Eliphas Levi Zahed é tradução hebraica de Alphonse Louis Constant, abade francês, nascido no dia 8 de fevereiro de 1810 em Paris. O maior ocultista do século XIX, co-mo muitos o consideram, era filho de um modesto sapateiro, Jean Joseph Constant e de Jean-ne-Agnès Beaupurt, de afazeres domésticos. Possuía uma irmã, Paulina-Louise, quatro anos mais velha do que ele. Apesar de mostrar desde menino aptidão para o desenho, seus pais en-caminharam-no para o ensinamento religioso.
Foi assim que aos dez anos de idade ingressou na comunidade do presbitério da Igreja de Saint-Louis em L´lle, onde aprendeu o catecismo sob a direção do abade Hubault, que selecionava os garotos mais inteligentes, que demonstravam alguma inclinação para a car-reira eclesiástica. Desse modo, Eliphas foi encaminhado por ele ao seminário de Saint-Nicolas du Chardonnet, para concluir seus estudos preparatórios(1). A vida familiar cessou para ele a par-tir desse momento. No seminário, teve a oportunidade de aprofundar-se nos estudos lin-guísti-cos e aos dezoito anos já era capaz de ler a bíblia em seu texto original.
Em 1830, foi transferido para o seminário de Issy para cursar Filosofia. Dois anos mais tarde, ingressou em Saint-Sulpice para estudar Teologia. Foi em Issy que escreveu seu primeiro drama bíblico, intitulado Nemrod; no grande seminário de Saint-Sulpice criou seus primeiros poemas religiosos, dotados de uma grande beleza.
Após seu curso de Teologia, Eliphas ingressou nas ordens maiores, sendo orde-nado subdiácono e encarregado de ministrar o catecismo para meninas. "Esse ministério, diz Eliphas, tão poético e tão suave, foi para mim muito agradável; parecia-me que eu era um anjo de Deus, enviado a essas crianças para iniciá-las na sabedoria e na virtude; as palavras torna-vam-se abundantes para elas em meus lábios, pois meu coração estava repleto e tinha necessi-dade de expandir-se(2)".
Nosso jovem Alphonse não tardou a sentir o despertar em seu interior da força de sua juventude asceticamente reprimida desde a adolescência. Um dia, quando estava ensi-nando o catecismo às meninas, alguém chamou à sacristia. Era uma senhora, com uma jovem pálida e tímida, que pediu a Eliphas que a preparasse para a primeira comunhão. Outros padres tinham recusado por ser ela pobre e a filha doente e tímida. Eliphas não só aceitou a tarefa, co-mo prometeu tratá-la como filha. A menina, que se chamava Adele Allenbach, de uma beleza pura e cândida, pareceu a Eliphas ser a imagem da própria Virgem Maria. Essa beleza juvenil correspondeu para ele a uma "iniciação a vida", pois amou-a ternamente como se fosse uma deusa.
Eliphas Levi foi ordenado diácono em 19 de dezembro de 1835; em maio de l836 teria sido ordenado sacerdote se não tivesse confessado a seu superior o amor que devo-tava à jovem. Suas convicções religiosas receberam um choque tão grande, que Eliphas sentiu-se jogado fora da carreira eclesiástica.
Após 15 anos de estudos, Eliphas deixou o grande seminário para ingressar no mundo, tinha então vinte e seis anos de idade. Sua mãe, ao saber disso, suicidou-se. Abalado, sem experiência do mundo, teve muitas dificuldades para encontrar um emprego. Essa dificul-dade aumentava ainda mais pelo boato que correu, segundo o qual teria sido expulso do semi-nário. Após ter percorrido o interior da França, trabalhando em um circo, Eliphas encontrou em Paris alguns trabalhos como pintor e jornalista. Fundou, com seu amigo Henri-Alphonse Esquirros (3), uma revista denominada "As Belas Mulheres de Paris", na qual aplicava-se co-mo desenhista e pintor e Esquirros como redator.
Mas, apesar desse pequeno parêntese em sua vida, Eliphas não tinha perdido sua inclinação para a vida religiosa. Despedindo-se de Esquirros, partiu em 1839 para o con-vento de Solesmes, dirigido por um abade rebelde. Eliphas aí encontrou uma biblioteca com mais de 20.000 volumes, iniciando-se na leitura dos antigos Padres da Igreja, dos Gnósticos e de alguns livros ocultistas, principalmente os da Senhora Guyon: "A vida e os escritos dessa mulher sublime, diz-nos Eliphas, abriram-me as portas de inúmeros mistérios que ainda não tinha podido penetrar; a doutrina do puro amor e da obediência passiva de Deus desgostaram-me inteiramente da idéia do inferno e do livre arbítrio; vi Deus como o ser único, no qual de-veria absorver-se toda personalidade humana. Vi desvanecer o fantasma do mal e bradei: um crime não pode ser punido eternamente; o mal seria Deus se fosse infinito!"(4).
Eliphas vislumbrou, através do Spiridion e de outros escritos dessa autora, o reino futuro do Espírito Santo, o trabalho do homem de amanhã. O Cântico dos Cânticos lhe foi revelado; compreendeu por que em teologia a esposa tinha preferência em relação a mãe. Ficou imensamente feliz ao compreender que todos os homens poderiam ser salvos.
Partiu de Solesmes sem dinheiro, sem roupas, mas com uma profunda paz no coração. Não acreditava mais no inferno!(5).
Eliphas Levi passou, então, de emprego em emprego, sempre perseguido pelo clero que via nele um apóstata. Foi então que escreveu sua Bíblia da liberdade, desejando di-vidir com seus irmãos as alegrias de suas descobertas (1841). Essa publicação custou-lhe oito meses de prisão e 300 francos de multa! Foi acusado de profanar o santuário da religião, de atentar contra as bases da sociedade, de propagar o ódio e a insubordinação.
Foi mais ou menos por essa época que conheceu os escritos de Swedenborg. Segundo Eliphas, tais escritos não contêm toda a verdade, mas conduzem o neófito com segu-rança na senda.
Saindo da prisão, realizava pequenos trabalhos, principalmente pintura de qua-dros e murais de igrejas e colaborações jornalísticas. Apesar dos contratempos materiais, não deixou jamais de aperfeiçoar seus conhecimentos e enriquecer sua erudição. Foi após Sweden-borg que encontrou os grandes magos da Idade Média, que o lançaram definitivamente no Adeptado: Guillaume Postel, Raymond Lulle, Henry Corneille Agrippa. Assim em 1845, aos trinta e cinco anos de idade, escreveu sua primeira obra ocultista, intitulada O livro das Lágri-mas ou o Cristo Consolador.
Em 13 de julho de 1846 casou-se com Marie Noémi Cadiot, matrimonio que durou sete anos. Esse casamento foi para ele um suplício. Instigado pela mulher, lançou-se a escrever panfletos políticos, resultando-lhe um segundo período de cárcere. Em 3 de fevereiro de 1847, foi condenado a um ano de prisão e ao pagamento de mil francos de multa, acusado de levar o povo ao ódio e ao desprezo do governo imperial. Sua mulher, grávida, percorreu os ministérios a fim de obter a redução da pena imposta a seu marido, o que conseguiu após seis meses.
Em 1847, sua esposa deu à luz uma menina, que faleceu em 1854, para deses-pero de seu pai, que a adorava. Era uma criança muito doente e esteve várias vezes à morte. "Um dia, diz o Mestre, trouxeram-me essa pobre criança agonizante, porque não ouso dizer morta, por uma estúpida mulher que Noémi, incapaz de ser mãe, tinha admitido como ama-de-leite. A criança estava fria; o coração e o pulso não batiam mais. Noémi, que não soube cuidar dela como devia, estava furiosa, dizendo que mataria o filho da ama-de-leite (que mulher eu tinha, grande Deus!). Para apaziguá-la, jurei-lhe que a menina não estava morta. Transportei o pobre corpo para a cama e coloquei-o sobre meu peito; assoprei ao mesmo tempo em sua boca e em suas narinas; senti que ela começava a se destorcer. Pequei em seguida um pouco de água morna e bradei: Maria! Si quid est in baptismate catholico regenerationis et vitae, vive christi-ana! Ego enim te baptizo en nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti. Meu amigo, não vos conto um sonho: a criança abriu imediatamente seus grandes olhos azuis espantados e sor-riu... Levantei-me precipitadamente com um grande grito de alegria e conduzi-a aos braços de sua mãe, que não podia acreditar no que estava vendo". (6)
A vontade, a Fé, o poder do Verbo Humano, juntos, operam as maravilhas da Natureza que os profanos denominam milagre...
Em l848, Eliphas Levi fundou um clube político, denominado Clube da Monta-nha, com fins eleitorais, no qual era presidente; Noémi Constant era a Secretária e Esquirros um dos vice-presidentes. Para sorte dos ocultistas, somente Esquirros foi eleito de-putado para a Assembléia Nacional (1849). Em 1851, Esquirros partiu para o exílio, na Inglaterra, onde escreveu uma série de obras, sendo uma delas de cunho ocultista, apesar de seu título (O Evangelho do Povo). Entre os discípulos de Esquirros contava-se Henri Delaage, Iniciador de Papus, em 1882 na Sociedade dos Filósofos Desconhecidos, entidade que provém de Louis Claude de Saint-Martin. Foi a partir desse episódio que Eliphas Levi abandonou inte-gralmente sua obra social, para dedicar-se exclusivamente ao Ocultismo.
"Na Bíblia da Liberdade, explica-nos Eliphas, saudamos o gênio da revolução, do progresso e do futuro. Na festa de Deus, Assunção da Mulher e Emancipação da Mulher procuramos explicar nossa religião materna. Na Última Encarnação demonstramos o papel do Cristo sobre a terra e saudamos o gênio do Evangelho, marchando ã frente do progresso. Agora, nossa obra social está concluída; não pedimos por ela, indulgência nem severidade. Escrevemos o que ditou nossa inteligência e nosso coração"(6).
Sabemos a origem dos estudos ocultistas de Eliphas Levi, mas permanece obs-cura sua origem iniciática. Sabemos de suas relações de amizade com Hoene Wronski e com Edward Bulwer Lytton. O polonês Wronski, falecido no dia 9 de agosto de 1853, em Paris, deixou setenta manuscritos catalogados por sua esposa, à Eliphas Levi e outros, os quais fo-ram doados à Biblioteca Nacional de Paris.
Em 1854, um ano após a morte de Wronski, Eliphas viajou à Londres, onde se encontrou com inúmeros ocultistas ingleses, que lhe pediram revelações e prodígios. Longe de querer iniciá-los na magia cerimonial, isolou-se no estudo da Alta Cabala.
Havia um, contudo, Adepto de primeira linha, que se tornou grande amigo de
Eliphas Levi: Bulwer Lytton, autor de Zanoni, Os Últimos Dias de Pompéia,
A Raça Futura, etc. Os dois Mestres teriam trocado informações
iniciáticas dos mais altos interesses para as sociedades ocultistas,
das quais certamente eram os chefes. Haveriam inclusive, realizado tra-balhos
espirituais entre 20 e 26 de julho de 1854, em Londres. As anotações
relacionadas com esses eventos foram parar nas mãos de Papus, sendo
publicadas, em parte, em um dos números da Revista L´Initiation.
Registram três visões, de São João, de Jesus e
de Apolônio de Tiana, os quais lhes teriam revelado os mistérios
dos Sete Selos do Apocalipse; alguns enigmas do futuro, que desejavam saber;
detalhes da Magia Celeste (revelados pelo livro do Rabino Inaz que lhes indicaram
onde encontrar), as chaves dos milagres, bem como o sagrado dever de honrar
a Coroa, uma vez conquistada.
Retornando a Paris, instalou-se no atelier do pintor e discípulo Desbarrolles,
uma vez que estava separado de sua esposa Noémi (fato ocorrido antes
de partir para Lon-dres). Desenrolou-se nova etapa em sua vida. Foi a fase
do Adeptado. Em 1855 fundou a Re-vista Filosófica e Religiosa (cujos
artigos principais encontram-se em seu livro A Chave dos Grandes Mistérios).
Nesse mesmo ano publicou seu Dogma e Ritual da Alta Magia e o poema Calígula,
identificado no personagem, o imperador Napoleão III. Foi preso imediatamente.
No fundo da prisão escreveu uma réplica, o Anti-Calígula,
retratando-se. Foi posto em liberdade.
Em 1859 veio à luz sua História da Magia, formando com A Chave e o Dogma a Trilogia ocultista tida como bíblia por seus discípulos, entre os quais, nessa época, figuravam Desbarrolles, Delaage e Rozier. Os dois últimos vieram a transmitir a Papus e aos demais ocultistas do fim do século XIX e precioso depósito da Tradição, proveniente de Martinez de Pasqually, Willermoz, Saint-Martin e vivificada por Eliphas Levi.
O círculo de amigos de Eliphas Levi era constituído por uma elite de homens de Desejo, que se reuniam na casa de Charles Fauvety. Constavam-se entre os discípulos parisien-ses, além dos mencionados acima, Louis Lucas (autor de Química Nova), Louis Ménard (tradutor de Hermes Trismegisto), o conde Alexandre Branicki, Littré, Considérant, Reclus, Leroux, Caubet, Eugène Nus, Constantin de Branicki. O Conde Alexandre de Branicki, polo-nês, amigo pessoal de Bulwer Lytton, era tido como o principal discípulo de Eliphas Levi, "o mais avançado em Cabala"(8).
Mas nem todos os discípulos do Mestre habitavam em Paris, como era o caso do Barão Nicolas-Joseph Spédalieri, nascido em 1812, na Sicília. Iniciado desde os vinte anos na Sociedade dos Martinistas de Nápoles, era leitor assíduo de Louis Claude de Saint-Martin, o Filósofo Desconhecido. Aos trinta anos, fixou residência na França (Marselha). Em 1861, entrou em contato com o autor do Dogma e Ritual de Alta Magia, tornando-se seu discípulo. A correspondência entre Eliphas e Spedalieri, iniciada em 24 de Outubro de 1861, prolongou-se até 14 de Fevereiro de 1874.
Apesar de cultivar relações de amizade com pessoas ricas, que
freqüentava, Eliphas levava uma vida bastante simples. Suas regras eram:
"uma grande calma de espírito, um asseio com o corpo, uma temperatura
sempre igual, de preferência um pouco mais fria do que quente, uma habitação
arejada e bem seca, onde nada lembre as necessidades grosseiras da vida, refeições
regulares e proporcionais ao apetite, que deverá ficar satisfeito e
não excitado. Uma alimentação simples e substanciosa;
deixar o trabalho antes do cansaço; fazer um exercí-cio moderado
e regulado; jamais aquecer-se ou excitar-se à noite, para que a maior
calma pre-ceda o sono.
Com uma vida regulada assim, pode-se prevenir todas as doenças, que
se apre-sentam sempre sob a forma de indisposições, fáceis
de combater com remédios simples e bran-dos... uma xícara de
vinho quente para o enfraquecimento e o resfriado, alguns copos de hi-dromel!
como purgativo, infusão de borragem(9) e leite para a gripe, muita
paciência e alegria farão o resto"(10).
Em agosto de 1862 editou seu livro Fábulas e Símbolos, considerado
por ele mesmo como o mais profundo que escreveu. Ao elaborar essa obra, conta-nos
Eliphas, o Es-pírito projetou-se em sua alma, de sorte que via todo
o conteúdo do livro na Luz, antes de ser escrito. Toda a obra foi feita
de um só fôlego, sem qualquer rasura. As idéias brotavam
espon-taneamente e coisas simples e belas emergiam da Luz, admirando o próprio
autor. "Que a Vontade de Deus seja feita! Exclamou Eliphas. Estou maravilhado
e espantado pelas grandes obras que Ele me faz executar. Se soubésseis
como meu mérito é pequeno... Sou um verda-deiro cadáver
que o Espírito Santo anima".(11)
Suas obras causavam impacto no mundo ocultista da França e do exterior.
Re-cebia visitas de toda espécie: curiosos, ocultistas, estudantes
sinceros, aprendizes de feiticeiro ... "Um dia, diz Eliphas, entre três
e quatro horas da tarde, ouvi alguém bater a minha porta. Eram sete
batidas secas, assim espaçadas: 00-0-00-00. Abri a porta e um rapaz
muito bem vestido e de boa apresentação entrou lentamente, rindo,
com um ar um pouco sarcástico, di-zendo-me em um tom familiar: "meu
caro Senhor Constant, estou encantado por encontrá-lo em casa".
Tendo dito isso, passou para meu escritório como se estivesse em sua
própria casa e sentou-se em minha poltrona.
"Mas Senhor, disse-lhe, não vos conheço"! Ele soltou uma gargalhada: "Sei perfeitamente disso: é a primeira vez que me vedes, pelo menos sob esta forma. Mas eu vos conheço muito bem! Conheço toda vossa vida passada, presente e futura. Ela está regulada pela lei inexorável dos números. Sois o homem do Pentagrama e os anos terminados pelo nú-mero cinco sempre vos foram fatais. Olhai para traz e julgai: em 1815 vossa vida moral come-çou, pois vossas recordações não vão além, em 1825 ingressastes no seminário e entrastes na liberdade de consciência; em 1845 publicastes A Mãe de Deus, vosso primeiro ensaio de sín-tese religiosa, e rompestes com o clero; em 1855 vós vos tornastes livre, abandonado que fos-tes por uma mulher que vos absorvia e vos submetia ao binário. Notais que se houvésseis con-tinuado juntos, ela vos teria anulado completamente ou teríeis perdido a razão. Partistes em seguida para a Inglaterra; ora, o que é a Inglaterra? Ela é o Iod da Europa atual; fostes tempe-rar-vos no princípio viril e ativo. Lá vistes Apolônio, Triste, barbeado e atormentado como estáveis naquele período. Mas esse Apolônio, que vistes era vós mesmo; ele saiu de vós, en-trou em vós e em vós permanece".
"Vós o revereis neste ano de 1865, mais bonito, radioso e triunfante. O fim na-tural de vossa vida está marcado (salvo acidente) para o ano de 1875(12); mas se não morrer-des neste ano, vivereis até 1885. Apolônio, quando o vistes, temia as pontas das espadas; vós as temeis como ele, pois neste momento, me tomais por um louco. Como um dia alguém quis assassinar-vos(13), perguntais inquietamente se não vou terminar minha extravagante alocução com um gesto semelhante (aqui começou a rir). Sim, sou louco, acrescentou, retomando seu ar sério, mas não sou a loucura morta, sou a loucura viva; ora, a loucura viva é o inverso da sa-bedoria de Deus. Sabeis vós o que é Deus? Deus sois vós, se sou Satã é Deus visto ao contrá-rio.
"Existem atualmente dois grandes escritores, continuou o estranho visitante, que são úteis ã Ciência, Mirville e Eliphas Levi. A todo tempo são necessárias duas colunas; vós sois Jakin, ele é Boaz. Sabeis bem que nenhuma força se produz sem resistência, nenhuma luz sem sombra, nenhuma afirmação sem negação". Calou-se por alguns instantes e eu lhe per-guntei:
- Sois Espírita? Respondeu-me gravemente: "Os espíritas
são escorpiões que inoculam um veneno cadavérico sob
as pedras tumulares. Atraem os mortos, mas não os res-suscitam. Em
breve a terra estará coberta de cadáveres que andam. Estamos
em uma época de morte. Louis-Philippe era um Mercúrio sem asas
na fronte; ele as tinha nos pés e foi-se. Napo-leão III é
um Júpiter sem estrela; após ele virá o Saturno coxo,
o rei das ganchas e dos padres. O Senhor Conde de Chambord... "O visitante
refletiu um instante, olhou-me fixamente e disse de repente: "Por que
não quereis ser papa"? Dessa vez fui eu quem soltou uma garga-lhada.
Respondi-lhe: - Porque não quero ser despropositado. "Ah! disse-me
ele, ainda tendes um véu para rasgar e não conheceis vossa força
toda-poderosa, acrescentou, retratando-se. Nós dois já criamos
e destruímos muitos mundos e vós não ousais aspirar a
governar um. Es-perai, então, a derrota, o esmagamento dos tímidos,
a cruz desse pobre homem que se cha-mava Jesus Cristo".
"Mas, finalmente, quem foi vós"?, perguntei-lhe, então,
levantando-me.
"Vós negastes minha existência, respondeu-me ele; chamo-me Deus. Os imbecis denominam-me Satã. Para o vulgo chamo-me Juliano Capella. Meu envelope humano tem vinte e um anos; ele nasceu em Bordéus; tem pais italianos".
"Enquanto esse rapaz falava, eu sentia um peso extraordinário na cabeça; pare-cia-me que minha testa iria explodir. Observava meu interlocutor com surpresa. Seu rosto lem-brava os retratos de Lord Byron, com menos correções nos traços; possuía as mãos muito brancas e carregadas de anéis, o olhar seguro e crepitante de sarcasmos, a boca vermelha, os dentes regulares". (14)
O curioso visitante partiu e jamais os biógrafos de Eliphas Levi encontraram qualquer traço dele. O ano de 1865, como ele tinha predito, foi triunfal para Eliphas, pois a publicação de sua Ciência dos Espíritos trouxe-lhe enorme reputação entre os ocultistas de seu tempo.
No dia 31 de maio de 1875 faleceu Eliphas Levi. Aqueles que o acompanharam até o último momento testemunharam sua grande coragem e resignação. No momento de expi-rar, estava bastante calmo. Sua vida tinha sido plena de realizações espirituais. Havia cumprido a missão de iniciado e de iniciador. Acima de seu leito, estava fixado um crucifixo, que olhava seguidamente nos últimos momentos. Disse antes de expirar: "Ele prometeu o Consolador, o Espírito. Agora espero o Espírito, o Espírito Santo". O Mestre faleceu logo em seguida.
Dedicando praticamente todo seu tempo à pesquisa da verdade e ao apostolado perante seus discípulos, Eliphas Levi levou uma vida bastante humilde. Os bens materiais que possuía não passavam de muitos livros e algumas obras de arte, como prova seu testamento, redigido em uma quarta-feira, no dia 26 de maio de 1875, cinco dias antes de sua morte:
"Em nome da Justiça e da Verdade, este é meu testamento:
Lego ao Conde Georges de Mniszech meus manuscritos, livros e instrumentos de ciência, particularmente uma dupla esfera metálica portanto um resumo de todas as ciên-cias.(15)
Desejo que ninguém toque em meus; manuscritos, a não ser o Conde de Mniszech, a condessa sua esposa, o Conde Branicki e a senhora Gustaf Gebhard, que reside na rua Koenigstrasse, 64, em Esberfeld.
Meu amigo Edouard Pascal, que se ocupou de mim com o maior devotamento, escolherá dentre meus livros não científicos e entre meus objetos de arte e de curiosidade o que lhe interessar.
Lego à minha irmã Pauline Bousselet, que sou forçado a deserdar, por causa de meu cunhado, todos os meus quadros e objetos de devoção.
Desejo, ademais, que todas minhas vestes e roupas em geral sejam legadas às irmãs de caridade da rua Saint-Jacques.
O que resta de móveis, curiosidades, tapeçarias, vasos, pratos
de cobre, etc., será vendido e o resultado dividido entre as pessoas
que se ocuparem de mim até os últimos momentos; não me
refiro a mercenários, mas a amigos".
O Conde de Mniszech faleceu em 1885. Os manuscritos de Eliphas Levi foram
vendidos e dispersos; mas graças a Stanislas de Guaita foram reencontrados.
Cabe salientar que a Condessa de Mniszech era prima da Condessa Keller, esposa
de Saint-Yves d´Alveydre, o Mestre intelectual de Papus, fato que certamente
facilitou a recuperação dos preciosos ma-nuscritos.
Edouard Pascal ficou também com a espada mágica de Eliphas Levi e com a famosa caderneta de anotações referentes aos trabalhos mágicos de Londres. Em 1894 esses objetos caíram nas mãos de Papus, graças a intercessão de amigos que conheciam a viúva de Pascal.
O Filho de Eliphas Levi que só viu o pai no dia de sua morte, acompanhou-o até a sua última morada.(16) M.A.C. foi visto em 1914 por Chacornac, que ficou admirado com sua extrema semelhança com Eliphas Levi. Era um velho de estatura média, de cabelos brancos e que exalava bondade. Mostrou-lhe sua biblioteca, com quase todas as obras de seu pai, cui-dadosamente encadernadas. Presenteou-o com um busto de Eliphas e com um de seus manuscritos, denominado O livro de Hermes. Compunha-se de 294 folhas, com 47 figuras no texto e com 78 lâminas do Tarot, em anexo, desenhadas pelo próprio autor. Em 1919, Chacor-nac encontrou-se com o neto de Eliphas Levi, filho de M.A.C.
M.A.C. legou em 1914, a amigos de Papus, manuscritos inéditos de Eliphas, e objetos pessoais do Mestre. A Tradição Ocultista continuou através dos discípulos póstumos de Eliphas Levi Zahed. A vida continua depois da vida; o sol parte e vem a noite; mas ele não deixa de renascer no dia seguinte, para aquecer e iluminar todos os recantos da Natureza.
1-) Eliphas Levi tinha 15 anos de idade. Cf. CONSTANT, A.L. Livre des Lar-mes ou le Christ Consolateur. Paris, Paulier, 1845, p.214.
2-) Cf. CHARCONAC, P. Eliphas Levi, Rénovateur de I´Occultisme em France. Paris, Charconac Freres, 1926, p.17.
3-) Nasceu em Paris em 1814; foi autor de Magicien (1834), Charlotte Corday (1840), Evangile du Peuple(1840); exilado na Inglaterra em 1851, retornou à França em 1869, após a queda do império. Foi nomeado administrador da região de Bouches-du-Rhone, onde tomou medidas enérgicas do ponto de vista econômico e administrativo. Suspendeu o jornal La Gazette du Midi e dissolveu a congregação dos Jesuítas de Marselha; esses atos foram des-feitos pela administração superior, o que culminou com sua demissão. Foi reeleito deputado para a Assembléia Nacional em 1871. O papel que desempenhou como político à partir desta data, foi sem expressão.
4-) CONSTANT,A.L. L´Assomption de la Femme ou le livre de L´Amour. Pa-ris, Le Gallois, 1841, p. XIX.
5-) CONSTANT, A. L. Op. Cit., p. XXI.
6-) Carta de Eliphas Levi ao Barão Spedalieri, Correspondência, t. IX. Essa correspondência entre os dois ocultistas comporta mais de mil cartas. A presente tradução en-globa apenas o tomo I (Citado por CHACORNAC, p. op. cit.,p. 108).
7-) CONSTANT, A.L. Le Testament de la Liberté. Paris, Frey,1848, p. 218-9.
8-) ELIPHAS LEVI. Correspondência, t. I.
9-) Planta de Largas flores azuis, que crescem em regiões temperadas.
Suas infusões são sudoríferas, diuréticas e depurativas.
10-) ELIPHAS LEVI. Correspondência. t. I.
11-) Eliphas Levi. Correspondência, tomo I.
12-) Todas essas observações estão admiravelmente corretas.
13-) Em 1862, com efeito, um alucinado procurou Eliphas Levi durante dezoito meses, para assassina-lo. Um dia ele apareceu com um punhal em uma mão e um exemplar do Dogma e Ritual da Alta Magia em outra. O mestre encarou-o com brandura. falou-lhe com docilidade e ele foi embora tremendo.
14-) ELIPHAS LEVI, Correspondência, vol. V, citado por CHACOR-NAC,p.op. cit. p. 242 a 244.
15-) Trata-se do famoso Prognóstico de Wronski, aparelho reencontrado por Eliphas Levi em um antiquário de Paris.
16-) M.A.C. era filho de Eliphas Levi e de Eugene C.. Em 1867, Eliphas quis
ocupar-se de seu filho, mas não se entendeu com Eugene. Até
sua morte não mais avistou Eu-gene e o filho. Este, informado por um
amigo, conseguiu rever o pai sobre seu leito de morte. Cf. CHARCONAC, P. ELIPHAS
LEVI, op. cit. p. 192.