A Síntese Mágica
Guaita


Eis o ponto central da grande Síntese Mágica. Invisível tornada ou perceptível à visão através do calor, a luz forma a dupla corrente fluídica cujo modo de circulação, matematicamente determinável, pode ser influenciado por quem chegou ao resultado final. Eis o agente supremo das obras de magnetismo e de teurgia, esse Ser multiforme personificado pela serpente da Bíblia, como vimos acima. Conhecer as leis das marés fluídicas e das correntes universais é, como diz Eliphas, possuir o segredo da onipotência humana: descobrir a fórmula prática do incomunicável Grande Arcano.


Essa luz, dizem os adeptos, é andrógina. Seu duplo movimento efetua-se incessantemente, sendo determinado por sua dupla polaridade. I Y } é a corrente positiva ou de projeção, enquanto P Y } é a corrente negativa ou de absorção. A um dado ponto de sua evolução rigorosamente invariável, a Luz Astral se condensa, e de fluídica torna-se corporal. É então a matéria ou misto coagulado. (São distintas as expressões usadas pelos alquimistas. Estes chamam Aod de Enxofre, fervor seco ou calor inato; Aob, de Mercúrio, dissoívente universal ou radical úmido; o misto coagulado é, para eles, Sal ou Terra Vermelha.)(83) Como se pode observar, por mais que varie a terminologia, a doutrina permanece idêntica. E uma vez que tudo vem da Luz, pode-se dizer que a ciência deste agente primordial revela a gênese absoluta da matéria e das formas.
Uma palavra desta teoria aplicada ao zoomagnetismo fornecer-nos-á a chave do Sonambulismo artificial, da Segunda Visão, das Miragens condensadas (aparições), dos envultamentos criminosos - em suma, de todos esses fenômenos espantosos cuja realidade é contestada pela ciência oficial, nos limites cada vez mais restritos do possível: pois o simples enunciado de semelhantes fatos - e disso ela tem plena consciência - invalidaria a priori diversas "leis fundamentais" que ela promulgou do alto de sua infalibilidade secular.
Há no homem, segundo a magia, três elementos radicais: a Alma (elemento espiritual), o Corpo (elemento material) e o Perispírito ou Mediador (elemento fluídico); assim, a criatura de Deus (como Ele, Tríplice e Una) é feita, realmente, à sua imagem e semelhança(84). A alma espiritual seria, aliás, inábil para fazer-se obedecer pelo corpo material sem a interferência de um Mediador Plástico procedente de ambos, mediador que aciona diretamente o sistema cérebro-espinhal, encarregado, por sua vez, da transmissão das ordens do Querer aos órgãos físicos. Denominados, também, de Corpo Astral, este mediador, composto de luz bipartida fixa ou especificada (fluido nervoso) e de luz bipartida volátil (fluido magnético). O fluido nervoso comanda a economia vital; o fluido magnético, que não é senão a luz ambiente, aspirada alternadamente, de um modo análogo ao da respiração pulmonar, põe o perispírito em contato direto com o mundo exterior. Ora, uma vez que este Mediador Plástico, exercido convencionalmente, segundo sua própria vontade, pode coagular ou dissolver, projetar ao longo ou atrair uma porção do fluido universal, ele possibilita ao adepto influenciar toda a massa de luz astral, nela criando correntes e produzindo, enfim - ainda que à distância -, fenômenos surpreendentes que a ignorância comum qualifica como milagres ou perversas artimanhas do diabo, quando não acha ainda mais simples negá-los obstinadamente.


Sobretudo durante o sono magnético, o perispírito funciona com maior vigor e eficácia. Nesse estado, traz para junto de si, repleto de imagens, o fluido configurativo(85) que ele acaba de projetar dado ponto do espaço. É dessa forma que ao homem lúcido, adormecido em sua poltrona, a Natureza entrega seus últimos segredos, a ponto de ele perceber igualmente os vestígios do passado, as miragens do presente e os embriões do futuro - formas e reflexos espargidos na Luz Astral.
Os supersticiosos que enxergam fantasmas e, de modo geral, todos os alucinados, acham-se, no momento da aparição, em um estado próximo ao êxtase sonambúlico. O seu translúcido, em contato imediato com o fluído ambiente, apreende os inúmeros reflexos desse tipo transportados pela corrente. Os Cabalistas, de resto, reconheceram a existência positiva de miragens animadas, espécies de coagulações da luz astral, cujas diversas formas de nascimento ou, se quisermos, de produção deixamos entrever alhures... Inconscientes, mas reais, são as Larvas propriamente ditas. (Outras criaturas semi-inteligentes, recebem, em Magia, o nome de Espíritos Elementares e Elementais)(86). Por larvas podemos entender rudimentos de mediador plástico, destituídos quer de alma consciente, quer de corpo material, suscetíveis todavia, por condensação, de se tornarem visíveis, e até mesmo palpáveis. Afetam, então, a forma dos seres de que se aproximam. O ocultista (que os atrai, que os domina e os dirige por intermédio de seu próprio corpo astral) pode dar-lhe, à vontade, a aparência de qualquer objeto, contanto que determine mentalmente a natureza do objeto designado e que, em sua imaginação, burile vigorosamente seus contornos.
Cessemos esta exposição da teoria unitária do fluido universal, pois dissemos o suficiente para que o leitor entreveja a explicação racional dos mais perturbadores fenômenos magnéticos ou espíritas, sem que lhe seja necessário recorrer ao auxílio dos manes dos antigos ou de Satanás e suas legiões sulfurosas.
Esta teoria da luz - apenas esboçada aqui em seus traços essenciais, tão somente indicada em suas mais elementares aplicações é tradicional entre os adeptos. Os Mesmerianos pressentiram-na, sem saber precisar os seus princípios gerais melhor do que definir a sua imensa e decisiva envergadura; o ardor desses homens por proclamar a onipotência do fluido magnético é testemunha desta afirmação, juntamente com a sua incapacidade quando se trata de estabelecer-lhe a existência. Colocados contra a parede, eles se entrincheiram por trás desta fórmula indefinidamente vaga: "Emito o fluido e os fenômenos se manifestam. Quando o retiro, eles cessam". Isso não basta. Se esses senhores não confundissem a Antigüidade sábia e a Tradição em um mesmo e soberbo desdém, teriam encontrado nos hieróglifos do Tarô - esse admirável livro iniciático, já há muito prostituído e vilipendiado - a indicação precisa de uma doutrina mais satisfatória, talvez... Solitária, entre os escritores que trataram de modo especial do Magnetismo, a sra. Mond, a última adepta dos Mistérios Jônicos, pôde doutamente vincular às leis primordiais da Luz as verdadeiras regras do sonambulismo provocado(87). Discípula de Eliphas Levi, ela sabia por que motivo convém crer na existência real de um agente isômero da eletricidade. Quanto aos outros fluidistas - conjuradores de nuvens pretensamente metafísicas -, fizeram menos pela manifestação do Verdadeiro do que os magnetizadores positivistas, inatacáveis no terreno que escolheram.


Ninguém murmura sequer uma palavra acerca do abade Faria, que foi o primeiro a questionar a hipótese do fluido e a promulgar, também, os princípios da sugestão. Entretanto, os psicólogos ou Braidistas deveriam reivindicá-lo por ancestral, pois que o mérito incontestável do inglês Braid parece ter sido, seguramente, haver batizado a ciência de Mesmer em destinos novos e mais acadêmicos; os sábios oficiais não possuíam anátemas suficientes para o Magnetismo; o Hipnotismo lhes aprazia. - "O hábito faz o monge..." Esta máxima é tão justa, que uma vez caída a etiqueta injuriosa todos, alquimistas, médicos, professores, lançaram-se inescrupulosamente às práticas que por tanto tempo estiveram proibidas. O Instituto revogou a proibição outrora invectivada contra a ciência ortodoxa e, pronto para sancionar a ciência anabatista, acolheu a sugestão. Por mais incapaz que seja, aliás, esta hipótese para explicar o que se acha além das aparências, ela não é destituída de um real valor científico, conforme veremos adiante. A escola de Nancy, formada recentemente sob a égide de um sábio de primeira categoria, o doutor Liébault, levou o Magnetismo experimental e positivo às suas fórmulas mais nítidas - e nós preferimos mil vezes a ciência considerada deste ponto de vista, algo exclusivo e restrito, aos incoerentes desvarios dos caudatários mesmerianos, obcecados por um pseudo-fluidismo indigente.
Não é a divulgação mal compreendida das doutrinas cabalísticas referentes à questão dos espíritos elementares que se há de atribuir as aberrações do espiritismo contemporâneo? É possível. Os filhos supersticiosos da Idade Média tremiam diante da simples narração de visões misteriosas. O coveiro julgara distinguir, sobre os túmulos, vagas formas em véus diáfanos. O assassino sentira seu braço - já levantado para a prática do crime - sendo agarrado por uma mão invisível. O clérigo, tendo evocado Belzebu, vira-o surgir em turbilhões de fumaça ruiva. O fantasma de uma mãe castigada despontara aos olhos de seu filho para implorar padre-nossos. Contudo, ninguém jamais imaginara computar os sobressaltos de uma cartola ou de uma mesinha afim de obter, desse modo, revelações de além-túmulo! Falava-se de solares assombrados. Porém, qual o tolo que se atreveria a acreditar na obsessão de uma mesa ou de um chapéu? Tais convicções estavam reservadas ao século XIX... Por que haveríamos de insistir nos sonhos vazios de um Allan Kardec? Não contestamos a realidade física das manifestações, mas este não é o lugar adequado para tecer comentários a respeito. Além disso, o que dissemos acerca da luz astral deve elucidar o leitor quanto à causa eficiente e aos modos de produção dos fenômenos extraordinários em que nossos homens de espírito se gabam de ver "a mão dos desencarnados"(88). Por mais bizarros que sejam os fatos observados, não há nada que não seja natural, pois que, no sentido que as pessoas geralmente atribuem ao vocábulo, o Sobrenatural não existe. Porém, a razão última destas criações anormais de fluido coagulado a alta tensão reside num arcano mais terrível, em si mesmo, do que as fantasmagorias diabólicas que amedrontavam a ingenuidade de nossos pais.


Se fossem divulgados todos os segredos atinentes, de perto ou de longe, ao magnetismo animal, e se houvesse no mundo número suficiente de homens perversos para deles abusar coletivamente, é triste afirmar isto, mas tão nefastos, tão funestos seriam os frutos de tal civilização, que teríamos de aguardar ansiosos uma invasão de bárbaros, a título de libertação! Viriam eles, os brutos benfazejos e, para aniquilar os frutos insanos, solapariam a árvore contaminada... E benditos seriam eles por desobstruirem os destroços imundos daquilo que fora a grande civilização européia.
Há ciências fatais. Tal como outrora a casta Diana, a Natureza fulmina com a morte ou faz tombar o temerário que a surpreende desvelada; dá, porém, o seu beijo furtivo e sua carícia de luz ao homem simples e laborioso que não cobiçou o poder oculto para uma obra imbuída de um egoísmo mesquinho. Assim, Febo sorria ao pastor Endimião sem que este suspeitasse de seu sorriso, e beijava-o quando ele estava adormecido. Eis um simbolismo ainda mais profundo do que o da Bíblia. O fruto tentador acha-se eternamente suspenso na árvore do Bem e do Mal. Aproxima-te, se és puro; toca e contempla o pomo à vontade. Se ousas, come sua polpa, respeitando sua semente. Porém, não o colhas para o vulgo, pois o fruto da Ciência em mãos vulgares tornar-se-ia fruto da Morte.


Essas páginas, Leitor, constituem uma espécie de introdução às que publicaremos em seguida. Andando por entre aqueles que passarem a vida sob os ramos da macieira simbólica, só nos aproximamos desta árvore acidentalmente, e como que impelidos pela multidão. Doravante, mais audaciosos para atingir os seus frutos, ergueremos a cabeça e estenderemos os braços. Posteriormente, elevaremos também nossos corações na direção do mistério.
Sursum corda! Esse é o clamor das almas que aspiram à imortalidade. Essa é a divisa dos hierarcas que labutam pela ascensão. É o verbo dos Chamados que serão os Eleitos! O triângulo divino flameja por sobre os cumes. Em direção a ele se eleva a dupla escada de Jacó, cujos altos degraus perdem-se entre as nuvens. Galgam esses degraus sem soçobrar aqueles que, se não passam de homens, possuem os "flancos de baixa argila consumidos em desejos de Deus"(89)
Desaparecidos em meio ao nevoeiro, aqueles que se encontram abaixo os perdem de vista, enquanto eles, no alto, recebem a iniciação. Em seguida, tornarão a descer. Porém, como Moisés, a luz, contemplada face a face, terá deixado seu reflexo sobre eles: ao descerem, descerão arcanjos, para convidar as almas ousadas à escalada do céu: Violenti rapiunt illud. Se o absoluto não pode revelar-se aos filhos dos homens, que os fortes ascendam até ele para conquistá-lo. Quando retornarem aos seus irmãos mais tímidos, a fim de renderem homenagem à Luz(90), estes poderão ver, pela auréola de sua fronte, que, sem deixarem de ser Filhos da Terra, eles se fizeram naturalizar Filhos do Céu.