Saint Martin fundou ou não uma Ordem?


Há entre os historiadores Martinistas um debate bastante caloroso versando se Saint Martin fundou ou não uma Ordem. Neste artigo iremos reproducir as constatações daqueles que consideram os Círculos de Íntimos como sendo uma Ordem:

"A existência de uma "Ordem Martinista" fundada por Saint-Martin, é negada por todos os autores sérios". (43) Tal é a conclusão das pesquisas filosóficas efetuadas pelo Sr. Van Rijnberk. Não podemos taxar este autor de parcialidade, pois ele mesmo se declara "inclinado a admitir" o fato controverso. Mas, é preciso reconhecer a ausência de todo estudo aprofundado da questão, devido talvez, à falta de suficiente documentação. O Sr. Van Rijnberk, preencheu esta lacuna e encerrou a discussão.
Com efeito, num segundo estudo, o Sr. Van Rijnberk, resume-se assim: "As iniciações individuais de Saint-Martin, consideradas por muitos como simples lendas, são uma realidade patente".(44)
Enviaremos, para todas as discussões de documentos, as criticas de testemunhos, etc., os relatórios do Sr. Van Rijnberk, conduzido segundo o mais sadio método histórico. Indicaremos textos aos quais ele se refere para provar a existência de uma ordem Martinista, de uma ordem de Saint-Martin.
1º) Entre os documentos que poderíamos qualificar de exteriores, encontramos:
1 - Um texto das Memórias do Conde de Gleichen, o qual relata que Saint-Martin tinha estabelecido uma pequena escola em Paris. (45)
2 - Um artigo de Varnhagem von Ense, datado de 1821, onde se lê: "Ele (Saint-Martin) decidiu ... fundar uma sociedade (comunhão), cuja meta seria a espiritualidade mais pura, e pela qual começou a elaborar à sua maneira, as doutrinas de seu mestre Martinez". (46)
3 - Uma carta, cujo autor é desconhecido e que foi endereçada em 20 de dezembro de 1794 ao professor Köster. Nela se fala de "Saint-Martin e dos membros de seu círculo íntimo". (47)
Trata-se, em termos apropriados, de uma "Sociedade de Saint-Martin" e de uma filial Strasburgiana desta mesma sociedade.
Anexemos a estes documentos, muitas vezes inexatos nos detalhes, mas, unânimes em afirmar a existência de uma sociedade de Saint-Martin, a sucinta nota necrológica do Journal des Débats. Está assim redigida: "Paris 13 Brumário... o Sr. de Saint-Martin, fundador na Alemanha de uma seita religiosa conhecida com o nome de Martinista, acaba de falecer em Aulnay próximo a Paris, na casa do senador Lenoir Laroche. Ele adquirira alguma notoriedade por suas exóticas opiniões, sua dedicação aos devaneios dos iluminados e seu livro ininteligível "Dos Erros e da Verdade". (48) Notar-se-á que se menciona uma seita religiosa e não maçônica. A Sociedade a qual o redator do Journal des Débats atribui a formação do Filósofo Desconhecido, não tem, pois, nada em comum com o pretenso rito maçônico de Saint-Martin. (49) Nenhum dos documentos indicados acima, sugere, aliás, esta identificação.
Citemos, enfim, a curiosa estória do Cavaleiro d'Arson. Acha-se narrada na sua obra "Appel à l'humanité". Preciosa para entender o espírito da Ordem Martinista, fornece, também, um documento histórico sobre a Sociedade de Saint-Martin em 1818. Vê-se, com efeito, nesta obra, que naquela época, os discípulos do Teósofo liam suas obras, aconselhando à sua leitura e agiam em torno delas como verdadeiros Superiores Desconhecidos. (50)
2º) Mas o Sr. Von Rijnberk, recebeu outras informações do Sr. Augustin Chaboseau, até a época inéditas, sendo publicadas no tomo II de Martinez de Pasqually. Elas comprovam a existência de uma iniciação transmitida por Saint-Martin, diferente da iniciação Cohen.

Deste quadro resulta que a iniciação dos Martinistas atuais, iniciados pelo Sr. Augustin Chaboseau, é, incontestável, e aliás, incontestada. A dos Martinistas de Papus, à medida que se unam à única subdivisão de Chaptal-Delaage, e, na medida em que o próprio Papus se liga a esta única subdivisão, está obscurecida por uma dúvida. Chaptal, com efeito, morreu em 1832 e não pôde iniciar Delaage, que nascido em 1825, tinha, então, sete anos. O próprio Papus diz "que um dos alunos diretos (de Saint-Martin), o Sr. de Chaptal, foi avô de Delaage" (51), mas não indica com precisão que ele deveria tomar a posição paterna. (52)
De fato, a regularidade Martinista de Papus é certa, porque ele não possuía somente a hipotética filiação de Delaage. Augustin Chaboseau, assinalou num artigo inédito este ponto na história do Martinismo contemporâneo. Ele relata que Gérard Encausse e ele, trocaram suas iniciações, conferindo-se, reciprocamente, o que cada um deles havia recebido.(53) Pode-se, pois, dizer que se Papus era validamente detentor da iniciação da Saint-Martin, ele o devia a Augustin Chaboseau.
Certas tradições e outros fatos, ligam Saint-Martin e a Ordem Martinista à Companhia dos Filósofos Desconhecidos.(54) Saint-Martin, estaria unido pelo canal de uma iniciação cerimonial a Salzmann, a Boehme, a Sethon e a Khunrath. O que se poderá pensar desta genealogia? Não é nossa tarefa fazer-lhe a crítica; é trabalho para um historiador. De resto, a questão pouco nos importa. Se Saint-Martin criticou todas as peças da iniciação Martinistas, ninguém poderá discutir sobre seu direito e seu poder. Se a iniciação de Saint-Martin leva em si o influxo de Martinez ou do Cosmopolita, isto é totalmente supérfluo. Porque a originalidade de Saint-Martin é tal, e tal é a força de sua personalidade que ocultariam e removeriam as relações anteriores. Saint-Martin pôde ser visto de uma iniciação já praticada com os seus discípulos, como denominamos aqueles Superiores Desconhecidos, sem lhes dar nenhuma prerrogativa administrativa e honorífica, primitivamente ligadas a este título. Mas a concepção que Saint-Martin tinha da iniciação e do Superior Desconhecido, eis o que o Teósofo transmitiu e o que é essencial.
Qualquer que seja o veículo, a iniciação Martinista está totalmente penetrada pelo espírito de Saint-Martin. É necessário e suficiente que ela se refira, efetivamente a ele.
Tais são os fatos mais seguros no que diz respeito à questão tão longamente debatida da Ordem Martinista. Resta depois da prova de sua existência, pesquisar sua natureza, sua organização, seu espírito, em uma palavra, as ligações do Martinismo, como nós o definimos, e da Ordem Martinista, que pretende ser sua continuadora.


44 - Id. II, pág. 33.
45 - Souvenirs, Ed. Lechener, Filhos, Paris 1868, pág. 155.
46 - V. von Ense (K.A.) Saint-Martin, 1821.
47 - Die neuesten Religionsbegebenheiten für das Jahr 1795. Jahrgang 18, Stuck 1, p. 39-62. Esta referência e as duas precedentes, são de V.Rijnberk I, pág. 112,3,4,5.
48 - Journal des Débats, 14 Brumário, ano XII (6 nov. 1803).
49 - Thry, Annales Magni O Galliorum; e também L. Blanc (Histoire de la Rèvolution Française, Paris, 1869, t. I, pág. 215). "Enxertada na Franco-Maçonaria, a doutrina nova" (O Martinismo), constitui um rito composto de 10 graus em graus de instrução, pelos quais, deviam passar, sucessivamente, os adeptos.
50 - Foi Papus, segundo nosso conhecimento, que assinalou o interesse inicial desse texto. Conforme Saint-Martin, pág. 246, Martinisme, Martinéisme e Willermozisme, pág. 42, nota I.
51 - Papus: Saint-Martin, pág. 248.
52 - É preciso entender que falamos somente da iniciação Martinista, isto é, aquela que deriva de Saint-Martin. A regularidade Cohen do Martinismo de Papus é do Martinismo Lyonês, não está em questão.
53 - "Como reconhecer Bl... por Grão-Mestre, eu que iniciei Papus em 1888?"(Extrato de um manuscrito de A. Chaboseau. Coleção do autor).
54 - Uma ordem de Superiores Desconhecidos figura em 1646 numa lista de denúncias endereçadas ao Tenente de Polícia pela Companhia de Saint-Sacrement.