A Obra de Willermoz segundo Jean-François Var


Quão surpreendente foi o destino de Jean Baptiste Willermoz! Nada do que ocorreu no decurso de sua vida poderia sugerir o que logo viria a ser sua reputação póstuma. Nem sua origem familiar, tampouco sua educação permitiriam prever que seu nome, sua obra e seus escritos tornar-se-iam, dois séculos mais tarde, tão conhecidos por um expressivo número de pessoas.


Dos produtores de seda Lyoneses do século XVIII podemos destacar dois nomes que permaneceriam na memória dos homens por razões bem distintas: Joseph-Marie Jacquard (1752-1834) e Jean Baptiste Willermoz (1730-1824), seu contemporâneo. Este último não é lembrado por seu ofício de tecelão, mas sim por seu trabalho na Maçonaria Mística e no campo da investigação espiritual. Certamente foi por meio deste ofício de tecelão que ganhou o pão de cada dia, aplicando-se com a mesma seriedade com que empreendia suas investigações metafísicas. Esta dedicação à profissão era, entretanto, apenas no sentido de prover o necessário à sua sobrevivência, e nada mais. A obra de Jean Baptiste Willermoz deveria ser totalmente conhecida, ser objeto das mais profundas reflexões e mesmo consistir no autêntico livro de cabeceira de todo maçom do Rito Retificado. Há uma tal quantidade de documentos, de cartas, de manuscritos que iluminam o entendimento de sua Arte, o que não ocorre com muitos outros Ritos de origens obscuras e de autores anônimos. Ao legado que Willermoz nos deixa devemos acrescentar, para fazer justiça, o legado de um Turckheim ou de um Salzmann, o que nos permite conhecer a lenta gênese dos Rituais Retificados, suas intenções doutrinais e, definitivamente, seus objetivos finais. É inútil, porém, querer atribuir o status de qual o melhor sobre os "Símbolos"; é suficiente apenas ler e compreendê-los.


Entretanto, tais documentos jamais foram reunidos, o que é lamentável. Foram publicados, porém dispersos em obras de interesses diversos ou mesmo em revistas confidenciais, sendo que muitos deles ainda jazem esquecidos em remotas bibliotecas. Esta dispersão é suficiente para desanimar o buscador de coração puro que não dispõe nem do tempo, nem, sobretudo da paciência de reunir e mergulhar neste montante de documentos, extremamente profundo em seu conteúdo, desconcertante, porém, por sua própria riqueza.


Dentro deste contexto, podemos dizer que o presente ensaio de Jean-François Var nos chega em um momento extremamente oportuno. É um desafio apresentar, em tão poucas páginas, uma exposição clara, brilhante e incisiva sobre o homem e sua obra. Nosso comentarista a divide em três períodos. No primeiro revive a aprendizagem da Maçonaria, que se pode, por questões de simplicidade, denominar por estilo francês; no segundo, revive o encontro de capital importância com a Teosofia de Martinez de Pasqually; por fim, no terceiro, discorre sobre a adaptação da contribuição cavalheiresca e templária da Estrita Observância Germânica. O resultado foi este admirável Rito Escocês Retificado, que inclui o que de melhor existe nos três componentes mencionados. Com isso, era de se esperar que a obra de Willermoz desconcertasse os maçons de seu tempo, demasiadamente ocupados com uma convivência de lirismo fraternal, o que impediu assim a compreensão de sua mensagem em profundidade. Foi somente através dos ensinamentos de René Guénon que a mensagem de Willermoz pode ser percebida e julgada em seu verdadeiro valor, o que então acarretou no ressurgimento do Rito no século XX. Resta-nos ainda considerar a contribuição de Willermoz à Franco-Maçonaria de hoje. O que permaneceu de sua obra por entre nossos contemporâneos e nas estruturas da Ordem Maçônica? Como justamente descreve Jean-François Var, Willermoz elaborou seu sistema baseado em três círculos concêntricos, em cujo centro se encontra a "Ordem dos Cavaleiros Maçons Eleitos Cohen do Universo", de Martinez de Pasqually.


A "primeira" e a "segunda" "classe", tão bem descritas no preâmbulo de Wilhelmsbad (1782) existiram sempre, ainda que articuladas de um outro modo não previsto nos dois "Códigos" adotados na Convenção de 1778. Ainda hoje se faz necessário avaliar mais detidamente esta questão.
Em relação a nós, encontramos em nosso país dois organismos principais que reivindicam a herança de Willermoz. O primeiro se considera sendo o herdeiro zeloso das Convenções de Lyon e de Wilhelmsbad. Os quatro graus "simbólicos" são conferidos nas lojas escocesas filiadas a uma Grande Loja Escocesa Retificada para a Bélgica. Esta é certamente administrada pelos delegados das lojas, sobretudo por três Irmãos revestidos do grau "mais elevado no regime". Aos representantes da segunda classe se atribui o poder de decisão final (Art. 3 e 4 das Constituições e Regulamentos da Grande Loja Escocesa Retificada para a Bélgica adotados em 14 de Julho de 1985). A segunda classe é regida pelo Grande Priorado da Lotaríngia, saído da Província de Brabantia, constituída em Bruxelas em 1968