Boehme E A Cabala



Na Idade Média, o que se referia ao ocultismo também se referia à Cabala. Assim, esta palavra representava tudo que estivesse ligado à magia, bruxaria e mistério, em geral. Sua significação, entretanto, na língua hebraica, é "tradição" e, segundo outros, "conhecimento recebido" ou "conhecimento por meio do qual são explicadas outras coisas".
A Suprema Sabedoria, o conhecimento, que se perdeu após a queda do homem, foi transmitida, a partir daquela época e durante milênios, sempre de forma oral, de modo que não houve livro que abordasse esses temas. Até que um dia, segundo a história oculta, um homem chamado Isaac, o Cego, resolveu compilar aquilo que os séculos contaram, dando origem, então, ao primeiro livro cabalístico que veio à luz no século XIII, influenciado por outros dois livros intitulados "O Livro da Criação" e o " Livro do Esplendor", muito embora não contivessem, ambos, matéria exclusivamente mística ou religiosa. Em uma das passagens do segundo livro mencionado lê-se:
"Não creias que o homem seja apenas carne, pele, ossos e veias, longe disso! O que, realmente, constitui o homem é a alma; e as coisas que acabamos de falar, a pele, a carne, as veias e os ossos nada mais são do que simples veste, do que um véu, mas não são o homem. Quando o homem morre, despoja-se de todos os véus que o cobrem."
As diferentes partes do corpo representam os segredos da Suprema Sabedoria. A pele representa o firmamento que se estende por toda a parte e cobre tudo como uma veste. A carne nos lembra a parte má do universo, o elemento puramente externo e sensível. Os ossos e as veias representam o carro celeste, as forças que existem no interior, os servidores de Deus; tudo isso, entretanto, não passa de uma veste: pois no exterior está o mistério do homem celeste. Assim como o homem terrestre, o Adão celeste é interior, e tudo se passa na terra como no céu".
Os ensinamentos cabalísticos foram considerados, por alguns, uma tentativa de explicar, metafisicamente, o livro da "Genesis" e de revelar os segredos da Natureza; Abraão era o autor da Cabala e, ao que consta, no Sepher Yezirah, ele deu-lhe uma substancial contribuição.
Já outros viam na Cabala um método teúrgico de desenvolver o controle da Natureza, para benefício pessoal. E outros, ainda, consideravam a Cabala como uma espécie de jogo intelectual em que os números e letras eram usados para propor e resolver problemas filosóficos.
A Cabala era uma tentativa de explicar os fenômenos do Universo, segundo os aspectos espiritual e físico, isto é, de revelar como os fenômenos da Natureza são a conseqüência direta da lei, e não, manifestações arbitrárias.
A Cabala admite que existem várias hierarquias de seres no mundo. Uma, que vai do Homem até Deus, e outra que desce do homem até o animal, à planta e à pedra. Assim, ludo que está vivo no mundo é um ser e, portanto, está ligado ao homem e ao resto do universo.
No decorrer do século dezessete, era comum recorrer-se à Alquimia, à Religião, a Alegorias, ao Misticismo e à Cabala, porque estas matérias constituíam a moldura de tudo o que se desejava entender e realizar. Isso é observado na naturalidade com que todos esses assuntos concordam, e na facilidade com que as mesmas proposições podem ser expressas em termos aceitáveis para o pensador do século vinte, seja ele cientista, técnico, leigo, cristão ou outra coisa qualquer. "Os antigos instrutores empregavam métodos de velar a Verdade em histórias deliciosas e interessantes, como o miolo ou polpa de uma noz dentro de sua casca. Enquanto os homens se ocupam da casca, a semente em germinação brota e cresce vigorosamente".
De forma surpreendente, as idéias manifestadas na Cabala encontram-se em todos os ensinamentos filosóficos, religiosos e místicos.
A "doutrina esotérica" contida na Cabala é comum a todos os povos antigos, pois nela são encontradas idéias parecidas ou idênticas, comuns ao acervo dos chineses, hindus, egípcios, babilônios, sírios, caldeus, bem como dos judeus e cristãos. Por esse motivo, pode-se dizer que há muitas Cabalas, porém, a hebraica tem sua compreensão facilitada, em parte, pelo conhecimento da Bíblia Cristã.
Os fundamentos da Cabala estão explícitos no livro "Sepher Yezirah" ou "Livro da Criação", obra considerada das mais antigas entre as primeiras e mais notáveis obras produzidas pela mente humana. Mostra ela como, exclusivamente através do alfabeto, é estabelecida a estrutura do universo, de modo geral e específico: O Mundo Superior, configurado pelas três letras matrizes; o Mundo Inferior, o mundo visível, configurado pelas sete letras duplas; os debita lhes deste mundo, assim como as fronteiras, são sugeridos pelas doze letras simples.
Estas três divisões do alfabeto, juntamente com as dez emanações denominadas Sephiroth(* Sephiroth: emanação divina, O singular é "Sephirath" ambos termos da Cabala Hebraica.), constituem um espelho de como a infinita unidade invisível se transforma na finita multiplicidade visível.
A Cabala chegou a englobar um sistema de misticismo esotérico e de cosmologia, tendente a explicar a natureza de Deus e Suas relações com o mundo. A época em que esse sistema surgiu é desconhecida, mas se reconhece, como dissemos, ser muito antigo. Pode, mesmo, ter se originado da obscura filosofia de Hermes Trismegistos.
Consiste a Cabala, preliminarmente, na permuta de letras do alfabeto hebraico, por números. Afirma ela que Deus é tudo em tudo. Nada existe ou virá a existir fora Dele. As emanações desse "Tudo em Tudo" foram a causa do nascimento de todas as coisas e consistem de três ele mentos fundamentais: a água, o ar e o fogo e, por sua vez, produzem três outras emanações: a treva, a luz e a sabedoria. A combinação das seis produz o mundo. A luz é, freqüentemente, apresentada como uma emanação direta de Deus.
O ponto onde o invisível e intangível começa a ser visível e tangível é chamado, pelas cabalistas, o "começo da Criação".
Uma inteligência versada na estrutura da Cabala pode analisar números e letras para desvendar uma filosofia, ou, então, partindo da correspondência pela qual são indica dos, descobrir fatos do universo e do homem.
Assim, a partir de uma única letra hebraica, o cabalista pode, não só, desvendar um segredo da Natureza como a relação intrínseca formulada, numericamente, na palavra escrita e na palavra falada. Cada partícula é um elo de uma cadeia na qual o universo é unificado, explicado, e se revela como manifestação do infinito. "Num vai-vem entre o todo e as partes, as lançadeiras da mente podem tecer-lhe uma veste de verdade, a partir dos elementos disponíveis que são apenas os multicores fios da delicada teia da verdade, e o tecelão; e assim procede unificado por Deus, na harmonia do intenso silêncio e profunda meditação".
Os sábios de vários países escreveram sobre os mistérios, de forma obscura, e eram entendidos apenas pelos que gostavam de tais assuntos. Aqueles que orientaram sua vida no sentido dos ensinamentos das Escrituras, que tudo contêm, conseguiram compreender os mistérios sobre os quais escreveram. E sua sabedoria recebeu denominações diferentes, das quais a Magia e a Cabala eram as mais místicas.
Enquanto a Magia consiste no conhecimento de como as coisas vêm a ser, a Cabala devota-se a saber como as palavras e as formas expressam a realidade do Mistério interior. Aquele que conhece o mistério, conhece todos os ramos da árvore da sabedoria, em todas as artes e ciências, a verdadeira significação de cada idéia, de cada pensamento, coisa e som, na letra de cada idioma. Assim, possuindo o verdadeiro conhecimento, Jacob Boehme pôde comentar ou explicar as letras dos nomes de Deus e outras palavras e silabas; a significação do que ele afirma está compreendida na linguagem da natureza.
Eximida de toda a matéria que não lhe pertence, a Cabala é simples; é uma interpretação metafísica e científica da Criação (tal como é exposta nos primeiros Capítulos da "Genesis"). Não é um sistema de Numerologia, de Astrologia, de Magia ou de Alquimia, embora, de acordo com a teoria alquímica, exista uma criação, um mundo que é de natureza dual, O que está em cima é como o que está em baixo; o sutil, como o denso. Boehme fez esta colocação em termos de exterior (externo) e interior (ou interno).
O tema da Cabala é a natureza de Deus e Seu modo de manifestação. Seu propósito é o de habilitar o estudante a apreender a imensidão do Infinito e, com isso, compreender o Todo e suas partes.
Se a Cabala é tão antiga como se acredita, é provável que contenha a primitiva sabedoria secreta das Escolas Egípcias de Mistério. Faz-se, contudo, necessária uma advertência. Como muitos ensinamentos antigos, a Cabala foi deturpada. Muitos escritores contemporâneos escreveram panfletos e livros sobre o assunto, que representam, apenas, sua própria interpretação. Não expuseram com exatidão os fatos através das primeiras traduções. Tinham idéias preconcebidas sobre o que a Cabala deveria ser ou sobre o que realmente era e a alteraram de acordo com suas idéias; outros modificaram o teor dos ensinamentos cabalísticos, adaptando-os a algum conhecimento pessoal.
Os cabalistas reverenciavam o número sete, por saber que ele é dotado de virtude e poder. Por isso, no "Sepher Yezirah" há um capítulo que trata, particularmente, da sua importância: "por sete consoantes duplas foram também concebidos sete mundos, sete céus, sete terras, sete mares, sete rios, sete desertos". Há ainda, sete dias na semana, sete semanas da Páscoa a Pentecostes; há um ciclo de sete anos, sendo, o sétimo, o ano da redenção e após sete anos de redenção, vem o jubileu; portanto "Deus ama este número sete em tudo o que existe sob os céus".
As sete letras do alfabeto hebraico são denominadas letras duplas porque têm duas pronúncias, uma aspirada e outra, não. Como as três letras matrizes, estas sete letras têm uma trina significação. No universo, representam sete astros: Saturno, Júpiter, Marte, Sol, Vênus, Mercúrio e Lua. No ano, representam os sete dias da criação; no homem, os sete portais ou as sete janelas dos sentidos: dois olhos, dois ouvidos, duas narinas e uma boca.
Os cabalistas fizeram das três letras matrizes, os senhores do Mundo Superior, referindo-se às mesmas como a Sagrada Trindade Superior. As sete letras múltiplas, no entanto, afirmavam, regiam o Mundo Inferior. Elas são análogas às seis dimensões do espaço (altura, profundidade, leste, oeste, norte, sul e o "templo sagrado, que está situado no centro e a todas elas sustenta"). Representam, igualmente, a antítese ou as oposições que podem ser encontradas na vida. O "Sepher Yezirah" denomina-as: Sabedoria-Ignorância, Riqueza-Pobreza, Fertilidade-Esterilidade, Vida-Morte, Domínio-Escravidão, Paz-Guerra e Beleza-Fealdade. As primeiras sete correspondem, pois, aos sete Sephiroth inferiores, enquanto a oitava, a nona e a décima correspondem aos três Sephiroth superiores. As sete são também influenciadas pelo gnosticismo e pela Astrologia.
Ao redor dos sete dias da criação, os cabalistas imaginaram doze posições atuando como pontos oblíquos. subsidiários, no espaço; representavam as doze letras simples, as doze constelações que marcavam, para o homem, as fronteiras do seu mundo.
Segundo o "Sepher Yezirah", as doze letras simples simbolizam os órgãos da fala, do pensamento, do andar, da visão, da audição, do trabalho, do sexo, do olfato, do sono, da raiva, da deglutição e do riso; as doze consoantes simples simbolizam, também, doze pontos oblíquos: altura leste, nordeste, profundidade leste; altura sul, sudeste, profundidade sul; altura oeste, sudoeste, profundidade oeste e altura norte, noroeste e profundidade norte; tais pontos alargaram-se progressivamente, por toda a eternidade, formando os limites do mundo.
Com as doze letras simples, Deus fez doze constelações no mundo, doze meses no ano e doze líderes (órgãos) no corpo humano. As constelações do mundo são: Aries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. Os doze meses do ano são os que nós conhecemos: Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro. Os doze órgãos do corpo humano, líderes, são: as duas mãos, os dois pés, os dois rins, vesícula, intestino delgado, fígado, garganta ou esôfago, estômago e baço.
As sete letras duplas visam simbolizar as oposições que se manifestam na vida: Sabedoria-Ignorância, Riqueza Pobreza, Fertilidade-Esterilidade, Vida-Morte, Domínio Escravidão, Paz-Guerra e Beleza-Fealdade.