republicanos, jamais a admiramos. Na página 84 revelais uma idéia
sublime que conduz o homem a julgar qual foi o mais
sábio legislador e o melhor administrador da terra. Recebei também
os meus cumprimentos pela bela passagem em que
dizeis que sobre os lagos de sangue ouvis planar a voz das nações
que clamam: "Vitória! Glória! Liberdade!", sem permitir
ao
ouvido o tempo de discernir o sentido de todas essas imposturas. Não
vos deixeis desencorajar, meu respeitável amigo,
continuai sempre a mostrar, sob formas diferentes, as condições
indispensáveis para se voltar ao termo. Desmascarais a
falsa doutrina, que considera a religião apenas como um simples freio
político, um espantalho que os legisladores fazem
muito bem em mostrar ao povo para subjugá-lo com mais facilidade.
- Bravissimo. Uma coisa essencial no primeiro escrito
que ireis publicar será ensinar a vossos compatriotas o que é
o fanatismo; no momento, ignoram-no. Cumprimento-vos, caro
irmão, por toda a página 98. Estou inteiramente convencido
da chegada desse tempo. Enquanto aguardo, exorto-vos a
ajudar, com todos os vossos esforços, a preparar os homens e a reabilitar
neles a coisa religiosa em sua integridade radical.
Vosso presente escrito é um grande esclarecimento, um raio que pode
atingir os homens de boa vontade e fazê-los ver que
se encontram dentro de uma noite profunda, porém, nesse esclarecimento
fazei brilhar uma luz nas trevas, uma luz que não
desapareça como um raio e que lhes sirva de guia para que atinjam
seu destino; ensinai-lhes como eles podem pôr em ação
o próprio ser para chegarem à plenitude de sua medida e tornar-se
completamente homens de espírito. Dizei-lhes, acima de
tudo, que, para se aproximarem de Deus é preciso deixarem a si mesmos:
fazei-os ver que é esta a verdadeira abnegação e
que essa abnegação de maneira alguma os impede de preencherem
com energia todos os deveres na ordem social; pelo
contrário: que ela lhes empresta forças necessárias,
até mesmo para defenderem seus próprios direitos com a dignidade
conveniente. Dizei-lhes o que é a razão, da qual o homem faz
tanto caso, ensinai-lhes como ela é útil quando dirigida e
como
é cega, mesquinha e fraudulenta quando se encontra destituída
da luz radical, então, mesmo que vivais na memória dos
homens, que é cega e precária, vivereis na memória
da verdade, à qual ninguém escapa e que só glorifica
aquele que deve
ser glorificado. Quero encerrar minha epístola falando de uma palavra
da vossa. Estou bem satisfeito, pelo nosso amigo de
Munique, por sua tabela numérica achar-se ligada aos princípios.
É realmente um homem raro, esse amigo de Munique e, na
época atual, talvez um instrumento nas mãos da Providência.
Quanto ao mais, abstenho-me de emitir um julgamento sobre
suas obras porque não tenho vocação alguma para julgá-las.
Certamente vos lembrareis de que no ano passado falei-vos do
professor Jung, autor de uma obra interessante, por ele intitulada Heimweh.
Como nos correspondíamos, informei-lhe que
tinha na França um amigo que se aplicava à língua alemã
para ler B. no original e que fora ele quem me indicara esse
excelente autor. Monsieur Jung ficou encantado com essa notícia e
não sabia como testemunhar sua admiração ao ser
informado de que se podia estudar B. no meio da tempestade que cobria a
França. Ele tem uma muita vontade de saber
vosso nome e encarregou-me de apresentar-vos os sentimentos que o desejo
de ler B. lhe inspirou com relação a vós.
Proponho-me fazer chegar a ele o vosso éclair. Mas então eu
vos pediria que enviásseis um outro exemplar dele para mim.
Ainda existe a via de Monsieur Oser. Se tiverdes algum tempo, contai-me
quais são no momento as vossas ocupações
preferidas. Vossas cartas serão sempre um prazer suplementar para
mim, enquanto aguardo um dia poder gozar de um
prazer maior: o de ver-vos na Suíça, um esperança à
qual ainda não renunciei. Desde minha última carta nada mais
soube
de nosso amigo Divonne. Quanto a mim, vejo aproximar-se com satisfação
o tempo em que regressarei a M[orat], onde
retomarei as ocupações que mais me interessam. Adeus, meu
caro irmão, não deixemos de orar uns pelos outros.
KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
276 V. capa.
122
Carta 106 30 de abril de 1797
Vós, sozinho, prestais mais homenagens à minha obra, meu caro
irmão, do que as que ela há de receber em todo o meu
país. Somos por demais despreocupados com essa espécie de
verdade. No momento, aqui só são lidas senão as produções
que podem lançar um partido contra outro: elas saem uma após
a outra e ao fim de oito dias já são velhas. Quanto àquilo
que se liga ao grandes princípios fundamentais nos quais me apóio,
não existe mais o hábito de olhá-los desde que nossos
amigos deixaram de lado o princípio dos princípios. Assim,
minha obra não tem nenhum sucesso, a não ser junto de algumas
boas almas como a vossa; o resto coraria se lhe lançasse os olhos.
Há, no entanto, alguns periódicos que falaram bem dela,
mas isso é uma pobre recomendação. Além do mais,
eu já esperava por isso. Fiz essa obra para meu próprio interior,
e não
para o meu exterior e estou bem tranqüilo quanto ao pagamento. Mandei-vos
três exemplares dela: um para vós, outro par
nosso amigo Divonne. e outro para quem quiserdes, porque é possível
que encontreis em vosso caminho alguém a quem ela
seja convenha. Talvez eles vos cheguem diretamente em Berna; isso vai depender
das oportunidades que o banqueiro
Perregaux, encarregado deles, tiver. Encorajais-me a prosseguir, meu caro
irmão, mas creio que nesse gênero já fiz o que
me compete ao mostrar o alvo que deve ser semelhante à origem. O
medium, que deve ler ambos, pertence ao código da
regeneração e, como conseqüência, em tudo o que
sobre esse ponto está escrito em todas as obras teosóficas:
o essencial
seria levar o homens a essa fonte para fazê-los beber nela. Ora, para
isso temos que empregar apenas os nossos desejos e
preces. Nosso próprio bom Mestre dizia: Ninguém vem a mim
se meu pai não o chamar
Pedi ao dono da casa que envie
seu obreiros,277 etc. No entanto, não me recuso a nada que possa
ser de alguma utilidade, por menor que seja. E se nessa
parte do laço social me propusessem tratar algumas questões
que eu fosse capaz de resolver, fá-lo-ia de boa vontade. Mas
para conseguir que os homens não separem a moral da política
é, repito, a pedra filosofal, sendo preciso que isso lhes seja
dado do alto. Enquanto aguardo, para dizer-vos em que me ocupo, já
que mo perguntais, confessarvos- ei que empreendi,
um pouco por minha conta e um pouco por solicitação de meus
amigos, uma obra que tem como título Revelações Naturais,
na qual reúno, tanto em minhas anotações quanto no
que se apresenta de novo, vários pontos de vista que, parece-me,
poderão ser úteis ao coração e ao espírito
de meus semelhantes. Segundo as declarações daqueles a quem
comuniquei
esse projeto, nela já se encontram algumas águas salutares
para refrescar o ardor da sede. Vou continuá-la, se Deus me der
essa graça; e quando isso for feito, se ela for julgada digna de
ser impressa e os meios pecuniários nos forem restabelecidos,
irei publicá-la. Rogovos não divulgardes o que vos confio
aqui. Vosso amigo Jung foi muito gentil em conceder-me sua
benevolência pelo meu simples desejo de ler seu compatriota B. Sou
compensado de minhas penas pelos proveitos que dele
retiro. Quanto à surpresa de que eu tenha conseguido estar tão
ocupado durante as atrozes tempestades que há oito anos
vêm dilacerando minha pátria, ela cessaria se ele tivesse visto,
como eu, as coisas de perto e se soubesse que houve
cantões na França que mal perceberam a tempestade, sendo que
meu rincão natal estava entre eles. Entretanto, não posso
negar a vigilância especial da Providência a meu respeito nesses
tempos desastrosos, pois, primeiramente, eu tinha mil
causas de ser suspeito e preso por causa de minha situação
civil, pecuniária, literária, social, etc. e, no entanto,
escapei
apenas com um mandado de prisão, que nem mesmo chegou a mim e do
qual só soube um mês depois da queda de
Robespierre, que o havia expedido, e que foi derrubado antes de mandar executá-lo.
Além disso, atravessei três vezes todas
as crises; permaneci nas fronteiras da Vendéia durante um ano inteiro.
Assim, não ficareis pouco surpreso quando eu vos
disser que, nessas agitações infernais, durante as quais eu
corria por toda parte como todo mundo, lá em cima quiseram
arranjar as coisas de maneira que desde nossa revolução não
tenho ouvido, ao pé da letra, outros tiros de canhão a não
ser
os que acabam de disparar daqui esses últimos dias para anunciar-nos
a paz com o Imperador. Se quiserdes, podeis dizer
isso a Monsieur Jung apresentando-lhe meus sinceros comprimentos. Que ele
não o tome como milagre, pois não sou digno
de que eles se operem em mim: são simples atenções
da bondade divina, pelas quais lhe dou graças. Adeus, meu caro
irmão, orai por mim e fazei chegar a carta anexa ao amigo D
SAINT-MARTIN
277 João, 6:44; Mateus 9:38. ("Rogai, pois, ao senhor da seara
que mande trabalhadores para a sua seara.")
Carta 107 Berna, 30 de abril de 1797 Certamente sabeis, meu caro irmão,
que foram assinadas as preliminares da paz entre
a França e o Imperador no dia 17 deste mês, no castelo de Göes
na Síria, pelo general Bonaparte, por Dom Gallo,
embaixador de Nápoles, e pelo conde de Marfeld, ministro do Imperador.
O conde de Marfeld é o general-mor a serviço do
Imperador, mas neste momento preenche as funções de seu ministro.
No presente, espero que aproveiteis o tempo bom
para executar vossos projetos de viagem à Suíça. Nossa
vida é curta e incerta e me gabo de que terei o prazer de abraçarvos
este ano em minha pátria. Conheceis o preço atribuo a esse
prazer e agrada-me crer que, se depender de vós, com toda
certeza mo concedereis. Espero que essa viagem faça bem à
vossa saúde: não façais qualquer economia que vos impeça,
pois espero ainda que permitais encarregar-me das despesas desse pequeno
trajeto. Mandai renovar vossos passaportes
nas mesmas condições que determinamos no ano passado e enviai-me
logo notícias vossas. Enquanto aguardo, continuai a
orar por mim. Dentro de dois dias parto para Morat, mas meu endereço
continua sendo o mesmo. KIRCHBERGER DE
LIEBISTORF
Carta 108
123
10 de maio de 1797
Não era a guerra, meu caro irmão, que me impedia em meus projetos
de ir conversar convosco sobre nosso objeto comum,
mas a certeza que tenho, desde o tempo em que escrevemos um ao outro, e
principalmente com os tesouros que me
diariamente me forneceis com vossas buscas, orações e estudos,
minha ajuda tornam-se bem pouca coisa, para não dizer
supérflua; pois, se fostes advertido sobre os pecados do homem e
suas conseqüências e o imensurável esforço que
o
coração de Deus vos trouxe, tendes realmente tudo o que é
preciso para seguirdes vosso caminho. É, além disso, um certa
fragilidade que já há algum tempo me restringe a liberdade
de movimentos, os quais me parecem, à medida que prossigo,
que não devem mais ficar entregues somente ao meu gosto e meu arbítrio;
e no entanto, não tenho, sobre o projeto de ir
para o vosso clima, outra luz que não o meu desejo, certamente bem
legítimo, de unir-me ainda mais a um amigo como vós,
que me interessa em tantos aspectos. Por mais vivo que seja esse desejo,
enquanto a luz da qual falo não for mais
pronunciada do que é, creio ser meu dever esperar o momento em que
o será o suficiente para ter a certeza de estar seguro
dos meus procedimentos. Eis, caro irmão, os verdadeiros motivos que
me servem de guia no presente. Espero que com isso
os desenvolvimentos tão desejados se mostrem um dia e que então
eu possa ficar completamente satisfeito, indo passar
alguns momentos felizes junto a vós. Nossa vida temporal é
realmente curta e incerta, mas nossa vida espiritual é eterna e
podemos iniciá-la a partir deste mundo enchendo-nos das luzes divinas
e das virtudes de nosso princípio, haurindo a ambas
diariamente da inexaurível fonte que se abriu desde o momento do
pecado e que, desde então, não deixou de fluir em toda
abundância em nossas almas e em nossos espíritos. Permiti,
pois, que a paz nada mude, no momento, na marcha que creio
que devo seguir. Devo consultar menos o favor da circunstâncias temporais
do que as considerações superiores das quais
vos falo. Quanto ao assunto das despesas, jamais poderei aceitar deixá-las
a vosso encargo, pois tenho meios suficientes
para satisfazer a elas: nem mereço as vossas ofertas generosas desse
tipo; não foi apenas hoje que destes prova disso e
trago sempre no coração um certo envio que me fizestes, que
mantenho sempre em depósito e que estou sempre disposto a
enviar-vos quando julgardes conveniente. Adeus, meu caro irmão, continuai
a lembrar-vos de mim em vossas preces. O
pacote de folhetos foi despachado. Conto com que em vossa próxima
carta tenhais, quem sabe, algumas palavras a dizerme
sobre vosso estimável amigo Jung. SAINT-MARTIN
Carta 109 M., 23 de maio de 1797
Da última vez que vos escrevi, meu caro irmão, tive apenas
um momento e faltava-me tempo para informar-vos em detalhe
tudo o que a paz nos oferecia de vantajoso para o projeto de nosso encontro,
que parecia ocupar-vos de maneira
interessante para mim, no fim do outono passado. Em vossa carta de 10 deste
mês considerais esse projeto sob um ponto
de vista ao qual não tenho objeção alguma a fazer;
é o da ausência de uma clareza diretora. Porém, permiti
que eu vos
chame a atenção sobre uma reflexão que precede vosso
verdadeiro motivo. Dizeis-me que, em vista de meus progressos
diários, vosso auxílio tornase pouca coisa, para não
dizer supérfluos! Mas credes, meu caro irmão, que o conhecimento
de
certas verdades que desde a origem dos tempos sempre subsistiu entre alguns
homens se tenha transmitido de um a outro
através de cartas? - Ignoro se isso é possível; deveis
sabê-lo melhor do que eu. Outra pergunta: deixaríeis vossa
obra
incompleta? ou seja: perderíeis o fruto de seis anos de correspondência
ou, o que dá no mesmo, não gozaríeis da satisfação
de ver o grão que semeastes chegar à maturidade plena? Sabeis
o quanto me resta adquirir além do que possuo. A objeção
dos auxílios superiores é plausível, mas sofre exceções,
pois sabeis o que pode ser feito pelo homem, é feito pelo homem:
por conseqüência, o que pode ser feito por um amigo, é
feito por ele. Rogo-vos pesar tudo isso em vossa sabedoria e, se as
circunstâncias presentes não vos permitirem a viagem no momento
presente, compensar-me, em parte pelo menos, com
ensinamentos preparatórios que me tornem tanto mais digno e mais
próprio para fruir de vossa conversação. Solicito-vos
também, para a felicidade de nossos irmãos, os homens, que,
na obra que projetais, vos aproprieis de tudo o que levar a
marca do mistério: ocultai o autor, se a prudência vo-lo ordenar,
mas, suplico-vos, não oculteis a verdade! não a oculteis,
não
a envolvais com as nuvens escuras que estragam tantas obras boas; não
imiteis fosso frio compatriota, Fontenelle, que dizia
a J. J. Rousseau: "Se eu tivesse a verdade no côncavo da mão,
não abriria o punho para mostrá-la aos homens." Lembraivos,
caro irmão, de que um autor que fala ao público para instruí-lo
é como um médico que entra num hospital e, somente
prescrevendo com bastante clareza para seus doentes os remédios que
eles devem tomar e o regime que devem seguir, é
que ele poderá curá-los. Se temeis a profanação,
dai uma forma e um rótulo religioso à vossa obra, e todos
aqueles que
seguem as leis do mundo deixá-lo-ão em paz. Se puderdes, inseri
em vossa revelação, um trecho muito útil e interessante
no
comentário das seções278 17, 18 e 19 do Quadro Natural.
Ensinai sobretudo aos homens como é que eles devem empregar
todos os direitos e toda a ação de seus seres para ratificar,
tanto quanto se possa, os meios que estão entre eles e o
verdadeiro sol e que, sendo a oposição como que nula, a passagem
fique livre e que os raios da luz cheguem até eles sem
refração. Dizei-lhes em cada página de vossa obra -
suplico que o façais - como a vontade do homem pode unir-se mais
prontamente, com mais certeza e com mais força à vontade de
Deus. Acabo de fazer menção da utilidade da explicação
dada por vos mesmo e creio ser ela de importância e influência
consideráveis; tenho até a certeza de que com isso levaríeis
um número bem grande de vossos irmãos à verdadeira
fonte de água viva que pode desalterá-los. Uma prova de que
há
várias passagens nas três seções do Quadro Natural
que poderiam ser explicadas com mais detalhes é que elas parecem
obscuras, mesmo para mim, em que pese o costume que tenho de ler essa obra.
Vou indicá-las, e vos ficarei imensamente
grato se me fornecerdes o esclarecimento necessário para que eu possa
explicá-las a mim mesmo.
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1o: Admitindo que tendes toda a sensibilidade nosso globo, páginas
103 e 104, não vejo ainda como a terra é a base de
todos os fenômenos sensíveis e ainda menos como pode ela servir
de ponto sobre o qual se refletem todas as virtudes
destinadas a manifestá-lo no tempo.
2o: Dizeis à página 105, § último (2a parte):
"Vivemos habitualmente nas leis da segunda classe279, já que
recebemos
pensamentos diários que não podem vir-nos senão daqueles
que a compõem e nela habitam."280 Isso certamente está
perfeitamente claro. "Entretanto," continuais, "como somos
quase sempre passivos281 nessas comunicações 282 e como um
simples culto 283 anuncia atividade 284, devemos presumir que aos nossos
estudos a segunda classe apresente objetos285
mais físicos286, mais decisivos 287 e mais positivos 288 e que, por
isso , exija cuidados 289 mais vigilantes e mais bem
dirigidos290 do que aqueles que ocupam a maior parte dos homens." 291
Porém, não dizeis em parte alguma, caro irmão,
em que consistem esse culto e esses cuidados, até que ponto esse
culto é legítimo. Como vosso alvo era, com toda certeza,
o de instruir vossos leitores, permitireis que eu vos pergunte o que entendeis
por esses cuidados e esse culto e em que
consistem ambos.
3o: No fim da página 126 há uma bela passagem em que dizeis:
"Ensinavam-lhe que na criação universal não havia
um
único Ser que não fosse à imagem de uma das virtudes292
divinas, que a Sabedoria multiplicara essas imagens em torno do
homem a fim de que, quando ele lhas apresentasse, ela fizesse, com relação
a elas, sair de si mesma uma nova unção,
transmitindo assim ao homem todos os socorros de que precisa e que, quando
o modelo se unisse à cópia, o homem
pudesse possuir a ambos."293 Um linha ou duas de esclarecimentos tornariam
essa passagem ainda mais bela, e
principalmente mais instrutiva. Que é preciso que o homem faça
para que, ao ver a cópia, a sabedoria produza uma nova
unção e para que, unindo-se o modelo à cópia,
o homem possa possuir a ambos? Por exemplo: que é preciso que o homem
faça para que, ao ver a luz e a chama materiais, possa obter e possuir
as virtudes que lhe servem de modelos? Dizeis no fim
da página 167: "Assim, sem a depravação ou a fragilidade
de nossa vontade, não estaríamos separados de todos os Seres
e
Agentes salutares - cujos benefícios estão consagrados nas
diferentes Tradições - senão na aparência, ficando
mais perto
deles na realidade!" a julgar por essa passagem, é não
somente uma vontade corrompida, mas sobretudo uma vontade fraca
e covarde que nos impede de gozar as manifestações das virtudes
que emanam do grande princípio e que nos priva da
vantagem de corresponder com elas. Se puderdes, caro irmão, dizei-me
quais são, ao lado das intenções puras, os atos da
vontade que acreditais serem necessários para fazer desaparecer o
véu que nos cobre os seres benfeitores ordenados pelo
grande princípio para cooperar na reabilitação do homem.
Conheço a importância desta pergunta; assim, é somente
ao fim
de muitas provas de vossa amizade e de vossa confiança que vo-la
faço. Em minha próxima carta dar-vos-ei alguns detalhes
sobre Monsieur Jung, homem muito interessante. Acabo de receber notícias
dele. Ele conhece vossas obras e tem apreço
por elas, mas ao despachar sua carta não havia ainda recebido o Éclair
que lhe enviei pelo transporte público. Acabo
também de receber uma carta de nosso amigo D. Ele vos agradece pelas
boas notícias que lhe destes, por meu intermédio,
de seus amigos de Paris. Pede-me vosso endereço, mas na incerteza
do efeito que uma carta de L. possa causar-vos,
espero primeiro as vossas ordens afim de lho dar. No decorrer de sua carta
ele vos roga que leiais com atenção o capítulo 14
de Isaías e gostaria de saber o que pensais do versículo 29.
Vossa carta foi-lhe expedida. Adeus, etc., etc. KIRCHBERGER
DE LIEBISTORF
278 Capítulos?
279 No livro estas duas palavras vêm em itálico.
280 Em português, pp., por favor.
281 Cap. 17. Termo em itálico no original.
282 Idem. 283 Idem. 284 Idem 285 Idem 286 Idem 287 Idem. 288 Idem. 289 Idem.
290 Idem.
291 P.?
292 Cap. 17. Termo em itálico no original
293 P.?
Carta 110 19 de junho de 1797
A amizade que nos une, caro irmão, seria um motivo bem poderoso para
decidir-me a partir se a clareza diretriz se dignasse
a sancionar a viagem, pois as razões filosóficas que me exortais
a considerar não podem mais parecer-me peremptórias hoje
como pareceram no passado. Os conhecimentos que outrora podiam ser transmitidos
por carta ligavam-se a instruções que
às vezes baseavam-se em imagens e cerimonias misteriosas, das quais
todo o mérito estava mais na opinião e no hábito do
que numa verdadeiros importância, e que, às vezes realmente
repousavam em práticas ocultas e operações espirituais,
cujos
procedimentos vulgares seria perigoso transmitir, ou a homens ignorantes
e mal-intencionados; o objeto que nos ocupa, não
se apoiando em bases semelhantes, não fica exposto a semelhantes
perigos. A única iniciação que prego e que busco com
todo ardor de minha alma é aquela pela qual podemos entrar no coração
de Deus e fazer o coração de Deus entrar em nós
para realizar aí um casamento indissolúvel que nos torna o
amigo, o irmão e a esposa de nosso divino Reparador. O único
mistério para se chegar a essa santa iniciação é
mergulharmos cada vez mais até as profundezas de nosso ser e não
desistirmos até conseguirmos extrair a viva e vivificante raiz, porque
então todos os frutos que deveremos trazer, segundo a
nossa espécie, produzir-se-ão naturalmente em nós e
fora de nós, conforme vemos acontecer às nossas árvores
terrestres,
porque elas aderem à sua raiz particular e não deixam de sorver-lhe
a seiva. Eis a linguagem que tenho mantido para
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convosco em todas as minhas cartas, e com toda certeza, quando estiver em
vossa presença, não poderei transmitir-vos
mistério mais vasto e mais propício ao vosso progresso. E
é esta a vantagem dessa verdade preciosa: que podemos fazê-la
correr de uma extremidade a outra do mundo, fazendo-a ressoar em todos os
ouvidos, sem que aqueles que a escutarem
possam tirar dela outro resultado além de aproveitá-la ou
de deixá-la, sem todavia excluir os desenvolvimentos que poderiam
nascer em nossas entrevistas e conversas - mas dos quais já estais
tão abundantemente provido pela nossa
correspondência - e mais ainda pelos minuciosos tesouros de nosso
amigo B., que em sã consciência eu não poderia crer
que estivésseis sofrendo privações e temê-la-ia
bem menos ainda para o futuro se quisésseis valorizar vossas excelentes
propriedades. É nesse mesmo espírito que vos responderei sobre
os diversos pontos que instais comigo para que vos
esclareça em meus novos empreendimentos. A maior parte desses pontos
pertencem exatamente às iniciações pelas quais
passei em minha primeira escola e que deixei depois de muito tempo para
entregar-me à única iniciação que seja
verdadeiramente segundo meu coração. Se falei desses pontos
em meus antigos escritos, isso foi no ardor da juventude e
pelo império que tinha sobre mim o hábito diário de
vê-los serem tratados e preconizados por meus mestres e companheiros.
Mas hoje eu poderia seria impossível para mim estimular alguém
a continuar a aprofundar uma questão da qual me afasto
cada vez mais. Além disso, seria extremamente inútil para
o público que, realmente, em simples escritos, poderia receber
sobre isso esclarecimentos suficientes e que, na verdade, não teria
guia algum para dirigi-lo: esses tipos de esclarecimentos
devem pertencer aos que são chamados para usá-los por ordem
de Deus e para manifestar sua glória; e quando são
chamados dessa maneira, não devemos inquietar-nos quanto à
sua instrução, pois eles recebem então, sem qualquer
dificuldade e sem qualquer obscuridade, mil vezes mais noções
e noções mil vezes mais seguras do que aquelas que um
simples amador como eu poderia dar-lhes sobre todas essas bases. Querer
falar delas ao público é querer, em pura perda,
estimular uma curiosidade vã e querer trabalhar antes para a glória
do escritor do que para a glória do leitor. Ora, se cometi
tais erros desse tipo em meus escritos, cometê-los-ia ainda mais se
quisesse persistir em continuar agindo da mesma
maneira: assim meus novos escritos falam muito dessa iniciação
central que, por nossa união com Deus, pode ensinar-nos
tudo o que devemos saber; e muito pouco da anatomia descritiva desses pontos
delicados aos quais desejaríeis que eu
desse atenção, e dos quais não devemos fazer conta,
contanto que sejam cumpridos em nosso departamento e nossa
administração. Isso não impedirá, caro irmão,
que nesta mesma carta eu vos diga o que estiver em meu poder sobre todos
os pontos cujo estado me enviais na vossa, aos quais vou proceder por ordem.
1o: Sobre o meio da imediata união de nossa vontade com Deus. Dir-vos-ei
que essa união é uma obra que só pode ser feita
pela firme e constante resolução daqueles que a desejam, que
o único meio para isso é o emprego perseverante de uma
vontade pura, menos pelas obras e pela prática de todas as virtudes,
fertilizada pelas preces, para que a graça divina venha
ajudar nossa fragilidade e nos conduza ao termo de nossa regeneração.
Essa vontade é a verdadeira propriedade do homem
e parece que o próprio Deus a respeitou, já que, ao trazernos
a boa-nova, limitou-se a fazer com que os anjos nos
inspirassem essa boa vontade e já que vemos que suas propriedades
se reduzem todas a ameaças e promessas, deixando
que o homem usasse a ambas segundo seu talante. Assim, vedes que aquilo
que eu poderia dizer ao público sobre esse
assunto não teria, infalivelmente, mais crédito do que a palavra
divina.
2o: Sobre a sensibilidade de nosso globo. Diria que está exatamente
aí um dos pontos dos quais falei no verdor de minha
juventude e que, por essa razão, não continuarei, a menos
que eu mesmo o tivesse aprofundado mais, e principalmente
antes que tenha recebido ordem para isso. Além do mais, com as aberturas
fornecidas por nosso amigo B. sobre a
contextura da natureza universalmente particular, parece-me que podereis
obter algumas satisfações sobre este assunto, se
quiserdes dar-vos o trabalho de fazê-lo com alguma atenção.
3o: Sobre o culto, página 105. Eu vos diria que o que concerne às
leis dessa segunda classe é realmente a ordem cerimonial
confiada por Deus aos seus grandes eleitos nas diversas épocas em
que ele manifestou sua sabedoria e seu socorro à terra
para a restauração das coisas. Essa ordem pertencia àqueles
que escolhia para esse fim; os outros recebiam os frutos. Eram
outras tantas diversas instruções espirituais e divinas, como
as recebidas por Enoque, Noé, Moisés, Elias, e tantos outros
encarregados dessas missões gerais. Quanto aos homens em geral, são
como nós, encarregados somente de sua
restauração particular. e isso basta para nos ocupar: comecemos
sendo fiéis às pequenas coisas que em seguida caberá
a
Deus julgar a propósito confiar-nos as grandes.
4º: Sobre a união do modelo com a cópia. Eu vos diria
que nas gerações espirituais e todos os gêneros esse
efeito dê
parecer natural e possível, uma vez que as imagens, tendo relação
com seus modelos, devem tender sempre a aproximar-se
dele. É por essa via que caminham todas as operações
teúrgicas ou se empregam os nomes dos espíritos, seus signos,
caracteres, todas as coisas que, podendo ser dadas por eles, podem estar
relacionadas a eles. Era assim que caminhavam
os sacrifícios levíticos; é assim, sobretudo, que deve
caminhar a lei de nossa iniciação central e divina, pela qual
ao
apresentarmos a Deus, tão pura quanto pudermos, a alma que ele nos
deu e que é imagem sua, devemos atrair sobre nós o
modelo e formar com isso a mais sublime união que jamais pôde
ser feita em qualquer teurgia, ou qualquer cerimonia
misteriosa, das quais estão repletas todas as iniciações.
Quanto à vossa pergunta sobre o aspecto da luz ou da chama
elementar para se obterem as virtudes que lhe servem de degrau, deveis ver
que ela cabe inteiramente na teurgia que
emprega a natureza elementar e, como tal, creio-a inútil e estranha
nosso verdadeiro teurgismo, ou não se precisa de outra
chama senão o nosso desejo, outra luz senão a da nossa pureza.
Isso não proíbe, no entanto, os conhecimentos profundos
que podes haurir em B. sobre o fogo e suas correspondências. Existe
algo com que poderemos recompensar-vos por vossas
especulações. Os conhecimentos mais ativos sobre esse ponto
devem nascer nas operações espirituais sobre os elementos
e sobre isso nada mais tenho a acrescentar.
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5º: Sobre a depravação ou fragilidade de nossa vontade.
Eu vos diria que dais mais importância do que eu mesmo a essa
passagem. Ela cabe completamente no que eu disse acima, no número
1. Se a vontade constante, pura e forte deve, com a
graça de Deus, fazer com que tudo consigamos, a vontade contrária
deve privar-nos de tudo. Assim, eu não saberia indicarvos
de outra forma quais são os atos da vontade necessários para
fazer com que o véu desapareça. É somente no exercício
de nossa vontade que podemos aprender a aperfeiçoar e virtualizar
nossa vontade, o que se pode dizer de todas as nossas
outras faculdades, conforme vemos todos os dias naquilo que nem mesmo se
refere à nossas artes, ciências vulgares e
talentos que agradam. Não creio que seja prudente ainda enviar meu
endereço ao amigo D. e vos agradeço por vossa
reserva. Li a passagem de Isaías, por ele indicada, 14:29. Encontro
nela um verdade fundamental verificada em todas as
épocas em que a justiça divina manifestou-se através
das mãos das nações que empregou para sua vingança.
Essa verdade
é e será verificada ainda em nossa revolução,
como o será sempre em semelhantes acontecimentos. É o que
me faz dizer
que nos enganaríamos se quiséssemos aplicar esta verdade a
uma circunstância particular, ao passo que ela abrange a
todas. Adeus, etc. SAINT-MARTIN
Carta 111 Suíça, 1o de julho de 1797
O essencial é obter a ajuda que não podemos conseguir por
nós mesmos; e para consegui-la, pedi-la; e ao pedi-la com
sinceridade, nós já a obtivemos, de acordo com nosso grau,
pois nosso divino Benfeitor não diz somente: Petite, et
dabitur294, mas, o que é bem digno de nota, diz ainda: omnis enim
qui peitit, accipit295. A petição sozinha já é
uma prova
que recebemos
Adeus, etc. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
294 Pedi e dar-se-vos-á. (Lucas, 11:9.)
295 Todo aquele que pede, recebe.(Lucas, 11:10.)
Carta 112 França, 2 de agosto de 1797
É ao mesmo tempo um dever e um prazer orar por nossos amigos uma
vez que só podemos fazê-lo quando a isso somos
levados por alguns raios de imortal e inesgotável caridade. Pedis-me
notícias da pessoa na qual o interior caminha um tanto
sem rumo em relação com o exterior. Eu vos direi, caro irmão,
que a cada dia se lançam bases nessa pessoa para um
imponente edifício, mas que acontece aqui como quando da construção
do segundo templo, em que os judeus eram
entravados na obra pelos samaritanos, a ponto de serem obrigados a manterem
a colher de pedreiro numa mão e a espada
na outra: orai por essa pessoa a fim de que sua fé não desfaleça.
Todavia, de um momento para outro, é possível que seu
progresso lhe interessem muito, mas, se ele ocorrer, é provável
que se faça de modo que ela nem possa falar disso, a menos
que receba ordens, ou possa falar àqueles que se encontrarem no mesmo
caso, e empregados na mesma função: e esses
se darão a conhecer por si mesmos. Adeus, etc. SAINT-MARTIN
Carta 113 (De SAINT-MARTIN, nada de importante.)
Carta 114 (De KIRCHBERGER.)
Se meu amigo de M
me houvesse simplesmente enviado um cálculo
cujo resultado fosse o número 1800, não me teria
impressionado tanto. Mas, foi decifrando o hieróglifo de nosso amigo
Böeme à sua maneira que ele encontrou 1800, pois
Monsieur d'E
, em todas as progressões desses algarismos arábicos
não sai um instante do hieróglifo. Quanto a mim,
estava muito longe de desconfiar do número 1800 antes de o ter encontrado
ao cabo de alguns minutos no Mysterium
Magnum, como vos disse em fevereiro de 1793, e ainda depois eu me perguntava
se o acaso não teria produzido esse
resultado. Mas hoje isso parece mais evidente. Todavia, dai dar uma olhada
no Irdich und Himlisch Mysterium296, 6 text. 4-9;
depois de um cálculo bem simples descobrireis que, no sexto dia do
qual ele fala, estamos atualmente na tarde, às três e
meia e, se devo dar crédito a um manuscrito do qual vi um trecho
em 1788, a sétima época terá atingido seu pleno
desenvolvimento em 1830, isto é, às 4 horas, exatamente.
9. Entretanto, o homem não está tão destruído
ao ponto de não ser mais aquele mesmo que saiu das mais de Deus,
embora
haja recebido em sua queda a forma monstruosa e frágil do terceiro
princípio mais extremo e embora essa queda lhe tivesse
aberto as portas do primeiro princípio, a vontade severa, que, sem
isso, abrasava já este grande universo e que se acende
completamente nas almas condenadas.
10. Apenas o homem que Deus criou é o verdadeiro homem, e todavia
este ainda permanece oculto no homem atualmente
corrompido e, se ele renunciar a si mesmo em sua forma animal, se ele não
viver segundo os movimentos e as vontades
desse envoltório grosseiro e se entregar a Deus com toda a sua alma,
então esse homem vive em Deus e Deus produz nele
o querer e o fazer. Estando tudo em Deus, o verdadeiro homem santo oculto
sob a forma monstruosa está tanto nos céus
quanto Deus, e o céu nele está, ou seja: Deus estará
nele e ele em Deus. Deus está mais próximo dele do que o homem
está de seu próprio corpo, pois o corpo animal não
é a sua pátria; com ele, o homem está fora do paraíso.
127
11. O verdadeiro homem regenerado em Jesus Cristo não está
neste mundo, mas no paraíso de Deus. E mesmo que esse
corpo animal morra, não acontece nenhum dano ao novo homem; ao contrário:
é então que ele sai verdadeiramente da
vontade que se opunha a ele e dessa casa de tribulações. Parra
entrar novamente em sua pátria ele não precisa de uma
habitação longínqua para onde deva ser transportado
afim de gozar da felicidade: basta que Deus se manifeste nele.
12. A alma humana foi emanada do primeiro princípio, mas nesse princípio
ela não é um ser santo; é no segundo princípio
que as virtudes superiores da alma se abrem e se desenvolvem e ela se torna
um criatura divina, pois é no segundo princípio
que tem nascimento a luz divina. É por isso que, se a luz não
tiver nascimento na alma, a lama fica separada de Deus,
vivendo então somente da qualidade originária severa onde
se encontra uma oposição eterna. Mas se a luz nascer na alma,
então a criatura fica penetrada de alegria, de caridade e delícias,
o que se chama novo homem ou a alma em Deus. E como
então não poderia haver conhecimento, já que Deus penetra
na criatura?
13. Assim não depende do querer e do coração da criatura
conhecer as profundidades da Divindade, a alma ignora o centro
de Deus e o modo como a substância divina é engendrada. A maneira
pela qual Deus quer revelar-se ao homem depende da
vontade divina; e se Deus se manifesta, em que foi que a alma contribuiu?
Ela só senão o desejo de ser regenerada; volta
sua atenção para Deus, em quem vive, e com o qual a luz divina
torna-se resplandecente, luz que muda o primeiro princípio
severo, origem do movimento da alma em alegria triunfante.
14. Vemos com isso como o mundo é injusto, quando, no furor de sua
paixão, inveja a diversidade dos dons divinos. Que
pode homem dar-se? A maneira de perguntar nem mesmo depende dele
296 Misterio terreno e celestial?
Obs..O que está em português foi traduzido do francês.
pp. 21-22
EDIÇÃO DE 1675, PUBLICADA POR FRANCKENBERG
XIII. Jacob Böhme Lebensbeschreibung [descrição de Jacob
Böhme].
XIV. Weg zu Christo in sechs Büchern [O Caminho para Cristo, em seis
Livros.] .
XV. Pforte von göttlicher Beschauligkeit. Was Mysterium Magnum sey
[A Porta da Contemplação. O Que é o Mysterium
Magnum] , etc.
XVI. Trost-Schrift. Von der Vier complexionen.
XVII. Send-Brief: 1o Was ein Christ seye; 2o Von Tödtung des Anti-Christs
in uns selbst.
XVIII. Zwey von Chisti testamenten: 1o Von der Heil. Tauffe; 2o Von dem
heil. Abendmalhle.
XIX. Von sechs Puncten. Hohe und tieffe Gündung. Eine offene Pforte
aller Heimligkeiten des Lebens.
XX. Clavis oder Schlüssel etlicher wornehmen Puncten und Wörter,
so in Allen des Authoris Bücheren zu finden.
XXI. Tabula principiorum, von Gott und von der grossen und kleinen Welt.
(Três tabulas vêm anexadas.)
XXII. Weissagungen as der glorwürdigen Jesus-Monarchie, aus L Böhmes
Schriften gezogen von Kulman.
XXIII. Beschreibung des dreyfachen Lebens des Menschen.
XXIV. Dialog zwischen einer dürstenden Seelen nach der Quelle des Lebens
und einer erleuchteten Seele. (Este último
tratado parece ser de Franckenberg.) EDIÇÃO DE 1682, DA QUAL
SÓ TENHO PRESENTEMENTE 3 VOLUMES INQUARTO.
XV. Von der Genade-Wahl, das ist: wie der Mensch zu göttlicher Erkanntnüss
gelangen moege.
XVI. Von den sechs Puncten.
XVII. Die kleine Puncten.
XVIII. Vom irdischer und himmlischen Mysterio, in 9 Texte.
XIX. Betrachtung göttlicher Offenbarung in 177 Teosophischen Fragen
vorgestelt.
XX. De signatura rerum.
XXI. Clavis oder Schlüssel etlicher wornehmen Puncten und Wörter,
so in Allen des Authoris Bücheren zu finden.
XXII. Einige speziale claves velche J. B. senen vertrauten Freuden mitgethteilet
hat.
XXIII. Tabula principiorum.
XXIV. Viertzig Fragen von der Seelen.
XXV. Vom Dreyfachem Leben des Menschen, (Muito mais extenso do que na edição
de 1675.)
XXVI. Teosophische Send-Briefe.
XXVII. Bedencken über Esaiae Stiefel Büchlein.
XXVIII. Apologien wider Es: Stiefel, wider Balthasar Tilken, wider Gregorius
Richter
Die 3 Bücher von der Mensch werdung Jesu-Christi - os três livros
sobre a Encarnação de Jesus Cristo?
Die Geheimnisse der Göttlichen Sophia
p. 43 - Das geheime system einer Gesellschaft unbekannter Philosophen, unter
einzelne Artikel geordnet, durch
Anmerkungen und Zuzätze erläutert und beurheilet, und dessen Verwandtschaft
mit ältern un neuren Mysteriologen gezeigt, 2
Theilen [O sistema secreto da compania de um filósofo desconhecido
, ordenado sob um único artigo [isolado? avulso?],
através das anotações e]
128
p. 66 - Sechste Büchlein vom übersinn lichen Leben Sexto tratado,
sobre a vida suprasensual. - Siebende Büchlein von
göttlicher Beschauligkeit - Sétimo tratado, sobre a contemplação
divina.
p. 69 - Imagination macht Wesenheit (Drey-fach Leben) A imaginação
traz a essência? (Vida Tríplice) "Denn die Lust ist eine
Imaginirung, da die imagination sich in alle Gestalten der Natur einwindet,
dasz sei allda geschwängert werden mit dem Dinge
daraus dei Lust entstehet." [A luxúria é um modo de imaginar,
onde a imaginação serpeia ou se insinua em todas as formas
da natureza, de modo que todas ficam impregnadas com isso, e por isso existe
a luxúria.]
p. 78 - Wenn das ander den Fluch erræget hat; quando o outro excitou
a maldição.
p. 92 Apologia wider Stiefel, nº 423, linha 5, Auffgehaben. Christi
Testamenta, 2. Büchlein, cap. 4, nº 31, p. 78, l. 12.
Auffschlagen, idem nº 36, linha 16 verwegen. Nem meu dicionário
nem meu inglês me dão sobre essas palavra um sentido
satisfatório. Depois dos dois Testamentos, há no mesmo volume,
edição de 1882, um pequeno tratado em três capítulos
intitulado Eine einfältige Erklärung von christi Testamet der
Heyl. Tauffe, Nesse pequeno tratado, cap. 3, nº 7, linhas 4 e 5, há
Dieses Zorn-Feuer gibt Er mit seinem Eintaucham Seiner fëuer-brennenden
Liebe. No fim desse mesmo pequeno tratado, a
página 180, nas últimas palavras da nota histórica
da morte de Böhme, Dann er anno Christi 1624, etc., etc., eingegangen.
Ein Schlangentreter Welche bis auf den heutigen Tag so ferne
p. 110 in den Bedenken über Stiefels Büchlein mit der gekreutzigen
Menschen person, J. C.
p. 119 - All hier folgt die Aufer Stehung
pp. 123-124
Antwort auf die Frage: Wie jemand chem der Gemeinschaft oder Empfindung
des Leibs und Bluts Christi erkenntlich
unterscheiden möge? Ist folgender Bericht-Schrift ertheit worden. Die
Erfahring wird (nach meninem Licht und Erfahrenheit)
die beste Lehrmeisterin de Unterschied Zwischen denen Empfindingen seyn,
so durch Theilhafligkeit des Fleisches und Bluts
Christi, und andrer Beniessungen des lebendigen Worts geschehen. Die Theilhaftig-werdung
oder Gemeinschaft des Bluts
Christi wird begleitet von einem starken und an muthigen Brande, der im
herzen oder Centro der Brust gefühlt wird, gleich als
wenn eine gemengte Flamme und weine in die Seele gegossen wurde, so eine
liebliche Süssigheit verursachet, oder als ob
die Seele von einer göttlichen Flamme in ihr entzündet, einem
Eingüss eines Köstlichen geistlichem Liquoris empfienge, von
welche, sie durch's verschlingen desselben, sich Kräftog stärket,
eben wie eine Flamme von Geiste des weins, oder das
Feuer der Lampen von OEhle, das es is sich Zeucht und isset, genähret
und unter halter wird. Diese Geniessung wen sie hoch
steiget, ist so Süss und gross.das wir sie kaum ertragen können;
weil allda eine Centralgeniessung, oder die im innersten und
tiefesten Grunde des Herzens geschieht, zwischen Christo und der Seelen,
eine Durcdringung, Inwirkung der einen im
andren, eine Vermischung der reinen Strahlen des Lebens und der Liebe ist;
so dass die Seele anders nicht dan ausrugen
dann: "Er küsst mich mit den Küssen seiner Lippen, den Seine
Libe iste besser dann Wein." Und in Wahrheit, so ist das
welches sie in diesem Stande geneust, in einiger Maase der neue Wein des
Reichs, welchen ich in diesen schreiben krftig
empfunden, und befinde dadruch dass meine Worte die Geniessung desselben
auszudrucken viel unzulänglich gefallen;
welches der Leser allein durch lebendige Erfahrung erkennen kan, wie auch,
durch die wahre und eigentliche Wurckung
derselben; welch die starke und reine Liebe zu gott ist, und eine susse
zuneigung der Liebe gegn die Heiligen, auch zu einem
solchem Grade, dass sei Schild und Beleidigung uf dem Weg räumet, die
in der Seele wieder ihren Nächsten leigen mag, zum
wenigsten für die Zeit und so lange sie dieses fühlet und empfindet.
Ist de Theilhafligwerdung oder Gemeinschaft des Bluts
begleitet von einer mächtigen Empfindung der Stärke und Kraft
die den ganzen inwendigen Menschen durchdringet, und
vornehmlich in der Brust oder Herzen gefühlt wird. 2). Bisweiten mit
einer enpfindlichen Schwängerung erner reinen Kraft, die
unsre inwendige Theilen so zu erfüllen scheinet als ob sie der Luft
ermangelten Hiob. 32, v. 20. 3). Bisweilen mit Empfindung
einer Licht-Hellen OEfnung um oder von uns, oder inwendig in uns, so die
Erscheinung Gottes innerlichem geistlichen Reichs
ist. 4). Mit sussen Anzeigungen oder vielmehr würklichen Empfindungen
anmuthig zusammen stimmender Gethöne, welche
die gaze Ewigketi in dem göttlichen Leibe erfüllen. 5). Mit einer
angenehmen Empfindung einer lieblich sausend Luft m
Herzen oder Haupt, oder in allen beyden. 6). Von demselben dann eine starke
Idea oder wesentlich Zild, eines Lieblichangenehmen
Halles, das sich im Haupte eröfnet, und als der erste Grunde und Saame
ers evangelische Gebets, Lobs oder
Dancks etc. Ist welches wir empfinden, indem wir die Ideam oder das wesenliche
Zild des Thons, wenns im Haupte aurgehet
ins Werck sezen, und einen Antrib haben aus krdft su zingen. 7). Eine anmuthige
Empfindung, dass wir als mit einer sanften
und weichem Wesenheit, gleich als mit einem Kleide (1) umgeben oder beglaitet
werden, wie mit Pfalum-Federn fegillert und
um die Seele gewinden ist. 8). Und der Effect oder Auswürkung und Erfolg
ales dises so das zeiget, dass es wahr und von
gold sey, ist. I) Eine starcke Würkung des Glaubens und himlischem
Muth: II). Ein empfindlich Vermögen der Kraft und gorsse
libe em Gebeth, Singen ode Sprechen, wenn wor eine dieser Gaben entweder
in oder gleich darauf üben, III), Eine grosse
Eröfnung der Sanftmuth und milden süssen Würkungen in der
Seelen, und also auch in einigem Worten die wir aussprechen;
IV). Eine Empfindung in der Seelen einer gorssen Reinigkeit und eines Abscheeus
vor allen weltlichen Lusten: V). Eine starke
Empfindung der göttlichen Gegenwrt, samt einer damit Uberdommenden
Ehrfurcht duch welche wor zu beherrlicher
Wachamsheit ermahnet werden; VI). Eine lebendige Empfindung der göttlichen
Freudigkeit und gemüths ruhe, vornehmlich
nacdem wir unsre Talenten vohl anlegten, weil solche Geniesung aur uns war.
Nota de rodapé: (1) Hierbey wolle (wolte?) der Leser sich der Wesenheit
des Glaubens erinnern. Hebr. II, v. 2. Die, cap. 10, v.
39.
p. 133 Send Brief
129
p. 136 - -Leib und Blut unseres Erlösers - Vida e Sangue do nosso Redentor
p. 138 - Ewige Natur - Natureza Eterna
p. 145 - Offenbarung der Offenbarungen, etc.; Die nun brechende und Zertheilende
himmlische Wolke
etc.; Einleitung zum
geistliclh oder mystichen Tod und Sterben p.
149 Und sie hat ihn inficiret, der hält sie gefangen Seynd ihr mit
Lucifer Es sitzet so balde ein Furst des Teuffels zu warten
Dann ihrer sind p.
151 - Darum sind deren so viel p.
157 - Versuch eines Vollstandigen grammatisch Kritischen Wörterbuches,
der hochdeutschen mundar
p. 164 - Heiligen droben und denen heiligen hieniden
p. 207 - Als schosse man ein Kohr ab
p. 209 - In Hofnung sie würden
p. 248 - Wollt ihr wissen was ihr thun 3 pps; cap. 20, v. 93 Ein solch fromm
Kind u.s.w. fromm deve ser erro. id. Sie Kanten
91, em baixo. id Gelffen 121
p. 257 = Ein solch fromm Kind [Uma criança tão piedosa?].
Creio que fromm aqui é um erro, pois significa piedoso, e não
é
esse o caso.
273 - Agora, a minha vez: Três Princípios, cap. 13, nº
2, l. 5. Zu dieser Stunde wurd sein himmlischer Leib Zu Fleisch, und
sene strake Kraft Zu Beinen.
328 - Irdich und Himlisch Mysterium
p. 330 - : Dass der Glaube und das Gebette ihm helfe sein täglich Brodt
aus gebahren.
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